A Ampliação do Direito de Arrependimento à Luz do Projeto de Lei nº 281 que Visa Alterar o CDC - Autores: CABRAL, Hildeliza Lacerda Tinoco Boechat MOZELI, Kamilla Abreu Costa


18/07/2015 às 13h28
Por Kamilla Abreu Costa Mozeli

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A Ampliação do Direito de Arrependimento à Luz do Projeto de Lei nº 281 que Visa Alterar o CDC

Autores:
CABRAL, Hildeliza Lacerda Tinoco Boechat
MOZELI, Kamilla Abreu Costa

RESUMO: O presente artigo objetiva analisar o direito de arrependimento, do art. 49 do Código de Defesa do Consumidor e as lacunas existentes com a utilização massificada dos contratos à distância. Realça-se que o estudo gravita em torno do Projeto de Lei nº 281, de 2012, que pretende alterar o CDC, especificamente no que se refere ao art. 49, que recebe nova redação, ampliando-se as hipóteses do direito de arrependimento, trazendo além de novo conceito de "contratos à distância", ainda medidas para o caso de descumprimento por parte dos fornecedores. Concluiu-se através da abordagem de diferentes vertentes doutrinárias que a ampliação se mostra benéfica ao consumidor, porém é necessário que seja coibida a má fé por parte do consumidor e do fornecedor.

PALAVRAS-CHAVE: Contratos. Consumidor. Direito de Arrependimento. Projeto de Lei.

1 Considerações Iniciais

Com o avanço dos meios de contratações nas relações consumeristas após vinte anos da promulgação do Código de Defesa do Consumidor (doravante denominado CDC), observa-se como realidade constante e massificada, a utilização dos contratos realizados à distância.

Isso porque, a era digital gera demasiada conveniência nos consumidores, cujo quadro, é de uma sociedade na busca incessante pela celeridade. Os contratos à distância acabam chegando ao consumidor, sem que o mesmo tenha que se deslocar para tanto.

Desse modo, após o lapso temporal existente da promulgação da Lei nº 8.072/90 até os dias atuais, tornou-se extremamente necessário a readequação dos direitos que gravitam em torno das contratações realizadas à distância, como exemplo o direito de arrependimento, atualmente tutelado no art. 49 do CDC. Nesse cenário, o presente artigo objetiva o estudo da ampliação do direito de arrependimento, segundo a nova disciplina do Projeto de Lei, que visa reestruturar o art. 49 do CDC.

Como pedras angulares no estudo do PLS, com enfoque no direito de arrependimento, foram formulados os seguintes questionamentos: a) Atualmente, o art. 49 da Lei nº 8.078/90, possui eficácia plena ou a jurisprudência e a doutrina busca subjetivamente respaldas possíveis omissões? b) De que modo o PLS busca readequar as lacunas existentes na análise do referido artigo, em sua nova estruturação? c) Quais as possíveis posturas dos fornecedores, das instituições financeiras e administradoras de cartões de crédito, na hipótese de aprovação do PLS, quanto ao direito e arrependimento? d) A má-fé de alguns consumidores ocorre em alguns casos, na utilização desenfreada do Judiciário, em demandas carecedoras de mérito, e na banalização do dano moral. Com essa realidade patente, a má-fé na ampliação do direito de arrependimento é possível? e) Quais mecanismos de frenagem dessa má-fé na possibilidade de aprovação do PLS?

De forma a demonstrar os antagonismos existentes entre a atual redação do referido artigo e a da proposta de revisão, é abordado de forma lógica e sequencial, cada item de revisão: extensão do conceito de "contratos à distância", a ampliação da regulamentação no direito de arrependimento, acréscimo de sanções por descumprimento do fornecedor, bem como a necessidade do dever de informar o direito de arrependimento na sua forma ampliada, e as respectivas penalidades aplicáveis ao fornecedor quando da abstenção em informar.

Após cada ponto de extensão do direito de arrependimento, são demonstrados possíveis posturas dos fornecedores, das instituições bancárias e administradoras de cartões de crédito, como reflexo da aplicação do direito de arrependimento, em sua forma revisada.

2 Revolução Tecnológica nos Contratos Eletrônicos

As facilidades trazidas pela evolução tecnológica geraram uma forma de contratação prática, rápida e não presencial, através da internet. Um contrato que tem crescido a cada dia, reclamando por disciplina legal mais específica e eficaz no que tange à defesa e proteção do consumidor, uma vez que essa modalidade expõe mais o contratante à ocorrência de práticas abusivas diuturnamente perpetradas contra a parte frágil do contrato consumerista - o consumidor. Daí a necessidade de se estudar cautelosamente o direito de arrependimento como recurso hábil à proteção de quem realiza um contrato à distância e quando recebe o produto percebe que ele não satisfaz ou não é exatamente aquilo que pensou estar adquirindo.

2.1 Evolução Jurídico-Social

O direito de arrependimento é tratado no art. 49 da Lei nº 8.078/90, o CDC. Decorridos vinte e dois anos da promulgação da Lei nº 8.078/90, a partir da qual as relações consumeristas passaram a contar em legislação específica, nota-se real necessidade de reforma de certos dispositivos, eis que a revolução tecnológica no mercado de consumo impõe novas realidades fáticas na aquisição de produtos e serviços presentes no cotidiano do brasileiro.

