Importância Do Compliance Para as Startups


13/01/2024 às 14h18
Por Weverton Prates

Introdução

 

O artigo 4º da Lei Complementar 182/2021 (Marco Legal das Startups) traz como ponto diferencial entre empresas ditas “comuns” e as startups, justamente a questão da inovação e tecnologia aplicada ao modelo de negócio: São enquadradas como startups as organizações empresariais ou societárias, nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados.

 

Atuação do Compliance no Modelo de Negócio das Startups

 

Governança Corporativa: Os princípios de governança corporativa encartam e sintetizam valores construídos como reações a inúmeros escândalos. Buscam criar, manter e incentivar as condições das boas práticas de governança, de modo a que a pessoa jurídica cumpra sua função social colaborando com o desenvolvimento econômico, com a geração de empregos, o desenvolvimento regional, a utilização racional de recursos naturais, e, também, agregando valor e gerando resultados positivos aos associados, sócios ou acionistas (stakeholders) e oferecendo incentivos adequados a todas as partes interessadas (stakeholders)

 

Deve-se ter os princípios básicos a seguir:

Transparência – Consiste no desejo de disponibilizar para as partes interessadas as informações que sejam de seu interesse e não apenas aquelas impostas por disposições de leis ou regulamentos. Não deve restringir-se ao desempenho econômico-financeiro, contemplando também os demais fatores (inclusive intangíveis) que norteiam a ação gerencial e que condizem à preservação e à otimização do valor da organização.

 

Equidade – Caracteriza-se pelo tratamento justo e isonômico de todos os sócios e demais partes interessadas (stakeholders), levando em consideração seus direitos, deveres, necessidades, interesses e expectativas.

 

Prestação de Contas (accountability) – Os agentes de governança devem prestar contas de sua atuação de modo claro, conciso, compreensível e tempestivo, assumindo integralmente as consequências de seus atos e omissões e atuando com diligência e responsabilidade no âmbito dos seus papéis.

 

Responsabilidade Corporativa – Os agentes de governança devem zelar pela viabilidade econômico-financeira das organizações, reduzir as externalidades negativas de seus negócios e suas operações e aumentar as positivas, levando em consideração, no seu modelo de negócios, os diversos capitais (financeiro, manufaturado, intelectual, humano, social, ambiental, reputacional, no curto, médio e longo prazos.

 

Gestão de Riscos: A identificação de riscos é um processo crucial durante a implantação de um modelo de gestão de riscos. De acordo com a capacidade de levantamento de riscos do gestor é que serão definidos os riscos. Não raro as corporações demandam a contratação de profissionais especializados para realização dessa atividade. Baseado nesta lista de riscos que foi levantada serão tomadas as demais ações, tais como as estratégias traçadas para mitigá-los e para transferi-los.

 

Os riscos levantados podem ter três diferentes naturezas: Riscos Técnicos, Riscos Práticos e Riscos Desconhecidos, que influenciarão diretamente na capacidade que um gestor ou organização terá de percebê-los.

 

Os Riscos Técnicos são aqueles que necessitam de conhecimento técnico, equipamento e pessoal capacitado para identificá-los. A detecção de um risco de uma doença infecciosa seria um exemplo clássico, pois a sua detecção vai precisar de testes, exames específicos, microscópio, pessoal especializado para fazer a leitura das lâminas com material coletado, entre outros. Dificilmente um profissional não especializado conseguiria detectar tal risco.

 

Riscos Práticos são aqueles riscos que são mais facilmente percebidos pelos operadores do cotidiano de uma dada atividade. É o caso típico de moradores de região onde se tem nevascas. Ao dirigir seus carros nesses ambientes, eles conseguem perceber riscos de derrapagem causados pela neve que não seriam percebidos por pessoas que não estão habituadas a estas condições climáticas.

