Modelos de justiça negociada no âmbito do Processo Penal nos Estados Unidos da América, Inglaterra, França e Alemanha


31/07/2019 às 12h40
Por Laíla Figueirêdo

1. INTRODUÇÃO

O Poder Judiciário vive uma crise no tocante a sua real capacidade em atender de forma efetiva as demandas, em especial, criminais que lhes são apresentadas. Isto porque o sistema está baseado em um princípio binário, que foge à realidade atual da sociedade. Faz-se necessária a construção de algo novo onde se possa, consensualmente, promover a comunicação pacífica entre as partes conflitantes e, consequentemente, desafogue o Judiciário.

O presente trabalho tem o objetivo de mostrar, de forma objetiva e sem a pretensão de esgotar a matéria, os modelos de justiça criminal negociada em alguns países, como os Estados Unidos da América, Inglaterra, França e Alemanha. Estados que possuem sistemas jurídicos diversos, divididos entre o Common Law e Civil Law.

Como medida despenalizadora, o modelo de justiça penal consensual foi sendo difundido nos mais diversos sistemas jurídicos do mundo, partindo da ideia principal da eficiência na resolução dos conflitos, através da desburocratização da justiça e da informalização de procedimentos. A negociação penal tem como fim ser uma alternativa ao cumprimento de pena prisional tão criticada pela doutrina moderna.

O texto conceitua os sistemas jurídicos do Civil Law e Common Law, abordando suas principais características, semelhanças e distinções. Em seguida, faz um breve relato dos conflitos penais existentes no mundo. O trabalho, então, mostrará quais os modelos de justiça penal negociada adotada pelos Estados Unidos da América, Inglaterra, França e Alemanha. Hoje, o modelo de justiça adotado no Brasil é o retributivo. Embora ainda vigore esse modelo, o mesmo não tem mostrado resultados positivos, isto porque tanto o número de pessoas praticando crimes pela primeira vez, quanto o de reincidentes, é assustador. Assim, o trabalho mostra a possibilidade da aplicação de uma justiça restaurativa no âmbito do processo penal em nosso país.

Para a construção desse artigo científico, fez-se uso de pesquisa bibliográfica, de maneira dedutiva e indutiva, acessando outros artigos e textos publicados em sítios da internet, tendo em vista não ser o assunto abordado de maneira suficiente pelos doutrinadores brasileiros.

2. O SISTEMA JURÍDICO DO CIVIL LAW E COMMON LAW

A ordem jurídica fundamenta-se em sistemas e, no transcorrer da história, ocorreram mutações que conduziram a uma pluralidade de resultados, instituindo-se basicamente cinco correntes jurisdicionais, quais sejam o Civil Law, o Common Law, o Direito Consuetudinário, o Direito Muçulmano e o Sistema Jurídico Misto. Entre elas, destacaram-se o Civil Law e o Common Law, tendo em vista a relação existente entre a norma escrita e os costumes que vigem nas sociedades.

Para a fixação do sistema jurídico de uma determinada sociedade são fundamentais a sua cultura e a herança histórica do seu povo, pois a partir daí serão instituídas suas leis, que regularão a vida entre os povos que lá habitam.

Antes de se iniciar o estudo do Civil Law e do Common Law, é válido salientar que cada um desses sistemas possui peculiaridades que merecem relevância, independentemente do adotado pelo nosso país. Isto porque, como afirma Kátia Pedrosa (2009), atualmente é praticamente impossível um pais que adota o Civil Law, por exemplo, fazer um estudo somente do que se está sendo discutido em países do mesmo sistema, uma vez que novas demandas surgem diariamente, de forma acelerada.

Os sistemas jurídicos adotados pelos países escolhidos para a realização desse trabalho são o do Civil Law e o do Common Law.

O sistema Civil Law tem início na Idade Média, com o convívio entre os romanos e germanos, que resultou na aplicação simultânea dos ordenamentos jurídicos de ambos os povos, sob as promessas do paradigma jurídico do Estado Liberal, como forma de auxílio aos ideias que foram desfraldados pela Revolução Francesa. Nesse momento histórico, a sociedade buscava, principalmente, impedir o absolutismo, limitando o poder do Estado. Assim, surgiu a necessidade de se criar um formalismo na ordem jurídica, fixando-se normas legais que fossem incontestáveis, não cabendo o seu desvirtuamento por meio da hermenêutica interpretativa.

