Controle externo do Legislativo sobre contas do Executivo municipal


10/06/2021 às 14h01
Por Sueli Rodrigues Correspondente Jurídico

 

Autora: RODRIGUES, Sueli Maria de Jesus. E-mail: sueli2009rod@hotmail.com Acadêmica do curso de Direito na Universidade UNIRG. Gurupi/TO.

Orientador: ROVERONI, Antônio. E-mail: roveroni@unirg.edu.br Profº. Me. no curso de Direito na Universidade UNIRG, Gurupi/TO.

Resumo: Dentre algumas funções, o Poder Legislativo Municipal possui a finalidade de fiscalizar as atividades do Município e o funcionamento, exercido pelo Poder Executivo. A meta é comprovar a probidade dos atos da administração, a regularidade dos gastos públicos, a aplicação de valores e bens públicos e a fiel execução da lei orçamentária. Diante disso, o presente estudo tem como escopo examinar o procedimento e a eficácia do controle externo exercido pelo Poder Legislativo sobre as contas prestadas anualmente pelo Executivo no âmbito da Administração Pública Municipal. Busca-se expor críticas doutrinárias à eficiência do controle. Na metodologia, se realizou um estudo de revisão de literatura sobre a eficácia do controle externo feito pelo Legislativo. Nos resultados, constatou-se que a legislação pertinente ao assunto e a prática desse controle têm se mostrado ineficaz, estimulando a corrupção e a impunidade, mas com aplicação de determinadas medidas, pode-se ajudar a sanar esse problema.

Palavras-chave: Poder Executivo Municipal. Prestação de Contas. Poder Legislativo. Controle Externo.

Abstract: Among some functions, the Municipal Legislative Power has the purpose of supervising the activities of the Municipality and the functioning, exercised by the Executive Power. The goal is to prove the probity of the administration's acts, the regularity of public spending, the application of public values ​​and goods and the faithful execution of the budget law. In view of this, the present study aims to examine the procedure and the effectiveness of external control exercised by the Legislative Power over the accounts rendered annually by the Executive within the scope of the Municipal Public Administration. It seeks to expose doctrinal criticisms to the efficiency of control. In the methodology, a study of literature review was carried out on the effectiveness of the external control made by the Legislative. In the results, it was found that the legislation relevant to the subject and the practice of this control have been shown to be ineffective, stimulating corruption and impunity, but with the application of certain measures, one can help to remedy this problem.

Keywords: Municipal Executive Branch. Accountability. Legislative power. External Control.

Sumário: Introdução. 1. Tribunal de Contas: Aspectos Gerais. 1.1. Prestação de contas pelo chefe do Executivo. 2. O controle externo do Legislativo. 3. Análise da eficiência do Controle Externo. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.

 

INTRODUÇÃO

Diante de uma população cada vez mais vulnerável quando o assunto é referente ao interesse particular, como um poder de polícia, por exemplo, cabe à população e ao jurídico uma apreciação detalhada quanto aos atos praticados pela Assembléia Legislativa Municipal, principalmente no que se refere à análise das contas prestadas pelo Governo Executivo do município.

A escolha inicial desse tema se deu devido a várias pesquisas, bem como os noticiários, onde vêm mostrando que os representantes populares buscam saciar o interesse particular.

Há uma distinção entre o julgamento das contas e das despesas do município e o controle interno ou externo. Desse modo, é possível observar a irregularidade e descobrir quem é o responsável. Porém o Tribunal de Contas não julga as contas, apenas opina sobre as referidas. Nesse contexto tem-se duas ADIs com Acórdão de unanimidade que seguem essa linha de pensamento.

Com base nisso, o objetivo desse estudo é verificar se as ferramentas de controle são eficazes. Importante mencionar que a competência para fiscalizar e julgar as contas do Executivo Municipal mediante controle externo tem amparo constitucional. Desta forma, após uma interpretação sistemática dos parágrafos 1º e 4º do artigo 31 da Constituição Federal de 1988, nota-se ser possível a extinção de Tribunal de Contas pela fiscalização dos municípios.