 

Quanto aos Riscos Desconhecidos, ainda não existe um consenso científico a seu respeito. Este fato gera infinitas discussões baseadas em evidências técnicas das várias partes envolvidas. O maior problema nestes casos é que temos profissionais tomando partido por determinada posição antecipadamente e depois buscam evidências para confirmar suas posições, quando o que seria desejável é que este processo fosse justamente o inverso: estudar as evidências antes de tomar um partido. Este é o caso clássico do risco de aquecimento global, no qual temos uma ampla gama de informações técnicas de alta qualidade suportando os dois lados do debate.

 

Para a identificação de riscos é necessário que o gestor seja capaz de analisar o que são simplesmente riscos e os que são considerados riscos críticos. Os riscos críticos são aqueles riscos que afetam ou podem afetar de maneira contundente um destes pontos.

 

Conceito de Compliance e Conformidade:

Estamos testemunhando um período fértil de reflexões globais sobre transparência e integridade das condutas de agentes públicos e privados, em razão dos incontáveis escândalos de corrupção no mundo e seus nefastos efeitos econômicos e sociais. Ao mesmo tempo que observamos a necessidade de reduzirmos os incentivos dos sistemas políticos e econômicos à corrupção, o termo compliance se torna cada vez mais presente nos jornais e na realidade das empresas brasileiras.

 

Em razão desse contexto, poderíamos supor que sua aplicação tem se dado de forma robusta e uniforme. No entanto, não é isso o que acontece; vê-se, sim, uma falta de clareza quanto ao que significa o termo compliance e, por conseguinte, o desenvolvimento de inúmeros programas com baixa consistência jurídica, incapazes de gerenciar riscos e cumprir seus verdadeiros propósitos.

 

A dificuldade de se compreender o termo compliance decorre, por um lado, do fato de o conceito ser relativamente novo no Brasil. Até pouco tempo atrás, esta palavra estava restrita ao ambiente corporativo de setores altamente regulados, como as indústrias financeiras e de saúde, ou, ainda, empresas multinacionais expostas a legislações internacionais anticorrupção, como a lei americana Foreign Corrupt Practices Act (FCPA)1 e a lei do Reino Unido UK Bribery Act2. No Brasil, mesmo nesses casos, o uso da expressão compliance estava limitado aos profissionais ligados a questões regulatórias e advogados com uma formação bastante específica.

 

Num voo panorâmico, a ideia de compliance surgiu por intermédio da legislação norte-americana, com a criação da Prudential Securities, em 1950, e com a regulação da Securities and Exchange Commission (SEC), de 1960, em que se fez menção à necessidade de institucionalizar os programas de compliance, com a finalidade de criar procedimentos internos de controle e monitoramento de operações. Alguns anos depois, precisamente em 9 de dezembro de 1977, registrou-se na Europa a Convenção Relativa à Obrigação de Diligência dos Bancos no Marco da Associação de Bancos Suíços, instituindo as bases de um sistema de autorregulação de conduta, vinculando as instituições, cujo descumprimento resultaria na aplicação de sanções, como multas e outras penalidades.

 

Merece destaque ainda o Ato Patriótico dos Estados Unidos, de outubro de 2001, criado logo após os atentados terroristas de 11 de setembro. Em seu artigo 352, foi estabelecido que as entidades financeiras deverão desenvolver políticas e procedimentos de controle interno, com o intuito de proteger-se contra a lavagem de dinheiro.

 

Em resumo, de forma literal, o termo compliance tem origem no verbo inglês to comply, que significa agir de acordo com a lei, uma instrução interna, um comando ou uma conduta ética, ou seja, estar em compliance é estar em conformidade com as regras internas da empresa, de acordo com procedimentos éticos e as normas jurídicas vigentes. No entanto, o sentido da expressão compliance não pode ser resumido apenas ao seu significado literal. Em outras palavras, o compliance está além do mero cumprimento de regras formais. Seu alcance é muito mais amplo e deve ser compreendido de maneira sistêmica, como um instrumento de mitigação de riscos, preservação dos valores éticos e de sustentabilidade corporativa, preservando a continuidade do negócio e o interesse dos stakeholders.