Destarte, o sistema do Civil Law fica caracterizado pelo fato de serem a leis sinônimos de igualdade e de liberdade, uma vez que visavam proibir que o magistrado pudesse usar da interpretação sobre a letra da lei. Para esse sistema, a legislação era clara, objetiva e completa, não abrindo espaço para interpretação, cabendo ao magistrado tão somente proceder à subsunção da norma e solucionar a lide existente.

O imperador Justiniano juntou as leis de toda a Europa e criou um código único, que a princípio ficara conhecido como “Corpus Juris Civilis” e, mais tarde, como “Civil Law”, “Roman Law” ou, ainda, “Continental Law”.

Considerado um sistema fechado, o Civil Law se apresenta como um conjunto de normas de um ordenamento jurídico, por meio de um direito elaborado por legisladores, tendo como principal fonte a lei. Por esta razão, há uma certeza relativa quanto à aplicação da norma pelo Magistrado, tendo a jurisprudência um valor secundário.

É o sistema adotado pela maior parte dos países do mundo, entre eles a França, Alemanha, Portugal e Brasil.

O Common Law é um conjunto formado por princípios e regras que derivam de decisões proferidas em juízo, o que conhecemos como jurisprudência. Essas decisões se tornam precedentes vinculantes.

A título de comparação, para que seja considerada jurisprudência a ser seguida por outros juízes, no Civil Law se faz necessária a existência de vários outros julgados no mesmo sentido. O Common Law tem origem na Inglaterra, que se desenvolveu com o direito não escrito, a partir do século XII, pelas decisões das jurisdições reais. Os costumes de um povo foram reconhecidos pelos tribunais como sendo normas de conduta, devendo os cidadãos nelas se pautar. Com isso, gerou-se o que conhecemos hoje como ‘entendimento jurisprudencial’, tendo caráter de lei. Poucos países adotam esse sistema como base legal, que valoriza a jurisprudência em detrimento das legislações, entre eles os Estados Unidos da América, o Canadá, a Austrália, entre outros. 

É importante ressaltar que no Common Law existem leis, mas o caso é analisado, prioritariamente, de acordo com outros que sejam semelhantes. A igualdade e previsibilidade são características marcantes e positivas aqui, tendo em vista futuros casos que apresentem semelhanças terem a tendência de serem julgados da mesma maneira que o anterior. Ademais, vislumbra-se nesse sistema a economia processual e a celeridade, uma vez que já existem processos anteriores com sentenças semelhantes.

É válido destacar que o Common Law também apresenta característica negativa, como a obscuridade, pois o juiz pode decidir de forma diversa do caso anterior, formando um novo precedente. Não obstante, considerando a intensa mutação social que passamos diariamente, tornado o Direito cada vez mais refém, o sistema do Civil Law tido como oficial no Brasil vem dando espaço para o do Common Law. Assim, a jurisprudência tem sido indispensável para a análise de um caso concreto.

Desde a sua colonização por Portugal, nos anos de 1500, o Brasil segue o sistema jurídico do Civil Law. Contudo, embora se conserve esse sistema, ao menos formalmente, diante das consideráveis alterações sofridas pelo Civil Law no mundo inteiro e, de forma particular, no Brasil, o sistema jurídico do Common Law vem ganhando espaço, embora timidamente, no nosso ordenamento jurídico. Isto porque o Civil Law passou a priorizar o Direito sobre as leis e a Justiça sobre o Direito.

Como consequência da forte predominância do constitucionalismo no meio jurídico-social, como por exemplo, o Common Law, os magistrados receberam o poder de controlar a lei de acordo com a Constituição. Dessa forma, deixaram de ser escravos das leis e passaram a ter o direito de interpretá-las e aplicá-las em face dos direitos reservados pela Constituição. 

Nesse diapasão, é possível notar que, no ordenamento jurídico brasileiro, o magistrado detém o poder interpretativo da norma, aproximando-se da figura do juiz do sistema jurídico do Common Law. Entretanto, distingue-se deste, pois possui uma maior autonomia no que diz respeito aos precedentes, não tendo que obedecê-los. 

