TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR: O reconhecimento do valor social e jurídico do tempo e a autonomia da indenização pelo tempo despendido.


02/12/2020 às 23h06
Por Walace dos Reis Ferreira

RESUMO

 

O presente trabalho tem como escopo analisar a Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor em contraposição à jurisprudência do Mero Aborrecimento, debatendo sobre a relevância do tempo para o homem, o seu reconhecimento como bem jurídico a ser tutelado e sobre a possibilidade de indenização pelo tempo despendido. Para realiza-lo foram utilizadas pesquisas bibliográficas a partir de doutrinas, jurisprudências, artigos online, bem como exame de normas e de julgados ligados ao assunto. Ao final constatou-se que a tese vem ganhando espaço e sendo cada vez mais aceita na aplicação do Direito, que, apesar de entendimentos contrários, vem demonstrando que o tempo do consumidor é deveras relevante e carece de tutela jurisdicional.

 

Palavras chave: Código de Defesa do Consumidor; Responsabilidade Civil; Desvio Produtivo do Consumidor; Mero Aborrecimento; Dano Temporal.

 

SUMÁRIO

 

1. Introdução; 2. Desenvolvimento; 2.1. O instituto da responsabilidade civil no âmbito das relações de consumo; 2.2 Teoria do desvio produtivo do consumidor; 2.3 O tempo, fator primordial para utilização dos recursos produtivos; 2.4 O reconhecimento do tempo como bem jurídico indenizável e sua importância na mitigação da indústria do mero aborrecimento; 2.5 A aplicabilidade da teoria do desvio produtivo do consumidor; 2.5.1 Da possibilidade de autonomia do dano temporal; 3. Conclusão. Referências.

 

1 - INTRODUÇÃO

 

Muitas são as mudanças na sociedade atual que trazem avanços também nas relações consumeristas e, em decorrência disso, ao surgirem novos produtos e novos serviços, consequentemente, surgem novas lesões que passam a serem notadas e diagnosticadas.

 

Diversas ações perpetradas por fornecedores de produtos e serviços compõem o que chamamos de má prestação de serviços, ações como a propaganda enganosa - o mau atendimento - entre outras, que constituem um verdadeiro desrespeito aos consumidores e são responsáveis pelo dispêndio de tempo útil.

 

O tempo despendido pelo consumidor na busca de solução de problemas que não deu azo, na maioria das vezes, se torna abusivo e intolerável. Entretanto, por mais incrível que pareça, ainda não há um consenso jurisprudencial que denote se a perda de tempo imposta ao consumidor é prática vedada pela sistemática jurídica passível de indenização ou se trata-se de mero dissabor tolerável no âmbito das relações de consumo.

 

Diante da Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor de Marcos Dessaune que trata a perda do tempo útil como uma nova modalidade de dano extrapatrimonial, diante de posicionamentos que tendem a considerar a perda do tempo como um mero aborrecimento cotidiano e diante das ressalvas constatadas na jurisprudência que a adota de maneira tímida, pertinente é o presente estudo que visa analisar o dano advindo da perda do tempo no que tange à sua configuração, autonomia e possibilidade de reparação.

 

Desta forma, foi empregado um estudo com abordagem qualitativa e pesquisa explicativa, buscando submersão no tema tratado que ainda é alvo de debates e entendimentos controvertidos. Realizada coleta de dados bibliográficos, consultas doutrinárias, jurisprudencial, e também, artigos científicos e artigos online.

 

2 - DESENVOLVIMENTO

2.1 - O INSTITUTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO ÂMBITO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO

 

Devido à própria natureza da vida em sociedade, nas relações sociais podem surgir interferências recíprocas, ou não, provocadas e sentidas por cada cidadão. Havendo essa ingerência de uma pessoa, física ou jurídica, em direitos de outrem sucederá a obrigação de repor as perdas experimentadas ou restituir possíveis danos ao ofendido.

 

A Responsabilidade Civil, instituída pelo art. 927[1] do Código Civil Brasileiro, está diretamente ligada à noção de não prejudicar os outros e, caso prejudique, surge a obrigação de reparar os danos causados em razão de sua ação ou omissão. Estando ligada, tanto em seu sentido etimológico quanto no sentido jurídico à ideia de contraprestação, encargo e obrigação.

 

Faz-se necessária a diferenciação entre obrigação e responsabilidade, a primeira é um dever jurídico e a segunda é um dever jurídico sucessivo consequente à violação da primeira (CAVALIERI FILHO, 2008, P.3).

 

Há uma certa dinamicidade que torna a responsabilidade civil matéria viva que se renova conforme surgem novas teses jurídicas atendendo às necessidades da sociedade atual.

 

A prática de ilícitos que causam lesão a um direito subjetivo de outra pessoa faz nascer o dever de reparar o dano, daí nasce a responsabilidade civil. De acordo com o artigo 186 do Código Civil Brasileiro “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”.

 

Analisando o referido artigo identificamos os elementos da responsabilidade civil, que são: a conduta culposa do agente, o nexo causal, o dano e a culpa. Trata-se da base fundamental do instituto da responsabilidade civil.