 

Nesse compasso, os professores Renato de Mello Silveira e Eduardo Saad assim se referem ao termo compliance:

 

Orienta-se, em verdade, pela finalidade preventiva, por meio da programação de uma série de condutas (condução de cumprimento) que estimulam a diminuição dos riscos da atividade. Sua estrutura é pensada para incrementar a capacidade comunicativa da pena nas relações econômicas, ao combinar estratégia de defesa da concorrência leal e justa com as estratégias de prevenção de perigos futuros.

 

Podemos entender, portanto, que o compliance integra um sistema complexo e organizado de procedimentos de controle de riscos e preservação de valores intangíveis que deve ser coerente com a estrutura societária, o compromisso efetivo da sua liderança e a estratégia da empresa, como elemento, cuja adoção resulta na criação de um ambiente de segurança jurídica e confiança indispensável para a boa tomada de decisão.

 

Esse sistema interno também pode ser chamado de programa de integridade ou programa de compliance, com a finalidade de prevenir, detectar e corrigir atos não condizentes com os princípios e valores da empresa, assim como perante o ordenamento jurídico vigente.

 

Sobre os programas de compliance, o primeiro registro que merece destaque é que ele não se limita à mera existência de regras, tais como um “Código de Conduta”, e nem mesmo a treinamentos anticorrupção realizados para os funcionários. Conforme orientação do Instituto Brasileiro de Direito e Ética Empresarial (IBDEE), para que seja efetivo, além desses elementos básicos (elaboração de regras e realização de treinamentos), há diversos outros a serem considerados, tais como desenvolvimento de controles e processos internos, mecanismos de identificação de desvios de conduta, a exemplo de canal de denúncias, monitoramentos e auditorias internas e externas.

 

Como se vê, o desenvolvimento de um Programa de Compliance se relaciona a um sistema contínuo de atividades, muitas vezes organizadas em três fases, mas que se comunicam e alternam ciclicamente, quais sejam, establishment, embedment e enforcement – ou seja, “estabelecimento”, “incorporação” (à cultura organizacional) e “aplicação”. O Programa de Compliance, portanto, não “se compra” – mas sim deve ser incorporado como padrão valorativo e comportamental da empresa, refletido em atividades permanentes de todos os colaboradores, como parte integrante no modelo de negócio empresarial.

 

No estágio de maturidade em que o país se encontra, assim entendidos diversos grupos de cidadãos, sobretudo empresários, executivos e consultores em geral, há um grande risco de que se subestime elementos, tais como a importância, a complexidade e a abrangência de um Programa de Compliance. Assim o fazendo, pode-se chegar aos seus efeitos aparentes, mas de nenhum modo produzir os seus efeitos reais, e ainda serem considerados atos de simulação de uma realidade jurídica pelas autoridades, a fim de iludir clientes, reguladores, governo e a sociedade, o que pode ser ainda pior do que não ter um Programa de Compliance.

 

Em outro giro, não basta que a empresa publique um Código de Conduta, ou mesmo um conjunto eloquente de Políticas Corporativas, e, por outro lado, não realize ações concretas para prevenir, detectar e punir atos em não conformidade com o seu Programa de Compliance.

 

Assim, concluímos que compliance é um sistema materializado por um Programa de Compliance, sobre o qual não há sequer que diferenciar a importância de um Programa de Compliance e um Programa de Compliance “efetivo”. Sem efetividade, não há que se falar em Programa – e, sim, mera simulação ou ficção jurídica, o que pode proporcionar danos reputacionais ainda mais graves para quem buscar se valer de tal artifício.

