Organizações Criminosas e a utilização da Delação Premiada como instrumento de combate


19/11/2019 às 15h10
Por Dario da Silva Alves Junior

1. CONTEXTO HISTÓRICO

Com grande fenômeno da globalização, onde ao mesmo tempo em que oferece meio para um intenso fluxo econômico, político, social e cultural, engrandece também a criminalidade organizada.

No que diz respeito à criminalidade, o maior desafio contemporâneo concentra-se em encontrar maneiras eficazes de combate ao crime organizado e, não obstante aos avanços da globalização as organizações criminosas buscam aperfeiçoar suas formas delitivas, onde aproveitam da impunidade para aniquilar a ordem e a segurança pública, degradando desta forma o Estado Democrático de Direito.

Busca-se encontrar um meio para combater o crime organizado, muito tem se utilizado de um instituto que já anseia nosso ordenamento pátrio há algum tempo, é a tão falada delação premiada, que tem sido usada de forma constante conforme demonstra eficácia na descoberta de crimes cometidos por organizações criminosas.

A origem da delação premiada remonta-se à Idade média, durante o período da Santa Inquisição, que inicia em meados do século XII perdura por cerca de 700 anos. A técnica que utilizaram, inicialmente, para sua realização era conhecida “Edito de Graça”, onde os suspeitos tinham um tempo que variava de 15 a 30 dias para converterem em católicos e colaborarem fornecendo informações sobre outros hereges.

Assim, com as informações fornecidas pelo delator este firmava sua fé e garantia seus status perante a sociedade. Ocorre que essa delação não era feita de forma espontânea, na maioria das vezes se obtinha por meio de tortura, possuindo um valor distinto dependendo da forma que ela acontecia, nos casos em que ocorria uma confissão espontânea, esta tinha um valor inferior, pois presumia que ele estava preste a mentir, na contrarregra a confissão mediante tortura era vista como uma resistência e por isso era mais valorada.

Sobre o que se apresenta a realidade da época, destaca-se um trecho de autoria do Padre Antônio Vieira, in verbis:

"20.º Considere-se, pois, se processos fundados sobre depoimentos de testemunhas não contestes, que não receiam castigo, ainda que sejam falsos; que não sentem que se lhes prove a coartada, incógnitas totalmente ao réu, com quem, não só os não confrontam, mas nem ainda os nomeiam; que pela maior parte são vis, corruptíveis, néscios, e se talvez são homens de honra, depõem de outros, para se livrar de si, se estão presos; ou para que não os prendam, se estão livres, obrigando-os o temor de perder a honra, os bens e a vida, a forjar na sua ideia entes de sem razão para salvar a mais importante destas partes essenciais da humana felicidade, ou todas se for possível. 21.º Se se devem admitir estas testemunhas em um tribunal que se jacta exercitar a mesma jurisdição de Deus! Se seus depoimentos têm as circunstâncias que Deus manda em os precitados textos do Deuteronômio! Se padecem inumeráveis exceções tanto os depoimentos como as testemunhas! Se tais testemunhas e tais atestações bastam para constituir réu ao deletado; para obrigar aos juízes a tirar-lhe a fazenda, a honra e a vida com uma morte ignominiosa e cruel, fazendo aos pais desgraçados, aos filhos órfãos, às mulheres viúvas, e a todos pobres e miseráveis, obrigando- os a mendigar o sustento pelas ruas e pelas portas, e a padecer por falta de abrigo as insofríveis inclemências do inverno e os perniciosos calores do estio! E presumem que o mundo julgue e chame caridade e misericórdia ao que é crueldade e inumanidade? Isto não pode ser".

No Brasil a delação premiada tem sua origem ligada às Ordenações Filipinas, na qual dispõe sobre matéria criminal em seu livro V, mais especificamente nos Títulos VI e CXVI com vigência de 1603 até entrar em vigor o Código Criminal de 1830. O texto prevê não só um mero perdão, mas também um prêmio ao indivíduo que apontar o culpado.

O instituto da delação também esteve presente em vários momentos da história brasileira, como ocorreu na Inconfidência mineira quando o então Coronel Joaquim Silvério dos Reis escreve uma carta ao então Visconde de Barbacena que ocupava o cargo de Governador, contando sobre um movimento em Vila Rica que buscou instalar o sistema de governo republicano no país.

