O CASO REGÊNCIA/ES: A CONVENÇÃO DE MONTEGO BAY E A (IM)POSSIBILIDADE NA RESPONSABILIDADE ESTATAL PELOS DANOS MARINHOS AMBIENTAIS ADVINDOS DO ROMPIMENTO DA BARRAGEM DA MINERADORA SAMARCO/SA


14/10/2019 às 16h14
Por Tamara Dutra

Diante da constatação do aspecto finito dos recursos naturais e da necessidade de utilizar os mesmos de forma razoável para garantir o atendimento das necessidades das gerações é que o direito ambiental internacional ganhou fôlego nas últimas décadas. A evolução da proteção ambiental trouxe como consequência a noção de que os Estados devem ser responsabilizados por atos ocorridos em seus territórios que possam vir a causar danos.

 

Este artigo tem como problema de pesquisa verificar se a Convenção de Montego Bay (1982) é um instrumento eficaz para promover a responsabilização do Estado, em nível internacional, pelos danos marinhos ambientais provocados pelos rejeitos de mineração advindos do rompimento da barragem da mineradora Samarco/SA, que atingiram as águas costeiras capixabas, no município de Regência, localizado no estado do Espírito Santo.

 

Desta forma, tendo em vista a crescente preocupação da sociedade internacional com a preservação do meio ambiente, é relevante analisar a eficácia da referida Convenção para que se verifique a possibilidade ou não de responsabilização no plano internacional do Estado Brasileiro, pelos danos causados ao meio ambiente marítimo no desastre que atingiu o município de Regência-ES e que, em razão do caráter transfronteiriço que caracteriza a compreensão do direito ambiental nos dias atuais pode gerar impactos e degradação em espaços que ultrapassam os limites da soberania nacional.

 

1. DA PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE MARINHO

 

O desenvolvimento econômico e o alargamento dos meios de produção geraram questões e conflitos sobre a proteção do meio ambiente, tendo a atividade econômica na forma como vem sendo desenvolvida, produzindo o crescimento insustentável do consumo, de poluição e esgotamento dos recursos naturais, principalmente no meio marinho (SIRVINSKAS, 2018, [s.p.]).

 

Desta forma, buscando proteger os recursos naturais e“[...] para atender aos interesses e anseios de pessoas cada vez mais ávidas pelo consumo é que se desenvolveu uma sociedade global de risco em termos ambientais” (GUERRA, 2006, [s.p.]).

 

O meio ambiente e sua relação direta com a sobrevivência humana, passou a ser considerado direito humano conforme se verifica:

 

[...] os temas direitos humanos e meio ambiente, combinados com os seus mecanismos de defesa, passaram a se tornar assuntos internacionais, já que um grande número de Estados tratou de firmar instrumentos jurídicos internacionais, visto que os efeitos relacionados a tais assuntos evidenciaram, cada vez mais, desconhecer as fronteiras de cada país e produzir resultados, quase sempre desastrosos, no território de outra nação. (MAZZUOLI, 2011, pág. 16). Abaixo você cita o mesmo autor nas páginas 161 e aqui na página 16. Será que não trocou a página em uma das citações¿ = UM É LIVRO E O OUTRO É ARTIGO.

 

Nesse sentido, a Conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente e desenvolvimento ocorrida em 1992 e popularmente conhecida como Rio-92, se destacou pela abertura de diálogos mais amplos sobre a temática, caracterizando a proteção ambiental como conquista da humanidade e direcionada ao bem-estar de todos (MAZZUOLI, 2008, pág. 161).

 

Diante de tais características é que se faz possível compreender o meio ambiente em sentido amplo como sendo um direito fundamental de todo ser vivo, principalmente no que tange ao meio ambiente equilibrado, vez que, por tratar-se de direito difuso de 3ª (terceira) geração, pertence às presentes e futuras gerações (LENZA, 2014, pág. 1323), por questão de humanidade, necessidade e sobrevivência das espécies, no qual se inclui o meio ambiente marinho.