É induvidosa a afirmação de que o CDC, pelo seu caráter principiológico, é uma das legislações mais modernas existentes no sistema jurídico pátrio. Todavia, ante tantas transformações nas relações de consumo, faz-se extremamente necessário abordar possíveis reformas, haja vista a intensa aceleração que se vivencia na esfera global quanto às tecnologias colocadas a serviço dos meios de comunicação, evolução esta que atinge diretamente o consumidor, pois ele passa a ser 'bombardeado' por ofertas de todo tipo, seja através de celular, e-mail, telefone residencial, fax, catálogo de produtos, ou qualquer relação de consumo que possa ser estabelecida à distância. As aquisições realizadas através de quaisquer desses recursos são consideradas compras à distância, hipóteses de aplicação do direito de arrependimento (CAVALIERI, 2011, p.159).

Nessa espécie de contratação o consumidor não tem a oportunidade de examinar o produto, manuseá-lo ou mesmo conhecê-lo, por isso, o legislador, com o prematuro crescimento neste sentido, na década de 1990, trouxe em seu art. 49 do CDC, o seguinte:

"Art. 49 - - O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 07 (sete) dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.

Parágrafo único - - Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados."

O dispositivo demonstra extrema clareza, enfatizando a necessidade da realização do contrato à distância, ou seja, fora do estabelecimento comercial, bem como a especificação do prazo para legitimar o direito ao arrependimento após a contratação efetivada pela assinatura ou recebimento do produto. Dele é possível extrair a consequência direta do cancelamento da contratação do serviço ou aquisição do produto pelo consumidor: o imediato ressarcimento de qualquer quantia porventura paga, a qualquer título, devendo ocorrer o seu ressarcimento atualizado monetariamente. Destaca-se, que a evolução quanto ao comércio eletrônico, já suscitada pelo legislador no art. 49 do CDC, encontra respalda por Cláudia Lima Marques (2011, p. 838): Efetivamente, desde a década de 90, há um espaço novo de comércio com os consumidores, que é a internet, as redes eletrônicas e de telecomunicação de massa. Trata-se do denominado "comércio eletrônico", comércio entre fornecedores e consumidores realizados por contratação a distância, as quais são conduzidas por meios eletrônicos (e-mails, etc.), por internet (online) ou por meio de telecomunicação de massa (telemarketing, TV, TV a cabo, etc.), sem a presença física simultânea dos dois contratantes no mesmo lugar (e sim a distância).

Depreende-se daí, que o prazo de reflexão se justifica pela vulnerabilidade do consumidor, pois o polo da relação entre fornecedor e consumidor, que detém a informação do serviço ou produto desvendado, sem mecanismos de atratividade utilizados com finalidade de venda, é o fornecedor, sendo o consumidor, sem dúvida, a parte vulnerável da contratação, devendo, por isso mesmo, contar com o direito de reflexão quanto à contratação efetuada.

Ademais, não há de ser analisada justificativa plausível para a desistência da compra ou contratação do serviço, muito embora o prazo de sete dias deva ser cumprido. Apesar da existência do prazo de sete dias, a ampliação do direito de arrependimento pode ser efetuada pelo fornecedor, com base na oferta, segundo o princípio da vinculação à oferta ao fornecedor, sendo o referido prazo meramente o mínimo legal.

A lei não prevê necessidade de justificativa para o exercício do direito de arrependimento, conforme ensina Rizzatto Nunes (2007, p. 567), ao afirmar: Ressalte-se que a norma não exige qualquer justificativa por parte do consumidor: basta a manifestação objetiva da desistência, pura e simplesmente. No íntimo, o consumidor terá suas razões para desistir, mas elas não contam e não precisam ser anunciadas. Ele pode não ter simplesmente gostado da cor do tapete adquirido pelo telefone na oferta feita pela TV, ou foi seu tamanho que ele verificou ser impróprio. O consumidor pode apenas não querer gastar o que iria custar o bem. Ou se arrepender mesmo. O fato é que nada disso importa. Basta manifestar objetivamente a desistência.

Muito embora o dispositivo aparentemente seja eficaz em sua tese, em defesa do consumidor, contempla-se o seguinte fato: a disposição normativa carrega em si a expressão "fora do estabelecimento comercial ou a domicílio", todavia a doutrina é unânime ao afirmar que este artigo pode ser aplicado em casos que envolvam o comércio eletrônico, conforme afirma Sergio Cavalieri Filho (2011, p.158, 159): A finalidade da norma, como se depreende de sua clara redação, é proteger o consumidor sempre que a compra se der fora do estabelecimento comercial. A referência a telefone ou a domicílio contida no seu final é meramente exemplificativa, porquanto o texto faz uso do advérbio especialmente. Estão, portanto, na abrangência da norma todos os sistemas de vendas externas, como em domicílio mediante a visita do vendedor, vendas por telemarketing ou por telefone, por correspondência - mala direta, ou carta-resposta, correio, pela TV, internet ou qualquer outro meio eletrônico.

Com efeito, a vulnerabilidade do consumidor no comércio eletrônico é demasiadamente intensificada, mais do que em qualquer outro meio de comunicação, haja vista as facilidades que impulsionam o consumismo desenfreado, como pagamento parcelado, descontos inacessíveis em estabelecimentos comerciais, tornando a atual legislação carecedora de elementos específicos acerca do tema. Sobre a vulnerabilidade do consumidor, dispõe Claudia Lima Marques (2011, p. 837): No Brasil, preocupações com essas práticas agressivas de vendas, também chamadas de vendas sob impulso (vendas em domicílio, por telefone, por meio de reembolso postal), que deixam claro a vulnerabilidade do consumidor (aposentados, donas-de-casa, adolescentes, etc.), levaram o legislador do CDC a editar norma especifica para que fosse assegurado um mínimo de boa-fé nessas relações entre fornecedores e consumidores, pois os instrumentos tradicionais que o direito colocava a disposição dos consumidores (o erro, o dolo e a consequente anulação do contrato) esbarravam em evidentes dificuldades práticas de prova.