No entanto, o Coronel ao avisar o Governo sobre a possível revolta dos inconfidentes tinha por objetivo conseguir recompensas, tais como, perdão das dívidas fiscais, a nomeação para o cargo de tesoureiro das províncias das Minas Gerais e do Rio de Janeiro, um encontro em Lisboa com o príncipe regente Dom João.

Portanto, após esse relato do uso do instituto premiado na conjuração mineira, o registro mais recente que se tem da delação premiada é durante o regime militar que perdurou no Brasil de 1964 à meados de 1985. Assim, a delação premiada era utilizada pelos militares como mecanismo de combate aos grupos comunistas que lutavam contra o regime.

Posterior a esses relatos histórico-político do país, e após as ordenações Filipinas, acontece a primeira revisão legal sobre o tema, a delação premiada de forma própria foi recepcionada pela primeira vez pelo ordenamento jurídico pátrio com a Lei nº 8.072/90, que versava sobre Crimes Hediondos. A partir de então o instituto da delação premiada passa a integrar numerosas legislações.

Por sua vez, quando o assunto é a origem das organizações criminosas torna-se algo onde não encontra muita facilidade em ser levantado. É certo que as organizações criminosas são tão antigas quanto a própria atividade criminosa, ou seja, é provável que possua relação com a origem do homem, quando se nota a necessidade de união entre alguns povos para a sobrevivência seja ela relacionada a caça, as mercadorias ou até mesmo em lutas contra aldeias rivais.

Ao passar dos anos as organizações criminosas foram evoluindo, passando a ter hierarquias, divisão de tarefas, tornando-se mais fácil o controle de territórios. Há várias organizações famosas como a máfia Italiana que surge na região da Sicília, sua origem tinha o objetivo de proteger seu território contra invasões durante o período medieval, contou com milhares de homens.

Assim, como a famosa máfia italiana que durante a imigração em meados do século XIX expandiu seus negócios pelos Estados Unidos, tem-se também a máfia japonesa, popularmente conhecida como “Yakusa”, formada por samurais, meliantes e ambulantes do século XVII.

No Brasil, no que diz respeito a origem das organizações criminosas, segundo o ilustre Professor Renato Brasileiro a manifestação mais remota de que se tem notícia sobre essas organizações diz respeito ao grupo de cangaceiros, liderado por Virgulino Ferreira da Silva, popularmente conhecido como “Lampião”.

Há também a criação do jogo do bicho, idealizado pelo Barão de Drumond e tem como objetivo salvar animais do Jardim zoológico do estado do Rio de Janeiro. Contudo, a prática do jogo ganhou apreço popular, porém, tem vida curta ao ter sua prática proibida no país, a partir de então o jogo do bicho passa a ser controlado por grupos organizados que utiliza o dinheiro para corromper policiais e políticos.

Outro fato que demonstra a evolução histórica do crime organizado no Brasil acontece durante o período militar, quando presos políticos passam a ser encarcerados junto com presos comuns. Entretanto, houve a tentativa de enquadrar os criminosos comuns na luta contra o regime militar, ensinando técnicas de guerrilha e a doutrinação comunista.

Dentro do contexto supracitado, não se pode deixar de citar a importância do presídio de Ilha Grande-RJ, também conhecido como “Caldeirão do diabo”, onde toda a doutrinação feita pela esquerda revolucionária aos criminosos comuns aconteceu. Pode-se dizer que este presídio demonstra ser o berço do crime organizado contemporâneo, pois ali nasce uma das maiores organizações criminosa, denominada de Comando vermelho ou CV. Assim, escreve o jornalista Carlos Amorim, in verbis:

"O governo militar tentou despolitizar as ações armadas da esquerda tratando-as como 'simples banditismo comum', o que permitia também uma boa argumentação para enfrentar as pressões internacionais em prol da anistia e contra denúncias de tortura. Nivelando o militante e o bandido, o sistema cometeu um grave erro. O encontro dos integrantes das organizações revolucionárias com o criminoso comum rendeu um fruto perigoso: O Comando Vermelho".