Marinoni (2009, p.21) trata do assunto: 

Com efeito, se alguém perguntar a qualquer teórico do common law a respeito da natureza da função do juiz que não aplica a lei por reputá-la inconstitucional, que interpreta a lei conforme a Constituição ou que supre a omissão de uma regra processual que deveria ter sido estabelecida em virtude de um direito fundamental de natureza processual, certamente se surpreenderá. Tal atividade obviamente não significa declaração de direito e, assim, na perspectiva das doutrinas produzidas no common law, certamente revela uma atividade criadora, verdadeira criação judicial do direito. 

A possibilidade de aplicação do Common Law no Brasil tem soado como um fator jurídico-social que busca por um pensar sociológico.

3. CONFLITOS PENAIS

Os conflitos gerados no mundo têm crescido consideravelmente nos últimos anos. No âmbito da justiça penal isso é bastante notório. As mais diversas modalidades criminosas estão sendo conhecidas nas últimas décadas, em um grau de crescimento assustador. São ações criminosas cada vez mais graves e com emprego de violência. 

É o que se observa nas mídias impressas, nos telejornais, bem como na mídia eletrônica. Antes, acessávamos as redes sociais como forma de distração, entretenimento, para compartilhar coisas legais, como cultura, religião, curiosidades, experiências. Hoje, ao acessarmos tais redes nos deparamos com compartilhamentos de recortes tratando de violência, seja ela física ou psicológica; de alertas de cuidado para determinadas situações; enfim, as pessoas compartilham suas angústias, não apenas como forma de desabafo, mas tentando trocar informações sobre acontecimentos diários, com o intuito de proteção.

Se pararmos para reparar, até mesmo as telenovelas estão voltadas para esse tipo de informação. O que era para ser apenas ficção está demonstrando a realidade de uma forma diferente. Os principais temas por elas abordados são de violência doméstica, golpes milionários, violência contra homossexuais, entre outras atividades delitivas. Porque a vida real está, em linhas gerais, voltada para preocupações com a insegurança. 

A sociedade acredita que a principal causa dessa realidade é a impunidade penal. Muitos estudiosos apontam esses problemas e a dificuldade de soluções, visto que a justiça não tem acompanhado a evolução social. 

Independentemente das razões pelas quais, no fluxo de justiça criminal, crimes deixam de ser punidos, é forte, sobretudo entre especialistas, o argumento que reputa aos trâmites processuais, altamente ritualizados e burocratizados, uma das causas da impunidade. A apuração de responsabilidade penal esvai-se no tempo. O longo intervalo que percorre desde o registro policial, passando pelos procedimentos investigatórios e pelos detalhados procedimentos judiciários que contemplam o contencioso entre acusação e defesa, até a sentença decisória, parece contribuir para a indeterminação da responsabilidade. (ADORNO. Disponível em < http://www.scielo.br/pdf/ts/v19n2/a05v19n2.pdf> Acesso em 10 julho 2012).

Para termos uma justiça eficaz, é necessário um tempo razoável para a solução dos conflitos.

Conforme leciona Dahrendorf, apud Sérgio Adorno e Wânia Pasinato, 2007:

A era contemporânea está dominada pelo sentimento generalizado de medo e insegurança coletivos diante da escalada do crime e da violência. O dilema da sociedade repousa no embate entre duas forças antagônicas e opostas: as lutas em torno do contrato e dos direitos são concomitantes a um processo reverso, qual seja, a erosão da lei e da ordem, cujo principal indicador é a atual incapacidade do Estado de cuidar da segurança dos cidadãos. Um dos indicadores desse processo reverso é disseminação da impunidade, isto é, a desistência sistemática de aplicação de punição para quaisquer crimes, pouco importando sua natureza ou gravidade. (ADORNO. Disponível em Acesso em 10 julho 2012).

A melhor doutrina apresenta três formas de resolução desses conflitos, quais sejam, o modelo dissuasório clássico, o modelo ressocializador e o modelo consensual. 

O modelo dissuasório clássico acredita na resposta dada pelo Estado na sua forma insensível de punir o infrator, sendo suficiente para que este não volte a cometer novos delitos futuramente, funcionando como um bom grau de reprovabilidade e de prevenção. Nesse modelo, a pena conta com apenas uma finalidade, que é a retributiva, não havendo o interesse em eventual reparação do dano causado, ressocialização ou qualquer outro fim. A pena tem que castigar. Somente com a aplicação do Direito Penal totalmente inflexível, seria possível amenizar a criminalidade existente na sociedade. O modelo ressocializador, diferentemente do dissuasório clássico, enxerga a pena como um meio de ressocializar o delinquente. A ideia era de que o Direito Penal poderia interpor sua autoridade na vida do criminoso a fim de recolocálo no âmbito social, após um trabalho eficaz de progresso pessoal, inclusive estando privado de sua liberdade.