Nessa perspectiva, presume-se que a atual doutrina teve de caminhar para as regras principiológicas do Direito do Consumidor a fim de tutelar o âmbito do comércio eletrônico, ampliando a benefício do consumidor, como até agora abordado, o que dispõe o art. 49 da lei consumerista. Contudo, a crescente ampliação do comércio eletrônico no Brasil, o artigo tem-se tornado restrito, sem a necessária abrangência capaz de tutelar toda essa esfera.

De fato, a aplicação extensiva ao comércio eletrônico, conforme salienta Cavalieri Filho, encontra amparo entre os princípios do direito do consumidor, tais como a vulnerabilidade anteriormente abordada. Entretanto, há contratações efetuadas presencialmente, ou seja, dentro do estabelecimento comercial em questão, na qual o consumidor, apesar de estar pessoalmente buscando o serviço ou produto, não obtém acesso a ele, seja pela impossibilidade de acesso, seja pela ausência de exposição, e consuma a compra ou contratação. Tratando-se assim, da relação jurídica presencial entre fornecedor e consumidor, e relativa 'presença' do produto ou serviço em questão.

Nesse diapasão, tramita no Congresso Nacional o PLS nº 281, de 2012, cuja finalidade é ampliar as hipóteses do art. 49 do CDC, de modo a trazer elementos de cunho direcionador à nova realidade concernente ao comércio eletrônico, preconizando no direito de arrependimento já existente, novas vertentes a serem analisadas pelo Legislativo.

2.2 A Ampliação das Hipóteses de Direito de Arrependimento Previstas no Projeto de Lei que Visa Alterar o CDC

Através da leitura do Projeto de Lei é possível verificar a real extensão proporcionada ao art. 49 do CDC. Eis que diversos conceitos anteriormente apregoados no referido artigo, ganham extensões específicas, delimitadas e especificadas em diversos parágrafos:

"Art. 49 - O consumidor pode desistir da contratação a distância, no prazo de sete dias a contar da aceitação da oferta ou do recebimento ou disponibilidade do produto ou serviço, o que ocorrer por último.

§ 1º - (...)

§ 2º - Por contratação a distância entende-se aquela efetivada fora do estabelecimento, ou sem a presença física simultânea do consumidor e fornecedor, especialmente em domicílio, por telefone, reembolso postal, por meio eletrônico ou similar.

§ 3º - Equipara-se à modalidade de contratação prevista no § 2º deste artigo aquela em que, embora realizada no estabelecimento, o consumidor não teve a prévia oportunidade de conhecer o produto ou serviço, por não se encontrar em exposição ou pela impossibilidade ou dificuldade de acesso a seu conteúdo.

§ 4º - Caso o consumidor exerça o direito de arrependimento, os contratos acessórios de crédito são automaticamente rescindidos, sem qualquer custo para o consumidor;

§ 5º - Sem prejuízo da iniciativa do consumidor, o fornecedor deve comunicar de modo imediato a manifestação do exercício de arrependimento à instituição financeira ou à administradora do cartão de crédito ou similar, a fim de que:

I - a transação não seja lançada na fatura do consumidor;

II - seja efetivado o estorno do valor, caso a fatura já tenha sido emitida no momento da comunicação;

III - caso o preço já tenha sido total ou parcialmente pago, seja lançado o crédito do respectivo valor na fatura imediatamente posterior à comunicação.

§ 6º - Se o fornecedor de produtos ou serviços descumprir o disposto no § 1º ou no § 5º, o valor pago será devolvido em dobro.

§ 7º - O fornecedor deve informar, de forma clara e ostensiva, os meios adequados, facilitados e eficazes disponíveis para o exercício do direito de arrependimento do consumidor, que devem contemplar, ao menos, o mesmo modo utilizado para a contratação.

§ 8º - O fornecedor deve enviar ao consumidor confirmação individualizada e imediata do recebimento da manifestação de arrependimento.

§ 9º - O descumprimento dos deveres do fornecedor previstos neste artigo e nos artigos da Seção VII do Capítulo V do Título I desta lei enseja a aplicação pelo Poder Judiciário de multa civil em valor adequado à gravidade da conduta e suficiente para inibir novas violações, sem prejuízo das sanções penais e administrativas cabíveis e da indenização por perdas e danos, patrimoniais e morais, ocasionados aos consumidores."

Frisa-se que atualmente o art. 49 do CDC exige interpretação complexa para adequação social à realidade nas novas contratações realizadas entre fornecedor e consumidor. Em que pese tal interpretação valer-se de princípios do direito do consumidor, da esfera cível e da análise jurisprudencial, a norma passa a ser carecedora de uma eficácia imediata. Desse modo, através da análise da nova redação, faz-se necessária a divisão meticulosa em sua estrutura, a fim de compreender os principais pontos que ganharam abrangência nesse Projeto de Lei.