O julgamento das contas realizado pela Câmara de vereadores poderá deixar de seguir o parecer prévio do Tribunal de Contas por decisão de 2/3 dos membros da Casa Legislativa, entendimento disposto no §2º do artigo 31 da Constituição. Com isso entende-se que as contas dos chefes do Executivo devem sofrer o julgamento final e definitivo.

De todo modo, é de suma importância a discussão dessa temática, haja vista que esses procedimentos políticos possuem no meio jurídico considerando que os Tribunais de Contas exercem um papel importante ao analisarem e julgarem as contas do Executivo. Verificando in loco, se os atos dos administradores púbicos foram praticados no restrito respeito aos princípios e regras que norteiam a coisa pública e mesmo assim se pode observar a desconsideração do parecer prévio de acordo com o disposto no art. 31, § 2º do atual texto constitucional, há de se discutir essa situação.

Para a realização da pesquisa foi feita uma revisão de literatura, constituído de estudo bibliográfico e documental. A pesquisa bibliográfica foi realizada por meio de leituras das leis, da Constituição Federal, de revistas jurídicas, de livros e artigos vinculados ao controle externo do legislativo sobre contas do executivo municipal e de outras doutrinas disponíveis relacionadas ao tema. 

A presente pesquisa foi realizada mediante o levantamento de documentos. Assim, a coleta de dados é resultado de uma busca feita em bases de dados, tais como: Scielo; Google, dentre outros, entre os dias 01 de agosto a 18 de outubro de 2020. Os descritores foram: Prestação de Contas. Poder Legislativo. Controle Externo.

A abordagem qualitativa de investigação foi utilizada neste trabalho, pois é a forma mais adequada para se entender a natureza de um fenômeno, sem técnicas estatísticas. O método da pesquisa utilizada no trabalho se pautou no dedutivo, em que, a partir de premissa expressa pelos atores pertencentes ao controle externo do legislativo sobre contas do executivo municipal e infere-se uma terceira premissa (GIL, 2010).

TRIBUNAL DE CONTAS: ASPECTOS GERAIS

Os tribunais de contas, órgãos cuja importância é cada vez maior e mais notada em nosso Estado Democrático de Direito, tem suas atribuições previstas na Constituição, sendo os grandes responsáveis pela fiscalização contábil, financeira e orçamentária da administração pública.

Ao art. 71 da Carta Magna, ao descrever as funções que exercem como órgão que presta auxílio ao Poder Legislativo no controle externo da administração pública, estabelece que lhes compete, entre outras funções:

a) apreciar as contas prestadas anualmente pelo chefe do Poder Executivo, mediante parecer prévio; e 

b) julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos, incluindo ainda todos aqueles que derem causa a perda, extravio ou irregularidades que resultem em prejuízo ao erário público.

(BRASIL, 1988)

 

No que se refere à primeira delas, os tribunais de contas exercem atribuições que se inserem no âmbito de sua função consultiva, uma vez que se está diante do julgamento das chamadas “contas de governo”, ou seja, das contas anuais, que explicitam a atividade financeira do ente federado no exercício financeiro findo, e que tem no chefe do Poder Executivo o responsável por sua apresentação para julgamento perante o Poder Legislativo, titular do controle externo da administração pública (CONTI, 2016).

 

Sendo assim, a função dos tribunais de contas limita-se a emitir um parecer, sugerindo o resultado do julgamento — as contas podem ser aprovadas, aprovadas com ressalvas ou reprovadas —, que deverá ser proferido pelo Poder Legislativo competente (CONTI, 2016).

No que tange à segunda função anteriormente mencionada — julgamento de contas dos administradores e responsáveis por recursos públicos —, os tribunais de contas “julgam” as contas, proferindo decisões definitivas, de natureza administrativa, podendo considerá-las regulares, regulares com ressalvas ou irregulares. São as chamadas “contas de gestão”.