 

As degradações produzidas no ambiente marinho tornaram relevantes as discussões jurídicas por meio de regulamentações e disposições sobre espaços marinhos, em que se destaca, em sua maioria, abordagem menos individualizada dessas áreas quanto a sua proteção em razão do aspecto transfronteiriço que se compreende o meio ambiente na atualidade, pertencente a uma coletividade indeterminada bem como das futuras gerações (MARTINS, 2008, pp. 257 e 261), fato este que lhe atribui maior repercussão em acordos e convenções.

 

Nesse contexto, tem-se que a proteção no que tange a estes ambientes marítimos ganhou força ao longo dos últimos anos, em virtude de todos estes aspectos característicos, destacando como importante instrumento de proteção ambiental aos mares e oceanos a Convenção Internacional para Prevenção da Poluição Proveniente de Embarcações - MARPOL, que entrou em vigor no ano de 1983, inclusive no Brasil (ACCIOLY; SILVA; CASELLA, 2017, p.732).

 

Concomitante ao surgimento do tratamento dado aos mares pela MARPOL, buscou-se implementar outras normas sobre o uso dos mares, conforme expõem Accioly, Silva e Casella que: “[...] por meio do Programa de Mares Regionais da UNEP e da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, o tratamento do mar, em especial das áreas fora da jurisdição nacional, tende a ser harmonizado e coeso” (ACCIOLY; SILVA; CASELLA, 2017, p.730), tendo em vista que a Convenção de
Montego Bay traz um rol de normas especificas sobre o uso destes espaços marinhos, conforme se verá[1].

 

2. A CONVENÇÃO DE MONTEGO BAY

A crescente preocupação internacional na disciplina dos mares, fez com que a Organização das Nações Unidas-ONU realizasse conferências internacionais direcionadas a esta temática e que lograram maior êxito com a realização da Terceira Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, iniciada em 1973 (AMARAL JÚNIOR, 2015, p. 400), e que após nove anos tratativas, em 1982 surgiu a Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito do Mar, conhecida como Convenção de Montego Bay, ratificada internacionalmente em 1994 (ACCIOLY; SILVA; CASELLA, 2017, p. 606).

 

Nesse contexto, “[...] conscientes de que os problemas do espaço oceânico estão estreitamente inter-relacionados e devem ser considerados como um todo” (ONU, 1982) é que a Convenção de Montego Bay em suas linhas introdutórias reconhece que:

 

[...] a conveniência de estabelecer por meio desta Convenção, com a devida consideração pela soberania de todos os Estados, uma ordem jurídica para os mares e oceanos que facilite as comunicações internacionais e promova os usos pacíficos dos mares e oceanos, a utilização equitativa e eficiente dos seus recursos, a conservação dos recursos vivos e o estudo, a proteção e a preservação do meio marinho [...] (ONU, 1982).

 

A Convenção possui um rol de normas condizentes à poluição do meio ambiente, e assim conceitua a poluição em seu art. 1º:

Artigo 01. Termos utilizados e âmbito de aplicação

[...]

4) Poluição do meio marinho significa a introdução pelo homem, direta ou indiretamente, de substâncias ou de energia no meio marinho, incluindo os estuários, sempre que a mesma provoque ou possa vir a provocar efeitos nocivos, tais como danos aos recursos vivo e à vida marinha, riscos à saúde do homem, entrave às atividades marítimas, incluindo a pesca e as outras utilizações legítimas do mar, alteração da qualidade da água do mar, no que se refere à sua utilização e deterioração dos locais de recreio. (ONU, 1982).

 

Verifica-se o aspecto transfronteiriço no que tange às responsabilidades pelos danos que são causados ao meio ambiente, traduzindo-se em uma relativização da soberania do Estado, que pode vir a sofrer punição por estar a descumprir tratado internacional sobre meio ambiente do qual faça parte, sendo certo que estes devem ser respeitados tanto pelo poder público, quanto por particulares em seu território (MAZZUOLI, 2014, pág. 241).

 

A ratificação pelo Brasil da Convenção de Montego Bay se efetivou pelo Decreto nº 99.165, de 12 de março de 1990 (MARTINS, 2008, pág. 261), assim, surge no país um cenário de maior preocupação com a preservação do meio ambiente.