Por fim, o modelo consensual de justiça penal, que tem como base o acordo, a negociação (“plea bargainin”), a transação, a mediação, a conciliação ou o consenso. 

É válido salientar que o modelo consensual possui uma subdivisão, apresentando dois outros modelos, quais sejam o pacificador e o da justiça penal negociada. O modelo consensual, também conhecido como restaurativo, tem como objetivo, em linhas gerais, pacificar o conflito existente entre os litigantes, bem como perante o meio social, com a devida reparação dos danos causados à vítima, a manutenção da paz social, entre outros não menos importantes.

Já o modelo da justiça penal negociada está fundado na confissão por parte do infrator, assumindo este sua culpabilidade na prática do delito. Aqui, ocorre um acordo com relação às consequências penais da questão, como a dosagem da pena, a eventual perda de bens, a reparação de danos à vítima, a forma pela qual a pena será executada, etc. É o modelo conhecido como “plea bargaining”. 

No Brasil, ante o atual contexto social, não mais se justifica o modelo retributivo e individualista de soluções de conflitos penais aplicado. O grande fluxo de litígios que decorre de uma sociedade moderna exige novas formas de resoluções para essas lides. 

A respeito dessa questão, ensina de maneira brilhante, Isabele Jacob Morgado: 

Atualmente, o sistema de solução de conflito em vigor é o processualjurisdicional, que nada mais é do que a solução proferida e imposta pelo Estado, por meio do Poder Judiciário, respeitado o devido processo legal. A finalidade máxima desse Poder Estatal jurisdicional é a pacificação social que, todavia, só é eficaz se realizada com justiça. Isso porque não interessa para a sociedade um sistema processual que não permita o amplo acesso de todos a uma solução justa. Assim, o poder jurisdicional do Estado só tem razão de existir quando é capaz de garantir o processo justo e eficaz (MORGADO, 1998, p. 42). 

O objetivo desses meios de resolução de conflitos é buscar desafogar as varas criminais e dar uma maior solução às lides. No modelo de justiça restaurativa, a vítima figura como parte principal do processo. A ideia é que a sociedade e o ofendido se satisfaçam, bem como que os infratores restaurem os danos causados pela prática do crime e assumam a responsabilidade pelo fato, buscando a reconciliação com o ofendido. Dessa forma, não se tem apenas um Estado punindo o transgressor da norma penal e esquecendo-se das necessidades outras que, muitas vezes, tem a vítima

4. ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA 

4.1 JUSTIÇA PENAL NEGOCIADA NOS E.U.A. 

A solução alternativa de conflitos penais, também conhecida como “Justiça Penal Negociada”, comina uma modalidade diferente no tratamento do injusto penal, participando da negociação parcial e regulada o infrator, a vítima e a sociedade, através de seus representantes. 

O modelo de justiça penal negociada adotado nos Estados Unidos da América é o “plea bargaining”, também chamado de “negociação de declaração de culpa”, filiado à tradição do Common Law. É o sistema pelo qual o magistrado cria ou aperfeiçoa o direito. Aqui, o delinquente será julgado com base nas decisões adotadas em casos anteriores que sejam semelhantes. Isto é, o caso concreto é analisado, prioritariamente, com fundamento em precedentes, diferentemente do que ocorre em sistemas que adotam o Civil Law, que utilizam embasamentos em diplomas legais que tratem da questão específica. Em não havendo precedentes, pode o magistrado criar o direito. 

Nesse modelo norte-americano, é dada ao acusado a oportunidade de negociar a sua culpa, com a parte que lhe acusa, acompanhado de seu defensor. Essa oportunidade é fundada na confiança de que o acusado usará da sinceridade e falará a verdade. Com isso, seu processo será rápido, eficiente e sua pena será branda, na medida do possível. É válido destacar que a questão de documentação não é tão relevante, facilitando, assim, o processamento e, consequentemente, concluindo em menor tempo.