2.2.1 Extensão Conceitual dos Contratos a Distância

É perceptível a ampliação proporcionada pelo referido PLS, quanto à conceituação do contrato à distância. Atualmente, o CDC em seu art. 49 restringe os contratos à distância aqueles realizados para fornecimentos de produtos e serviços, ocorridos fora do estabelecimento comercial, especialmente em domicílio e por telefone. De modo antagônico, o artigo supramencionado no PLS, agrega o segundo e terceiro parágrafo, que se dividem em abordar os desdobramentos do que seria o CDC adotará como novo conceito de contratos à distância. O conceito de meio eletrônico seria inserto em letra de lei, o que antes era simplesmente aplicado por analogia e interpretação benéfica ao consumidor, trazendo uma maior efetividade no tratamento de tal questão, a fim de que se evitem eventuais interpretações subjetivas ao artigo, no referido tema.

Por fim, insere ao terceiro parágrafo do artigo ora analisado a possibilidade do direito de arrependimento, em contratações nas quais, embora o consumidor tenha adentrado em estabelecimento comercial, o mesmo não obteve acesso ao produto em exposição, por motivos diversos. Nesse caminhar, vislumbra-se a nova interpretação quanto às contratações eletrônicas, pois o aspecto subjetivo do afastamento concreto entre consumidor e fornecedor torna-se critério superficial para permear o direito de arrependimento na aquisição de produtos e serviços.

O CDC, atualmente, considera a "distância", quanto às contratações do art. 49, o critério clássico e objetivo, do afastamento concreto entre consumidor e fornecedor. A contrario sensu, o PLS considera que a contratação à distância, sempre ocorre quando o consumidor não obtém acesso ao produto, pouco importando se tal aquisição tenha se realizado em estabelecimento comercial ou não.

Esse alargamento no direito ao arrependimento incluindo as compras em estabelecimento comercial é de extrema importância. Isso porque, o art. 49 do CDC, atualmente, é omisso nos casos em que o consumidor, por exemplo, adentra uma loja de móveis e escolhe o produto por catálogo pelo fato do fornecedor não possuir um produto idêntico em exposição. A ampliação do direito ao arrependimento é notória, pois sua atual aplicação ocorre por analogia, fato este que leva à insegurança jurídica no âmbito processual.

Nessa linha de raciocínio, sempre que a legislação torna-se ineficaz, ou inadequada quanto à realidade fática existente, a doutrina passa a desdobrar-se substancialmente para interpretar o apontamento normativo omisso ou contraditório.

Desse modo, leciona Fábio Ulhôa Coelho (2005, p.70): A rede mundial de computadores (internet) tem sido largamente utilizada para a realização de negócios. Em razão disto, criou-se um novo tipo de estabelecimento, o virtual. Distingue-se do estabelecimento empresarial físico, em razão dos meios de acessibilidade. Aquele o consumidor ou adquirente de bens ou serviços acessa exclusivamente por transmissão eletrônica de dados, enquanto o estabelecimento físico é acessível pelo deslocamento no espaço. A natureza do bem ou serviço objeto de negociação é irrelevante para a definição da virtualidade do estabelecimento.

Extrai-se do exposto o conceito de estabelecimento comercial físico e virtual, recaindo sobre o art. 49 do CDC, a inaplicabilidade da extensão do direito de arrependimento em contratos celebrados fora do estabelecimento comercial físico. Em linha antagônica e de forma majoritária, atualmente em diversas lides onde há necessidade desses artifícios para aplicação da norma em benefício do consumidor, respalda-se em jurisprudência e em outros meios que exercitam a aplicabilidade do direito de arrependimento em contratos realizados fora do estabelecimento comercial, como no caso de contratação eletrônica, haja vista as restrições legais ocasionadas pelas modificações sociais ocorrentes desde sua criação.

De outro lado, verifica-se que uma segunda fundamentação para a abrangência a esse instituto no PLS, subsidiária, mas não menos importante, é obstar o superendividamento, que demonstra-se cada vez mais patente em nossa sociedade, demonstradas por Cláudia Lima Marques (2011, p.863): Por fim, mencione-se uma falha na norma do art. 49 do CDC. A referida norma não engloba um prazo de reflexão em caso de contratos que envolvem crédito. De acordo com o mestre francês Jean Calais-Auloy, o crédito faz nascer dois perigos para o consumidor que não reflete sobre sua decisão: leva a compras desnecessárias e compromete o consumidor para o futuro. A experiência demonstrou que, mesmo em caso de contratos formalizados e concluídos dentro dos estabelecimentos comerciais, como normalmente são os contratos de crédito, o consumidor tem a necessidade de um prazo extra para a reflexão. Esta reflexão pode evitar o superendividamento, as compras inúteis, a insolvência e inúmeras violações contratuais, em vínculos não refletidos e não desejados (grifo inexistente no original).

Depreende-se tratar-se do direito de arrependimento em seu sentido amplo, contribui para que se evite o superendividamento, como compras desnecessárias. Em regra, o mecanismo de frenagem que o projeto de lei em seu art. 49 do CDC acaba em proporcionar ao consumidor, não estende a reflexão prazal, mas proporciona real ampliação ao conceito de contrato à distância, bem como facilita a desistência imotivada com benefícios como estorno em contratações realizadas por instituições de crédito, sendo um modo de rescisão unilateral para o consumidor.

2.2.2 Ampliação da Regulamentação no Direito de Arrependimento

Inicialmente, cumpre salientar que a ampliação do direito de arrependimento também se dará na hipótese em que a compra for realizada por contratação de serviços por Instituição Financeira ou Administradora de Cartão de Crédito.

