A constitucionalização do direito de propriedade e os princípios gerais dos direitos reais


27/08/2021 às 14h08
Por Ingrid Dalbem Tofoli

RESUMO

Este trabalho visa compreender e apresentar um estudo sobre as bases constitucionais que norteiam à propriedade, sendo ela um direito real que está arrolado no livro III do código civil titulado de direito das coisas. Pretende-se realizar uma análise sobre tal instituto utilizando doutrinas e pesquisas à artigos científicos que abordem o conceito de propriedade e os princípios que formam os pilares para seguridade e garantia devida para preservação da função social que a mesma deve atender sem perder o status direito fundamental subjetivo.

INTRODUÇÃO

Elencados nos capítulos II ao V da carta magna de 1988, os direitos e garantias fundamentais visam restringir a atuação do Estado, bem como exigir do mesmo prestações em favor social ao bem-estar coletivo, cumprindo-se assim os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil elencados no artigo 3º da CF/88. Sabemos que Direitos são bens jurídicos assegurados e conferidos a cada indivíduo e garantias são os instrumentos por meio dos quais o Estado protege o exercício, reparação, proteção e ou violação desses direitos. Nesse contexto abordamos o artigo 5º caput e seus incisos XXII e XXIII que versam sobre a propriedade.

O direito de propriedade elencado no inciso XXII do artigo 5º é diferente do que se lista no caput do mesmo, quando descreve sobre direito à

1 Aluna do 5º período do curso de Direito da Faculdade Multivix cuja matricula é 1-202003. 2 Aluna do 5º período do curso de Direito da Faculdade Multivix cuja matricula é 1-1920547. 3 Aluna do 5º período do curso de Direito da Faculdade Multivix cuja matricula é 1-824703.

propriedade e posteriormente no inciso XXIII lhe impõe o dever de atendimento a um fundão social, principalmente no que tange aos direitos e obrigações resguardados sobre tema. Os conceitos de propriedade, direitos fundamentais e função social precisam ser bem esclarecidos para evitar confusões.

Esse trabalho aborda ensinamentos de Locke, Hobbes, Flávio Tartuce sobre propriedade bem como José Afonso da Silva, Vicente de Paulo e Marcelo Alexandrino entre outros doutrinadores de renome. Interpelando-se dessa forma uma abordagem constitucional sobre a instituição caminhando para os direitos e obrigações que as procede estando arrolados no código civil no livro III classificando-a como um direito real abrigado por princípios, assentam-na classificações, características, formas de aquisição e até mesmo sua perda.

No entendimento de Hobbes o Estado institui a propriedade e pode suprimir -lá de seus donos. No início do século XX houve um avanço do liberalismo causando influência de correntes filosóficas como o socialismo nos processos políticos e conceituando uma nova visão ao direito de propriedade, onde a mesma era tido como fonte de desequilíbrio social o que decorre a imposição de limitações a esse direito, visto que era necessário atender não apenas os interesses individuais mais servir toda uma sociedade. O que anteriormente era tido como absoluto, exclusivo e perpétuo agora obedecendo segundo José Afonso da Silva ao princípio da função social da propriedade elencados no artigo 170, III, bem como os 182 § 2º, 184 e 186 da CF/88.

Depreende-se que o direito à propriedade embora previsto no rol de direito fundamentais, não pode ser classificada como um direito individual absoluto, pois ao gerar uma relação pessoa /coisa, subordinasse ao direito privado que olvidam as regras de direito público que igualmente disciplinam a propriedade. Nessa conformidade falamos em direito subjetivo privado, ou direito civil do proprietário particular que configura polo ativo de uma relação jurídica colocando as demais pessoas no polo passivo, a que carrega o dever de respeitar o exercício

das três faculdades básicas: uso, gozo e disposição que abordaremos adiante.

PALAVRAS-CHAVE: Propriedade, Direito, Princípios, Constitucionalização, Estado.

O CONCEITO DE PROPRIEDADE

O conceito de propriedade é bem mais amplo do que imaginamos. Sob o ponto de vista jurídico elencados no artigo 1228 do CC é a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha (art. 1228 do CC). Também defendidos por Farias e Rosenvald apud Tartuce (2020).