 

A responsabilidade civil está em constante mudança acompanhando as necessidades da sociedade atual, evoluindo ao longo do tempo. A tendência é cada vez mais conferir a garantia de reparação de danos causados às vítimas, sendo que o intuito é maximizar, cada vez mais, a possibilidade de reparação dos danos.

 

As funções compensatórias e preventivas da responsabilidade civil existem tanto no âmbito da responsabilidade civil subjetiva em que se analisa a presença da culpa e o grau de culpabilidade do ofensor, quanto no âmbito da responsabilidade civil objetiva que por sua vez  independe da aferição de culpa, ou de gradação de envolvimento, do agente causador do dano.

 

No que concerne às relações de consumo, a tutela dos interesses dos consumidores deve se voltar à proteção de seus bens jurídicos, sejam eles os tradicionais danos materiais e morais ou um novo dano. O intuito é conferir garantia efetiva de proteção aos consumidores independente do grau de reprovabilidade da conduta do fornecedor de produtos e ou serviços.

 

Desta forma, havendo lesão a um bem jurídico do consumidor, haverá a imposição de reparabilidade desse dano sem necessidade de averiguar o motivo pelo qual o fornecedor agiu ou deixou de agir nos moldes que deveria.

 

Destaca-se que o Código de Defesa do Consumidor em seu art. 4º, inciso I, d e inciso V exige qualidade no que tange aos produtos e serviços prestados, não importando se há a presença ou não de culpa na imposição de responsabilidade quando o produto ou o serviço não forem condizentes com o que se espera. Cabendo, portanto, ao fornecedor ressarcir quais quer danos perpetrados aos consumidores.

 

A partir daí foi exposto sobre o Instituto da Responsabilidade Civil no Código de Defesa dos Consumidores, deixando claro a relevância da prevenção e reparação dos consumidores nos casos de violação aos seus direitos e garantias.

 

Cabe agora analisar as razões pelas quais deve ser o dano temporal tutelável.

 

2.2 - TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR

 

Em virtude de situações corriqueiras de mau atendimento aos consumidores, é nítido a via crucis enfrentada na tentativa de solucionar as falhas de fornecedores no fornecimento de um produto ou na prestação de um serviço, o que o leva a se desviar de suas atividades cotidianas levando à perda de uma parcela do seu tempo, de sua existência.

 

Segundo Marcos Dessaune, os fornecedores e prestadores de serviços devem aplicar em suas atividades técnicas que possibilitem a liberação dos recursos produtivos do consumidor, a fim de que este tenha condições de realizar outras atividades de acordo com suas preferências com esse tempo livre. Possibilitando que o consumidor se realize, usufrua de seu tempo, de sua liberdade social, econômica e laboral, do lazer, da criatividade e outros.

 

Acontece que, no atual modelo econômico no qual o objetivo é apenas lucrar, os fornecedores têm deixado a desejar no que tange à satisfação dessas necessidades. Isso porque é fácil nos deparamos com situações de má prestação de serviços, com um atendimento deficiente e com a falta de recursos por parte de fornecedores.

 

Nesse sentido, assevera Marcos Dessaune (2017, on-line):

 

Independentemente do porte do fornecedor, do seu grau de culpabilidade e do resultado que seu ato alcançar, a conduta de tentar atenuar, impossibilitar ou exonerar sua responsabilidade por problemas de consumo configura a prática abusiva (gênero) vedada pelos arts. 25, 39, V e 51, I e IV, do CDC. Ao se esquivar de resolver o problema primitivo em prazo compatível com a real necessidade do consumidor, o fornecedor consuma tal prática abusiva e gera para o consumidor duas novas alternativas de ação, que são indesejadas: assumir o prejuízo ou tentar, ele mesmo, solucionar a situação lesiva.

 

Na grande maioria das vezes o consumidor opta por não perder seu tempo na tentativa de solução e, pensando nisso, o advogado e doutrinador Marcos Dessaune nos traz a chamada Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor, cujo objetivo é analisar o tempo como bem jurídico a ser tutelado e passível de indenização quando do seu desvio causado por fornecedores no âmbito das relações consumeristas, em seu livro “Teoria aprofundada do Desvio Produtivo do Consumidor: O prejuízo do tempo desperdiçado e a vida alterada”.

 

Para o autor, o desvio produtivo do consumidor ocorre quando há uma falha do fornecedor na cadeia de consumo, seja em virtude de vício ou fato do serviço ou do produto, fazendo com que o consumidor perca tempo existencial ou produtivo para solucionar tal falha, coisa que o próprio fornecedor deveria fazer num tempo razoável e de forma eficiente.

 

Trata-se, portanto, de uma nova espécie de dano extrapatrimonial, dano que não deve ser confundido com o dano moral.

 

O autor conceitua o Desvio Produtivo do Consumidor como:

 

Fato ou evento danoso que se consuma quando o consumidor, sentindo-se prejudicado, gasta seu tempo vital – que é um recurso produtivo – e se desvia de suas atividades cotidianas – que geralmente são existenciais. Por sua vez, a esquiva abusiva do fornecedor de se responsabilizar pelo referido problema, que causa diretamente o evento do desvio produtivo do consumidor, evidencia a relação de causalidade existente entre a prática abusiva do fornecedor e o evento danoso dela resultante. (DESSAUNE, 2017, p. 274)

 

Ou seja, para o autor o Desvio Produtivo do Consumidor é caracterizado quando o consumidor, vítima de uma situação de mau atendimento, é obrigado a desperdiçar o seu tempo e desviar suas competências – de atividades necessárias ou por ele preferida – na solução de um problema criado pelo fornecedor.

