A REIFICAÇÃO DO SER HUMANO NO AMBIENTE DE TRABALHO PELOS CONTRATOS DE TERCEIRIZAÇÃO


05/08/2019 às 13h09
Por Ana Fernandes Advocacia

A REIFICAÇÃO DO SER HUMANO NO AMBIENTE DE TRABALHO PELOS CONTRATOS DE TERCEIRIZAÇÃO

 

 

Ana Paula Fernandes da Silva[1]

 

Resumo: O presente ensaio científico irá abordar a reificação do ser humano, enquanto trabalhador, pelos contratos de terceirização ilícitas, bem como as consequências da exploração de mão de obra por estes contratos. Verifica-se que resta aos trabalhadores vender sua força de trabalho, sujeitando-se, assim, as condições dispostas pelo mercado, pelo capital, havendo dificuldades na defesa de seus direitos, eis que por vezes os sindicatos representativos desconhecem a vontade de seus associados.

Palavras chaves: terceirização. reificação do ser humano. Educação e representação.

 

Muito se discutiu recentemente sobre os contratos de terceirização, principalmente em decorrência das alterações legislativas ocorridas. Segundo o ordenamento jurídico vigente, temos que a terceirização, anteriormente limitada às atividades meio das empresas, hoje pode ser estendida a todas as funções, sejam ligadas a atividade meio ou fim.

A título de ilustração, o contrato de terceirização envolve um terceiro na relação de emprego, comumente estabelecida somente entre empregado e empregador, esta não se finda, entretanto, inclui-se o tomador do serviço, que é aquele para quem o empregado irá prestar o serviço. A atividade fim do empregador num contrato de terceirização lícita é a prestação de um determinado serviço e/ou o fornecimento de produtos, sendo na terceirização ilícita a própria força de trabalho do empregado que é cedido a terceiro, o tomador do serviço.

Verifica-se, pois, que o empregado é objeto de negociação entre empregador e tomador do serviço, não há produção de produtos, mas tão somente a negociação e comercialização da força de trabalho do empregado. Diante da narrativa acima, chegamos à conclusão de que são duas pessoas (empregador e tomador) explorando a prestação de serviço de um empregado. O empregador na terceirização tem como lucro a diferença entre o valor recebido do tomador e aquele repassado ao empregado.

Este tipo de contrato que vem ascendendo no mercado visa atender as ânsias do capitalismo hegemônico, atendendo a busca cada vez maior pelo lucro daqueles que detêm falsamente maior capacidade de obtê-lo.

Temos altas taxas de produção, grandes ofertas de produtos e serviços no mercado, aliada ao incentivo midiático de consumo cada vez mais desenfreado. Com a influência da mídia em todos os campos da vida em sociedade, estabelecendo o modo de se viver, aquilo que deve ser consumido e o descarte daquilo que não te satisfaz mais, verificamos verdadeiro desastre na psiquê do indivíduo, que se vê como único responsável pelo seu insucesso social nos moldes estabelecidos pelo mercado.

Neste sentido, desresponsabiliza-se a sociedade, enquanto comunidade, e as condições sociais do indivíduo, tais como acesso à educação, saúde, esporte e condições de lazer e cultura, responsabilizando unicamente a pessoa do trabalhador por eventual insucesso.

Com a redução do trabalhador a condição de produto, mercadoria, sendo uma verdadeira coisa e objeto na relação de trabalho, falsamente tratado como colaborador, vemos inúmeros casos de doenças ocupacionais, entendidas estas como ocorridas no exercício do trabalho ou em decorrência deste, ascendendo aquelas ligadas ao emocional, tais como depressão, síndrome do pânico, entre outras, decorrendo estas principalmente por situações de assédio moral.

Para auxílio nas relações de trabalho estabelecidas, surgiram os sindicatos dos trabalhadores, divididos por categorias, cujo objetivo seria defender e auxiliar no interesse dos trabalhadores nele enquadrados em dada base territorial.

Conquanto o objetivo dos sindicatos, ocorreram diversas distorções, tais como, influências externas e pressão por parte do detentor do poder econômico, que por vezes ditam as regras que regerão os contratos de trabalho. Sob este ponto de vista, enquadramos a crítica do autor Felix Guattari (1981) no texto Micropolítica do Fascismo, quanto ao sistema coletivo de representação das massas ocorridas pelo partido neomarxista.

Referido entendimento assemelha-se ao modo de pensamento sociológico que procede a coisificação dos objetos sociais e o desconhecimento do desejo e a criatividade das massas.