 

ESG: Ambiental, Social e Governança:

O “E” (environmental) da sigla “ESG” traz a responsabilidade ambiental como uma prática importante quando se fala em atuação empresarial de maneira sustentável, pensando no futuro das organizações. Sabe-se que o planeta passa por transformações ambientais profundas e que os recursos naturais são finitos. Sabe-se também que as organizações são grandes responsáveis pela degradação do meio ambiente no planeta.

 

Nesse sentido, se faz importante que, além dos governos e organizações públicas, as empresas privadas e seus agentes de governança, ao olharem para o futuro, também considerem o princípio da precaução em face de eventos decorrentes de sistemas complexos como o climático. Ou seja, quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.

 

Se as organizações geradoras de riquezas e responsáveis pelo desenvolvimento econômico das regiões nas quais se encontram inseridas, são também as organizações que degradam o meio ambiente para a sua atuação empresarial, como resolver essa equação?

 

A sigla “ESG” chega com a mensagem inequívoca da necessidade de boas práticas ambientais. Chega para afirmar que, a longo prazo, empresas mais sustentáveis serão mais prósperas e longevas. Portanto, é possível gerar riqueza com responsabilidade ambiental.

 

Nota-se, já há algum tempo, uma mudança no ambiente de negócios, que caminha para a sustentabilidade, conforme expressa o Caderno de Sustentabilidade do IBGC, lançado em 2011:

 

Para o setor empresarial o conceito de sustentabilidade representa uma abordagem inovadora de se fazer negócios, no sentido de sustentar a viabilidade econômico-financeira dos empreendimentos e, ao mesmo tempo, preservar a integridade ambiental para as gerações atuais e futuras e construir relacionamentos mais harmoniosos na sociedade, resultando numa reputação positiva e sólida. Essa abordagem inclui as melhores práticas de governança corporativa e apresenta características estratégicas, pois permite a identificação de riscos e oportunidades, colabora na preservação e criação de valor pela empresa, proporciona maior probabilidade de continuidade do negócio (longevidade) e, simultaneamente, contribui para o desenvolvimento sustentável.

 

Porém, para se tornar ambientalmente responsável, em primeiro lugar é preciso existir vontade real e efetiva dos agentes de governança. É preciso haver um propósito maior do que a simples geração de resultado para os acionistas ou sócios. É preciso uma governança corporativa estruturada e madura, com esse mindset. Mais ainda, é preciso uma área de compliance estruturada para que de fato vá além do mapeamento e gestão de riscos, do cumprimento da legislação ambiental e regulatória, e inove, somando a esse repertório legislativo e regulatório, boas práticas ambientais.

 

Governança Corporativa: Trata-se a governança corporativa de um sistema eficiente de interação, relacionamento e atuação entre agentes e/ou órgãos societários, organizado visando a aplicação de boas práticas relacionadas ao (i) incentivo para a ampla, transparente e eficiente divulgação de informações, (ii) monitoramento e controle da atuação da gestão, (iii) estratégia e desempenho da organização, (iv) tratamento justo e equânime das partes interessadas, e (v) cumprimento da função social, atendidos o interesse social e respeitado o bem público.

 

As boas práticas de governança corporativa por sua vez, visam assegurar um completo alinhamento entre os interesses de todos os agentes da governança corporativa como acionistas ou sócios (incluindo minoritários), administradores e demais partes interessadas.

 

Essas boas práticas de governança corporativa são fundamentadas em princípios básicos, que funcionam como alicerce, norteando o bom funcionamento do sistema de governança corporativa nas startups.

Social:

Quando pensamos no futuro, as tendências apontam para o florescimento de uma sociedade cada vez mais ativista, o que ocasionará uma inevitável mudança de mindset, inclusive na forma de se pensar a estratégia na busca da perenidade das organizações.

 

Novas demandas surgirão, o que trará para as empresas uma necessidade de reinvenção. Algumas organizações muito provavelmente se verão obrigadas a passar por uma transformação profunda, buscando sobreviver ao novo contexto econômico social que se desenha.

