ANÁLISE DOS CRIMES DE HOMICÍDIO EM UMA DELEGACIA DA ZONA NORTE DE NATAL ENVOLVENDO NEGROS E PARDOS NO ANO DE 2014


20/10/2015 às 20h55
Por Maynara Costa Advocacia

Pode-se pensar que a classe social mais abastarda mais periférica e marginalizada é composta de pessoas brancas, pardas e negras, contudo são estas últimas quem sofrem mais injustiças sociais, discriminação e estigmas sociais que os demais. Apesar de ter uma aparente “Democracia racial” (FERNANDES, 1972), pautada na igualdade politica, social e econômica, em consonância com o pensamento de Florestan pode ver que o Brasil trata o negro de forma tolerável, mas sem um caráter igualitário.

Os indivíduos que possuem na pele mais melanina que os demais ainda são vistos com olhares pejorativos diante da nossa sociedade de castras, ou melhor, de classes. Devido a sua classe social, a sua construção como individuo muitas vezes tornar-se “bandido” não é uma escolha proativa, mas sim a última opção.

Segundo o Portal Dilma.com o Brasil possui 22 milhões de famílias beneficiadas no programa “Bolsa Família”, todavia desses milhões 73% são compostos de família negras, o que quer dizer, infelizmente, que a pobreza em sua amplitude tem cor. E ela é preta. De acordo com Telles (2004), a distribuição da riqueza social é fortemente desigual, o que contribui ainda mais para uma desigualdade vertical entre negros e brancos, na qual os negros são mantidos nos níveis mais baixos.

Dado esta realidade de pessoas negras constituindo uma grande parcela da população que carece de idoneidade financeira, nasce uma necessidade de investigar os casos de homicídio envolvendo pessoas de tal cor, haja vista que é notoriamente observado que pessoas de regiões periféricas e abastardas, infelizmente, entram em maior número ao mundo do crime.

A pesquisa de campo discorreu-se durante 3 semanas, tempo este que debrucei-me em investigar em inquéritos policiais e laudos necroscópico, características das vítimas e agressores dos crimes de homicídio na em uma Delegacia de Polícia, localizada na zona norte de Natal.

Para melhor aproveitamento dos dados etnográficos foi fundamental fazer uso da técnica da observação participante (MALINOWSKI, 1978), a qual foi utilizada por ser um instrumento que traduz os fatos e as circunstâncias sociais com maior lealdade e complexidade. Deste modo a observação participante emergiu como um método importante a ser seguido, haja vista que serviu como instrumento de produção de identificação da distribuição de poder dentro da instituição hospitalar.

Também foi indispensável aplicar os ensinamentos de Roberto Da Matta[1], que prescreve que um bom etnólogo deverá realizar o exercício de familiarização e exotização, ou seja, deverá transformar o familiar em exótico e o exótico em familiar. Deste modo, deve-se haver uma troca de mediações e encontro com o outro, pois possibilita a captação das informações com mais fidúcia, como também realizar ou não a comprovação das nossas hipóteses inicias.

Consoante a isto Gilberto Velho[2] também prescreve que o antropólogo deverá manter a neutralidade e/ou objetividade, pôr-se no lugar do outro para assim compreender a realidade social a qual este sujeito está inserido. Outrossim, o pesquisador deve-se manter imparcial dentro da realidade pesquisada, para evitar assim envolvimentos que possam modificar as conclusões do estudo.

Na primeira semana fiz um levantamento de todos os casos que ocorreram de janeiro a novembro de 2014, o que totalizou, nesta delegacia de policia, um total de 48 casos de homicídio. Dentre eles percebi que 34 dos casos eram de pessoas consideradas pelos legistas de “negras”, 12 “pardas” e apenas 2 “brancas”. Lembrando que isso não é como as pessoas se afirmam, mas sim como são reconhecidas após morte por um médico. Na segunda semana passei a lê-los cautelosamente. E na terceira passei a descrever o trabalho de campo.

Entre os agressores não foi possível contabiliza-los todos, haja vista que ainda existem processo que ainda estão inconclusos. Mas, até o momento foi identificado que dentre os 48 casos de homicídio existem 17 dos assassinatos foram cometidos por pessoas de cor “negra”, 8 por pessoas pardas e nenhuma por pessoas brancas.