 

Ademais, devido a situação vulnerável inerente à condição de consumidor, a lesão ao tempo faz com que acabe suportando ônus que deveria ser suportado pelo fornecedor.

 

A respeito disso, ressalta Dessaune:

 

Como resultado da decisão a que foi induzido, o consumidor despende então uma parcela de seu tempo, adia ou suprime algumas atividades planejadas ou desejadas e desvia suas competências dessas atividades para uma das duas novas alternativas de ação que, apesar de indesejadas, mostram-se prioritárias, necessárias ou inevitáveis nesse instante. Além disso, o consumidor muitas vezes assume deveres e custos que a lei atribui unicamente ao fornecedor e, para tanto, renuncia por força das circunstâncias à sua plena liberdade de escolha de todas as alternativas de ação possíveis no momento.[...] ao precisar enfrentar o problema nocivo, o consumidor carente e vulnerável incorre em um custo de oportunidade indesejado, que demonstra que a vulnerabilidade inerente ao processo normal de consumo – quando o consumidor despende os seus recursos e deixa de realizar outras atividades em decorrência de sua livre escolha e vontade – dá lugar a uma situação de impotência, de contrariedade e de prejuízos para ele. (2017, p. 87)

 

A teoria traz a necessidade de ressarcimento do tempo despendido na tentativa de solução de problemas impostos ao consumidor de forma arbitrária, tempo que poderia ser dedicado ao trabalho ou ao lazer e que, em razão de tal situação, não será recuperado. Reforçando a importância do tempo como bem jurídico a ser tutelado.

 

Auxiliando também na mitigação da ideia do mero aborrecimento, que tem grande escudo dos tribunais e que vem perdendo sua força em decorrência do advento da teoria.

 

O desvio produtivo enseja indenização ao consumidor que sofreu o dano, e de certa forma, leva ao enriquecimento ilícito e sem justa causa do fornecedor, visto que quando este não realiza as diligências para resolver o conflito causado por ele mesmo, transmite essa responsabilidade ao consumidor que, carente e vulnerável, tenta solucionar o problema, despendendo seu tempo vital e mudando atividades corriqueiras (DESSAUNE, 2017).

 

Vale destacar que o tempo objeto da teoria do Desvio Produtivo do Consumidor não diz respeito apenas àquele gasto em demandas judiciais, mas também à simples demora na prestação de um serviço, bem como, o tempo gasto na tentativa de solução de problemas na seara administrativa. A teoria defende que todo tempo despendido pelo consumidor para a solução de problemas perpetrados pelos fornecedores constitui dano indenizável.

 

2.3 - O TEMPO, FATOR PRIMORDIAL PARA UTILIZAÇÃO DOS RECURSOS PRODUTIVOS

 

A vida é uma verdadeira corrida contra o tempo, a única certeza que se tem é que um dia todos morrerão, sendo que o existir, as experiências e a produção realizada por um indivíduo dependerão do tempo que antecede a sua morte.

 

Em que pese a grande relevância individual e social do tempo, não há hoje ainda reconhecimento expresso de seu valor jurídico e isso pode se dar pelo fato de não haver o reconhecimento de seu valor pessoal. Muitas vezes o decurso do tempo passa despercebido pelos homens, horas, dias, semanas, meses e anos passam sem que se dê conta da importância desse fato na vida, ou seja, muitas vezes o tempo é menosprezado pelos maiores interessados.

 

O tempo não representa apenas uma unidade de medida e sim elemento que integra a vida humana, é a própria expressão da vida, sendo que esta decorre através daquele. Desta forma, ao dedicar tempo a determinada atividade está dedicando uma parcela de sua existência na realização dessa atividade. Assim, a vida é um bem tutela no âmbito constitucional e em consequência disso, o tempo também o é. (MELLO, 2013)

 

[...] Quer saber o valor de um ano? Pergunte A um garoto que repetiu de ano. Para saber o valor de um mês, pergunte a uma mulher que teve um filho prematuro. Para saber o valor de uma semana, pergunte a um editor de jornal semanal. Quer saber o valor de um dia, pergunte para uma pessoa que tem tarefas árduas para serem feitas nesse dia. Para saber o valor de uma hora, pergunte aos amantes que não veem a hora de se encontrar. Para saber o valor de um minuto, pergunte a quem perdeu um avião. Para saber o de um segundo, pergunte a quem conseguiu evitar um acidente de trânsito e para saber o valor de um milésimo de segundos, pergunte a um atleta que ganhou medalhas de prata nas olimpíadas. (MODESTO[3], online)

 

A vida é a tradução da própria existência, assim o decorrer do tempo deve ser analisado com a devida importância por tratar-se de decurso e do esvair da vida humana (PEREIRA, 2015). A respeito desse tema, Mello nos diz que:

 