Nota-se que com o passar dos anos as organizações criminosas buscou meios de desenvolver suas táticas de ação e, nessa perspectiva ganhou força meios velados e ardilosos de se buscar provas, que encontram no próprio investigado ou acusado, o instrumento mais seguro para sua obtenção.

2. ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL

Quando o assunto é a origem das organizações criminosas no Brasil, ainda há muita divergência. Alguns autores defende a tese de que as organizações criminosas surgiram junto com o cangaço, no final do século XIX, o movimento seria a primeira organização criminosa do país. Portanto, o que se sabe é que com o passar dos anos esses grupos passam a priorizar a sofisticação das suas ações, com o intuito de dificultar o trabalho das autoridades que combatem esse tipo de crime.

Atualmente, as organizações criminosas no Brasil, funciona como um poder paralelo, cujo tráfico de drogas, ainda é o objeto mais valioso usado para sustentar o crime organizado, embora haja organizações criminosas que priorizem outros tipos de delitos, como, por exemplo, a lavagem de dinheiro, desvio de verbas públicas, jogo do bicho, entre outras várias formas de delitos utilizados para manter sua base de sustentação de poder forte.

Há no país, algumas organizações que se destacam pelo seu alto poder, não só nas áreas marginalizadas, mas também em bairros nobres, locais frequentados pela alta sociedade, e pode se dizer que até mesmo no mundo político, onde os líderes dessas facções criminosas apoiam candidatos a cargos políticos, visando vantagens que tal apoio pode trazer ao grupo organizado.

Assim, no Brasil, algumas organizações criminosas demonstram um poder de comando imenso sobre a sociedade, se destacando entre elas o Comando Vermelho, criada na década de 1970, no presídio de Ilha Grande, no Estado do Rio de janeiro, é hoje considerada a maior e mais conhecida facção criminosa do país.

A facção criminosa ganhou notoriedade em todo país, na década de 1990, dado o seu alto grau de periculosidade, assim como pelo alto poderio bélico e financeiro, o Comando Vermelho, se instalou na maioria das favelas cariocas traficando drogas, instituindo um poder paralelo e controlando a vida dos moradores. Nas localidades em que o poder fica nas mãos dos membros da facção é comum a inscrição das siglas CV em paredes de casas e no alto dos morros em referência ao Comando Vermelho.

Outra facção que se destaca é o Primeiro Comando Capital, também conhecido como PCC, foi criada no complexo Penal de Taubaté, no ano de 1993, local considerado de segurança máxima, era onde ficavam os detentos de alta periculosidade. O PCC tem como um dos fundadores e hoje o principal líder da facção Marcos Willians Herbas Camacho, também conhecido como “Marcola”. O principal objetivo do grupo era combater o que eles chamam de “opressão dentro do sistema prisional paulista”, assim como vingar a morte dos cento e onze detentos do pavilhão 9, da casa de Detenção de São Paulo/SP que ficara conhecido como “massacre de Carandiru”.

Contudo, os membros do Primeiro Comando Capital, foram os protagonistas de diversos ataques a órgãos públicos, rebeliões em diversos presídios, fazendo com que a facção ganhasse cada vez mais poder na sociedade e nos presídios, ampliando sua área de atuação para diversos Estados da Federação.

Além dessas duas organizações, que possuem maior destaque no cenário do crime organizado brasileiro, há ainda outras organizações com alto poderio bélico e financeiro, como é o caso da facção Amigos dos Amigos, também conhecida como ADA, o Terceiro Comando e o Terceiro Comando Puro, todas elas com um grande histórico de participações em diversos crimes cometidos no território brasileiro.

Um outro tipo de organização criminosa que tem tomado conta e até entrado em conflitos com as facções supracitadas, são as denominadas milícias, grupos formados por pessoas comuns que não fazem parte dos órgãos de segurança pública ou forças armadas de um país, porém, utilizam armas e o poder de polícia em determinadas localidades. Diferentemente do estilo de atuação das típicas organizações criminosas, os milicianos chegavam junto à população carente com a ideia de combate ao tráfico e maior segurança aos moradores dessas regiões carente.