Conceituar tal instituto sempre foi alvo de estudo para os maiores civilistas como elenca Tartuce (2020, p. 1354 - 1355):

“Clóvis Beviláqua conceitua a propriedade como sendo o poder assegurado pelo grupo social à utilização dos bens da vida física e moral.

Para Orlando Gomes, a propriedade é um direito complexo, podendo ser conceituada a partir de três critérios: o sintético, o analítico e o descritivo. Sinteticamente, para o jurista baiano, a propriedade é a submissão de uma coisa, em todas as suas relações jurídicas, a uma pessoa. No sentido analítico, ensina o doutrinador que a propriedade está relacionada com os direitos de usar, fruir, dispor e alienar a coisa. Por fim, descritivamente, a propriedade é um direito complexo, absoluto, perpétuo e exclusivo, pelo qual uma coisa está submetida à vontade de uma pessoa, sob os limites da lei.

Maria Helena Diniz define a propriedade como sendo “o direito que a pessoa física ou jurídica tem, dentro dos limites normativos, de usar, gozar, dispor de um bem corpóreo ou incorpóreo, bem como de reivindicá-lo de quem injustamente o detenha”. (TARTUCE, 2020, p. 1354-1355).

Entende-se por propriedade, como um instituto fundamental amparado constitucionalmente que alguém só poderá rogar para si as faculdades elencadas no artigo 1228 do CC/2002 caso atenda os princípios da ordem econômica e financeira que visam o bem comum (art. 170,

CC/88) a fim de garantir segundo o principio da função social da propriedade, igualdade a todos e utilização consciente e racional de seus bens.

A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE

No artigo 5º da CF/88, onde consagra o instituto como direito fundamental, garantido a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Não possuem inviolabilidade absoluta e no que tange o direito à propriedade, e os incisos XXII e XXIII do artigo 5º vem confirmando tal entendimento.

Existe uma diferença entre o caput elencar direito à propriedade e os incisos alterando a preposição para de propriedade. O primeiro diz respeito a um direito fundamental de direito público passível de atribuir a todo ser humano dignidade de pessoa, inviolável, subjetivo e individual. Quando a constituição elenca de propriedade ela limita o instituto, do qual passa a ser matéria de ordem econômica e financeira, obedecendo a princípios sociais. Perfaz assim que será regida por direito privado, subordinado ao Direito Civil, que reza em seu capitulo I as principais características do instituto, assim leciona Tartuce (2020) que a propriedade é um direito real por excelência (2020, p. 1360).

No entendimento de Hobbes o Estado institui a propriedade e pode suprimir -lá de seus donos, mas para Locke (2001, p. 411) a propriedade é um direito natural deixado por Deus aos homens e não pode ser violado pelo Estado. No início do século XX houve um avanço do liberalismo causando influência de correntes filosóficas como o socialismo nos processos políticos e conceituando uma nova visão ao direito de propriedade, onde o instituto era tido como fonte de desequilíbrio social o que decorre a imposição de limitações a esse direito, visto que era necessário atender não apenas os interesses individuais mais servir toda uma sociedade, como GOMES apud TARTUCE (2020) elenca:

“Estabelecidas essas premissas, pode-se concluir que pela necessidade de abandonar a concepção romana da propriedade, para compatibilizá-la com as finalidades sociais da sociedade contemporânea, adotando-se, como preconiza André Piettre, uma concepção finalista, a cuja luz se definam as funções sociais desse direito. No mundo moderno, o direito individual sobre as coisas impõe deveres em proveito da sociedade e até mesmo no interesse de não proprietários. Quando tem por objeto bens de produção, sua finalidade social determina a modificação conceitual do próprio direito, que não se confunde com a política de limitações específicas ao seu uso. A despeito, porém, de ser um conceito geral, sua utilização varia conforme a vocação social do bem no qual recai o direito – conforme a intensidade do interesse geral que o delimita e conforme a sua natureza na principal rerum divisio tradicional. A propriedade deve ser entendida como função social tanto em relação aos bens imóveis como em relação aos bens móveis”. (LISBOA apud TARTUCE p.1364 e 1365).