As contas de governo são prestadas anualmente pelo chefe do Poder Executivo e têm por finalidade:

[...] demonstrar as atividades financeiras da administração pública do ente federado pelo qual é responsável no exercício financeiro a que se referem, evidenciando os resultados da ação governamental, com o cumprimento dos programas orçamentários no período, o nível de endividamento, destinação dos recursos às áreas prioritárias e cumprimento dos deveres de gastos mínimos obrigatórios, observância dos limites de gastos com pessoal e demais informações que permitam avaliar globalmente as contas e a aderência ao planejamento governamental (CONTI, 2016). 

Além disso, tem como foco a avaliação da gestão de forma ampla, em seu aspecto macro, mitigando a relevância de minúcias e aspectos formais. O julgamento dessas contas é, portanto, suscetível de avaliação de cunho político, que leve em consideração critérios de conveniência e oportunidade (FURTADO, 2017).

Nesses casos, há o parecer prévio do tribunal de contas para subsidiar e dar elementos para que o Poder Legislativo tome a decisão. Parecer que não tem caráter vinculativo, mas, no caso dos municípios, exige dois terços dos votos da Câmara de Vereadores para que seja possível adotar decisão diversa da que consta do parecer (Constituição Federal, artigo 31, parágrafo 2º).

Nesse sentido:

O Poder Legislativo e o Tribunal de Contas são responsáveis pelo julgamento técnico-político das contas de gestores públicos. Quanto ao Chefe do Poder Executivo municipal, a Corte de Contas do Estado exerce importante missão no controle externo do Poder Público, consoante delimitação da Constituição Federal de 1988 (art. 31, §§ 1º e 2º e art. 70 e seguintes), oferecendo parecer prévio que só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal (CORDEIRO, 2020, p. 01).

As contas de gestão (ou contas dos ordenadores de despesas) não são necessariamente anuais, tem por finalidade demonstrar a aplicação de recursos públicos praticados por aqueles que foram responsáveis por geri-los, e nelas serão observadas a legalidade, legitimidade e economicidade dos atos praticados, regularidade e conformidade de procedimentos, identificando-se e apurando eventuais lesões ao erário e atos de improbidade administrativa. Tais contas são submetidas a julgamento técnico pelos tribunais de contas, que poderão, em caso de irregularidade constatada, aplicar sanções, como as multas, por exemplo (CORDEIRO, 2020).

Há de sem mencionar que os tribunais de contas exercem atribuições que se inserem no âmbito de sua função consultiva, uma vez que se está diante do julgamento das chamadas “contas de governo”, ou seja, das contas anuais, que explicitam a atividade financeira do ente federado no exercício financeiro findo, e que tem no chefe do Poder Executivo o responsável por sua apresentação para julgamento perante o Poder Legislativo, titular do controle externo da administração pública (CONTI, 2016).

Sendo assim, a função dos tribunais de contas limita-se a emitir um parecer, sugerindo o resultado do julgamento — as contas podem ser aprovadas, aprovadas com ressalvas ou reprovadas —, que deverá ser proferido pelo Poder Legislativo competente (CONTI, 2016).

Ademais, para melhor entendimento sobre a prestação de contas feitas pelo chefe do executivo, apresenta-se o tópico abaixo. 

1.1 PRESTAÇÃO DE CONTAS PELO CHEFE DO EXECUTIVO

Primeiramente, para discutir a titularidade do dever de prestar contas, cabe mencionar o que expressa o art. 84, XXIV do texto constitucional brasileiro: 

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

[…]

XXIV – prestar, anualmente, ao Congresso Nacional, dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa, as contas referentes ao exercício anterior;

(BRASIL, 1988)

 

A obrigação acima mencionada também se estende aos Prefeitos Municipais, como aduz o §2º, art. 31 da Constituição. Insta salientar que o dever de prestar contas, como está previsto na Carta Magna, é do Chefe do Executivo, e não, a pessoa jurídica de direito público interno, a saber, a União, o Estado ou o Município.

 

Como explica Pamplona (2014) é a pessoa física do Prefeito que deve prestar contas. Nesse caso, o Prefeito age em nome próprio, e não em nome do Município. Tal obrigação é ex lege. Com efeito, trata-se de obrigação personalíssima (intuitu personae), que só o mandatário pode realizar. 