As milícias não demoraram a mostrar seu lado armado e suas ações violentas. A tomada de um território e a continuação deste domínio não é algo que se faz em mesas de discussões entre pessoas civilizadas, mas sim através de violência armada e mortes de inimigos. As taxas de segurança cobradas nada mais são do que verdadeiras extorsões perpetradas pelos milicianos contra os moradores das comunidades. Trata-se de uma taxa de segurança contra os próprios milicianos, ou seja, quem paga se livra da ação da milícia.

No entanto, a violência das milícias acaba impondo, inclusive, regras de conduta e comportamento, leis próprias nas favelas, toque de recolher e, na hipótese de descumprimento de tais regras, os juízes e aplicadores das penas são os próprios milicianos. A pena, invariavelmente, é de morte. Assim, os milicianos substituem o Estado e desenvolvem as atividades legislativas executivas e judiciárias daquela localidade.

Um dos fatores que contribuem para a existência do crime organizado no Brasil são o livre comércio e a globalização da economia. Pode-se afirmar que esses fatores dão certa facilidade à formatação dessas organizações pelas boas condições de manipulação de capitais e de comunicação, bem como a lavagem de dinheiro através de empresas fantasmas, como instituições de caridade, fundações sem fins lucrativos, escritórios imobiliários, escritórios de advocacia agências de turismo e viagens, escritórios jurídicos e de assessoria.

2.1. EVOLUÇÃO LEGISLATIVA

No contexto histórico, Walter Bittar preceitua que o instituto da delação premiada advém da época das Ordenações Filipinas:

A história legislativa penal no Brasil permite a conclusão de que a previsão legal da delação premiada remonta às Ordenações Filipinas (11.jan.1603, que é o início da vigência, até 16.dez.1830, com a sanção do Código Criminal do Império), onde já havia a possibilidade do perdão para alguns casos de delação, de conspiração, ou conjuração, e de revelações que propiciassem a prisão de terceiros envolvidos com crimes que resultassem provados, funcionando a delação como causa de expulcação [sic].

Para Gilson Dipp, o instituto teve seu nascimento com a consonância elaboração de conceitos e procedimentos, pelos magistrados que possuíam competência criminal, ao passar dos anos, com o advento das necessidades de práticas processuais que permitiam a prática da negociação premiada entre acusação e defesa referentes à ilícitos de maior gravidade, praticados por organizações criminosas.

Para Vladimir Aras, o Brasil sofreu forte influência do direito comparado ao adotar o instituto da delação premiada, referindo-se especialmente a legislação norte americana e italiana. O autor não deixa de observar que os benefícios garantidos aos acusados, vítimas e testemunhas obtém com o instituto é o atrativo de maior importância trazido pelo instituto premiado.

Quanto a sua característica global e transnacional, encontra-se previsão em tratados internacionais, como na Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado (Convenção de Palermo ou UNTOC), à qual o Brasil aderiu em 15 de novembro de 2000, e a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida ou UNAC), assinada pelo Brasil em 9 de dezembro de 2003, e ratificada pelo Decreto n. 5.687/06.

De forma áspera os autores Cezar Roberto Bittencourt e Paulo Cezar Busato, comentam acerca da influência na origem desse instituto:

"Trata-se de instituto importado de outros países, independentemente da diversidade de peculiaridades de cada ordenamento jurídico e dos fundamentos políticos que o justificam. O fundamento invocado é a confessada falência do Estado para combater a dita “criminalidade organizada”, que é mais produto da omissão dos governantes ao longo dos anos do que propriamente alguma ‘organização’ ou ‘sofisticação’ operacional da delinquência massificada".

No Brasil, o instituto da delação premiada nasceu com o advento da Lei nº 8.072/90 -Lei de crimes hediondos-, que trazia em seus artigos 7º e 8º a previsão de redução da pena de 1/3 a 2/3 para o coautor ou partícipe que colaborasse com as autoridades dando-lhes informações, isso ocorria nos crimes de extorsão mediante sequestro praticados por quadrilhas ou bandos, por meio da delação voluntária e eficaz, porém a lei não disciplinava a formalidade procedimental da delação.

Alguns anos depois, em maio de 1995, surge a Lei n. 9.034/95, conhecida como Lei de combate ao crime organizado que décadas depois seria revogada pela atual Lei n. 12.850/13, havendo tentativas de ampliação da delação premiada, porém essa lei sofreu algumas críticas por parte de doutrinadores, pois, não trazia inovações acerca das formalidades a serem aplicadas no procedimento, deixando de prever até mesmo a eficácia da informação como requisito para a concessão do benefício.