 

3. DA RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR DANOS AMBIENTAIS

 

Os Estados, no âmbito internacional, são entes que possuem direitos e obrigações e que devem observar respeito aos direitos fundamentais, agindo no sentido de implementar de forma eficaz estes direitos (ACCIOLY; SILVA; CASELLA, 2017, pág. 310), existindo normas que preveem responsabilidade, conforme explica Miranda:

 

Assim como, na ordem interna, o Estado e qualquer entidade pública respondem pelos prejuízos que decorram de actos ou omissões dos seus órgãos ou agentes, também na ordem internacional o Estado e os demais sujeitos de Direito internacional respondem pelos actos ilícitos que pratiquem ou por certos actos lícitos que lesem direitos e interesses de outros sujeitos (ou de pessoas dependentes destes sujeitos, como sucede por meio dos mecanismos de protecção diplomática) (MIRANDA, 2002, pág. 306).

 

Estando os Estados cientes da existência dessas responsabilidades e de que as relações exteriores devem pautar-se pela solução pacífica de controvérsias, (BESSA; FINOTI, 2011, [s.p.]), é que estes devem agir no sentido de efetivar as obrigações assumidas por meio de ratificação em tratados internacionais, uma vez que, “sempre que um sujeito de direito viola uma norma ou um dever a que está adstrito em relação com outro sujeito ou sempre que, por qualquer forma, causa-lhe um prejuízo, incorre em responsabilidade” (MIRANDA, 2002, pág. 305).

 

Varella ainda aduz que o Estado poderá ser responsabilizado por uma ação ou omissão, sendo que esta comprometerá o Estado quando este não adotar medidas necessárias para que se evite o dano (VARELLA, 2016, pág. 409).

 

3.1. DA RESPONSABILIDADE POR DANOS TRANSFRONTEIRIÇOS

 

Analisando a responsabilidade específica sobre danos causados ao meio ambiente que afetam a comunidade internacional, verifica tratar-se de um direito transfronteiriço, evidenciando uma dificuldade em precisar a dimensão de atingidos indiretamente. A Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas-CDI traz apontamentos a respeito do regime de responsabilidade que seria aplicável nestes casos (ACCIOLY; SILVA; CASELLA, 2017, pág. 813).

 

Conforme se vê no Projeto da Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas sobre Responsabilidade Internacional dos Estados, seus artigos 1º e 2º preveem como ocorre a responsabilidade internacional estatal, de forma que todo ato internacionalmente ilícito do estado acarretará a sua responsabilidade internacional, sendo que este ocorrerá quando a ação ou omissão puder ser atribuída ao Estado, constituindo violação a uma obrigação internacional (ONU, 2001) .

 

No contexto de responsabilidade internacional, a questão em debate diz respeito ao tipo de responsabilidade que caberia ao Estado, dentre as duas classificações possíveis no direito, sendo responsabilidade objetiva e subjetiva (TARTUCE, 2015, pág. 516), nesse sentido, explica Aquino:

 

A responsabilidade internacional do Estado decorre de uma transgressão à norma jurídica internacional, bem como a incidência de uma conduta de natureza dolosa ou culposa do autor, ensejando, assim, a discussão sobre a responsabilidade subjetiva e a objetiva.

 

Pela subjetiva, além do descumprimento de uma norma ou obrigação jurídica internacional por parte de um Estado, deve este também ter agido com dolo ou culpa para que seja considerado responsável no plano internacional.

 

No que tange à responsabilidade objetiva do Estado, está é constituída pelo descumprimento de uma obrigação jurídica internacional independentemente da existência de culpa ou dolo garantido, portanto, maior segurança jurídica no campo das relações internacionais (AQUINO, 2010, [s.p.]).

 

Os agentes ou funcionários dos Estados falam e agem em seu nome, porém, os particulares não, e dessa forma o Estado não poderia exercer sobre estes a mesma vigilância e fiscalização que sobre aqueles, razão pela qual não haveria de responder por atos dos indivíduos particulares (ACCIOLY; SILVA; CASELLA, 2017, p. 387), visto que, nestes casos não haveria de existir culpa direta do Estado em relação aos danos ocorridos, portanto abarcando a responsabilidade subjetiva.

 

Conquanto este posicionamento, ao contrário estabelece a CDI, em seu Capítulo II onde prevê sobre a atribuição da conduta a um Estado que:

Art. 8º Conduta dirigida ou controlada por um Estado

Considerar-se-á ato do Estado, segundo o Direito Internacional, a conduta de uma pessoa ou grupo de pessoas se esta pessoa ou grupo de pessoas estiver de fato agindo por instrução ou sob a direção ou controle daquele Estado, ao executar a conduta (ONU, 2001).