Limita-se o direito de propriedade que anteriormente era tido como absoluto, exclusivo e perpétuo. Como ocorre nos casos de desapropriação por meio do qual o poder público por transferência compulsória mediante necessidade ou utilidade pública, ou interesse social por justa e prévia indenização em dinheiro, apodera-se do bem particular obedecendo segundo José Afonso da Silva ao princípio da função social da propriedade elencados no artigo 170, III bem como os 182 § 2º, 184 e 186 da CF/88 que desdobra-se em mais sete princípios a saber: A supremacia do interesse público sobre o privado, a legalidade, finalidade, moralidade, proporcionalidade, judicialidade e a publicidade.

A função social da propriedade como princípio, visa garantir que os interesses coletivos se sobressaiam aos pessoais, detentores de riquezas, dando ao Estado poderes de intervir caso o proprietário de bens urbanos ou rurais não promovam de forma racional e adequada sua atualização. Como leciona Flávio Tartuce em seu livro Manual de Direito Civil volume único 2020, sendo a propriedade um direito real por

excelência não perde seu status constitucional de direito fundamental individual, mas limita-se a outros direitos amparados pelo Texto Maior.

Concluiu-se que quem não cumpre com essa função social não tem o domínio, não havendo sequer legitimidade ativa para a ação reivindicatória. A função social ganha um sentido positivo, pois deve ser dada uma utilidade coletiva à coisa. (TARTUCE,2020, p.1372).

Cessa que a “propriedade não é mais um direito subjetivo do indivíduo, mas uma função social que deve ser exercida pelo detentor da riqueza” (DUGUIT apud TARTUCE,2020, p. 1363), sem perder seu caráter constitucional, mas respeitando agora os princípios civis constitucional que irão ser a base dos Direitos Reais, concomitantes aos princípios trazidos no artigo 170 da CC/88, sabendo que ainda exercendo limitações, essas foram adotadas para fazer valer um direito maior previsto na Carta Magna, a igualdade social.

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DOS DIREITOS REAIS

Tendo em vista que a propriedade está intrinsicamente ligada ao indivíduo, os princípios norteadores dos direitos reais, buscam reger a relação entre este que é titular de um direito e a coisa. A partir destes pressupostos, infere-se que o proprietário, possui aptidões inerentes a propriedade, isto é, o uso, gozo e a possibilidade de dispor da coisa e de reavê-la de quem quer que a possua. A seguir, abordaremos nesse tópico as principais características dos princípios mais relevantes ao direito das coisas.

O primeiro princípio a ser analisado é o princípio da aderência, que estabelece a relação entre o sujeito e a coisa, independente de vontade para existir. Diversos ao Direito pessoal em que o vínculo obrigacional é diretamente a uma pessoa, no direito real se persegue a coisa (jus persequendi), seja quem for a pessoa de que sobre ela tenha poder.

Tal princípio se encontra elencado na primeira parte do art. 1228 do Código Civil, que prevê ao proprietário a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, reavê-la do poder de quem injustamente a possua.

Aos direitos reais são conferidos a oponibilidade erga omnes decorrente do princípio do absolutismo, que visa impedir a interferência de terceiros na titularidade garantida em poder da coisa. Deriva-se deste princípio, o direito de sequela, ou seja, direito de perseguir a coisa e reivindicá-la, bem como o direito de preferência (jus praeferendi).

Os bens imóveis se adquirem por meio de registro como prevê o art.

1.227 do CC/2002 e os bens móveis por meio da tradição, como expresso nos arts. 1.226 e 1.267 ambos do CC/2002, figurando como meios de publicidade para que qualquer titular de direito garanta a sua proteção contra todos (opinibilidade erga omnes) assegurando um dos princípios mais importantes dos direitos reais, qual seja, o princípio da publicidade.

O princípio da taxatividade institui um rol de direitos reais, não cabendo em relação a esses direitos, a aplicação analógica. Tais direitos podem ser encontrados no art. 1.225 do CC/2002, que estabelece como direitos reais, a propriedade, superfície, servidão, usufruto, uso, habitação, direito do promitente comprador do imóvel, penhor, hipoteca. Portanto, o Código Civil esgota os direitos reais de forma taxativa, sendo todos aqueles que não estejam na lei como um direito real será de natureza obrigacional, entretanto, segundo Carlos Roberto Gonçalves:

“O aludido art. 1.225 do Código Civil é a referência para os que proclamam a taxatividade do número dos direitos reais. Todavia, quando se afirmar que não há direito real senão quando a lei o declara, tal não significa que só são direitos reais os apontados no dispositivo em apreço, mas também outros disciplinados de modo esparso no mesmo diploma e os instituídos em diversas leis especiais.” (ROBERTO, 2019, p. 32)