No mesmo ano de 1995, ocorreram ampliações a aplicação do instituto da delação premiada em relação aos crimes contra o sistema financeiro, Lei n. 7.492/86, e os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, Lei n. 8.137/90, instituindo novos tipos penais e a possibilidade de aplicações do instituto também para os casos simples de coautoria e participação com a atualização conferida pela Lei nº 9.080/95, fato que também sofreu críticas pela doutrina que considerava essa inovação uma verdadeira contribuição para a banalização do instituto.

Seguindo essa mesma tendência, a Lei n. 9.613/98 possibilitou o uso do instituto da delação premiada nos crimes de lavagem, ocultação de bens, direitos e valores. Observa-se que a norma ampliou o rol de benefícios ao colaborador permitindo o início de cumprimento da pena aplicada em regime aberto, podendo o juiz optar por deixar de aplicá-la ou substituí-la por pena restritiva de direitos.

Consoante, para o ilustre Professor Vladimir Aras, os anos 90 foi de extrema importância para que acordo penais fossem admitidos no Brasil, especialmente por causa da Lei nº 9.099/95, que introduziu no país a transação penal, para infrações de menor potencial ofensivo, cuja pena máxima não fosse superior a dois anos, e a suspensão condicional do processo, para crimes de média grávida, cuja mínima não fosse superior a um ano, reforçando o conceito de “instrumentos de justiça penal pactuada aplicáveis”.

Seguiu-se, então, a trajetória de regulação do instituto da delação premiada com o advento da Lei n. 9.807/99, conhecida como a Lei de Proteção a Vítimas, Testemunhas e ao Réu Colaborador, que, diante desse contexto, teve especial relevância devido ao fato de ser primeira vez que o legislador preocupou com a integridade física e moral dos colaboradores e ter iniciado a reestruturação do instituto, dando início a possibilidade de acordo entre acusação e defesa.

Na evolução normativa da aplicação da delação premiada, surge a Lei n. 10.409/02, que anos depois seria revogada pela lei n. 11.343/06, Lei de Drogas, que viria para reforçar a possibilidade de acordos no âmbito criminal, permitindo justificadamente que o Ministério Público deixasse de oferecer denúncia em face do colaborador que contribuísse com informações que ajudassem a elucidar os crimes cometidos pelo narcotráfico.

Com o advento da Lei n. 12.850/13, é possível observar que a lei trouxa para dentro de seu texto o conceito de delação premiada. No entanto, pode-se dizer que a nova legislação contribuiu de forma grandiosa para a formalização dos procedimentos criminais que durante anos fora criticado por doutrinadores.

2.2. APLICAÇÃO DA DELAÇÃO PREMIADA NA LEI 12.850/13

A Lei n. 12.850/13 – Lei de Organização Criminosa-, trouxe diversos procedimentos ao tratar da aplicação da delação premiada, como benefícios ao colaborador, tais como a redução da pena em até 2/3, a substituição da pena restritiva de liberdade por pena restritiva de direitos, a possibilidade da progressão mesmo diante da ausência dos requisitos objetivos a referida lei ainda dispõe sobre os pressupostos referentes à personalidade do colaborador, à natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso, para a concessão do benefício. Ademais, impõe os requisitos de efetiva e voluntária colaboração combinados com a obtenção de pelo menos um dos resultados dispostos em seu artigo 4º. para o mesmo propósito. Também dispõe claramente sobre a possibilidade de utilização do instituto da colaboração premiada tanto na fase do inquérito quanto na processual, além da possibilidade de suspensão do prazo para oferecimento da denúncia em até seis meses, com a consequente suspensão do prazo prescricional, até a confirmação da eficácia da colaboração.

Art. 4º o juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados: I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

Nota-se no caput do referido artigo supracitado, que os resultados advindos do acordo premiado, definidos nos incisos I a V, para torná-los eficazes e, conceder os benefícios não é necessário que os requisitos sejam cumpridos de forma conjunta, isto é, basta para ser efetivo apenas que um deles ocorra.

