INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE – POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DOS ADICIONAIS


17/03/2021 às 09h10
Por Ettore Ciciliati Spada

PALAVRAS-CHAVE

 

Meio ambiente do trabalho, saúde do trabalhador, cumulação de adicionais de insalubridade e periculosidade.

 

1. Introdução

 

              A discussão acerca da possibilidade de cumulação de adicionais de insalubridade e periculosidade é oriunda da interpretação que deve ser feita do artigo 193, § 2º da CLT, que dispõe sobre ter o trabalhador apenas o direito de optar pelo pagamento de um dos adicionais quando estiver o mesmo exposto à  incidências dos dois.

              Conforme será demonstrado, o referido dispositivo legal deve ser interpretado à luz dos princípios constitucionais e internacionais para que haja uma maior proteção à saúde e segurança do trabalhador.

 

2. Proteção ao Meio Ambiente do Trabalho

 

              Proteger o meio ambiente do trabalho significa proteção à saúde dos trabalhadores. Mais do que isso, proteger o meio ambiente de trabalho significa proteger o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, em razão de esse direito ser indissociável da própria pessoa humana.

 

              Por este motivo, a saúde do trabalhador é um direito fundamental, protegido constitucionalmente (arts. 6º e 196 a 200), sendo portanto, inalienável, irrenunciável e imprescritível.

 

              Legalmente, o meio ambientefoi definido pela Lei nº 6.938/91, artigo 3º, inciso I, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente – o qual prescreve que "meio ambiente é o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas".

              A definição é vasta, e coaduna perfeitamente com o texto Constitucional descrito no artigo 225, cujo teor concede tutela ao meio ambiente compreendido pela doutrina pátria como natural, artificial, cultural e do trabalho, conferindo a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

 

              As condições laborais influenciam na qualidade de vida do trabalhador e está diretamente relacionada à sua saúde, pois é no ambiente laboral que passa a maioria do tempo de sua existência e, por causa disso, é necessário dispor de umsistema constitucional que garanta direitos a essa parcela da sociedade.

              Neste diapasão temos, portanto, que as normas de proteção ao meio ambiente, nas quais são incluídos os princípios do Direito Ambiental, também são aplicáveis ao Direito do Trabalho. Deste modo, é no caso concreto que o operador do Direito deverá analisar se as situações em que se encontram os trabalhadores,nos ambientes de trabalho, comprometem ou não a dignidade deles. O operador do Direito deve perquirir, nos casos concretos, se os trabalhadores estão expostos a riscos que podem comprometer a suas saúdes bem como a suas vidas.

 

3. Trabalho insalubre e perigoso

 

              Em nosso ordenamento jurídico atual, temos que as normas jurídicas que tratam sobre a insalubridade e a periculosidade são: A Constituição Federal, a CLT, as Normas Regulamentares (NR 15 e NR 16), além das convenções da OIT ratificadas.

 

              O artigo 189 da CLT define como sendo atividades insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agente nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos.

              Já a NR 15 apresenta os critérios de caracterização da insalubridade, a classificação dos agentes nocivos, os limites de tolerância e o tempo máximo de exposição do empregado a esses agentes.

 

              Quanto à constatação da insalubridade é importante destacar o disposto na Súmula 448, I do TST: “Não basta a constatação da insalubridade por meio de laudo pericial para que o empregado tenha direito ao respectivo adicional, sendo necessária a classificação da atividade insalubre na relação oficial elaborada pelo Ministério do Trabalho”.

 

              Vale destacar também que em consonância com o artigo 192 da CLT, o exercício de trabalho em condições insalubres, acima dos limites permitidos, assegura a percepção de adicional respectivamente de 40% (quarenta por cento), 20% (vinte por cento) e 10% (dez por cento) do salário-mínimo, segundo se classifiquem nos graus máximo, médio e mínimo.