Em continuidade ao princípio anterior, o princípio da tipicidade estabelece que para um direito real ser reivindicado ele precisa estar previsto em lei, estando tal princípio vinculado ao princípio de numerus clausus, entretanto, não à que se dizer que o rol do art. 1.225 seja taxativo, restrito entre si, ou seja numerus clausus, como já foi abordado

nesse estudo, pois, o conceito de direito real é muito mais amplo dos que estão estabelecidos no referido artigo, como preceitua STOLZE et.al (2018): “Em síntese, os direitos reais são típicos, pois derivam da lei, mas não se pode dizer que o rol do art. 1.225 é taxativo, esgotando todos os direitos reais, pois poderá haver outros previstos em normas legais diversas do nosso ordenamento.”

No direito real inexiste a possibilidade de duas pessoas exercerem o mesmo direito sobre a mesma coisa, em virtude do princípio da exclusividade, o direito real é único e o titular de direito é um só. Diferente deste, quando houver a extinção do direito e se tratando de direitos reais sobre coisas alheias, haverá um desmembramento da coisa, podendo ter dois sujeitos desempenhando direitos distintos, caracterizando assim, o princípio do desmembramento.

Diferente do direito obrigacional em que a relação se extingue quando cumprida, o princípio da perpetuidade prevê que os direitos reais não se extinguem devido a sua não utilização, a perca se dá somente por meios legais, sendo, portanto, perpétuos. Entretanto, existe exceções, como as hipóteses previstas no art. 1.275 do CC/2002.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Consuma-se que os direitos de propriedade como observados na carta constitucional o artigo 5º inciso XXII e XXIII elencado está a existência da garantia ao direito de propriedade, também no artigo 170 da CF /88 vemos a propriedade sendo elencadas como um dos princípios da atividade econômica, não podendo ser o proprietário impedido de exercer a sua propriedade, ainda que seja por uma possível desapropriação onde a mesma devera feita por motivo justo e de necessidade pública, e mediante a prévia indenização em dinheiro. Havendo abalo ao exercício de propriedade caberá devida indenização, entre tanto nenhum direito previsto em tal artigo vem a ser incondicionado logo não é direito absoluto podendo inclusive o proprietário perder sua propriedade, no momento em que esta não cumpre a função social designada dentre elas as questões sociais e de

produtividade aplicando-se assim a todas as propriedades sendo elas rurais ou urbanas podendo caso contrário o proprietário ser passível de desapropriação. Vale ressaltar ainda que o direito a propriedade abarca também, a propriedade imaterial. Artigo 5º inciso XXVII da CF/88. Artigo 5º inciso XXII e XXIII da CF / 88. “XXII – é garantido o direito de propriedade;” “XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;” Temos a seguir o código civil disciplinando sobre a função social da propriedade, e a pena caso não haja comprimento de tal função: “Art.

1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. § 3º O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente.”

  • DIREITO CIVIL
  • DIREITO CONSTITUCIONAL
  • PROPRIEDADE

Referências

REFERÊNCIAS

Constituição, República Federativa do Brasil, – ed. Atualizada em outubro de 1999, Brasília, 1999

Pamplona, S.P.F. R. Novo curso de direito civil 5 - direitos reais. São Paulo : Editora Saraiva, 2018. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553609420/. Acesso em: 21 Sep 2020

Roberto, G. C. Direito civil brasileiro v 5 - direito das coisas. São Paulo: Editora Saraiva, 2019. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553615971/. Acesso em: 21 Sep 2020

Silva, José Afonso, – 25. ed. – São Paulo: Malheiros, 2005; garantias constitucionais p. 412-467.

Tartuce, Flávio, – 10. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020, principais características do direito de propriedade p. 1360 – 1380.

https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10730256/inciso-xxii-do-artigo-5-da- constituicaofederal-de-1988?ref=serp-featured acesso em.: 20.set 2020

https://youtu.be/cFzSSYvx4aY acesso em.: 20 set 2020 STIEFELMANN LEAL, Roger. A propriedade como direito fundamental: breves notas introdutórias, Brasila,2012.


Ingrid Dalbem Tofoli

Estudante de Direito - Fundão, ES


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