Quanto ao parágrafo único do art. 49 do CDC, dispõe GARCIA (2008, p. 260): Exercido o direito de arrependimento, o consumidor deverá receber de forma imediata a quantia paga, monetariamente atualizada, voltando ao status quo ante. Assim, todo e qualquer custo despendido pelo consumidor deverá ser ressarcido, como o valor das parcelas pagas, além de outros custos, como os de transporte, por exemplo. Além disso, a norma autoriza que a restituição seja feita de forma imediata, ou seja, o fornecedor não poderá impor prazo ao consumidor para que restitua os valores.

Embora bem claro tal disposição normativa, carece de padronização quanto ao procedimento a ser adotado pelas instituições financeiras quando o contrato eletrônico é realizado através de Instituição Financeira ou Administradora de Cartão de Crédito, no caso do exercício do direito de arrependimento pelo consumidor. Para suprir essa falha, o Projeto de Lei em comento acresce ao art. 49 do CDC um parágrafo, que estrutura o procedimento a ser adotado pelas Instituições Financeiras ou Administradora de Cartões de Crédito.

Inicialmente, suscitado o direito de arrepender-se da contratação ou aquisição efetuada, o consumidor deverá comunicar ao fornecedor dentro do prazo de reflexão de sete dias. E este, por sua vez, deverá comunicar de imediato à Instituição Financeira ou Administradora de Cartão de Crédito. Comunicadas, ambas serão obrigadas a não lançar a transação na fatura do consumidor, ou efetuar o estorno do valor se a fatura já tiver sido emitida. Ademais, se o valor pecuniário tiver sido pago de modo integral ou parcial, deverá ser creditado imediatamente após o arrependimento do consumidor.

2.2.3 Acréscimo por Descumprimento do Fornecedor

O § 6º do art. 49 no PLS estabelece sanção ao fornecedor que não cumprir com o que dispõe os §§ 1º e 5º do referido artigo, impondo-lhe a devolução do valor pago em dobro ao consumidor lesado. Depreende-se assim, que havendo recusa do fornecedor quanto ao direito de arrependimento do consumidor no prazo de sete dias, ou se o mesmo deixar de comunicar a Instituição Financeira ou Administradora de Cartão de Crédito terá de ressarcir o consumidor em dobro no valor pago.

2.2.4 Necessidade do Dever de Informar quanto ao Direito de Arrependimento ao Consumidor

Inicialmente, verifica-se a necessidade de conceituar o dever de informação, que Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2010, p. 109), definem sucintamente: "Trata-se de uma imposição moral e jurídica de comunicar à outra parte todas as características e circunstâncias do negócio e, bem assim, do bem jurídico, que é seu objeto, por ser imperativo de lealdade entre os contraentes".

O PLS buscou absorver um dos mandamentos nucleares do direito do consumidor, que é o dever de informar, corroborado pelo princípio da boa-fé objetiva. A necessidade dessa disposição nasce para coibir possíveis práticas de omissão dos fornecedores quanto ao direito de arrependimento. Os fornecedores deverão por obrigação informar de forma clara e ostensiva, os meios adequados, facilitados e eficazes disponíveis para o exercício do direito de arrependimento do consumidor.

Insta salientar que, atualmente, o dever de informar nesse sentido, advém de aspecto principiológico e não mandamental, como o Projeto de Lei busca agora dispor no § 7º do art. 49 do CDC. Rizzatto Nunes (2009, p.645), complementa sobre o aspecto mandamental da informação: "Somado ao dever de informação, nasce através do oitavo parágrafo do mesmo artigo, a imposição ao fornecedor, em enviar ao consumidor confirmação individualizada e imediata do recebimento da manifestação de arrependimento".

Torna-se patente, portanto, com a estruturação da postura a ser adotada pelo fornecedor no exercício do direito de arrependimento, atualmente objeto de revisão, a necessidade clara da informação ao consumidor. Justifica-se a concretização de tal princípio no dispositivo mencionado, para evitar-se a má-fé pelo fornecedor, e conscientizar o consumidor dos seus direitos, haja vista a integralidade que a reforma ora discutida visa ensejar.

2.2.5 Sanções na Abstenção do Fornecedor quanto ao Dever de Informar

Da leitura do § 9º do art. 49 do Projeto de Lei que busca reformar o CDC, infere-se que o descumprimento dos deveres dos fornecedores previstos no referido artigo, ensejará aplicação pelo Poder Judiciário de multa civil em valor adequado à gravidade da conduta e suficiente para inibir novas violações, sem prejuízo das sanções penais e administrativas cabíveis e da indenização por perdas e danos, patrimoniais e morais, ocasionados aos consumidores.

3 Instituições Bancárias e Administradoras de Cartões de Crédito: Possíveis Posturas na Extensão da Eficácia

3.1 Postura Atual

A postura atual dos fornecedores quanto ao direito de arrependimento, na forma do art. 49 do CDC, sem qualquer alusão à reforma, é sintetizada por Jane de Araújo Colossal (2007, p. 170). Observe-se: O direito de arrependimento do consumidor obriga-o a devolver o produto, ou, no caso de serviços, a desoneração dos pagamentos do serviço realizado, desde que o serviço tenha sido executado perante o consumidor sem que tenha sido chamado para tanto gerando para o fornecedor a obrigação de devolver imediatamente as quantias já desembolsadas, dentre elas as despesas com frete, já que o artigo que trata da devolução, refere-se a qualquer título.(...) Logicamente que sendo o direito de arrependimento unilateral do consumidor, a prova desse exercício de direito em juízo é ônus do consumidor, portanto, a devolução de produtos ou recusa de prestação de serviços deve ser pelo consumidor documentada, e no caso de impossibilidade de comprovação na devolução no prazo fixado pelo Código, o contrato ou venda serão tidos como realizados.