Portanto, não é legítima a prestação de contas apresentada pelo Município – pessoa jurídica – perante o Poder Legislativo ou mesmo ao Tribunal de Contas, sob pena de configuração de omissão na prestação de contas (PAMPLONA, 2014).

Por essa razão, é que se tem a separação das contas – devendo, inclusive, serem processadas em autos distintos – quando ocorrer que o cargo de Prefeito tenha sido ocupado por mais de uma pessoa durante o exercício financeiro. Com efeito, cada mandatário será responsável pelo respectivo período (PAMPLONA, 2014).

A apresentação das contas anuais pelo Prefeito ao Tribunal de Contas, não o libera do encargo de prestar contas imediatamente na Câmara de Vereadores, dado que a Constituição Federal, artigo 31, § 3º, em combinação com a Lei de Responsabilidade Fiscal, art. 49, impõe que as contas apresentadas pelo Chefe do Poder Executivo ficarão disponíveis, durante todo o exercício, no respectivo Poder Legislativo e no órgão técnico responsável pela sua elaboração, para consulta e apreciação pelos cidadãos e instituições da sociedade (PAMPLONA, 2014).

Vale a citação dos artigos referenciados acima:

Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei.

§ 1º – O controle externo da Câmara Municipal será exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver.

§ 2º – O parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas que o Prefeito deve anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal.

§ 3º – As contas dos Municípios ficarão, durante sessenta dias, anualmente, à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhes a legitimidade, nos termos da lei.

(BRASIL, 1988).

 

A previsão na Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101) é:

 

Art. 49. As contas apresentadas pelo Chefe do Poder Executivo ficarão disponíveis, durante todo o exercício, no respectivo Poder Legislativo e no órgão técnico responsável pela sua elaboração, para consulta e apreciação pelos cidadãos e instituições da sociedade.

(BRASIL, 2000)

 

Ademais, importante mencionar que no caso de prestação de contas, em razão de convênio celebrado entre a União e o Município, surge uma obrigação ex contractu. A União exige do Município, na forma estabelecida no convênio, a prestação de contas dos recursos transferidos voluntariamente (PAMPLONA, 2014).

Assim, a prestação de contas deve ser apresentada pelo Município, ainda que este ente seja administrado por outro Prefeito. Com efeito, neste caso específico, não se trata de obrigação personalíssima de prestar contas. Na eventualidade do Município não preste contas, ou o faça insatisfatoriamente, a responsabilização será do Prefeito pela aplicação dos recursos recebidos da União, que pode ser quem assinou o convênio ou mesmo quem o sucedeu, administrando tais recursos, ou parte deles (PAMPLONA, 2014).

Cabe nota que por se tratar de uma obrigação oriunda de vínculo contratual o ente fiscalização é aquele que transfere o recurso. Logo, ser o recurso é federal será o ente concedente federal que irá tomar contas e com o auxílio do Tribunal de Contas da União. No mesmo sentido, se o concedente é estadual, a prestação de contas deverá ser feita por este com o auxílio do respectivo Tribunal de Contas (PAMPLONA, 2014).

Não obstante, vale relembrar que estar “em dia quanto […] à prestação de contas de recursos anteriormente dele recebidos” é um dos requisitos para celebração de novo convênio nos termos da alínea “a”, inciso IV, §1º, art. 25 da Lei Complementar nº 101/2001. (BRASIL, 2001)

Dando prosseguimento ao tema, em muitos casos, especialmente nos municípios de menor porte, os prefeitos atuam na condição de administradores e responsáveis por recursos públicos, agindo como ordenadores de despesas e praticando atos de gestão financeira, o que levou os tribunais de contas a, no exercício de suas funções, julgar suas contas. Sobre essa questão, analisa-se no tópico seguinte.

O CONTROLE EXTERNO DO LEGISLATIVO

Antes de se adentrar no tema central desse tópico é preciso estabelecer certas definições. Primeiramente, informa-se que a função legislativa é exercida preponderantemente pelo Poder Legislativo, pois, normalmente, atos dos demais poderes só tem efeitos concretos. Exceto as medidas provisórias e as leis delegadas que, a despeito de serem editados pelo Executivo, são imediatamente subordinados à Constituição. Os regulamentos, que também são normas gerais e editadas pelo Poder Executivo, não estão compreendidos nessa função, pois se encontram subordinados às leis e não têm autonomia para criar obrigações (GOMES, 2012).