A previsão do artigo 4º. § 5º, da Lei n. 12.850/2013 especifica que a pena poderá ser reduzida até a metade ou poderá ser admitida a progressão de regime, como benefício à colaboração premiada posterior à sentença. Nesse passo, cabe a importante observação quanto à implicação, notadamente na afetação da coisa julgada, garantia fundamental prevista no artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição da República de 1988.

No entanto, o ex Ministro do STJ, Gilson Dipp, aludindo a essas possibilidades de concessão de benefícios preceitua:

"É certo que essa novidade, em termos de processo penal, constitui um fenômeno excepcional e, como tal, deve receber interpretação restritiva, mas não se deve recusá-lo só por suposta colisão com os padrões tradicionais. Cabe aqui, ao contrário, a compreensão abrangente dos valores constitucionais mais caros ao avanço civilizatório e à dignidade da pessoa humana, um e outro marcos de uma modalidade até então imprevista de justiça verdadeira e socialmente eficiente, em que o dever legal de penalizar o réu pode ceder ante os interesses da sociedade e do bem público".

A lei também traz a possibilidade de suspensão do prazo para o oferecimento da denúncia, com a consequente suspensão da prescrição, pelo período de até seis meses, prorrogáveis por igual período, disposta no artigo 4º. § 3º da referida lei, é interpretada pelos doutrinadores no sentido de que ocorrerá apenas em relação ao colaborador, devendo haver, inclusive, a separação dos processos e o prosseguimento imediato contra os demais réus.

Com a elaboração dos termos da delação, observados os elementos necessários do acordo, previsto no artigo 6º. da lei n. 12.850/13, juntamente com as declarações do colaborador e as cópias dos documentos de investigação, serão remetidos ao juiz, observando o sigilo do artigo 7º. da referida lei, examinará dentro do prazo de 48 horas, sobre a regularidade, voluntariedade e legalidade do acordo, podendo pedir a oitiva do delator antes de homologar o acordo.

A lei em seu artigo 4º. § 6º, preceitua que o magistrado não poderá participar das negociações do acordo premiado, Cezar Roberto Bittencourt e Paulo César Busato preceituam que o juiz deverá manter-se equidistante da produção probatória, sob o risco de que sua participação acarrete o comprometimento de sua imparcialidade, devendo-se adequar apenas a sua convicção, deixando de lado o conteúdo do acordo de delação.

Ademais, sendo o acordo de delação premiada homologado pelo juiz o processo terá seu seguimento com a inclusão do delator na denúncia, a instrução e colocar fim a sentença do magistrado que atenderá pela aplicação dos seus respectivos termos.

2.3. EFICÁCIA DA DELAÇÃO PREMIADA NO COMBATE AO CRIME ORGANIZADO

A importância da delação Premiada no combate às Organizações Criminosas dar-se-á em razão dos índices de corrupção no cenário brasileiro. Em uma reportagem publicada pelo Portal G1, mencionando um estudo realizado pela

Organização Transparência Internacional no final do ano de 2014, revelou que: “o Brasil é o 69. colocado em ranking sobre a percepção de corrupção no mundo, que analisa 175 países e territórios”

Esse demonstrativo representa o alto grau de corrupção no cenário nacional, buscar as causas da corrupção contemporânea no Brasil através do período colonial, como é feito constantemente, é um exercício perigoso, que tende a levar a grandes equívocos.

Quanto à eficácia das leis que visaram o combate a essas organizações criminosas havia muito do que se questionar, pela maneira que eram utilizadas para o desmantelamento do crime organizado. Assim, a delação premiada para a doutrina tem como propósito ser um meio de obtenção de elementos de provas para promover a apuração de ilícitos de maneira rápida e eficaz, com a aplicação das devidas punições e benefícios, uma vez que há de se deparar com condutas de difícil comprovação, como é o caso da criminalidade organizada.

Desse modo, as autoridades investigativas para obtenção positiva de resultados no enfrentamento do crime organizado, que se encontra cada vez mais poderoso, tiveram que recorrer a métodos diferenciados, especiais e de inteligência, condizentes com a situação de emergência que se apresentava, tendo a delação premiada se inserido nesse contexto. Assim, de forma comparativa ao sistema norte americano e britânico de aplicação do referido instituto, que, nesses sistemas tem o processo como objeto, buscando evitá-lo, por meio de acordos, dispensando o procedimento em juízo, diferentemente do que ocorre no nosso ordenamento jurídico que utiliza o processo para comprovar a eficácia do instituto da delação premiada e consequentemente conceder benefícios ao colaborador.