[...] o decurso de uma hora, um dia ou um mês, não representa somente uma unidade de medida de tempo, mas a própria vida traduzida no passar desse tempo. Portanto, quando se dedica tempo à determinada atividade, significa dizer que se está dedicando uma parcela da própria existência à essa atividade. Da mesma forma, quando se despende tempo com algo, significa, igualmente, que se está despendendo uma parcela dessa existência. (2013, p.56)

 

Podemos dizer que o tempo é patrimônio individual devido à possibilidade de sua reversão em pecúnia através do trabalho. Em consideração à sociedade capitalista Karl Marx entendeu que determinadas atividades que demandassem mais tempo para ofertar determinado produto ou serviço teria um valor mais elevado, o que demonstra o reconhecimento da importância do tempo há bastante tempo.

 

O tempo é finito, intangível, ininterrupto, escasso, insubstituível, indisponível, irrecuperável e irreparável. Portanto, resta inquestionável que o tempo possui profundo significado e imenso valor, devendo ser objeto de atenção do jurista diante da possibilidade concreta de proteção jurídica. Trata-se, indiscutivelmente, de um bem precioso para o ser humano.

 

2.4 - O RECONHECIMENTO DO TEMPO COMO BEM JURÍDICO INDENIZÁVEL E SUA IMPORTÂNCIA NA MITIGAÇÃO DA INDÚSTRIA DO MERO ABORRECIMENTO

 

Empenhados na busca de soluções para os mais diversos obstáculos ocasionados pelos próprios fornecedores de produtos e serviços, seja por despreparo, desatenção, descaso ou má-fé, os consumidores têm perdido parcela considerável de seu tempo, de sua existência.

 

Essa perda de tempo útil é o que Marcos Dessaune denomina de “Desvio Produtivo do Consumidor” quando diz que “para desempenhar qualquer atividade, a pessoa humana necessita dispor de tempo e de competências [conhecimentos, habilidades e atitudes], que constituem seus recursos produtivos”.

 

Segundo a referida teoria a missão dos fornecedores é contribuir para a existência digna, promover o bem-estar e possibilitar a realização humana de seu consumidor, em função do qual existe. Daí temos a importância da qualidade dos bens produzidos e serviços prestados e a missão do fornecedor de cumprir com tais desígnios.

 

No entanto, o que se verifica é que os fornecedores têm ido na contramão e que os consumidores, imersos na busca de solução dos empecilhos têm perdido parcela considerável de seu tempo e, por consequência, de sua existência com obstáculos causados pelos fornecedores.

 

Cada vez mais os consumidores têm sido obrigados a desviar seu tempo de atividades cotidianas de sua preferência para solucionar problemas causados pelos fornecedores de produtos e serviços, é notório que o tempo é algo de suma importância na vida do ser humano, aliás, o tempo é a própria existência e , por este motivo, constitui-se como bem jurídico indenizável.

 

Comentando sobre a questão, Maia sintetiza com clareza da seguinte maneira:

 

Dessa forma, o direito à tutela do tempo para desenvolvimento da personalidade humana representa consequência direta dos direitos fundamentais à dignidade e à liberdade do ser humano. Destarte, o dano injusto a esse bem jurídico representa ofensa distinta da esfera patrimonial ou mesmo moral em sentido estrito do cidadão. Aliás, o reconhecimento da autonomia do dano temporal ensejará maior repercussão pedagógica entre os fornecedores na seara da responsabilização civil por perda indevida de tempo, uma vez que o tempo humano passará a ter valor em si mesmo considerado e não por eventuais consequências econômicas ou morais de sua violação as quais poderão ser reparadas conjuntamente, afirme-se in passant (2014, p. 163).

 

É nítido a relação do tempo com o Direito, visto se tratar de bem essencial e imprescindível para a manutenção dos direitos fundamentais e individuais (DELMONI, 2015).

 

Verifica-se que o tempo é imprescindível para a vida cotidiana num todo, não apenas para atividades laborais, mas para o lazer que pode incluir viagem com amigos, comemoração em família ou apenas para ficar em casa descansando após um dia de trabalho (SILVA, 2017)

 

Segundo esta perspectiva, razoável e justo que o fornecedor que, por ação ou omissão, ferir direitos de consumidores e, consequentemente, o fizer despender de algum tempo que poderia utilizar na realização de outras atividades pessoais, seja compelido à reparação na medida do possível.

 

Na contramão da perspectiva basilar da Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor, há o entendimento de que a parda de tempo não merece respaldo e, por consequência, não é passível de indenização por constituir mero aborrecimento cotidiano sem relevância suficiente para justificar indenização.

 

Importante mencionar que o que se pretende com a aplicação da referida teoria não é a banalização da reparação civil, fazendo da perda do tempo uma indústria de produção de danos indenizáveis e sim o tratamento da situação com um olhar mais sensível às mudanças que têm demarcado o convívio social na atualidade.

 

Os meios de comunicação têm proporcionado uma aproximação entre as partes da relação de consumo, facilitando a solução de demandas simples. Assim, o consumidor pretende resolver suas insatisfações de forma mais satisfatória e mais célere de forma que a maior parte de seu tempo seja dedicada às tarefas que julgar mais importantes. Até porque ao contratar um serviço ou adquirir um produto, o que menos se espera é que isso lhe traga “dor de cabeça”.