 

Nesse sentido, no tocante a fatos lesivos cometidos por particulares em território sob sua jurisdição, o estado é responsável quando o dano resulta da omissão de providências que ele devia ter adotado, seja para reprimir e até mesmo prevenir tais atos (ACCIOLY; CASELLA; SILVA, 2017, p. 388). Em contrapartida a este entendimento, Paschoaleto et al. ensina que a responsabilidade estatal é do tipo objetiva já que:

 

O interesse da comunidade internacional e as obrigações erga omnes, ou seja, que abarcam todos os indivíduos dessa comunidade, introduzem também uma responsabilidade do tipo objetiva. Isso quer dizer que, dentre outras coisas, a responsabilidade dos Estados abarcará não somente os ilícitos, mas os atos lícitos, quando houver o desenvolvimento de uma atividade de alto risco (PASCHOALETO et al., 2014, p. 364).

 

Pelo exposto extrai-se que em âmbito internacional ainda há divergências a respeito de como será analisada a responsabilidade do Estado, já que não há previsão expressa nesse sentido, cabendo à comunidade internacional verificar caso a caso como se dará essa aplicação, destacando que:

 

Atualmente, dado o caráter multilateral e multidimensional da responsabilidade, todos os Estados têm o direito de ver o Direito Internacional respeitado, e em razão da violação deste, qualquer Estado atingindo, mesmo que não tenha havido nenhum prejuízo, pode apresentar uma reclamação. Isso porque, conforme frisado nos comentários ao Projeto de Artigos, todos os Estados, em virtude da sua adesão à Comunidade Internacional, tem interesse na proteção de certos direitos básicos e essenciais, e no cumprimento de determinadas obrigações (FRANCISCO, 2010, [s.p.]).

 

Nesse contexto, Machado aduz que “a responsabilidade objetiva ambiental significa que quem danificar o ambiente tem o dever jurídico de repará-lo [...] Não se pergunta a razão da degradação para que haja o dever de indenizar e/ou reparar [...]” (MACHADO, 2008, pág. 347).

 

Partindo desse pressuposto é que se questiona a respeito da possibilidade do Estado Brasileiro, uma vez sendo signatário da Convenção de Montego Bay, poder ser responsabilizado internacionalmente pelo fato de um particular, sob sua fiscalização, ter cometido danos de escala tamanha que, atingindo dois estados da federação, chegou até a costa brasileira.

 

4. DO ROMPIMENTO DA BARRAGEM DA MINERADORA SAMARCO/AS E OS DANOS MARINHOS AMBIENTAIS ADVINDOS E DOS RISCOS DA ATIVIDADE DE MINERAÇÃO.

 

Localizado na costa capixaba, no município de Linhares, o distrito de Regência foi atingido por dejetos advindos do estouro da barragem da mineradora Samarco – empresa brasileira de mineração controlada pela BHP Billiton Brasil Ltda e pela Vale SA – em 05 de novembro de 2015 (GOVBR, 2018).

 

Tal fato provocou desastre ambiental até então sem precedentes no Brasil, ocasionando a morte e o desaparecimento de pessoas, destruindo o distrito de Bento Rodrigues-MG, a fauna e a flora locais, bem como soterrando nascentes e contaminando a região e seu entorno (MEDEIROS; SILVEIRA; OLIVEIRA, 2018, [s.p.]), destacando que: “foram atingidos 35 municípios em Minas Gerais e quatro no Espírito Santo, com cerca de 1,2 milhões de pessoas afetadas pela falta d’água que temem a contaminação da água do rio Doce [...]” (PORTO, 2016, [s.p.]).

 

Os rejeitos, por conterem produtos tóxicos geraram sérios danos marinhos ambientais, tornando a agua imprópria para consumo, banho e até mesmo a pesca, o que caracteriza por si só a gravidade dos danos, conforme expõe Santos apud Silva em uma análise da água feita no ano de 2016 que comprovou a existência de elementos que estão fora dos padrões da Resolução nº 357/2005 do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA, (SANTOS; ARRUDA; BOTINNO, 2016, [s.p.]), apud SILVA, 2018, pág  81).