 

              Já em relação às atividades perigosas, temos sua definição dada pelo artigo 193 da CLT, nos seguintes termos:

 

              “Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a: (Redação dada pela Lei nº 12.740, de 2012)

              I - inflamáveis, explosivos ou energia elétrica;

              II - roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial.

 

              § 4o São também consideradas perigosas as atividades de trabalhador em motocicleta.”

 

              Importante destacarmos também segundo a OJ 345 do SBDI – I do TST dispõe que:“A exposição do empregado à radiação ionizante ou à substância radioativa enseja a percepção do adicional de periculosidade”.

 

              Quanto ao adicional de periculosidade, segundo o § 1º do artigo 193 da CLT temos que o trabalho em condições perigosas asseguram ao empregado um adicional de 30% sobre o seu salário base.

 

4. Possibilidade de cumular o pagamento dos adicionais de insalubridade e periculosidade

 

 

              O pagamento dos adicionais de insalubridade visa compensar o trabalhador pelos danos causados à sua saúde pelo contato paulatino com os respectivos agentes agressivos, enquanto que o adicional de periculosidade tem por fim compensá-lo pelo risco iminente à sua vida, pelo contato com o agente perigoso. O fato gerador deste último adicional é o risco.

 

              O artigo 7º, inciso XXIII da Constituição Federal assegurou, aos trabalhadores urbanos e rurais, dentre outros direitos, “adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei”. No entanto, apesar desta disposição constitucional, o § 2º do artigo 193 da CLT afastou o direito do empregado de receber, simultaneamente, os adicionais de insalubridade e periculosidade quando lhe for devido, restringindo o direito à opção por um deles.

 

              No mesmo sentido, a Norma Regulamentadora n. 15, ao regulamentar as atividades e operações insalubres também vedou o direito ao recebimento de adicionais de insalubridade, cumulativamente, quando o trabalhador estiver submetido a agentes insalubres diversos.

 

              Por conta dessa dicção legal não muito clara, parte majoritária da doutrina e da jurisprudência vem entendendo que o trabalhador não tem direito aos dois adicionais, de insalubridade e de periculosidade, mesmo trabalhando em contato com ambos os agentes insalubres e perigosos.

 

              Todavia, a questão merece reflexão. É que os dois adicionais têm natureza diversa, com consequências também diversas para a integridade física e a saúde do trabalhador. Ademais, decorre de princípio constitucional que a todo agravo deve corresponder uma reparação (inciso V do artigo 5º da Constituição Federal).

 

              Enquanto o adicional de insalubridade visa compensar o trabalhador pelos danos causados à sua saúde pelo contato paulatino com os respectivos agentes agressivos, o adicional de periculosidade destina-se à compensação pelo risco iminente à vida do obreiro que se ativa em contato com o agente perigoso.

 

              Importante esclarecer que a natureza jurídica do adicional de insalubridade é distinta do adicional de periculosidade.  O adicional de insalubridade tem por fim “indenizar” o trabalhador pelos males causados à sua saúde pelo contato continuado com os respectivos agentes agressivos ao organismo humano, os quais provocam doenças no ser humano, de menor ou maior gravidade, de acordo com o tempo de exposição e fragilidade maior ou menor do organismo de cada trabalhador. Diferentemente ocorre com a periculosidade, cujo adicional é devido simplesmente pelo risco/perigo potencial da ocorrência de acidente de trabalho. O empregado pode trabalhar a vida inteira em contato com agente perigoso e não sofrer acidente algum, mas pode, no primeiro dia de trabalho, ter a vida ceifada pelo contato com um agente periculoso, por exemplo, um choque elétrico.