Encontra-se, a fim de interesse nesse trabalho, das funções em relação ao Poder Legislativo é a de Fiscalização e Controle, que é justamente a realizada pelo Congresso Nacional – em nível federal – juntamente com o Tribunal de Contas da União, sendo assim, um Controle Externo do Poder Executivo, realizado pelos parlamentares.

Nos tópicos anteriores ficou claro que os Tribunais de Contas possuem a finalidade principal de realizar a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial dos órgãos federativos e federados da Administração Pública direta e indireta, estando sujeitas a esta fiscalização as empresas públicas e sociedades de economia mista (RUBINELLI, 2017).

Sendo certo que a Constituição Federal, conforme a tripartição clássica das competências estatais, atribui-se precipuamente ao Poder Legislativo, além da atividade legislativa, o exercício de fiscalização e controle dos atos da administração pública. Senão vejamos: (art. 49, inciso X): “fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta” (BRASIL, 1988).

No exercício de sua função típica de controle, cabe ao Legislativo impor que a administração pública exerça suas atribuições de modo transparente e sem arbitrariedades, exigindo a correção de eventuais desvios que levem à violação de direitos individuais ou do interesse público (RUBINELLI, 2017). 

De acordo com Silva (2015), o controle parlamentar deve ultrapassar os limites legais dos atos administrativos, mas vasculhar, também, a conveniência e a oportunidade de sua execução, sempre levando em consideração quais são os resultados esperados, a fim de induzir à melhoria da gestão pública. Sem dúvida, o efetivo funcionamento dos mecanismos de  controle é imprescindível para que a administração pública corresponda aos interesses da população, no caminho da moralidade, da legalidade, da eficiência e do correto uso de recursos públicos. 

A função de controlar e fiscalizar as contas se desenvolve por meio de um processo. É por este processo, já contando com o parecer prévio do Tribunal de Contas do Estado que as contas serão submetidas a julgamento pela Câmara de Vereadores, que deve seguir o procedimento consagrado no Regimento Interno da Casa Legislativa e na Lei Orgânica do Município (DENOBI, 2016).

Para o exercício do controle das contas municipais pelo Legislativo, além da Constituição Federal e da respectiva Constituição Estadual, também devem ser observados: a Lei Orgânica do Município; o Regimento Interno da Casa Legislativa; a legislação referente ao Tribunal de Contas do Estado; dentre outras.

Restando claro que cabe ao Poder Legislativo fiscalizar o executivo e operar o Controle Externo, é sabido que pode/deve fazer em regime de cooperação com o Tribunal de Contas, pois com base no artigo 71 da Constituição Federal, que prevê que o controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, e elenca as competências deste Tribunal. Desta forma a própria Constituição dispõe que a atividade dos Tribunais de Contas é auxiliar à do Poder Legislativo. Estarão atuando, como dito, em regime de cooperação (SILVA, 2015).

Sendo certo que o Poder Legislativo pode/deve ser um ente de cooperação na realização de inspetorias e auditorias em órgãos e entes da administração direta e indireta dos Municípios, por exemplo, podendo Vereador fiscalizar o bom funcionamento dos entes estatais dentro dos limites da cidade, como por exemplo, também o cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, especialmente no que se refere à despesa com pessoal, do endividamento da cidade e ainda os editais de licitação, atos de dispensa e inexigibilidade (GOMES, 2012).

Ademais, o Legislativo, pode também auxiliar o papel de ouvidoria do Tribunal de Contas o qual seja cooperado, pois pode fazer denúncias de supostas irregularidades (SILVA, 2015). 

ANÁLISE DA EFICIÊNCIA DO CONTROLE EXTERNO 

Estabelecido pelos tópicos anteriores a respeito de controle externo e sua ligação com Poder Legislativo, foca-se aqui a discussão central: a eficácia desse controle no executivo municipal.