Mais de 90% dos delitos praticados são resolvidos por esse modelo norte-americano, permitindo a negociação com o acusado por meio de acordo sobre o tipo penal, a respectiva pena, a forma de execução, a eventual perda de bens, entre outros aspectos penais relevantes. É uma negociação aplicável a todas as espécies de delitos, inclusive, para os fatos considerados gravíssimos. O cidadão acusado, na presença de seu defensor, admite sua culpa em troca de alguma benesse, oferecida pelo representante do Ministério Público. 

Como assevera José Jorge Celestino de Deus:

A barganha permite aos réus criminais evitar o risco de condenação mais severa no julgamento da acusação original. Em casos como uma colisão de veículos, quando há um potencial de responsabilidade civil contra o réu, este pode concordar em se declarar “culpado com uma reserva civil” que essencialmente é uma confissão de culpa sem responsabilidade civil. (DEUS. Disponível em . Acesso em 04 dez. 2012)

Diferentemente do sistema brasileiro, que tudo deve ser celebrado perante um juiz de direito, o “plea bargaining” pode ser feito extraprocessualmente. 

À vítima é dado o direito de solucionar o injusto penal totalmente expropriado pelo Estado, sem um eventual interesse de outra opção que não a penal ou de questionamento das consequências do crime. Esse modelo norte-americano, influenciado pelo direito inglês, recebe várias críticas, por se tratar de negociação do delinquente com o Estado. Os críticos entendem que o papel do Estado é aplicar a pena cominada ao crime praticado pelo acusado, e não negociar com este.

5. INGLATERRA

5.1 MODELO DE JUSTIÇA PENAL NA INGLATERRA 

A Inglaterra adotou o sistema conhecido como “plea of guilty”, que possui a mesma ideia de negociação entre as partes – acusação e defesa. Tem origem inglesa e é um meio de defesa ante o juízo, onde a parte acusada faz sua declaração de culpa, ou seja, reconhece que o fato a ele imputado é verdadeiro, ao final da negociação. Em troca, o acusado recebe uma concessão, que pode ser a redução da pena imposta, por exemplo, e renunciará ao direito de ser processado perante o Tribunal do Júri. 

É importante ressaltar que a transação acontece fora do âmbito processual. Desse modo, com a declaração de culpa do indivíduo, tem-se o julgamento, sem processo algum. 

Esse modelo de justiça penal tem o objetivo de minimizar o tempo despendido na resolução de um injusto penal, procurando proporcionar uma resposta imediata para o acusado, bem como para a sociedade, deixando somente os casos mais graves e de difícil resolução para julgamento.

O “plea of guilty” em muito se assemelha ao “plea bargaining”. O doutrinador Angel Tinoco define este último instituto e destaca que se trata de uma negociação entre acusador e acusado, feita a qualquer momento, mas sempre antes da sentença. Pela qual o acusado admite ou não sua culpa. Roberto Kant ensina que tanto na Inglaterra como nos Estados Unidos a justiça consensual é um sucesso nos tribunais, muito embora não fiquem livres de resistências a este sistema de controle social, todavia tal instrumento é baseado na origem local, democrática da lei e popular, isto é, opera-se a Lei no sistema da Common Law.

6. FRANÇA 

6.1 A JUSTIÇA PENAL NEGOCIADA ADOTADA PELA FRANÇA 

Diferentemente dos Estados Unidos da América e da Inglaterra, que vivem no sistema da Common Law, a França, assim como o Brasil, vivem a tradição jurídica da “Civil Law”. Neste sistema, todos os fatos devem ser formalizados em documentos escritos para serem julgados posteriormente. É o inverso do que ocorre na Common Law, que prevalece a oralidade dos procedimentos e as decisões tomadas se transformam em jurisprudência. 

Segundo as lições de Garapon e Papadopoulos, nos países que adotam a Civil Law, o que prevalece é o que foi escrito, tendo o discurso de acusação um lugar privilegiado, uma vez que a defesa apenas pode contra-argumentar o que foi produzido pela parte acusatória. Os documentos são mais importantes do que a investigação, importando realmente aquilo que está escrito e devidamente documentado. 

Também é destaque no sistema Civil Law a existência do debate contraditório na audiência, havendo, portanto, competição entre teses diferentes, na qual uma parte ganha e a outra perde, inversamente ao que ocorre nos Estados Unidos e Inglaterra, por exemplo, onde o que se objetiva é o consenso entre as partes.

