Portabilidade indevida da linha telefônica: essencialidade do serviço e responsabilidade objetiva das operadoras


18/10/2021 às 15h20
Por Beatriz Cristina Barbieri Büerger

Procedimento de Portabilidade

A Resolução nº 460/07 da Anatel, que disciplina o procedimento de portabilidade.

 

De acordo com o seu art. 32, inciso I, a portabilidade deve ocorrer quando houver “solicitação do serviço pelo usuário”.

 

E, conforme consta no art. 47, ao solicitar a portabilidade, o usuário deve informar uma série de dados, elencados nos incisos, para a “prestadora receptora”, tais como: nome completo (I), número do documento de identidade (II), endereço completo (IV), código de acesso (V) e nome da prestadora doadora (VI).

 

Em posse de tais dados, inicia-se o processo de autenticação, em que a prestadora doadora terá 1 (um) dia útil para “conferência e confirmação dos dados do usuário” (art. 49, § 2º).

 

Após a autenticação, há a “habilitação do usuário e o procedimento de ativação e desativação”, sendo que “a habilitação na prestadora receptora deve ser feita presencialmente, ou utilizando outros métodos seguros de identificação, mediante apresentação de documentos que comprovem os dados informados quando da solicitação de portabilidade” (§ 3º do art. 50).

 

Após todas essas fases de verificação, é que será possível a conclusão do processo de portabilidade da linha telefônica. Inclusive, prevê o art. 51 as hipóteses em que pode ser recusada a portabilidade, sendo que, para o presente caso, deve ser destacada a previsão do inciso I: “dados enviados incorretos ou incompletos”.

 

Deste modo, se o procedimento não tiver ocorrido, ou tiver ocorrido sem a autorização do titular, trata-se de uma portabilidade indevida.

 

Da Inversão do Ônus da Prova - Aplicação do CDC

 

Incontroversa a relação de consumo entre as partes (arts. 2º e 3º do CDC), sendo assim, necessária a inversão do ônus da prova, com fulcro no Art. 6º, VIII do mesmo dispositivo.

 

Desta forma, pertinente é a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e a inversão do ônus da prova, nos termos dos arts. 6º, VIII do CDC, sendo antecipado o provimento jurisdicional em razão das evidências aqui deduzidas no sentido de a operadora ser intimada para anexar aos autos a documentação relativa ao objeto da lide, tais como contrato de prestação de serviço, protocolos, e todo o conjunto que corrobore a relação entre as partes, sob pena da defesa dos interesses autorais restarem prejudicados.

 

Da Essencialidade do Serviço de Telecomunicações

 

O direito de acesso livre e desimpedido aos serviços de telecomunicações ao cidadão é reconhecido pelo ordenamento jurídico nacional, conforme a Lei nº 9.472/97, que assim preceitua:

Art. 2º O Poder Público tem o dever de: I - garantir, a toda a população, o acesso às telecomunicações, a tarifas e preços razoáveis, em condições adequadas;

[...] Art. 3º O usuário de serviços de telecomunicações tem direito: I - de acesso aos serviços de telecomunicações, com padrões de qualidade e regularidade adequados à sua natureza, em qualquer ponto do território nacional;

 

Por sua relevância, os serviços prestados pelas operadoras de telefonia móvel são, expressamente, considerados essenciais, conforme dispõe a Lei nº 7.783/89, que prevê:

Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais: [...] VII - telecomunicações;

 

Assim, na condição de cessionária do serviço público essencial de telecomunicações, a operadora de telefonia, ora Requerida, além de atender às normas do CDC, deve também respeitar as normas da legislação que disciplina o regime de concessões, em geral, e o de telecomunicações, em particular.

 

Desse modo, a Lei nº 8.987/95, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão de prestação de serviços públicos previstos no art. 175 da Constituição Federal, traz os seguintes dispositivos:

Art. 6º - Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.

§ 1º - Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.

[...] Art. 7º - Sem prejuízo do disposto na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, são direitos e obrigações dos usuários:

I - receber serviço adequado;

Por seu turno, a Lei nº 9.472/97 que, dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, determinando:

Art. 3º - O usuário de serviços de telecomunicações tem direito: I - de acesso aos serviços de telecomunicações, com padrões de qualidade e regularidade adequados à sua natureza, em qualquer ponto do território nacional;

[...] Art.12777 - A disciplina da exploração dos serviços no regime privado terá por objetivo viabilizar o cumprimento das leis, em especial das relativas às telecomunicações, à ordem econômica e aos direitos dos consumidores, destinando-se a garantir: [...] III - o respeito aos direitos dos usuários;

 

Em vista disso, enquanto fornecedora de serviços públicos, a Ré submete-se às normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, previstos na Lei nº 8.078/90, que em seu art. 22 traz preceito específico aplicável às concessionárias de serviços públicos, estabelecendo que: “Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigadas a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos”.