 

Imperioso destacar a diligente iniciativa da seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil ao protocolar pedido de cancelamento da Súmula nº 75 do TJ-RJ[4] sob a justificativa de que a mesma favorece aquele que pratica ato de usurpação temporal transmitindo a ideia de compensação financeira, mantendo a situação de injustiça. De acordo com a procuradoria daquela seccional, a referida súmula está em desacordo com o Superior Tribunal de Justiça, que já acolheu e aplica a Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor.

 

Dessa forma, foi instaurado processo administrativo de nº 0056716-18.2018.8.19.0000, sendo relator do processo o Desembargador Mauro Pereiro Martins. Tal processo administrativo teve a seguinte decisão:

 

ROCESSO ADMINISTRATIVO INSTAURADO A REQUERIMENTO DO CENTRO DE ESTUDOS E DEBATES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - CEDES, MEDIANTE PROVOCAÇÃO DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SEÇÃO JUDICIÁRIA DO RIO DE JANEIRO (OAB/RJ). PROPOSIÇÃO DE CANCELAMENTO DO VERBETE SUMULAR Nº 75, DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA, TENDO EM VISTA A EXISTÊNCIA DE JULGADOS DESTA CORTE, E TAMBÉM DO STJ, NO SENTIDO DE QUE O INADIMPLEMENTO CONTRATUAL É, SIM, CAPAZ DE GERAR DANO MORAL, DESDE QUE HAJA LESÃO A ALGUM DOS DIREITOS INERENTES À PERSONALIDADE, ADOTANDO-SE A TEORIA OBJETIVA, EM DETRIMENTO DA TEORIA SUBJETIVA A QUE ALUDE O ENUNCIADO DE SÚMULA, QUANDO FAZ REFERÊNCIA AO MERO ABORRECIMENTO, EXPRESSÃO DEMASIADAMENTE AMPLA E CAPAZ DE GERAR AS MAIS DIVERSAS E VARIADAS INTERPRETACÕES, POR PARTE DE CADA MAGISTRADO, DIANTE DE CASOS CONCRETOS FUNDADOS EM UMMESMO FATO DANOSO, COM VIOLAÇÃO, ASSIM, DOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA SEGURANÇA JURÍDICA. JULGADOS DESTA CORTE DE JUSTIÇA QUE, DESDE OS IDOS DE 2009, TRAZEM DENTRE OS DIREITOS DA PERSONALIDADE O TEMPO DO CONTRATANTE, QUE NÃO PODE SER DESPERDIÇADO INULTILMENTE, TOMANDO POR BASE A MODERNA TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR. SÚMULA QUE NÃO MAIS SE COADUNA COM O ENTENDIMENTO ADOTADO POR ESTE SODALÍCIO, E, QUE ACABA POR SERVIR DE AMPARO PARA QUE GRANDES EMPRESAS, EM FRANCA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA, CONTINUEM A LESAR OS DIREITOS DOS CONTRATANTES, SOB O AMPARO DE QUE O INADIMPLEMENTO CONTRATUAL NÃO É CAPAZ DE GERAR MAIS DO QUE MERO ABORRECIMENTO. ACOLHIMENTO DA PROPOSTA DE CANCELAMENTO DO ENUNCIADO Nº 75, DA SÚMULA DE JURISPRUDÊNCIA PREDOMINANTE DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Conclusões: Por unanimidade de votos, acolheu-se a proposta de cancelamento do enunciado nº 75 da súmula de jurisprudência predominante, nos termos do voto do Desembargador Relator.

 

Assim, a referida Súmula foi revogada sob a justificativa da adoção da teoria objeto do presente estudo nas decisões judiciais precedentes do STJ e da própria Corte em questão.

 

2.5 - A APLICABILIDADE DA TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR

 

A tese vem sendo utilizada há algum tempo pelos aplicadores do direito e tem conquistado seu lugar nas decisões dos tribunais. Porém, ainda é possível se deparar com aqueles julgados que parecem ter sido proferidos sob a ótica do fornecedor, afastando a situação de vulnerabilidade do consumidor.

 

Para resolver demandas que, na maioria das vezes são provocadas pelos fornecedores, o consumidor acaba despendendo seu tempo existencial, tendo que reservar um dia inteiro ou parte dele, ou horas, tempo que poderia ser aproveitado para fazer coisas úteis. Dessa forma, dizer que isso se limita a um mero aborrecimento cotidiano é um equívoco que afronta o princípio da proteção consumerista.

 

Não é admissível condutas que se mostrem indiferentes às situações que causam danos no que tange à relação de consumo, entretanto, segundo Gagliano (2013, p. 46), “nem toda situação de desperdício do tempo justifica a reação das normas de Responsabilidade Civil, sob pena de a vítima se converter em algoz, sob o prisma da teoria do abuso de direito”. Assim, para que haja a prevenção e repressão da conduta que se busca combater, deverá ocorrer a ponderação entre a razoabilidade e a proporcionalidade considerando a situação vivenciada pelo consumidor.