Na França, quando se está diante de um delito, o membro do Ministério Público tem a faculdade utilizar o processo penal ou impor procedimentos alternativos. Em qualquer caso que acontece, o Ministério Público pode escolher entre dar prosseguimentos ou arquivá-los – classer sans suíte. Essa faculdade de realizar uma espécie de triagem dos procedimentos dada aos membros do Parquet francês é institucionalizada. Diferentemente do que ocorre no Brasil, onde os promotores são obrigados pela lei a dar continuidade ao caso, promovendo uma ação e seguindo todos os passos conforme a legislação, não ocorre na França. Para punir o acusado com formas alternativas que não a prisão e fora de um processo judiciário, o Ministério Público dispõe de medidas outras de caráter constrangedor para tratar dos procedimentos e cidadãos que transgrediram a lei, como uma advertência combinada com obrigações legais para que o acusado seja orientado para uma estrutura social ou profissional; ou uma reparação dos danos causados à vítima, se for possível; a imposição de uma multa; estabelecer a regularização de determinada situação; e até mesmo a combinação de uma pena alternativa com a de prisão. 

Em caso de descumprimento das obrigações estabelecidas pelo promotor e novo delito, o acusado pode ser tratado como reincidente e o caso será levado ao tribunal. Se for cumprida conforme o combinado, o Parquet arquiva o caso e a pessoa fica livre da lista dos condenados pelo poder judiciário francês. 

Diferente do que ocorre no “plea bargaining”, onde os procedimentos são extrajudiciais, na França, as medidas alternativas não são, porque é de competência do promotor que demanda justiça, sendo extrajurisdicionais, ou seja, não é controlado pela jurisdição dos magistrados, e sim pelos promotores. Destarte, essa justiça negociada aumentou a carga de trabalho dos membros do Ministério Público, uma vez que eles são os responsáveis por realizar as transações, negociando as medidas a serem aplicadas aos delinquentes, bem como articular e assinar as convenções junto a instituições públicas ou associações civis que acolherão os apenados, acompanhando o cumprimento das obrigações alternativas impostas. 

No início de 2004, a França adotou o “plaider coupable”, baseado na ideia do “plea bargaining”, dos Estados Unidos. O indivíduo que seja maior de idade e que tenha cometido algum delito com pena cominada não superior a cinco anos de prisão, deve reconhecer previamente sua culpa perante o promotor. O papel do juiz é apenas de homologar ou não a decisão do acordo gerido pelo promotor.

Segundo dados, isso tem gerado uma séria de problemas relacionados à competência de cada instituição, uma vez que o magistrado exerce apenas a função de controle, enquanto o Ministério Público, que deveria atuar como representante da sociedade e fiscal da lei, tem a função de negociar, sem falar na defesa que funciona como conselheiro de seu cliente ante as possíveis alternativas, isto porque os advogados não podem participar das proposições da pena.

Algumas críticas são levantadas à esse sistema de justiça penal negociada utilizada pela França, como por exemplo com relação à confissão que é a base de tal sistema, sendo o acusado condenado não pelo que de fato fizera, mas pelo que confessou, podendo ocorrer injustiça na imposição e uma pena maior para aquele que insistiu em dizer que era inocente. No “plaider coupable”, negocia-se qual a pena mais adequada para o delito confessado. Já no “plea bargaining”, adotado pelos Estados Unidos, o processo é um direito do cidadão, sendo impulsionado pelo Estado e se analisa as possíveis versões sobre os fatos ocorridos

7. ALEMANHA 

7.1 O MODELO DE JUSTIÇA PENAL NEGOCIADA ADOTADO PELA ALEMANHA

O processo formal, na Alemanha, pode ser transformado em informal, em determinadas situações. Por exemplo, se o acusado pede desculpa pelo crime que cometeu ou indeniza a vítima, o processo é suspenso pelo Ministério Público.

Antes da queda do muro de Berlim e a unificação da Alemanha, em meados dos anos 80, houve uma relevante baixa na criminalidade com as medidas substitutivas à privação da liberdade, com a possibilidade da suspensão condicional do processo ou prestação de serviços à comunidade. Isso diminuía as chances de reincidência, segundo estudos feitos na época. 