 

              É nestemesmo sentido que o TST, em 17.6.2016, admitiu a possibilidade de se cumular o pagamento dos adicionais de insalubridade e periculosidade quando os agentes forem e autônomos entre si. Vejamos a decisão:

 

              “ADICIONAIS. PERICULOSIDADE E INSALUBRIDADE. PERCEPÇÃO CUMULATIVA. ART. 193, § 2º, DA CLT. ALCANCE

 

              1. No Direito brasileiro, as normas de proteção ao empregado pelo labor prestado em condições mais gravosas à saúde e à segurança deverão pautar-se sempre nos preceitos insculpidos no art. 7º, incisos XXII e XXIII, da Constituição Federal: de um lado, a partir do estabelecimento de um meio ambiente do trabalho equilibrado; de outro lado, mediante retribuição pecuniária com vistas a "compensar" os efeitos nocivos decorrentes da incontornável necessidade de exposição do empregado, em determinadas atividades, a agentes nocivos à sua saúde e segurança.

 

              2. No plano infraconstitucional, o art. 193 da CLT, ao dispor sobre o direito à percepção de adicional de periculosidade, assegura ao empregado a opção pelo adicional de insalubridade porventura devido (§ 2º do art. 193 da CLT).

 

              3. A opção a que alude o art. 193, § 2º, da CLT não conflita com a norma do art. 7º, XXII, da Constituição Federal. Os preceitos da CLT e da Constituição, nesse ponto, disciplinam aspectos distintos do labor prestado em condições mais gravosas: enquanto o art. 193, § 2º, da CLT regula o adicional de salário devido ao empregado em decorrência de exposição a agente nocivo, o inciso XXII do art. 7º impõe ao empregador a redução dos agentes nocivos no meio ambiente de trabalho. O inciso XXIII, a seu turno, cinge-se a enunciar o direito a adicional "de remuneração" para as atividades penosas, insalubres e perigosas e atribui ao legislador ordinário a competência para fixar os requisitos que geram direito ao respectivo adicional.

 

              4. Igualmente não se divisa descompasso entre a legislação brasileira e as normas internacionais de proteção ao trabalho. As Convenções nos 148 e 155 da OIT, em especial, não contêm qualquer norma explícita em que se assegure a percepção cumulativa dos adicionais de periculosidade e de insalubridade em decorrência da exposição do empregado a uma pluralidade de agentes de risco distintos. Não há, pois, em tais normas internacionais preceito em contraposição ao § 2º do art. 193 da CLT.

 

              5. Entretanto, interpretação teleológica, afinada ao texto constitucional, da norma inscrita no art. 193, § 2º, da CLT, conduz à conclusão de que a opção franqueada ao empregado, em relação à percepção de um ou de outro adicional, somente faz sentido se se partir do pressuposto de que o direito, em tese, ao pagamento dos adicionais de insalubridade e de periculosidade deriva de uma única causa de pedir.

 

              6. Solução diversa impõe-se se se postula o pagamento dos adicionais de insalubridade e de periculosidade, concomitantemente, com fundamento em causas de pedir distintas. Uma vez caracterizadas e classificadas as atividades, individualmente consideradas, como insalubre e perigosa, nos termos do art. 195 da CLT, é inarredável a observância das normas que asseguram ao empregado o pagamento cumulativo dos respectivos adicionais - arts. 192 e 193, § 1º, da CLT. Trata-se de entendimento consentâneo com o art. 7º, XXIII, da Constituição Federal de 1988. Do contrário, emprestar-se-ia tratamento igual a empregados submetidos a condições gravosas distintas: o empregado submetido a um único agente nocivo, ainda que caracterizador de insalubridade e também de periculosidade, mereceria o mesmo tratamento dispensado ao empregado submetido a dois ou mais agentes nocivos, díspares e autônomos, cada qual em si suficiente para gerar um adicional. Assim, se presentes os agentes insalubre e de risco, simultaneamente, cada qual amparado em um fato gerador diferenciado e autônomo, em tese há direito à percepção cumulativa de ambos os adicionais” (TST - E-ARR - 1081-60.2012.5.03.0064, SBDI-1, Relator Ministro: João Orestes Dalazen).