 

Ainda sobre a qualidade da água, tem-se que após a chegada dos rejeitos, esta apresentou elevada turbidez, o que afetou diretamente a sobrevivência das espécies daquela região, conforme expõe Santos apud Silva:

 

A elevada turbidez da água, causada pela grande quantidade de partículas em suspensão, limita a penetração de luz, a qual é utilizada pelas algas para fotossíntese. A diminuição das condições de sobrevivência das microalgas afeta toda a cadeia alimentar, pois muitos organismos são dependentes destes organismos como fonte de alimento, inclusive peixes. (SANTOS; ARRUDA; BOTINNO, 2016, [s.p.] apud SILVA, 2018, pág. 82).

 

Diante deste cenário de devastação, o grupo de trabalho das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos[2] esteve no país, em visita pelo período de dez dias, para análise das condições e medidas que estavam sendo adotadas, de onde resultaram algumas observações, entre elas destaca-se o que foi veiculado no sitio eletrônico da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas:

 

[...] nossa impressão geral é que as empresas comerciais convencionais, privadas e estatais, e as associações empresariais permanecem amplamente inconscientes dos Princípios Orientadores das Nações Unidas. As empresas relatam que receberam pouca orientação do governo sobre as ações que devem seguir de acordo com os Princípios Orientadores (UNITED NATIONS HUMAN RIGHTS OFFICE OF THE HIGH COMISSIONER, 2015, [s.p.], tradução nossa).

 

Nesse contexto, no âmbito do mar de Regência/ES, as dúvidas e preocupações persistem até a presente data, vez que a pesca continua interditada e, embora a turbidez da água do mar tenha diminuído ainda não se pode afirmar que esta esteja sadia e adequada ao consumo, de forma que “convém lembrar que os mesmos continuarão se espraiando pelos anos, na medida em que não há no horizonte um retorno a curto ou médio prazo às condições anteriores ao desastre” (LEONARDO, et al. 2017, pág. 84).

 

Diante desse quadro de devastação ambiental é que se busca analisar se houve, por parte do Estado Brasileiro, obediência aos preceitos legais da Convenção de Montego Bay, tendo em vista tratar-se de atividade de mineração, que em termos gerais caracteriza-se como uma atividade de risco, e que ainda, segundo Armelin com: “[...] maior ou menor intensidade, trazendo sérias consequências ao homem e à sua saúde, precisando ser tutelada para a efetiva proteção do meio ambiente, não apenas com o intuito de reprimir, mas também de prevenir” (ARMELIN, 2002, p. 341).

 

Para melhor compreensão sobre a mineração, salienta-se a necessidade de haver a criação de uma barragem de contenção de rejeitos em que ficarão os materiais que sobrarem da extração do minério, sendo que estes em sua maioria serão materiais tóxicos e em grandes quantidades, sendo estas barragens conhecidas por gerarem considerável impacto ambiental (DUARTE, 2008, pág. 01).

 

Dessa forma verifica-se a real necessidade de maior fiscalização dos órgãos púbicos que deverão atuar com vistas a impedir qualquer tipo de irregularidades que possam vir a lesionar pessoas e ambiente, conforme preceituado na Constituição Federal em seu artigo 21, in verbis: “Compete à União: XVIII -  planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e as inundações” (BRASIL, 1988).

 

Desta feita, apesar dessas barragens serem construídas por empresas particulares, a sua fiscalização também caberá ao poder público, que deverá observar a obediência às normas internas e externas então vigentes, e nesse sentido esclarece Duarte que o Brasil ainda possui um sistema precário de cadastros com informações mínimas dessas barragens, o que dificulta a atuação dos órgãos responsáveis em fiscalizar (DUARTE, 2008, pág. 01).

 

5. A CONVENÇÃO DE MONTEGO BAY E A (IM)POSSIBILIDADE NA RESPONSABILIDADE ESTATAL PELOS DANOS MARINHOS AMBIENTAIS ADVINDOS DO ROMPIMENTO DA BARRAGEM DA MINERADORA SAMARCO/AS

 

Tendo em vista que o Estado Brasileiro ratificou a Convenção de Montego Bay, busca-se verificar quais dispositivos legais da referida Convenção não foram devidamente cumpridos.