Assim, a solução no combate às Organizações Criminosas não deve se restringir ao acordo de delação premiada, mas também outras medidas que tornem os crimes de corrupção e as práticas conexas, uma ofensa aos princípios maiores do estado, mesmo que não consiga atingir o patamar das ditas “sociedade avançadas” que entende que a corrupção é um crime com natureza própria de lesa pátria, a delação premiada possibilitará a obtenção de frutos nesta longa jornada, porém, necessária aos primeiros passos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista os aspectos abordados o trabalho monográfico onde é utilizado o método histórico analítico para entender o aumento da utilização do instituto da delação premida a como mecanismo eficaz no combate às Organizações Criminosas tendo como ápice o aumento da prática delituosa dessas facções, a utilização do referido instituto busca demonstrar a eficiência do Estado ao praticar o seu dever punitivo ao atuar na desestruturação dessas organizações.

É evidente a importância que a Lei n. 12.850/13 traz para o sistema jurídico pátrio, proporcionando a aplicação do instituto da delação com procedimentos mais adequados e eficientes. No entanto, é preciso observar que muitos dos efeitos decorrentes de sua aplicação ainda não estão completamente identificados e compreendidos em nossa sociedade, seja porque sequer é analisado pelos juízes e tribunais, ou porque ainda não ocorreu concretamente.

A propósito destaca-se que o acordo de delação premiada disciplinado pela norma não se restringe a uma simples delação ou à identificação dos corréus, facilita também a localização de coisas subtraídas, valores desviados e de quaisquer bens, direitos ou valores obtidos ou mantidos por meios ilícitos, proporcionando a restituição de ativos ao erário e a recomposição do patrimônio da vítima. Além disso, também pode fornecer à Polícia dados que permitem encontrar e resgatar com vida vítimas de sequestro e cárcere privado.

A nova legislação rompe com padrões processuais clássicos ao apresentar um tipo de negociação em troca de vantagens, admitindo que o delator que também é réu ou acusado proponha acordos em face da acusação, negociando-os em igualdade de condições e com vantagens correspondentes, visando a um processo útil, célere e oportuno, focado fundamentalmente no resultado social desejável, em detrimento da composição ou reparação do ato ilícito.

Por fim, embora ainda esteja em processo de evolução, é notória a efetividade que o referido instituto tem trazido no combate à criminalidade organizada, demonstrando para a sociedade uma forma de enfrentamento a impunidade e retirando a sensação de que os denominados “poderosos” são intocáveis.

  • organizações criminosas
  • delação premiada
  • direito penal
  • direito processual penal

Referências

AMORIM, Carlos. Comando vermelho: a história do crime organizado. 1. ed., São Paulo: Best Seller, 2010

ARAS, Vladimir. A Técnica da Colaboração Premiada. Disponível em: https://blogdovladimir.wordpress.com/2015/01/07/a-tecnica-decolaboracaopremiada/ Acesso em: 03 set. 2019.

ARAS, Vladimir. Origem do Instituto da Colaboração Premiada. Disponível em: https://vladimiraras.blog/2015/05/12/origem-do-instituto-da-colaboracao-premiada/. Acesso em: 21 set. 2019.

BITTENCOURT, Cezar Roberto; BUSATO, Paulo César. Comentários à lei de Organização Criminosa. São Paulo: Saraiva, 2014.

BITTAR, Walter Barbosa. Delação Premiada: Direito estrangeiro, doutrina e jurisprudência. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

DIPP, Gilson. A Delação ou Colaboração Premiada. Uma análise do instituto pela interpretação da lei. Disponível em: http://www.idp.edu.br/publicacoes/portal-de-ebooks/2628-2015-02-05-19-29-48/. p. 19. Acesso em: 20 set. 2019.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. v. 1. Niterói: Impetus, 2014.

VIEIRA, Antônio. De Profecia e Inquisição. Brasília: Senado Federal, 2001.


Dario da Silva Alves Junior

Advogado - Pouso Alegre, MG


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