 

Dessa forma, a adequação, regularidade, continuidade, eficiência, generalidade, cortesia na sua prestação e respeito aos direitos dos usuários, são dispositivos legais transcritos como regras de direito material que, ao impor tais requisitos, convergem para criar uma expectativa de qualidade em relação aos serviços prestados pela parte Ré.

 

Por outro lado, a inadequação, irregularidade, descontinuidade, ineficiência e o desrespeito aos direitos do usuário que, infelizmente vêm caracterizando a atuação da Requerida, implicam em descumprimento da lei, e, por isso, projetam consequências jurídicas.

 

Logo, as prescrições legais até aqui transcritas são comandos imperativos que, quando obedecidos, sujeitam a concessionária fornecedora à responsabilização pelos danos decorrentes.

 

Da Responsabilidade Objetiva

 

De acordo com o código consumerista, o fornecedor de produtos ou serviços possui responsabilidade objetiva (artigos 12 e 14), ou seja, deve responder por prejuízos causados a terceiros independentemente da existência de culpa.

 

Corrobora-se com o dispositivo legal o entendimento adotado pelo Egrégio Tribunal de Justiça Catarinense:

 

RESPONSABILIDADE CIVIL - APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - TELEFONIA - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - PORTABILIDADE EFETIVADA SEM O CONSENTIMENTO DO CONSUMIDOR - SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DA PRETENSÃO - TESE DE IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO DO COMANDO JUDICIAL (RESTABELECIMENTO DOS ACESSOS NUMÉRICOS COM A ANTIGA OPERADORA) AFASTADA - DANO MORAL CONFIGURADO - DEVER DE INDENIZAR INARREDÁVEL - QUANTUM INDENIZATÓRIO - MANUTENÇÃO DO IMPORTE ARBITRADO PELO JUÍZO A QUO - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - IMPROPRIEDADE - RECURSO DESPROVIDO (TJSC, Apelação Cível n. 2012.010862-6, de Capivari de Baixo, rel. Des. Rodrigo Collaço, Quarta Câmara de Direito Público, j. 26-04-2012).

 

Do Dano Moral

 

Comprovado que a portabilidade realizada no número celular do titular foi feita sem solicitação, o que lhe acarretou transtornos de grande ordem, que ultrapassam meros dissabores, devendo ser mantido o dever de indenizar por danos morais.

 

Neste contexto, elucida Flávio Tartuce:

“A melhor corrente categórica é aquela que conceitua os danos morais como lesão a direitos da personalidade, sendo essa a visão que prevalece na doutrina brasileira. Alerte-se que para a sua reparação não se requer a determinação de um preço para a dor ou o sofrimento, mas sim um meio para atenuar, em parte, as consequências do prejuízo imaterial, o que traz o conceito de lenitivo, derivativo ou sucedâneo. Por isso é que se utiliza a expressão reparação e não ressarcimento para os danos morais."(TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único / Flávio Tartuce. 2. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2012. pg. 453.)

 

Isto porque, é inaceitável para o consumidor não ter o seu problema solucionado, mesmo após tentativas amigáveis extrajudiciais.

 

Responde o réu, independentemente de culpa, nos termos dos arts. 18 a 20, do CDC, pela reparação dos danos causados a seus clientes pelos vícios dos produtos expostos à venda.

 

Em relação ao quantum da indenização por danos morais sofridos pelo autor, cabe dizer que não representa um ressarcimento, no sentido rigoroso do termo, e sim uma compensação ou satisfação simbólica.

 

Este é o entendimento adotado pelo Egrégio Tribunal de Justiça Catarinense, em caso análogo, extrai-se:

 

RECURSO INOMINADO. TELEFONIA MÓVEL. PORTABILIDADE INDEVIDA. LINHA QUE FICOU SUSPENSA POR APROXIMADAMENTE 10 (DEZ) MESES. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DANO MORAL CARACTERIZADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. VALOR ARBITRADO QUE ATENDE A FUNÇÃO PEDAGÓGICA E RESSARCITÓRIA. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. (TJ-SC - RI: 03033859620188240036 Jaraguá do Sul 0303385-96.2018.8.24.0036, Relator: Marco Aurélio Ghisi Machado, Data de Julgamento: 08/06/2020, Segunda Turma Recursal)

 

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Beatriz Cristina Barbieri Büerger

Advogado - Balneário Camboriú, SC


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