É prioridade dos jovens delinquentes a concessão de penas alternativas. Segundo entendimento dos juízes, a prestação de serviços comunitários apresenta melhor eficácia aos infratores de baixa idade, uma vez que mostra o quão é importante o trabalho para se obter uma vida digna, a liberdade e o dinheiro necessário para sua sobrevivência. 

Na Alemanha, é notório o baixo índice de reincidência em crimes punidos com as penas alternativas, como por exemplo, os crimes contra o patrimônio. Infelizmente, no Brasil os dados não são os mesmos. 

Ao cidadão que praticou um crime contra o meio ambiente pela primeira vez, o magistrado poderá aplicar uma pena alternativa, como uma doação a determinada instituição, extinguindo-se o processo. Em crimes conhecidos como “de colarinho branco”, se o delinquente não apresentar perigo à sociedade ou de se evadir do país, estipula-se uma espécie de caução. 

8. POSSIBILIDADE DA JUSTIÇA RESTAURATIVA NO BRASIL 

O modelo de justiça restaurativa representa, para nós, uma verdadeira luz no fim do túnel, ante o elevado índice de criminalidade existente hoje no Brasil e da ofensa aos direitos humanos. 

É necessário, porém, analisar a compatibilidade jurídica entre a justiça restaurativa e o sistema jurídico brasileiro. Vale salientar que não basta fazer a análise com a nossa Carta Magna e com a legislação vigente, mas também com a diversidade de cultura do povo brasileiro e o senso de justiça existente no país. 

O modelo de justiça restaurativa é compatível com o ordenamento jurídico pátrio, embora no Direito Processual Penal brasileiro ainda haja a obrigatoriedade da ação penal pública, obedecendo ao princípio da indisponibilidade, decorrendo ambos do jus puniendi, isto é, do poder-dever que o Estado tem em punir os que praticam crimes.

Nos países que adotam o sistema do Common Law, o modelo restaurativo é mais bem recebido, uma vez que prepondera a discricionariedade do representante do Ministério Público e a disponibilidade da ação penal, segundo o princípio da oportunidade. 

Entretanto, com a entrada em vigor da Lei 9.099/95, houve uma flexibilização sobre essa obrigatoriedade, uma vez que se possibilitou a figura da suspensão condicional do processo, bem como da transação penal. 

A nossa Carta Magna de 1988 traz em seu artigo 98, inciso I, a possibilidade de conciliação em procedimento sumaríssimo, nos casos de infrações penais consideradas de menor potencial ofensivo: 

Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau; 

Nesse mesmo diploma legal há a possibilidade de instauração de procedimentos restaurativos de justiça, nos artigos 70, 72, 73 e 74, conforme se pode observar:

Art. 70. Comparecendo o autor do fato e a vítima, e não sendo possível a realização imediata da audiência preliminar, será designada data próxima, da qual ambos sairão cientes. [...]

Art. 72. Na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, o Juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade. [...]

Art. 73. A conciliação será conduzida pelo Juiz ou por conciliador sob sua orientação. Parágrafo único. Os conciliadores são auxiliares da Justiça, recrutados, na forma da lei local, preferentemente entre bacharéis em Direito, excluídos os que exerçam funções na administração da Justiça Criminal.

Art. 74. A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo Juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo civil competente. Parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação.

Estes dispositivos possibilitam ao juiz dar a oportunidade de uma possível composição dos danos causados pelo acusado à vítima. 

Encontramos também o modelo restaurativo no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei nº 8.069/90), em alguns dispositivos, como o art.126 e o art.112:

Art. 126. Antes de iniciado o procedimento judicial para apuração de ato infracional, o representante do Ministério Público poderá conceder a remissão, como forma de exclusão do processo, atendendo às circunstâncias e consequências do fato, ao contexto social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no ato infracional.

Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semi-liberdade; VI - internação em estabelecimento educacional; VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. § 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração. § 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado. § 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.

É válido ressaltar que, apesar de existirem algumas possibilidades de aplicação da justiça restaurativa ao modelo de justiça penal adotado pelo Brasil, não há, ainda, previsão legal expressa no nosso ordenamento jurídico. 

Por esta razão, a alternativa restaurativa não pode ser imposta às partes, devendo estas ser informadas sobre tal ferramenta e que sua aceitação, que deverá ser espontânea e voluntária, poderá ser revogada a qualquer tempo.