 

A Convenção traz em seus artigos um rol de obrigações aos Estados signatários não apenas de proteção e preservação, mas também medidas visando à prevenção, redução e até o controle da poluição do meio marinho, devendo reduzir o tanto quanto possível, conforme se verifica em:

ARTIGO 145

Proteção do meio marinho

No que se refere às atividades na Área, devem ser tomadas as medidas necessárias, de conformidade com a presente Convenção, para assegurar a proteção eficaz do meio marinho contra os efeitos nocivos que possam resultar de tais atividades. Para tal fim, a Autoridade adotará normas, regulamentos e procedimentos apropriados para Inter alia:

a) prevenir, reduzir e controlar a poluição e outros perigos para o meio marinho, incluindo o litoral, bem como a perturbação do equilíbrio ecológico do meio marinho, prestando especial atenção à necessidade de proteção contra os efeitos nocivos de atividades, tais como a perfuração, dragagem, escavações, lançamento de detritos, construção e funcionamento ou manutenção de instalações, dutos e outros dispositivos relacionados com tais atividades;

b) proteger e conservar os recursos naturais da Área e prevenir danos à flora e à fauna do meio marinho.

ARTIGO 1

[...] 

1)     "Área" significa o leito do mar, os fundos marinhos, e o seu subsolo além dos limites da jurisdição nacional (ONU, 1982).

 

Além dessas obrigações, a Convenção também constitui deveres, como ter zelo para evitar a transferência a outros Estados, direta ou indiretamente, de danos ou riscos de uma zona para outra, e evitar desenvolver determinada forma de poluição à outra (BIZAWU; CAMPOS, 2016, p. 262), situação esta que se verificou no caso concreto em análise, uma vez que, inicialmente a barragem de mineração estourou no município de Fundão/MG e percorreu por quinze dias o leito do Rio Doce, até chegar ao mar localizado em Regência/ES (PORTO, 2016, [s.p.]), traduzindo-se em verdadeiro descumprimento a este preceito legal, já que uma poluição de origem terrestre acabou por se tornar poluição lacustre, e posterior em poluição marinha. Nesse sentido também prevê especificamente o referido diploma legal em seu artigo 207 que:

 

SEÇÃO 5. REGRAS INTERNACIONAIS E LEGISLAÇÃO NACIONAL PARA PREVENIR, REDUZIR E CONTROLAR A POLUIÇÃO DO MEIO MARINHO.

ARTIGO 207

 

Poluição de origem terrestre

1.Os Estados devem adotar leis e regulamentos para prevenir, reduzir e controlar a poluição do meio marinho proveniente de fontes terrestres, incluindo rios, estuários, dutos e instalações de descarga, tendo em conta regras e normas, bem como práticas e procedimentos recomendados e internacionalmente acordados.

2. Os Estados devem tomar outras medidas que possam ser necessárias para prevenir, reduzir e controlar tal poluição.

[...]

5. As leis, regulamentos, medidas, regras e normas, bem como práticas e procedimentos recomendados, referidos nos parágrafos 1º, 2º e 4º devem incluir disposições destinadas a minimizar, tanto quanto possível, a emissão no meio marinho de substâncias tóxicas, prejudiciais ou nocivas, especialmente as substâncias não degradáveis (ONU, 1988).

 

Dada a relevância do assunto bem como a necessidade da efetiva proteção, a Convenção de Montego Bay traz ainda, de forma pontual, em mais um artigo especifico sobre a poluição de origem terrestre, conforme se verifica:

 

ARTIGO 213

Execução referente à poluição de origem terrestre

Os Estados devem assegurar a execução das suas leis e regulamentos adotados de conformidade com o artigo 207 e adotar leis e regulamentos e tomar outras medidas necessárias para pôr em prática as regras e normas internacionais aplicavéis estabelecidas por intermédio das organizações internacionais competentes ou de uma conferência diplomática para prevenir, reduzir e controlar a poluição do meio marinho de origem terrestre (ONU, 1982).