 

É notório que, por se tratar de tese nova, de reconhecimento de nova modalidade de dano ao consumidor a ser indenizado há muito que aprimorar no que diz respeito à aplicação. Mas prova de que esse conceito vem ganhando seu espaço é a sua adoção cada vez maior pelos aplicadores do Direito, como por exemplo o ilustre doutrinador e magistrado citado acima, Pablo Stolze Gagliano e os Ministros do STJ Nancy Andrighi, Marco Aurélio Bellizze, Paulo de Tarso e Antônio Carlos que já decidiram de acordo com a teoria.

 

A título de exemplo da aplicabilidade do pensamento inovador na jurisprudência, cabe transcrever alguns jugados:

 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. RELAÇÃO DE CONSUMO. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. SERVIÇO DEFEITUOSO. DANO MORAL CONFIGURADO. TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR. RESTITUIÇÃO EM DOBRO DO INDÉBITO. ARTIGO 42 DO CDC. PROVA DE MÁ-FÉ. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1) Como bem salienta o idealizador da teoria do desvio produtivo do consumidor, Marcos Dessaune, a sociedade pós-industrial [...] proporciona a seus membros um poder liberador: o consumo de um produto ou serviço de qualidade, produzido por um fornecedor especializado na atividade, tem a utilidade subjacente de tornar disponíveis o tempo e as competências que o consumidor necessitaria para produzi-lo para seu próprio uso, uma vez que o fornecimento de um produto ou serviço de qualidade ao consumidor tem o poder de liberar os recursos produtivos que ele utilizaria para produzilo. (Teoria aprofundada do desvio produtivo do consumidor: uma visão geral. Revista de Direito do Consumidor: RDC, São Paulo, v. 27, n. 119, p. 89-103) 2) Tal orientação, deveras, está em plena sintonia com o ritmo de vida hodierno no sistema capitalista, conforme reflexão crítica feita pelo grande pensador e ex-presidente uruguaio Pepe Mujica: Quando compramos algo, não pagamos com dinheiro. Pagamos com o tempo de vida que tivemos que gastar para ter aquele dinheiro. 3) Ou seja, num momento em que o mercado é posto como um bem imaterial intangível e tanto a competitividade como a produtividade se transformaram em valores morais que moldam o comportamento social, o tempo inegavelmente adquire relevância mercantil que não pode, em absoluto, ser ignorado pela sociologia jurídica nem pelo direito positivo. 4) O valor fixado a título de danos morais deve ser estipulado em razão das peculiaridades do caso concreto, levando em consideração o grau da lesividade da conduta ofensiva (extensão do dano) e a capacidade econômica da parte pagadora, a fim de cumprir dupla finalidade: amenização da dor sofrida pela vítima e punição do causador do dano, evitando-se novas ocorrências. Indenização fixada em R$ 5.000,00. 5) A repetição em dobro do indébito, prevista no art. 42, parágrafo único, do CDC, pressupõe a existência de pagamento indevido e a má-fé do credor. Precedentes. 6) Recurso parcialmente provido. ACORDA a Egrégia Segunda Câmara Cível, em conformidade da ata e notas taquigráficas da sessão, que integram este julgado, dar parcial provimento ao recurso. Vitória, 18 de junho de 2019. DESEMBARGADOR PRESIDENTE/RELATOR. (TJES, Classe: Apelação, 008170031796, Relator: JOSÉ PAULO CALMON NOGUEIRA DA GAMA, Órgão julgador: SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Julgamento: 18/06/2019, Data da Publicação no Diário: 02/07/2019) (Grifos postos).

DANO MORAL - Protesto indevido - Responsabilidade Civil do Estado - Inscrição indevida de lançamento tributário em cartório - Protesto de título referente à IPVA do exercício de 2017 sobre veículo alienado em 2015, com reconhecimento de firma das assinaturas perante Tabelionato - Inexigibilidade do débito - Alienante que restou desobrigado de comunicar a venda do veículo nos termos do Decreto Estadual n. 60489/14 - Existência de lesão à esfera moral do demandante em decorrência da realização de protesto indevido - Dano moral "in re ipsa" - Precedentes - Erro e / ou conduta abusiva perpetrados pela Administração Pública, gerador de efeito potencialmente lesivo pelo dispêndio e comprometimento do fator tempo e de outras tarefas que dificulte o consumidor solver situação que lhe é incômoda sem resolução espontânea, rápida e efetiva, que possibilita, na hipótese, a incidência da Teoria do Desvio Produtivo - Sentença reformada para reconhecer o direito à compensação de danos extrapatrimoniais - Juros e correção monetária - Aplicação do Tema 905 do Superior Tribunal de Justiça e do Tema 810 do Supremo Tribunal Federal - De rigor a observância da modulação dos efeitos e dos critérios a serem fixados nos declaratórios opostos ao acórdão do RE n. 870.947/SE (Tema n. 810), recebidos com excepcional efeito suspensivo - Recurso de apelação do autor provido e desprovido o reexame necessário, com observação. (Apelação Cível n. 1000624-72.2018.8.26.0205 - Getulina - 12ª Câmara de Direito Público - Relator: José Roberto de Souza Meirelles - 07/06/2019 - 14562 - Unânime) (Grifos postos).