Nos últimos anos, vários prefeitos de municípios tem tido a sua prestação de contas rejeitas pelos Tribunais de Contas e pelo Poder Legislativo. Em razão desse fato, muito tem se discutido os efeitos dessas decisões.

A título de exemplo, cita-se o município de Gurupi, localizado na região sul do Estado do Tocantins. No presente município, no ano de 2019 em reunião marcada na Câmara de Vereadores para discutir a prestação de contas da Secretária de Saúde, não vereadores no plenário. Durante a apresentação das contas, o contado da Secretária de Saúde, Luci Jones, respondeu questionamentos feitos pelo Representante da Comissão de Direito a Saúde, Thiago Dias Pinheiro. Segundo Jones:

[...] ao longo dos 12 meses de 2018 a Secretaria de Saúde teve receita no valor do corrente do FMS no valor de R$ 26.827.137,13, repasse de contrapartida da arrecadação municipal no valor de R$ 18.567.452,48 e tinha saldo bancário no dia 31 de dezembro de 2018 no valor de R$ 4.223.046,61, totalizando R$ 49.617.636,22. Conforme o contador, ao contrário de muitos municípios a Prefeitura de Gurupi investiu 22% da arrecadação na saúde, enquanto o mínimo estabelecido na Constituição é de 15% (JONES, 2019 apud SILAS, 2019, p. 02).

Diante desses dados, mostra-se que o controle das contas dos prefeitos feito pelos vereadores não é eficaz, uma vez que eles não estavam presentes na reunião discutindo sobre essa porcentagem e sua destinação final. Isso mostra um quadro real de que em muitos municípios, discutir a fiscalização da prestação de contas do Executivo Municipal ainda está longe do ideal.

A situação acima descrita mostra ainda uma discussão muito pertinente no que se refere a temática analisada: a índole política das câmaras municipais, que incluiriam a decisão sobre matérias técnicas da execução orçamentária em seu raio de ação de forma exclusiva para efeitos da aplicação de determinadas sanções legais ao administrador municipal. 

Se o sentido da atividade política do controle externo é claro para a análise das contas anuais, em que se avaliam aspectos políticos da gestão municipal com o fim de concluir pela sua adesão ao interesse público, isso não se observa de forma tão nítida em atos de ordenação de despesa nos quais a observância dos requisitos legais de validade do ato deveria ser o critério mais adequado de decisão, de acordo com sua legalidade, legitimidade e economicidade (CONTI, 2016).

E também, muitas vezes, os tribunais de contas, no exercício de atos de fiscalização, em inspeções ou auditorias, constatam condutas que geram dano ao erário, caso em que promovem a tomada de contas especial e julgam as contas do agente público responsável, aplicando as penalidades e tomando as providências cabíveis para ressarcir os cofres públicos (CONTI, 2016). 

Não é incomum ser o prefeito o agente público infrator, e a submissão a julgamento exclusivamente pela Câmara de Vereadores, nesse caso, pode reduzir ou mesmo inviabilizar essa ação dos tribunais de contas, o que é extremamente prejudicial ao efetivo controle da gestão das finanças públicas. Não só porque as câmaras de vereadores podem, como efetivamente se tem observado, levar décadas para concluir o julgamento das contas, como serem suscetíveis de influências políticas que levem a uma decisão pouco técnica e não absolutamente isenta (FURTADO, 2017).

Nesse sentido:  

[...] questões técnicas sobre atos concretos de ordenação do gestor, como o não pagamento de fornecedores para locupletar-se dos valores ou a não apresentação de notas fiscais, por exemplo, estarão sujeitas à absolvição política (COUTINHO, 2012 apud CONTI, 2016, p. 06).

Sem contar que, no mais das vezes, as câmaras de vereadores não são dotadas de capacidade técnica que permita uma avaliação adequada das contas.

Voltando à discussão sobre a fiscalização de contas públicas, além do modelo traçado inicialmente pelo constituinte originário, algumas atribuições definidas em legislação esparsa conferem maior relevância ao múnus do Tribunal de Contas, o qual não mais se restringe à análise do correto emprego de recursos públicos pelos gestores.