De forma paralela e isonômica, entende Cavalieri Filho (2011, p.160): A manifestação da desistência, no prazo legal, pode ser feita por qualquer meio idôneo, mas o consumidor deve ter a cautela de poder prová-la, caso necessário. Pode desistir valendo-se dos mesmos meios que utilizou para a compra: correio, telefone, internet, telegrama, notificação cartorária, etc.

É certo que a padronização dos mecanismos a serem adotados na reforma do art. 49 do CDC, facilitaria a vida do consumidor em perceber seus direitos efetivamente tutelados.

A partir de um olhar em outro sentido, adverte Eduardo Gabriel Saad (2002, p.444): "Se de um lado podemos esperar muitas ações moralmente injustas do consumidor sob o manto do arrependimento, de outro é certo que os fornecedores inventarão meios e modos de evitar os danos causados pelo arrependimento".

Como se pode ver é de conhecimento comum a possibilidade de posturas negativas na tutela do direito de arrependimento, sob o prisma também da reforma. Todavia, a reestruturação do artigo, apontando mecanismos de direcionamento ao fornecedor, o modo de portar-se, caso o consumidor exerça tal direito, condiciona-o a agir como a lei impõe.

Esse condicionamento passa a existir, em virtude das sanções que o artigo passa a propor, atualmente não existentes, como a necessidade do dever de informar, somado à possibilidade de ressarcimento do consumidor em dobro, caso lhe ocorra lesão.

A doutrina, sempre se manifestou favoravelmente ao consumidor, na aplicação do referido artigo. Assim, destaque-se o que observa Leonardo Roscoe Bessa (2010, p.334): Em caso de arrependimento, todos os gastos e despesas do consumidor, inclusive de transporte do bem, devem ser imediatamente devolvidos. O parágrafo único do art. 49 não deixa dúvida a respeito: "Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados".

Em que pese todas as vertentes direcionadas para a aplicabilidade da lei em favor do consumidor, o fornecedor em meio ao cenário da possibilidade de nova redação do art. 49 do CDC, tende a criar sistemas de prevenção.

3.2 Postura em Face da Pretensa Alteração do Art. 49

Deve ser destacado que se o próprio artigo passa a abordar a possibilidade de ressarcimento em dobro ao consumidor que se sentir lesionado no exercício do direito de arrependimento, os fornecedores, instituições Bancárias e Administradoras de Cartão de Crédito, movidos pelo espírito de prevenção, certamente assumirão posturas que darão ensejo ao afastamento de indenizações permeadas pela má-fé, por alguns consumidores.

O risco do empreendimento, realizado à distância passa a ser analisado sob a nova perspectiva. A teoria passa a ser lógica: se existem novas fórmulas de favorecimento ao consumidor, a possibilidade de má-fé aumenta e, consequentemente, um novo quadro se desenha, composto por fornecedores, instituições bancárias e administradoras de cartão de crédito, que passarão a buscar um sistema de repasse desse risco, nos valores de serviços e produtos, na colheita de provas, na contratação que eliminam a obrigação de indenizar, observando todos dispositivos legais existentes no art. 49 do Projeto de Lei.

De qualquer modo, existem duas posturas possíveis dos fornecedores quanto à aprovação do PLS: uma maior burocratização na colheita de provas de prevenção, na conclusão do contrato à distancia, para evitar possíveis indenizações se suscitado o direito de arrependimento pelo consumidor, ou o repasse em valores para os produtos e serviços, com majoração de valores, no que diz respeito ao risco do empreendimento.

Sobre o tema, comenta Fabrício da Mota Alves (2007, p.05): Os bancos e os próprios comerciantes de varejo já o fazem no tocante ao crédito, quanto ao risco de inadimplemento. Esses, manipulando os preços de produtos de forma a incluir parcela desse risco, sobretudo em razão da péssima cultura do "cheque pré-datado". Aqueles, incluindo-o no valor dos juros cobrados aos consumidores, elevando sobremaneira o seu preço final, ao ponto de termos taxas de juros anuais muito superiores a 100% sobre o valor principal, isso em períodos de relativa estabilidade monetária e inflação controlada. Essa é uma equação mercadológica simples: quanto maior o risco do negócio (ou seja, a probabilidade de prejuízo), maiores são os preços ao consumidor final. Dessa forma, promove-se uma "compensação", uma transferência de risco negocial dos inadimplentes para os adimplentes. Esse raciocínio aplica-se, também, no caso do uso abusivo do direito de arrependimento. Se, a despeito de todas as advertências principiológicas e mercadológicas, ainda assim a magistratura insistir em aplicar o art. 49 segundo uma interpretação imprópria da norma, acarretando sucessivos prejuízos aos fornecedores, o maior prejudicado dessa conduta será o próprio consumidor, que verá o preço final ser elevado à proporção dos insucessos judiciais das empresas na questão.

O controle de possíveis abusos deve ser exercido pelo próprio magistrado, direcionando-se, no sentido de não afastar o direito do consumidor, mas aplicá-lo de modo eficiente, proporcional, evitando possíveis posturas extremistas na aplicação do art. 49 do CDC, na hipótese de aprovação do PLS ora analisado.