 

 Com um nível mais elevado de relevância, temos os jugados a seguir expostos, oriundos do Superior Tribunal de Justiça que confirmam a inteligência e a importância da tese em análise.

 

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.260.458 - SP (2018/0054868-0) [...] RESPONSABILIDADE CIVIL. Danos morais. [...] Decurso de mais de três anos' sem solução da pendência pela instituição financeira. Necessidade de ajuizamento de duas ações judiciais pela autora. Adoção, no caso, da teoria do Desvio Produtivo do Consumidor, tendo em vista que a autora foi privada de tempo relevante para dedicar-se ao exercício de atividades que melhor lhe aprouvesse, submetendo-se, em função do episódio em cotejo, a intermináveis percalços para a solução de problemas oriundos de má prestação do serviço bancário. Danos morais indenizáveis configurados. [...] Isto assentado, bom é realçar que a situação vivenciada pela autora realmente extrapolou o simples dissabor resultante de insucesso negocial [...] cumprindo prestigiar no caso a teoria do Desvio Produtivo do Consumidor, por meio da qual sustenta Marcos Dessaune que todo tempo desperdiçado pelo consumidor para a solução de problemas gerados por maus fornecedores constitui dano indenizável, ao perfilhar o entendimento de que a "missão subjacente dos fornecedores é - ou deveria ser - dar ao consumidor, por intermédio de produtos e serviços de qualidade, condições para que ele possa empregar seu tempo e suas competências nas atividades de sua preferência. Especialmente no Brasil é notório que incontáveis profissionais, empresas e o próprio Estado, em vez de atender ao cidadão consumidor em observância à sua missão, acabam fornecendo-lhe cotidianamente produtos e serviços defeituosos, ou exercendo práticas abusivas no mercado, contrariando a lei. Para evitar maiores prejuízos, o consumidor se vê então compelido a desperdiçar o seu valioso tempo e a desviar as suas custosas competências - de atividades como o trabalho, o estudo, o descanso, o lazer - para tentar resolver esses problemas de consumo, que o fornecedor tem o dever de não causar. Tais situações corriqueiras, curiosamente, ainda não haviam merecido a devida atenção do Direito brasileiro. Trata-se de fatos nocivos que não se enquadram nos conceitos tradicionais de 'dano material', de 'perda de uma chance' e de 'dano moral' indenizáveis. Tampouco podem eles (os fatos nocivos) ser juridicamente banalizados como 'meros dissabores ou percalços' na vida do consumidor, como vêm entendendo muitos juristas e tribunais." [...] (STJ - AREsp: 1260458 SP 2018/0054868-0, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Publicação: DJ 25/04/2018) (Grifos postos).

 

RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR. TEMPO DE ATENDIMENTO PRESENCIAL EM AGÊNCIAS BANCÁRIAS. DEVER DE QUALIDADE, SEGURANÇA, DURABILIDADE E DESEMPENHO. ART. 4º, II, D, DO CDC. FUNÇÃO SOCIAL DA ATIVIDADE PRODUTIVA. MÁXIMO APROVEITAMENTO DOS RECURSOS PRODUTIVOS. TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR. DANO MORAL COLETIVO. OFENSA INJUSTA E INTOLERÁVEL. VALORES ESSENCIAIS DA SOCIEDADE. FUNÇÕES. PUNITIVA, REPRESSIVA E REDISTRIBUTIVA. 1. Cuida-se de coletiva de consumo, por meio da qual a recorrente requereu a condenação do recorrido ao cumprimento das regras de atendimento presencial em suas agências bancárias relacionadas ao tempo máximo de espera em filas, à disponibilização de sanitários e ao oferecimento de assentos a pessoas com dificuldades de locomoção, além da compensação dos danos morais coletivos causados pelo não cumprimento de referidas obrigações. 2. Recurso especial interposto em: 23/03/2016; conclusos ao gabinete em: 11/04/2017; julgamento: CPC/73. 3. O propósito recursal é determinar se o descumprimento de normas municipais e federais que estabelecem parâmetros para a adequada prestação do serviço de atendimento presencial em agências bancárias é capaz de configurar dano moral de natureza coletiva. 4. O dano moral coletivo é espécie autônoma de dano que está relacionada à integridade psico-física da coletividade, bem de natureza estritamente transindividual e que, portanto, não se identifica com aqueles tradicionais atributos da pessoa humana (dor, sofrimento ou abalo psíquico), amparados pelos danos morais individuais. 5. O dano moral coletivo não se confunde com o somatório das lesões extrapatrimoniais singulares, por isso não se submete ao princípio da reparação integral (art. 944, caput, do CC/02), cumprindo, ademais, funções específicas. 6. No dano moral coletivo, a função punitiva - sancionamento exemplar ao ofensor - é, aliada ao caráter preventivo - de inibição da reiteração da prática ilícita - e ao princípio da vedação do enriquecimento ilícito do agente, a fim de que o eventual proveito patrimonial obtido com a prática do ato irregular seja revertido em favor da sociedade. 7. O dever de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho que é atribuído aos fornecedores de produtos e serviços pelo art. 4º, II, d, do CDC, tem um conteúdo coletivo implícito, uma função social, relacionada à otimização e ao máximo aproveitamento dos recursos produtivos disponíveis na sociedade, entre eles, o tempo. 8. O desrespeito voluntário das garantias legais, com o nítido intuito de otimizar o lucro em prejuízo da qualidade do serviço, revela ofensa aos deveres anexos ao princípio boa-fé objetiva e configura lesão injusta e intolerável à função social da atividade produtiva e à proteção do tempo útil do consumidor. 9. Na hipótese concreta, a instituição financeira recorrida optou por não adequar seu serviço aos padrões de qualidade previstos em lei municipal e federal, impondo à sociedade o desperdício de tempo útil e acarretando violação injusta e intolerável ao interesse social de máximo aproveitamento dos recursos produtivos, o que é suficiente para a configuração do dano moral coletivo. 10. Recurso especial provido. (STJ - REsp: 1737412 SE 2017/0067071-8, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 05/02/2019, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/02/2019) (Grifos postos).