 

E nesse contexto, o fator humano passa a ser ultra valorizado, ditando as mudanças estratégicas e culturais pelas quais deverá passar a empresa. O “S” de social tem múltiplas vertentes, abrange múltiplas partes interessadas, desde os próprios empregados da organização, até os consumidores de seus produtos ou serviços, fornecedores, parceiros de negócios e até mesmo a comunidade na qual a empresa se insere. Nesse sentido, o conselho de administração ganha protagonismo para capitanear as ações sociais que poderão ser tomadas pela organização a partir de suas decisões estratégicas, visando uma mudança cultural empresarial profunda, a começar por sua própria composição. Alguns estudos já apontam as vantagens de se ter um conselho de administração composto por membros diversos, e nesse artigo, ao falarmos em diversidade, estamos falando em uma diversidade ampliada, englobando as suas diversas nuances, tais quais: gênero, raça/etnia, pessoas com deficiência (PCDs), orientação sexual (LGBTQIA+), sem desconsiderar a diversidade social, cognitiva, de gerações, de vivências/experiências etc., e as suas interseccionalidades.

 

Muitas são as causas motrizes para que uma empresa tenha uma formação diversificada do seu quadro de colaboradores, especialmente dos cargos de média, alta gestão/liderança e do conselho de administração, sendo as mais relevantes: (i) necessidade estratégica e vantagem competitiva a longo prazo4, (ii) maior qualidade do processo de tomada de decisão, (iii) possibilidade de agregar valor aos investidores e demais stakeholders, (iv) contribuir para disseminar valores éticos na organização e na comunidade na qual se insere, (v) maior lealdade dos seus colaboradores e sentimento de pertencimento, e (vi) adequação a normas legais e regulatórias.

 

Portanto, não resta dúvida de que um ambiente de governança corporativa forte e maduro serve como base para que haja o florescimento de práticas voltadas ao desenvolvimento das questões sociais, interna ou externa, assim como ressalta o papel dos agentes de governança como responsáveis por fomentar a cultura de inclusão e de responsabilidade social na empresa.

 

Os agentes de governança corporativa deverão ampliar o olhar para as questões sociais dentro e fora da organização.

 

Importante ressaltar que ao falarmos de governança da empresa, não podemos esquecer que o sistema de compliance faz parte dessa estrutura e que o mesmo dever de olhar ampliado e visão holística se aplica ao profissional responsável pela área de conformidade da organização. Deve o responsável pela função de conformidade, mais do que nunca, estar atento na gestão do compliance aos riscos inerentes aos fatores sociais, apurando o olhar para o elemento humano (muitas vezes em parceria com a área de recursos humanos) no exercício das suas atividades rotineiras dentro da empresa.

 

Portanto, a atuação do profissional de compliance não deve se restringir apenas ao combate a atos de corrupção e aplicação da Lei 12.846/2013. Deve o departamento ou a área de compliance atuar para identificar e mapear eventuais riscos ligados aos fatores sociais, tais quais, os relacionados a (i) potenciais conflitos de interesses, (ii) existência de qualquer tipo de assédio, (iii) racismo, (iv) homofobia no ambiente da organização, (v) questões trabalhistas, (vi) saúde mental e bem-estar, dentre outros.

 

Deve o profissional de compliance realizar de forma recorrente treinamentos que levem em consideração também fatores sociais como, por exemplo, treinamentos focados em compliance antidiscriminatório, assédio, dentre outros. Adicionalmente, esse mesmo olhar do profissional de compliance deve se voltar para a cadeia de valor de forma a garantir que os seus fornecedores, parceiros e prestadores de serviços estejam alinhados com o código de conduta e com os valores que são considerados importantes para a organização, especialmente no que se refere aos valores sociais e relacionados a direitos humanos. Tais princípios e valores éticos e sociais, mais do que nunca, devem estar refletidos em políticas, procedimentos e normas internas que regulem as práticas sociais aplicadas, interna ou externamente, pela empresa.