4 A Desistência Facilitada nos Contratos Eletrônicos e a Eventual Má-Fé no Arrependimento do Consumidor

4.1 Exercício do Direito de Arrependimento

O lapso temporal exigido por lei para que o consumidor suscite o arrependimento na contratação de um serviço ou aquisição de um produto é de sete dias.

Entretanto, a boa-fé deve ser elementar na utilização do serviço ou produto adquirido pelo consumidor, pois, ao pleitear a desistência pela utilização do direito de arrependimento, não poderá ocorrer enriquecimento ilícito de nenhuma das partes, devendo o negócio retornar ao status quo ante.

Essa interpretação doutrinária é resumida por Claudia Lima Marques (2010, p. 916): Se ele pretende fazer uso do seu novo direito de arrependimento, no prazo de sete dias, deverá cuidar para que o bem não pereça e não sofra qualquer tipo de desvalorização, devendo evitar usá-lo ou danificá-lo (abrir o pacote, experimentar o shampoo, manusear e sujar a enciclopédia, etc.). Se o fizer, segundo nos parece, poderá até desistir do vínculo obrigacional, liberando-se das obrigações assumidas (por ex.: pagamento da segunda prestação, recebimento mensal dos fascículos da enciclopédia, mas, como nao pode mais devolver o produto nas condições que recebeu (volta ao status quo), terá de ressarcir o fornecedor pela perda do produto ou pela desvalorização que o uso causou, tudo com base no princípio do enriquecimento ilícito.

É relevante mencionar que o consumidor não necessita de justificativa. Ainda não é necessário qualquer vício no produto recebido, ou dissabor pelo serviço contratado. O consumidor possui pleno direito de arguir o arrependimento no prazo estabelecido em lei, qual seja: sete dias (CAVALIERI, 2011, p.159).Abrange, entre os objetivos da reflexão para o consumidor, em arrepender-se no prazo supramencionado, justamente pela ausência de reflexão no momento da contratação. O consumidor pode ser verdadeiramente "bombardeado" na propaganda que o motiva a contratar ou adquirir, nas contratações à distância, realizadas dentro ou fora do estabelecimento comercial, bem como em contratos eletrônicos.

Tal disposição normativa possui essa ausência de justificativa, por um motivo simples. Aumentariam as chances da subjetividade de argumentação, ou contestação pelo fornecedor, e o objetivo do exercício do direito de arrependimento seria maculado.

Nesse cenário ilusório criado para o fascínio capitalista, o consumidor é amparado pelo Direito do Consumidor, em suscitar o direito de arrependimento.

Leonardo Roscoe Bessa (2010, p.334), a respeito do objetivo do exercício do direito de arrependimento, conclui: A justificativa do direito de arrependimento decorre tanto do fato de o consumidor não possuir condições de examinar "de perto" o produto (no máximo por fotos, catálogos, etc.), como da circunstância, em relação as vendas em domicílio, de ser uma compra sem o necessário e saudável período de reflexão para amadurecimento sobre a real necessidade do bem. O objetivo é evitar compras por impulso.

O escopo do direito de arrependimento ganhou maior enfoque a partir da utilização demasiada das compras realizadas pela internet. A atração pelas redes virtuais, e por sites de empresas, contam com propagandas via web, cores, características dos produtos, puramente abstratos. Tudo ao alcance de um clique.

O arrependimento pode ser a figura chave nessas compras, e o consumidor passou a exercer cada vez mais esse direito nas compras e contratações dessa espécie. A jurisprudência, tem se manifestado, no sentido de coibir práticas agressivas para obtenção de lucro por empresas que utilizam o comércio eletrônico como forma de atrair consumidores. Veja-se:

"COMÉRCIO ELETRÔNICO. PRAZO DE 7 DIAS. INTERNET. CONSUMIDOR IDOSO CUJO ARREPENDIMENTO NÃO É CONSIDERADO. DANO MORAL. Comércio eletrônico. Consumidor que arrepende, no prazo do art. 49 da Lei nº 8.078/90, da compra de uma batedeira elétrica e não consegue que a vendedora estorne o pagamento realizado online pela operadora de cartão de crédito. Hipótese em que as seis prestações foram faturadas e pagas pelo consumidor, senhor idoso e doente, que, com isso, sofreu abalos emocionais dignos de serem compensados pela indenização por danos morais - Recursos não providos." (TJSP - Ap. c/ Rev. 2932164400 - 4 Câm. Dir. Priv. Des. Ênio Zuliani - j. 15.05.07).

"COMÉRCIO ELETRÔNICO. SE HÁ DIREITO DE ARREPENDIMENTO MUITO MAIS DE NÃO CONTRATAR- ABORTO DA CONTRATAÇÃO EM SITE BANCÁRIO. CUJUS COMMODUM EJUS PERICULUM. RISCO DO FORNECEDOR QUE UTILIZA ESTE MEIO. DANO MORAL Consumidor. Contratação eletrônica via site da web. Prova suficiente de que a consumidora desfez o acesso ao site no ato, tão logo tomou conhecimento do preço do negócio. Não teve ciência inequívoca de que, a despeito de haver deixado o curriculum incompleto no local e de se haver desconectado, ainda assim permaneceria como contratante perante a fornecedora. Igualmente, a prova dos autos revela os contratos por escrito procedidos pela consumidora com fornecedora e com a instituição bancária, no sentido de cessarem os descontos na conta corrente conjunta dos autores. Ambos os réus desconsideraram a vontade da parte autora, a primeira sob o argumento de que escoara o prazo legal da desistência (quando é certo que a consumidora jamais teve a intenção de concretizar a contratação), e a segunda por ser a parte alheia à contratação. Ocorre que é dever da instituição bancária atender a solicitação do seu correntista, no sentido de fazer cessar os futuros débitos em conta. Quanto a fornecedora do serviço de divulgação de currículos, era-lhe exigida a boa-fé contratual. Sentença que valorou a prova, condenando os réus, solidariamente, a restituição das quantias e ao pagamento de indenização por dano moral, esta fixada em R$ 1.100, 00 e que se mostra justa e adequada em face da efetiva desconsideração para com a parte atora, a despeito das várias tentativas por essa levada a efeito para solver o caso a bom termo. Recursos a que se nega provimento." (Re. Cível 71001074194 - 2 Turma Recursal Cível - Turmas Recursais - Rel. Mylene Maria Michel - j. 10.01.07)