 

É notório que a aplicação da tese aqui analisada tenha crescido nos tribunais do país, inclusive no STJ, evidenciando tratar-se de um aparato de defesa contra práticas abusivas, reconhecendo o dano temporal possibilitando a indenização pelo tempo despendido.

 

Sem retirar a importância do reconhecimento, mediante a tutela direta do tempo do indivíduo, seja forma autônoma, dano extra rem[7], seja vinculado ao dano moral, a vedação do desvio produtivo acarreta na consolidação do conceito de dano no ordenamento brasileiro.

 

2.5.1 - Da possibilidade de autonomia do dano temporal

 

Em relação à possibilidade de autonomia do dano temporal, no Brasil os operadores do Direito ainda não têm o costume de perquirir, de forma apartada, as indenizações que acham pertinentes ao caso concreto.

 

Considerando uma situação hipotética na qual o consumidor tenha despendido seu tempo vital na tentativa de solução de um litígio perpetrado pelo fornecedor, disposto dias nas tentativas sem êxito, na hipótese de propositura de uma ação judicial, caso o patrono solicite a indenização pelo descumprimento de um dever legal e, de forma separada, perquira também indenização pelo tempo despendido o magistrado terá que julgar aquele pedido, caso seja omisso caberá Embargos de Declaração. Se julgará procedente ou não é outra questão.

 

Acredita-se ser esse o caminho para conquistar ainda mais espaço para aplicação da tese aqui analisada, buscando o reconhecimento do dano temporal como categoria de indenização de forma autônoma e independente, cumulada ao dano moral e material.

 

Porém, como dito anteriormente, independente da forma que se dê a indenização, a reparação e a satisfação do dano decorrente da perda do tempo útil, o importante é que este seja reconhecido e que, se vinculado ao dano moral, seja utilizado como fator de majoração da indenização.

 

3 - CONCLUSÃO

 

No decorrer do presente artigo foi visto que a Responsabilidade Civil está atrelada à relação de consumo, sendo importante mecanismo de reparação de danos advindos da prática de ilícitos perpetrados por fornecedores e inadimplemento contratual. Nesse aspecto o fornecedor assume a responsabilidade de prestar serviços ou produtos de qualidade ao consumidor que possui expectativa de bom atendimento. O que desvia desse padrão incorre de modo objetivo no dever de reparar possíveis danos causados, patrimonial ou extrapatrimonial.

 

Em 2011 foi lançada a teoria objeto deste estudo, passando-se a cogitar a hipótese de reparabilidade pelo dano causado ao consumidor que tem seu tempo subtraído injustamente em decorrência de problemas causados pelos fornecedores, em razão disso, nasce a necessidade de estudar a possibilidade do reconhecimento do tempo como bem jurídico passível de proteção.

 

A Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor vem sendo utilizada como embasamento teórico frente à lacuna na legislação referente ao assunto.

 

Indiscutível que a referida teoria é importante mecanismo para frenar abusos cometidos contra consumidores, visto vez que determina que o tempo também é precioso e tem valor na vida humana, e, por esta razão, carece de tutela. Importante a disseminação deste pensamento como forma de prevenção, porém nos casos em que o dano já ocorreu, ou seja, onde a conduta praticada pelo fornecedor extrapolou, de forma negativa, o que seria esperado pelo “homem médio”, configurando o dano, demandando, assim, a penalização promovendo respeito e equidade e, por consequência, justiça nas relações consumeristas. Necessário que seja conferida maior atenção aos problemas de consumo para que eles se tornem excepcionais, e não rotineiros como têm se demonstrado.

 

  • Código de Defesa do Consumidor; Responsabilidade C

Referências

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DESSAUNE, Marcos.  Teoria aprofundada do desvio produtivo do consumidor: o prejuízo do tempo desperdiçado e da vida alterada. 2 ed. Vitória: ver. E ampl., 2017.

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GUGLINSKI, Vitor Vilela. O dano temporal e sua reparabilidade: aspectos doutrinários e visão dos tribunais. Revista de Direito do Consumidor, vol. 99/2015, p. 125-156, maio - junho/2015.

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Walace dos Reis Ferreira

Advogado - Rio de Janeiro, RJ


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