Dentre os casos de homicídio um chamou-me bastante atenção, ao observar suas características. Inicialmente o caso chegou à delegacia como um “suicídio”, um homem de cor negra, morador de um bairro periférico da zona norte de natal, catador de latinhas, 21 anos de idade, foi encontrado morto na sua residência. Populares desconfiaram que houvesse algo estranho na residência, pois fazia mais de uma semana que não vi o rapaz sair de casa e também tinha um forte odor de “coisa podre” (como descreveu uma das declarantes ao ser ouvida no inquérito policial), um cheiro que incomodava.

Chamaram a policia e informaram o ocorrido, a policia perguntou se tal jovem tinha familiares e ninguém soubera responder, até que então conseguiram uma ordem judicial para entrar na residência e lá entrando descobriram o rapaz estirado na sua cama já em estágio de putrefação. Havia uma arma presa ao guarda-roupa e um fio de nylon preso ao gatilho, este mecanismo supostamente foi utilizado para seu suicídio, o jovem estava com 16 perfurações nas suas costas.

Começou-se dai uma investigação para tentar descobrir os fatos sobre a morte desse jovem, acontece que a cena tão bem narrada na verdade não era um suicídio, mas sim um assassinato, o teatro foi encenado para esconder vestígios de um “acerto de contas”, o jovem devia dinheiro de drogas a um traficante.

O jovem de apenas 21 anos, catador de latinhas, era viciado em crack. Havia constituído uma dívida em (des) virtude do seu vício, permaneceu inadimplente até o dia da sua morte, quando a pagou com a vida. Os populares ouviram e viram pessoas e conversas, mas tinham suas bocas caladas e amedrontadas pelos chefes do tráfico.

Não se podia falar quem havia entrado na residência do jovem, apenas podia dizer “Não ouvi, nem vi nada”. Apenas uma pessoa, que pediu “PELO AMOR DE DEUS, E PELO AMOR DOS MEUS FILHOS NÃO DIGAM QUEM SOU EU”, asseverou que uma semana antes de descobrirem o corpo do jovem, ela estava em frente a sua residência varrendo a calçada, quando dois rapazes em uma motocicleta preta pararam em frente à residência do de cujos, gritaram pelo seu nome, e ao ser atendidos começaram a cobra-lhe uma dívida, cujo valor a declarante não sabe informar, só se recorda de ter ouvido “PARA USAR ESSE BOY NO INSTANTE SE ARROXA, QUERO VER SE SE ARROXA ASSIM PARA PAGAR”, o devedor não tinha o dinheiro para sanar a dívida, motivo este que levou os jovens a uma calorosa discursão.

Adentraram a residência da vítima, e logo após tal ato a declarante escutou alguns tiros, momento este que ela entrou na sua casa, pegou seus filhos e se escondeu dentro do banheiro, e depois dos tiros ela ainda informou que demorou um “pedaço” de tempo para os rapazes partirem da residência. Ela ainda diz que os jovem eram “morenos quase brancos”, o que me leva a crer que tal cor descrita pela testemunha é “parda”.

Este caso até agora não foi encerrado, haja vista que os suspeitos não foram localizados.

Também pôde ser verificado que a maioria dos casos de homicídio os denunciados não têm nem ensino fundamental completo, fica apenas na sua ficha de vida pregressa “sabe ler e escrever”, talvez por esta ser uma delegacia que abarca bairros periféricos acaba sendo agraciada com casos de pessoas com menor índice de escolaridade. Dos 25 casos que foram encontrados os culpados 17 não tinha o ensino fundamental completo, 4 pararam no ensino médio, e 4 concluíram o ensino médio. Dos que não tinha ensino fundamental completo 15 eram negros, e 3 eram pardos. Dos que pararam de estudar no ensino médio 1 era negro e 3 eram pardos, e os que concluíram o ensino médio os 4 eram pardos.