Nesta senda, cita-se como exemplo, a Lei das Eleições (Lei Federal n.º 9.504/1997) que confiou a atribuição de compilar lista de gestores de recursos públicos que tiveram suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, nos moldes da disciplina do art. 11, § 5º, in verbis:

Art. 11.  Os partidos e coligações solicitarão à Justiça Eleitoral o registro de seus candidatos até as dezenove horas do dia 15 de agosto do ano em que se realizarem as eleições. (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

(...)

§ 5º Até a data a que se refere este artigo, os Tribunais e Conselhos de Contas deverão tornar disponíveis à Justiça Eleitoral relação dos que tiveram suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, ressalvados os casos em que a questão estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário, ou que haja sentença judicial favorável ao interessado.

 

A finalidade da criação do dever jurídico contido no art. 11, § 5º, da Lei das Eleições está diretamente relacionada à obrigação constitucional de “proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições” (art. 14, § 9º, da Constituição Federal).

 

Bem por isso, a grave violação ao patrimônio público foi alçada à caracterização de causa de inelegibilidade, desde que preenchidas, cumulativamente, determinadas condições, estabelecidas na Lei das Inelegibilidades (art. 1º, I, “g”, da Lei Complementar nº 64/1990, com redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010).

A legislação eleitoral exige que as contas sejam rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa e, como esperado, incumbe à própria Justiça Eleitoral, aferir a reunião de todos os requisitos do art. 1º, I, “g”, da Lei Complementar n.º 64/1990, consoante posição sedimentada da Corte Superior Eleitoral, com vistas a reconhecer a inelegibilidade.

Logo, a lista elaborada pelo Tribunal de Contas possui mera natureza informativa. Nesse aspecto, o Tribunal Superior Eleitoral assevera que “a mera inclusão do nome do agente público na lista remetida à Justiça Eleitoral (...) não gera, por si só, presunção de inelegibilidade e nem com base nela se pode afirmar ser elegível o candidato, por se tratar de procedimento meramente informativo”.

A grande mudança no cenário jurídico ocorreu com o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de recurso extraordinário sob a sistemática da repercussão geral, em que se fixou a seguinte tese:

Para fins do art. 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990, alterado pela Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010, a apreciação das contas de prefeito, tanto as de governo quanto as de gestão, será exercida pelas Câmaras Municipais, com o auxílio dos Tribunais de Contas competentes, cujo parecer prévio somente deixará de prevalecer por decisão de 2/3 dos vereadores.

Segundo observa Cordeiro (2020) a primeira observação necessária é que a competência discutida envolve apenas o Chefe do Poder Executivo, não abarcando outros cargos políticos, como o Presidente da Câmara Municipal, os quais estão sujeitos à prestação de contas perante o Tribunal de Contas, com base no art. 71, II, e art. 75, da Constituição Federal.

Portanto, a discussão está centrada na figura do Chefe do Poder Executivo, cuja competência, em regra, recai sobre o Poder Legislativo, como típico mecanismo de freios e contrapesos da separação de poderes (CORDEIRO, 2020).

Assim, a rigor, colhe-se que o debate sobre o reconhecimento da inelegibilidade de ex-prefeito pela Justiça Eleitoral deve respeitar a competência exclusiva das Câmaras Municipais. O STF compreendeu dentro da competência exclusiva do Legislativo, não só as contas de governo, mas também as de gestão, reduzindo significativamente o âmbito de atuação do Tribunal de Contas (CORDEIRO, 2020).

Contudo, outros temas escapam da delimitação do STF, seja por não terem sido decididos expressamente, seja por terem sido afastados em outras ocasiões. De todo modo, os recursos repassados pela União ou pelo Estado, como as transferências fundo a fundo, não são enquadrados como julgamento de contas de prefeito/ordenador perante o Poder Legislativo. Logo, a Câmara Municipal não possui competência absoluta para tratar sobre todas as prestações de contas realizadas pelo Chefe do Poder Executivo.