 

Deste modo, verifica-se que o Estado tendo ratificado a referida Convenção, vinculou-se nas obrigações que dele decorrem, caso em que deveria, ao deparar-se com desastres ambientais, executar medidas imediatas de contenção dos danos que poderiam surgir, o que não ocorrendo, acabaria por gerar responsabilização a este,conforme previsão na referida norma:

 

SEÇÃO 9 RESPONSABILIDADE.

ARTIGO 235

Responsabilidade

1. Os Estados devem zelar pelo cumprimento das suas obrigações internacionais relativas à proteção e preservação do meio marinho. Serão responsáveis de conformidade com o direito internacional.

2. Os Estados devem assegurar através do seu direito interno meios de recurso que permitam obter uma indenização pronta e adequada ou outra reparação pelos danos resultantes da poluição do meio marinho por pessoas físicas ou jurídicas, sob sua jurisdição. (ONU, 1982).

 

No que tange a responsabilidade do Estado prevista na referida Convenção, Bizawu e Campos verificam que esta se dará de forma subjetiva, onde se fará necessário avaliar a culpa, com o fundamento de que do artigo 232 do referido documento será “[...] a adoção do critério da responsabilidade civil subjetiva, baseado na ideia de culpa, quando afirma que os Estados serão responsáveis por perdas ou danos que lhes sejam imputáveis, quando decorrer de medidas ilegais” (BIZAWU; CAMPOS, 2016, p. 269).

 

Sendo assim, necessário se faz verificar se houve por parte do Estado Brasileiro a efetiva mobilização no sentido de implementar medidas após a ocorrência da ruptura da barragem no sentido de evitar que tais danos se alargassem.

 

5.1. MEDIDAS QUE EFETIVAMENTE FORAM TOMADAS PARA PREVENÇÃO E REPARAÇÃO DOS DANOS CAUSADOS AO AMBIENTE DE REGÊNCIA/ES.

 

Foi noticiado pelo Governo Federal, a respeito do rompimento da barragem de mineração da empresa Samarco que “a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, em 5 de novembro de 2015, ocorre sob orientação e fiscalização do Comitê Interfederativo (CIF), criado em abril de 2016” (GOVBR, 2018), na ocasião, também foi publicado que  “órgãos da União, dos Estados de MG e ES, do Judiciário e da sociedade civil trabalham em conjunto para garantir que os impactos sócio ambientais provocados pela tragédia em Mariana/MG sejam reparados” (GOVBR, 2018).

 

O Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos - IEMA, também veiculou em seu sitio eletrônico a seguinte informação:

 

Em 02 de março de 2016, após exaustivas negociações e discussões extremamente técnicas e jurídicas, foi assinado um Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC ou Acordo) entre a Samarco, a Vale, a BHP Billiton e os governos federais, de Minas Gerais e do Espírito Santo. O TTAC contempla 41 programas socioeconômicos e socioambientais para recuperação, mitigação, remediação e reparação, inclusive indenização, pelos impactos causados pelo rompimento da barragem (IEMA, [2017?]).

 

Ocorre que, este Termo de Ajustamento de Conduta começou a vigorar apenas em 07 de julho de 2016, quando da publicação da Portaria nº 18/2016 elaborada pelo IBAMA.

 

Em contrapartida, ainda em 2015, foi noticiado no sitio eletrônico do governo federal que “o trabalho de ajuda às vítimas começou logo após o acidente, assim como as ações emergenciais de preservação da fauna e da flora locais” (GOVBR, 2017).

 

Ocorre que, tais ações apenas começaram a vigorar após a assinatura do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta, que ocorreu em março de 2016, conforme veiculado pela IEMA, sendo que entre a data da ocorrência do rompimento da barragem, até a data de assinatura do acordo decorreu o lapso de tempo de aproximadamente quatro meses, e após um ano da ocorrência do desastre, especialistas da ONU aduzem que:

 

Na véspera do primeiro aniversário do colapso catastrófico da barragem, de propriedade da Samarco, instamos o governo brasileiro e as empresas envolvidas a darem resposta imediata aos numerosos impactos que persistem, em decorrência desse desastre.

 

As medidas que esses atores vêm desenvolvendo são simplesmente insuficientes para lidar com as massivas dimensões dos custos humanos e ambientais decorrentes desse colapso, que tem sido caracterizado como o pior desastre socioambiental da história do país. [...]