              Apesar de esta decisão ter sido favorável no sentido de reconhecer a possibilidade de cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade, em verdade, atualmente esta é a posição minoritária, tanto por parte da doutrinaquanto por parte da jurisprudência. Isso porque o próprio TST em outro julgamento (TST – E-RR – 1072.72.2011.5.02.0384) voltou a decidir pela não acumulação do pagamento dos adicionais.

 

              Embora o entendimento majoritário seja no sentido de não permitir a cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade, há uma corrente de juristas que entendem não ter sido recepcionada o § 2º do art. 193 da CLT, pela Constituição Federal, uma vez que ao assegurar o direito aos adicionais de insalubridade, periculosidade e penosidade, no inciso XXIII, do art. 7º, não houve vedação do pagamento cumulativo entre eles.

 

              Importante destacar também que parte da jurisprudência que é favorável a permissão de cumular os adicionais de insalubridade e periculosidade, sustentam que os tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil gozam de hierarquia supralegal e por esta razão devem prevalecer sobre àquelas constantes do parágrafo 2º, do art. 193 da CLT e do item 15.3 da NR-15. Vejamos o seguinte julgado do TRT da 2ª Região:

 

              “CUMULAÇÃO DOS ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE. POSSIBILIDADE. Importante observar que os tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil gozam de hierarquia supralegal. As disposições contidas na Convenção n. 155 da OIT, aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo n. 2, de 17.03.92, ratificada em 18.05.92 e promulgada pelo Decreto n. 1.254, de 29.09.94, devem prevalecer sobre àquelas constantes do parágrafo 2º, do art. 193 da CLT e do item 15.3 da NR-15. A norma constitucional, quando tratou do "adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas", não estabeleceu qualquer impedimento à sua cumulação, até porque os adicionais são devidos por causas e com fundamentos absolutamente diversos. A impossibilidade de percepção cumulada dos adicionais de periculosidade e insalubridade constante do parágrafo 2º, do art. 193 da CLT e do item 15.3 da NR-15 não se mostra compatível com as normas constitucionais mencionadas, notadamente ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao direito à redução dos riscos inerentes ao trabalho e ao meio ambiente laboral saudável.” (TRT-2 - RO: 00022934620125020064 SP 00022934620125020064 A28, Relator: IVETE RIBEIRO, Data de Julgamento: 19/05/2015, 4ª TURMA, Data de Publicação: 29/05/2015).

 

5. Considerações finais

 

              Levando em consideração a relevância do meio ambiente de trabalho para a saúde do trabalhador, que tem direito à ter um local de labor saudável e seguro, é imprescindível que sejam exigidas condutas diferentes aos empregadores.

             

              Em primeiro lugar, constatado que o trabalhador encontra-se em risco, estando exposto tanto à agentes insalubridades quanto também à agente perigosos, deve o empregador desempenhar esforços para neutralizar todos os riscos. Caso não seja possível, que ao menos seja feita a remuneração dos adicionais cumulativamente aos trabalhadores expostos a estas nocividades.

             

              Vale lembrar aqui que proteger o meio ambiente do trabalho significa proteção à saúde dos trabalhadores. Significa proteger o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, previsto constitucionalmente.

  • Meio ambiente do trabalho, saúde do trabalhador, c

Referências

 

BARRETO, Rafael. Direito humanos. 1. Ed. Rio de Janeiro: Impetu, 2012.

BUCK, Regina Célia. Cumulatividade dos adicionais de insalubridade e periculosidade. 2. ed. São Paulo: LTr, 2015.

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Meio ambiente do trabalho: direito, segurança e medicina do trabalho. 4. Ed. São Paulo: Método, 2014.

SILVA, José Antônio Ribeiro de Oliveira. Saúde do trabalhador como um direito humano. In: Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 31, jul./dez. 2007.


Ettore Ciciliati Spada

Advogado - Paulínia, SP


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