Alinhamos nosso pensamento ao autor acima mencionado (Guattari, 1981), no sentido de que o atual sistema de representação dos trabalhadores é impotente, não exercendo seu múnus representativo, principalmente por desconhecer os interesses e desejos daqueles que representam, ou, os conhecendo, não dão sentido e força a estes, pois não são de interesse do capital.

A forma de exploração das relações de trabalho atual por vezes deixa de lado a segurança anunciada pela Constituição Federal quanto aos direitos sociais, desincumbindo o Estado, do fundamento anunciado nesta, quanto aos valores sociais do trabalho (CF, art. 1, IV). É o que vem ocorrendo em massa no atual governo, com reformas inconstitucionais e temerárias, privatizações e outros.

Verifica-se, pois, que há gigante disparidade entre empregado e empregador, justificada diante das condições sociais de desenvolvimento e construção dos saberes.

O empregador, enquanto detentor do poder econômico dita as regras da prestação de serviço, o empregado, detentor da força de trabalho, a vende e sujeita-se as regras pré-estabelecidas. Este não possui condições de exigir condições melhores, sejam econômicas ou estruturais, e referido fato por vezes se dá pela ausência de saber, ou tendo-o ao medo de usá-lo, havendo uma repressão velada nas situações econômicas de capital.

Diante do quadro estabelecido, temos que a educação, além de jargões como “só a educação resolve” e outros, é sim o principal incrementador de mudanças. A educação promove o encontro do sujeito com a cultura (Larrosa, 2004). Sendo necessária maior atenção a educação na primeira infância, no espaço de formação do caráter do sujeito (Adorno, 1995). Uma educação que incentiva a criança a ter um conhecimento crítico e solidário é a base para o desenvolvimento de uma sociedade literalmente melhor, formada por cidadãos conscientes de seu papel social.

Cientes de seu papel social e com espírito crítico, o homem ultrapassa a linha do fazer, tendo subsídio para discorrer e questionar o como se faz, passa-se do ser prático, componente da máquina no meio produtivo, para o ser pensante, que participa efetivamente do processo produção, na construção deste.

Acredita-se que a partir da participação efetiva do homem na sociedade e nos meios produtivos, como ser pensante que é, com o desenvolvimento de habilidades e conhecimentos, se alteraria toda face capitalista presente, uma vez que seria incorporado e vivido de forma real o sentido de colaboração.

Colaboração esta, não vista apenas como roupagem que se dá na tentativa de ficar melhor visualizada as mazelas do setor produtivo atual, mas no sentido original da palavra, derivada do latim, que significa trabalhar junto.

Verifica-se, pois, que colaborar, em sua gênese acima mencionada, traz o sentido de todos trabalhando no mesmo sentido, e não de um explorando o outro, sendo objeto e fonte de lucro. Neste sentido, a exploração do trabalhador, seu tratamento como objeto e fonte super-explorável de lucro pode levar seu adoecimento, pois quem o explora é seu semelhante.

Posto isto, o estudo do liame entre trabalho, educação e saúde, não é somente alternativa ao estudo científico disciplinar, mas instrumento necessário à demonstração das relações precarizadas de trabalho que são impostas pelo capital e defendidas pela mídia e pela política como melhoria de condições aos trabalhadores e alternativa as miserabilidades causadas pelo capital.

 

[1] Advogada, especialista em Direito do Trabalho, Sócia do Escritório Jenner, Fernandes e Silva, mestranda em Desenvolvimento, Tecnologias e Sociedade pela UNIFEI.


    Referências

    ADORNO, Theodor. Educação após Auschwitz. In: ________. Educação e emancipação. Trad. de Wolfgang Leo Maar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.

    BRASIL. Lei 13.429/17. Altera dispositivos da Lei no 6.019, Brasília, DF, mar 2017.

    BRASIL. lei nº 13.467/17. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), DF, jul 2017.

    GUATTARI, Félix. Revolução molecular: pulsações políticas do desejo. Trad. de Suely Belinha Rolnik. São Paulo: Brasiliense, 1981.

    LARROSA, Jorge. Sobre a lição - ou do ensinar e aprender na amizade e na liberdade. In Larrosa, Jorge. Pedagogia Profana- danças, piruetas e mascaradas. Belo Horizonte: Autêntica, 2001, pág. 139-146.


    Ana Fernandes Advocacia

    Advogado - Itajubá, MG


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