Infelizmente, é notório observar que o índice de pessoas de cor negra inseridas na marginalização é inversamente proporcional ao índice de indivíduos que buscam se profissionalizar através da educação. Tal qual recobra Florestam Fernandes (1964) no seu clássico A integração do negro à sociedade e classes é inegável verificar que libertaram os escravos, todavia não deram meios de subsistência a estes, os escravos tornaram-se senhores da sua própria sorte, responsável pela manutenção da sua família, sem, todavia “dispusesse dos meios materiais e morais para realizar essa proeza nos quadros de uma economia competitiva” (FERNANDES, 1964, p. 3). Sendo assim, torna-se possível enxergar que o negro em tempo algum foi inserido na sociedade de forma equivalente ao branco, o que traria como consequência distinções sociais, econômicas e politicas.

Daí pode-se associar a entrada do negro ao mundo do crime a falta de direitos fundamentais, tal qual a educação de qualidade. Ir para o crime pode-se pensar se tratar de uma ultima razão, não outra oportunidade. Podemos nos ater as palavras de Oracy Nogueira que diz que no Brasil existe um preconceito racial de marca, ou seja, a probabilidade de ascensão social é inversamente proporcional à intensidade das características físicas do indivíduo negro o que disfarça o preconceito de raça pelo preconceito de classe social.

Todavia, é importante destacar as novas politicas publicas que buscam pigmentar os bancos tantos escolares, quanto universitários de pessoas de pele negra, tal qual a politica de cotas das universidades federais. Como bem explana José Jorge de Carvalho as cotas provocam reposicionamento das relações sociais, ou seja, o negro passa a ser visto em pé de igualdade com o branco.

Destarte, este trabalho buscou elucidar a quantidade de homicídios envolvendo pessoas negras e pardas, bem como a quantidade de acusados de cor parda ou negra. Como também descobrir o índice de escolaridade dos acusados do crime de homicídio, como também fazer um dialogo destes crimes com a realidade social dos negros dentro do panorama político brasileiro, outrossim, dialogar com a literatura que versa sobre tal tema.

Também se fez necessário informar ao leitor, visto que é notória a importância em tempos de clamores pela redução da maioridade penal, que para o pobre a maioridade já começa ao nascer, a sentença desse processo de desumanidade estabelecido na nossa sociedade para este sujeito é a de morte. Como recurso pede-se a efetivação dos direitos básicos, apela, afirma e reafirma que todos são merecedores da dignidade da pessoa humana. Mas fica a reflexão: quantos Joãos, filhos de dona Maria, que não tiveram acesso aos direitos fundamentais básicos e as garantias constitucionais, que foram postos à margem da sociedade de maneira arbitrária e sentenciado e executado desde o nascimento pela nossa meritocracia, vão ter que morrer em postes até que tudo mude, até que tudo cesse, e os muros de cor e de classe se dilua entre nós?

[1]Ensinamentos contidos no “O oficio do etnólogo ou como ter um anthropological blues”

[2]{C}Ensinamentos encontrados em “Observando o Familiar”

  • Direito Penal
  • Etnicidade
  • Antropologia forense

Referências

DAMATTA, Roberto. O ofício do etnólogo, ou como ter ‘Anthropological Blues’. In: NUNES, Edson de Oliveira (Org). A Aventura Sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1978, p. 23-35.

FERNANDES, Florestan. A integração do negro à sociedade de classes. Tese apresentada a concurso da Cadeira de Sociologia I da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 1964.

FERNANDES, Florestan. O negro no mundo dos brancos. São Paulo; Editora Global, 1972

MALINOWSKI, Bronislaw. Argonautas do Pacífico Ocidental: um relato do empreendimento e da aventura dos nativos no arquipélago da Nova Guiné Melanésia. São Paulo, Abril Cultura, 1978 (Coleção Os Pensadores).

NOGUEIRA, Oracy. Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem.

TELLES, Edward. Racismo à brasileira: uma nova perspectiva sociológica.”Editora Relume Dumara, 2004.

VELHO, Gilberto. Observando o familiar. In: Individualismo e cultura: notas para uma antropologia da sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, p. 121-132.

PORTAL DILMA. População negra teve avanços durante governo Dilma. Disponivel em http://www.vermelho.org.br/noticia/249470-1. Verificado em 29/11/2014.


Maynara Costa Advocacia

Advogado - São Luís, MA


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