 

Destarte, ressaltamos mais uma vez que não só os agentes de governança, mas também o profissional responsável pela área de compliance, devem ter uma visão holística e interagir com outros agentes de governança e stakeholders para contribuir com o desenvolvimento e aplicação de práticas “ESG”, dentre elas o “S” de social, dentro da organização, reverberando para a sua cadeia de valor e seu entorno.

 

Anticorrupção:

A Lei 12.846/2013, também denominada Lei Anticorrupção, que entrou em vigência em 29 de janeiro de 2014, traz disposições sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira, em seu interesse ou benefício.18 A Lei Anticorrupção, com a Lei 12.850/2013, que trata das organizações criminosas na esfera penal, são uma resposta direta à demanda que partiu da própria população, seguindo uma tendência global de combate à corrupção como crime-meio.

 

A Lei Anticorrupção inova ao elevar a importância das esferas cível e administrativa, a favorecer a consensualidade e incentivar práticas preventivas. Evidentemente, prestigia o Direito Administrativo Contemporâneo, que vem paulatinamente se afastando da higidez de conceitos clássicos como a “indisponibilidade do interesse público” e “Estado sancionador”. Fala-se agora da busca pelo real interesse público pautado pela eficiência administrativa. De igual modo, celebra soluções consensuais para a transposição de vícios nos atos e contratos administrativos (como preceituado no art. 26 da LINDB).

 

É dizer, se antes a regra era imputação de consequências gravosas por atos corruptos a pessoas físicas, em caráter ex post, agora tem-se lógica preventiva e acautelatória, que atinge qualquer pessoa jurídica de direito privado, nacional ou estrangeira, que tenha relação com o poder público. Trata-se aqui de lei que responsabiliza empresas por atos corruptivos, sem isentar dirigentes, administradores ou agentes, que responderão individualmente pelos seus atos, inclusive aqueles de natureza transnacional. O que instala um sistema de deveres ativos por parte das sociedades empresariais, no sentido de instituir regimes de combate preventivo à corrupção e colaboração ativa com as autoridades públicas.

 

O elemento propulsor de tal mudança está na previsão de responsabilização imediata de pessoas jurídicas, por meio da definição normativa de sua responsabilidade objetiva por atos de seus funcionários, acionistas e diretores. Veja-se, nesse sentido, que pessoas jurídicas “serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil” (Lei 12.846/2013, art. 2.º), enquanto dirigentes e administradores serão responsabilizados “na medida de sua culpabilidade” (Lei 12.846/2013, art. 3.º, § 2.º).

 

Nesses termos, as sanções da Lei Anticorrupção independem de cogitações quanto à culpa ou dolo da pessoa jurídica e, até mesmo, da produção de efeitos concretos ou aferição de vantagens indevidas. Responsabiliza-se mesmo pela omissão, ante inércia em face do dever de agir definido em lei. Mesmo o nexo causal é puramente normativo, independendo da demonstração de conduta culposa ou dolosa da pessoa jurídica. Basta atuação genérica da sociedade empresarial inclinada à fraude para atrair sua responsabilização, sendo desnecessária a individualização de conduta ou demonstração do elemento subjetivo de agentes a ela vinculados.

 

Tal modelo, contudo, não se replica na responsabilização de dirigentes e administradores – para estes, necessária a evidência de que agiram com culpa ou dolo, visando lesar a Administração e imputar-lhes sansão adequada. Aqui, persiste a responsabilidade subjetiva.

 

Importante destacar que essa responsabilização, conforme preceitua o art. 4.º da Lei Anticorrupção, subsiste mesmo na hipótese de alteração contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária e importa ainda a solidariedade entre controladoras, controladas, coligadas e consorciadas. A Lei Anticorrupção prevê a possibilidade da desconsideração da personalidade jurídica ainda na esfera administrativa, regra encartada no art. 14 (que atualmente encontra-se também parametrizada pelo art. 7.º da Lei 13.874/2019, a Lei de Liberdade Econômica).