A decisão tomada pela Corte Suprema, ainda que inserida em ação eleitoral de impugnação ao registro de candidatura, passou a significar a incompetência do Tribunal de Contas para controle sobre atos do Chefe do Poder Executivo municipal. Sobre isso, explica-se:

[...] isso porque houve o ajuizamento por ex-prefeitos para a desconstituição dos acórdãos do TCE, os quais veiculam, não raras vezes, multas e imputações de débito a cargo dos responsáveis e a Justiça estadual no Rio Grande do Norte acolheu o pleito dos demandantes, sem fazer qualquer ressalva à restrição da tese ao efeito da inelegibilidade e tampouco à natureza de título executivo da decisão que impute débito ou multa, nos moldes do art. 71, § 3º, da CF/88 (CORDEIRO, 2020, p. 03).

O Supremo Tribunal Federal ainda não apresentou posicionamento definitivo sobre a possibilidade de manutenção da parte do acórdão da Corte de Contas, com fulcro no art. 71, § 3º, da CF/88. No entanto, em pronunciamento monocrático, o Ministro Luiz Fux, no RE nº 1231883, entendeu que os efeitos de ordem civil e administrativa do acórdão do Tribunal de Contas estão submetidos ao crivo do Poder Legislativo Municipal. Em suas palavras, tem-se: 

Saliento que as consequências de ordem civil e administrativa advindas de eventuais irregularidades cometidas pelos Prefeitos na ordenação de despesas independem de deliberação das Câmaras Municipais, mas não podem ser impostas diretamente pelos Tribunais de Contas, havendo a necessidade de manejo das ações judiciais próprias.

De qualquer forma, entende-se nesse estudo que a capacidade institucional do Tribunal de Contas é importante e necessária para aferir, no exercício de controle externo, a existência de irregularidade, estipulando com maior precisão o ressarcimento ao erário e a sanção cabível ao responsável (CORDEIRO, 2020).

Ainda assim, enquanto não solucionada a questão jurídica discutida, é imperativa a defesa dos atos dos Tribunais de Contas que imputem débito ou multa como título executivo, à luz do princípio da justeza ou conformidade funcional, sob pena de transformar em letra morta o texto constitucional constante no art. 71, § 3º, ainda que em face do Chefe do Poder Executivo municipal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Poder Legislativo Municipal exerce a função de fiscalizar as atividades do Município e o funcionamento, exercido pelo Poder Executivo. O objetivo é comprovar a probidade dos atos da administração, a regularidade dos gastos públicos, a aplicação de valores e bens públicos e a fiel execução da lei orçamentária.

A competência para fiscalizar e julgar as contas do Executivo Municipal mediante controle externo tem amparo constitucional. Desta forma, após uma interpretação sistemática dos parágrafos 1º e 4º do artigo 31 da Constituição Federal de 1988, nota-se ser possível a extinção de Tribunal de Contas pela fiscalização dos municípios.

O julgamento das contas realizado pela Câmara de vereadores poderá deixar de seguir o parecer prévio do Tribunal de Contas por decisão de 2/3 dos membros da Casa Legislativa, entendimento disposto no §2º do artigo 31 da CF. Com isso entende-se que as contas dos chefes do Executivo devem sofrer o julgamento final e definitivo.

Frente ao exposto, ficou evidente que os membros do Legislativo têm o poder de fiscalizar e julgar as contas do executivo municipal independente do parecer prévio do Tribunal de Contas. Todavia, resta um questionamento quanto à forma utilizada e o objeto de estudo jurisdicional, bem como qual o conhecimento jurídico dos vereadores quanto às contas prestadas pelo executivo e o comprometimento com a justiça para que a legitimidade do ato não fique comprometida.

No caso concreto exposto nesse estudo, expôs-se a prestação de contas do Município de Gurupi – TO, ao qual em audiência pública sobre a prestação de contas da área da saúde não teve o comparecimento de nenhum vereador, o que representa uma ineficácia da medida de fiscalização propagada pela norma jurídica em destaque. 

  • Poder Executivo Municipal. Prestação de Contas. Po

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Sueli Rodrigues Correspondente Jurídico

Bacharel em Direito - Porangatu, GO


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