Há, porém, o Projeto de Lei nº 7.006/2006, proposto pela Comissão de Legislação Participativa, o qual se encontra ainda em análise e que propõe:

[...] propõe alterações no Decreto-Lei nº 2848, de 7 de dezembro de 1940, do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, e da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, para facultar o uso de procedimentos de Justiça Restaurativa no sistema de justiça criminal, em casos de crimes e contravenções penais. (BRASIL, 2011).

Está em tramitação e encontra-se na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, aguardando movimentações futuras.

Se for aplicado de maneira prudente e organizada, o modelo de justiça restaurativa é um instrumento de suma importância para a construção de uma justiça participativa. Destarte, abrir-se-ia caminho para uma nova Justiça, com promoção da paz social, da dignidade da pessoa humana, dos direitos humanos e da cidadania. 

9. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Direito brasileiro segue o sistema jurídico do Civil Law, que possui como característica principal o elevado número de normas escritas, buscando proteger os direitos da sociedade. O Poder Judiciário fica vinculado à essas normas, devendo, portanto, se basear nesses dispositivos para a aplicação ao caso concreto em análise. Entretanto, com a evolução da sociedade, tem-se observado a presença de algumas características do sistema jurídico do Common Law, como por exemplo, a possibilidade do uso da analogia, dos costumes, dos princípios gerais do direito no julgamento de um caso.

O sistema jurídico do Common Law, tem como característica principal a criação de normas jurídicas com base em precedentes de julgados anteriores, considerando os costumes do local. Enquanto no sistema do Civil Law parte-se da lei abstrata para o caso concreto, no Common Law parte-se do caso concreto para a norma genérica. 

Diante do exposto neste trabalho, pode-se considerar que o instituto da transação penal se manifesta de maneiras diversas em cada Estado. 

No Direito Comparado, estudou-se o “plea bargaining”, instituto adotado nos Estados Unidos da América; o “plea of guilty”, utilizado na Inglaterra e que possui características semelhantes ao modelo anterior, inclusive, servindo como ideia base para o desenvolvimento deste, traçando as diferenças entre os dois institutos e, principalmente, suas similitudes. Mostrou-se também o instituto utilizado na França a partir de 2004, o “plaider coupable”, baseado no “plea bargaining”, mas desenvolvido de forma diferente, uma vez que o sistema judiciário da França e Alemanha é o Civil Law. 

Precisa-se “frear” o avanço assustador da criminalidade no mundo e, para isso, se faz necessário que a Justiça se modernize o mais rápido possível. Fala-se em “justiça” no sentido de representar um conjunto de sistemas e órgãos que formam o Poder Judiciário.

Não é possível abolir a criminalidade da sociedade, uma vez que a ciência social demonstra ser “natural” a existência do fato criminoso na sociedade. Trata-se o crime de um fato humano. 

Acreditamos ser possível o modelo de uma justiça restaurativa no âmbito penal em nosso país, operando uma verdadeira transformação na realidade em que vivemos.

  • Justiça negociada no mundo
  • Justiça negociada no Brasil
  • Justiça Penal negociada no mundo
  • Direito comparado

Referências

ADORNO, Sérgio. A justiça no tempo, o tempo da justiça. Disponível em < http://www.scielo.br/pdf/ts/v19n2/a05v19n2.pdf> Acesso em 10 julho 2012.

BRASIL. CASA CIVIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Congresso Nacional. Disponível em Acesso em 09 de out. 2012.

____. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, a qual dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em Acesso em 04 dez. 2012.

DEUS, José Jorge Celestino. O Plea Bargaining no Direito Processual Penal brasileiro. Disponível em . Acesso em 04 dez. 2012.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal, vol. I. 2 ed. Niterói, RJ: Impetus, 2012.

MARINONI, Luiz Guilherme. Processo de Conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. (Curso de Processo Civil, v.2).

MORGADO, Isabele Jacob. A Arbitragem nos Conflitos de Trabalho. 1. ed. São Paulo: LTR, 1998.

PEDROSA, Katia Lelis Aguiar. O contrato nas doutrinas Common Law e Civil Law. Disponível em . Acesso em 26 abril. 2012.


Laíla Figueirêdo

Advogado - Natal, RN


Comentários