Relembramos o governo e as empresas que um desastre dessa escala — que despejou o equivalente a 20 mil piscinas olímpicas de rejeitos — requer resposta em escala similar.

Apelamos ao Estado brasileiro para que forneça evidências conclusivas sobre a segurança da qualidade da água dos rios e de todas as fontes utilizadas para consumo humano e que estas atendem os padrões legais aplicáveis. [...].

Destacamos ainda as conclusões do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), indicando que os esforços das empresas envolvidas — Samarco, Vale e BHP Billiton — para deter os contínuos vazamentos de lama da barragem de Fundão, estejam sendo insuficientes (NAÇOES UNIDAS BRASIL, 2016). Não vi na referencias.

 

Dessa forma verifica-se que, apesar de serem veiculadas pelo Governo Federal as informações de que diversas ações emergenciais de contenção foram realizadas, na pratica tem-se que apenas pequena parte dessas ações foram efetivas, conforme relataram especialistas da ONU.

 

CONCLUSÃO

 

De todo exposto conclui-se que, muito embora o Brasil tenha ratificado a Convenção de Montego Bay, considerando sua força normativa, bem como tenha dado status constitucional ao meio ambiente sadio e equilibrado, ao deparar-se com desastre de tamanha proporção o país quedou-se sem medidas de emergências efetivas a fim de contenção dos rejeitos para evitar danos maiores.

Dessa forma verifica-se que apesar de previsto na referida Convenção que o país deveria adotar medidas internas que assegurem o real cumprimento de suas obrigações, na prática tem-se um país que sequer possui planos emergenciais e estudos prévios, uma vez que, quando do rompimento da barragem, os rejeitos percorrem por 15 dias seguidos sem que nenhuma medida eficaz tenha sido realizada.

Ao analisar a responsabilidade internacional em conjunto com a Convenção de Montego Bay, verifica-se que a um Estado caberá à responsabilização, ainda que por ato de um particular em seu território, uma vez que o país obriga-se a fiscalizar, adotar procedimentos contingenciais, bem como está obrigado a assegurar a efetiva obediência aos preceitos estabelecidos na referida norma, o que não ocorreu na prática.

Portanto, ao deparar-se com tal situação, e sendo perfeitamente cabível a responsabilidade internacional nos termos atuais visando à proteção e preservação ambiental, se mostra cabível que o Estado possa vir a ser responsabilizado em virtude da omissão no caso em tela, configurando verdadeiro desrespeito a vários comandos legais previstos na Convenção de Montego Bay, que prevê, inclusive, que o estado poderá ser responsabilizado em âmbito internacional.

[1] Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (United Nations Environment Programme) – UNEP, trata-se de órgão subsidiário da Assembleia Geral das Nações Unidas, criado para desenvolver programas internacionais e nacionais de proteção ao meio ambiente na Conferência de Estocolmo sobre Meio Ambiente Humano, 1972 (ACCIOLY; SILVA; CASELLA, 2017, pág. 686).

[2] O Grupo de Trabalho reuniu-se com autoridades do Estado, empresas, representantes da sociedade civil e da comunidade em Minas Gerais. O Estado tem a maior concentração de minas industriais do Brasil, e a visita do Grupo de Trabalho ocorreu após o trágico desastre causado pela ruptura de 5 de novembro da barragem de rejeitos de Fundão, no distrito de Mariana. O desastre é referido como o pior desastre ambiental do Brasil (UNITED NATIONS HUMAN RIGHTS OFFICE OF THE HIGH COMISSIONER, 2015, [s.p.] tradução nossa).

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Referências

ACCIOLY, Hildebrando; CASELLA, Paulo Borba; SILVA, G.E. do Nascimento E. Manual de direito internacional público. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

AMARAL JUNIOR, Alberto do. Curso de direito internacional público. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2015.

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ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS - ONU. Projeto da comissão de direito internacional das nações unidas sobre responsabilidade internacional dos estados. 2001. Disponível em: <http://iusgentium.ufsc.br/wp-content/uploads/2015/09/Projeto-da-CDI-sobre-Responsabilidade-Internacional-dos-Estados.pdf>. Acesso em: 05 fev. 2019.

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil.5ª ed. rev., atual. eampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015.


Tamara Dutra

Estudante de Direito - Vitória, ES


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