 

A Lei 13.874/2019, que converteu a Medida Provisória 881, alterou a redação do art. 50 do Código Civil, trazendo conceito bastante distinto em relação à responsabilização de pessoas jurídicas por atos praticados por outras personalidades de seu grupo econômico. O novo § 4.º afirma que a mera existência de grupo econômico sem a presença de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. E neste ponto é importante suscitar o debate acerca da vigência (ou revogação por incompatibilidade) do § 2.º do art. 4.º da Lei Anticorrupção. Muito embora esta seja uma lei especial (ao contrário do Código Civil, que é lei geral), fato é que a Lei de Liberdade Econômica estatuiu novos critérios e distintas premissas para a desconsideração societária.

 

Quanto aos atos lesivos, tem-se: (i) prometer, oferecer ou dar vantagem indevida a agente público ou a terceiro a ele relacionado, comprovadamente; (ii) financiar, custear, patrocinar ou subvencionar a prática de ilícitos; e (iii) utilizar pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular interesses ou a identidade de beneficiários de atos praticados.

 

Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) 

Em 15 de agosto de 2018, foi publicada a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais brasileira (LGPD), Lei nº 13.709, inspirada na legislação europeia do GDPR (General Data Protection Regulation), que entrou em vigor em 25 de maio de 2018. No Brasil, o GDPR é conhecido como Regulamento Geral sobre Proteção de Dados.

Posteriormente, a LGPD foi modificada pela Lei nº 13.853, promulgada em 8 de julho de 2019, e pela Lei nº 14.010, publicada em 10 de junho de 2020.

 

Objetivo da LGPD: O objetivo dessa lei é regular o tratamento de dados pessoais por pessoas ou entidades do setor privado ou público, inclusive nos meios digitais, de consumidores, empregados, independentemente do país da sede ou no qual os dados estejam localizados com o propósito principal de proteger a liberdade, a privacidade e o livre desenvolvimento da pessoa natural. A nova lei aplica-se sempre que o tratamento for realizado no território nacional, tenha por objetivo a oferta, o fornecimento de bens ou a prestação de serviços, ou o tratamento de dados de indivíduos localizados no território nacional, ou os dados pessoais tenham sido coletados no território nacional.

 

  • crucial para a sobrevivência de uma startup. Palav

Referências

Manual de compliance / [Alan Bittar coordenação André Castro Carvalho 3. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2021

BERNARDES, P. Incertezas na decisão estratégica de investimento na geração de energia. Belo Horizonte, 2003. Tese (Doutorado em Administração) – Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG.

Comissão de Compliance da OAB SP publica 5ª edição do e-book “Estudos e Apontamentos” com artigos do setor - OAB SP

https://lnkd.in/dEGajp5R

CARVALHO, André Castro; VENTURINI, Otavio. Governança corporativa e controle do “Sistema U” sobre a gestão das estatais. Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/governanca-corporativa-e-controle-do-sistema-u-sobre-gestao-das-estatais-02022018>.

 

Grupo de Trabalho Interagentes (2016). Código Brasileiro de Governança Corporativa: companhias abertas. Disponível em: <http://www.ibgc.org.br/userfiles/2014/files/Codigo_Brasileiro_de_Governanca_Corporativa_Companhias_Abertas.pdf>.

 

IBGC (2014). Caderno de boas práticas de governança corporativa para empresas de capital fechado. Disponível em: <http://www.ibgc.org.br/userfiles/2014/files/Arquivos_Site/Caderno_12.PDF>.

 

IBGC (2015). Código das melhores práticas de governança corporativa. Disponível em: <http://www.ibgc.org.br/userfiles/files/2014/files/CMPGPT.pdf>.

 


Weverton Prates

Estagiário - São Paulo, SP


Comentários