Da análise das jurisprudências acima, observa-se pacífico entendimento no sentido de que diante da resistência do fornecedor ao exercício do direito de arrependimento pelo consumidor, dentro do prazo, é presumida a existência do dano moral.

4.2 A Resistência dos Estabelecimentos Comerciais ao Exercício desse Direito

É imprescindível afirmar que em meio à tramitação do PLS ora analisado, e vigência do art. 49 do CDC, em sua forma atual, ocorre resistência dos estabelecimentos comerciais ao exercício do direito de arrependimento. Essas atitudes dos estabelecimentos comerciais, instituições financeiras e administradoras de cartões de crédito são geradas a partir de certas omissões normativas nos contratos à distância. O art. 49 do CDC em sua forma revisada inclui diversas penalidades no descumprimento dos deveres regidos pela lei consumerista, bem como a possibilidade de ressarcimento em dobro ao consumidor, pelo produto adquirido ou serviço contratado.

Como se não bastasse, ocorrendo resistência dos estabelecimentos comerciais se suscitado o direito de arrependimento, muitas vezes somado a esse descaso, o consumidor enfrenta vários óbices nos teleatendimentos para cancelar possíveis parcelas lançadas, quando a contratação é efetuada pelo cartão de crédito. Isso é o que se observa na análise de jurisprudências, equivalentes a esta:

"CONSUMIDOR - Declaratória de inexistência de dívida - repetição do indébito - reparação de danos morais - consumidor - exercício do direito de arrependimento - pagamento parcelado através de cartão de crédito - persistência das cobranças, em que pese o cancelamento da compra - responsabilidade solidária da comerciante e da administradora do cartão - resistência injustificada em estornar os débitos - ineficiência do sistema de teleatendimento colocado ä disposição pelas demandadas - descaso para com o consumidor. Dano moral configurado Enfrentamento de verdadeiro calvário na tentativa de solução do problema, através de sistema de teleatendimento da fornecedora. Autora que não logra êxito na solução do problema, embora se tratasse de situação facilíssima de ser resolvida pelas rés. Desconsideração para coma pessoa do consumidor. Situação que ultrapassa os meros aborrecimentos, ensejando verdadeira lesão à personalidade. Atendimento, também, da função dissuasória da responsabilidade civil. Recurso parcialmente provido, a fim de reduzir o valor da condenação." (TJRS - Re. Cív. 71002017689 - 3 Turma Recursal Cível - Turmas Recursais- Rel. Eugênio Facchini Neto - j. 16.07.09)

Na hipótese de aprovação do PLS, se o consumidor invocar o direito de arrependimento dentro do prazo legal, os estabelecimentos comerciais são obrigados a comunicar às Administradoras de Cartões de Crédito e Instituições Financeiras. Justificadamente o art. 49 do CDC na sua forma revisada, será muito mais eficaz nesse sentido. Isso porque, atualmente o parágrafo único do referido artigo, prevê apenas o estorno do valor pecuniário pago, deixando o consumidor à mercê do teleatendimento, enfrentando segunda jornada de resistência na tutela de seus interesses.

Desse modo, a comunicação da desistência do consumidor para as administradoras de cartões de crédito e instituições financeiras, passa a ser efetuada, segundo o PLS, pelo próprio estabelecimento comercial, facilitando assim, a inocorrência de casos como o da jurisprudência acima apresentada.

4.3 A Má-Fé no Exercício de Arrependimento

O art. 49 com redação pelo Projeto de Lei ora analisado, possui como um dos escopos básicos a estruturação e adequação normativa à realidade fática no exercício do direito de arrependimento. Sabe-se que com a ampliação da tutela desse direito, a revisão normativa do referido artigo proporciona ao consumidor maior respaldo, ao arrepender-se do contrato celebrado à distância. Todavia, como em qualquer âmbito jurídico envolvendo a celebração de contratos, é necessária a previsão de possíveis práticas de má-fé no exercício do direito de arrependimento.

Nesse sentido, Cavalieri Filho (2011, p.161) dispõe: O arrependimento do consumidor não pode levar ao seu enriquecimento sem causa. O produto terá que ser devolvido incólume tal como foi recebido, se possível preservando-se até a embalagem. A boa-fé (objetiva) do consumidor deverá se fazer presente, sendo repudiável a conduta de alguém (como tem ocorrido) que compra uma roupa ou um sapato pela Internet, faz uso deles num casamento ou outra festa, e, antes dos sete dias, invoca o direito de arrependimento.

O exercício abusivo do direito de arrependimento pode ocorrer como em qualquer caso de má-fé. Primeiramente, porque o direito de arrependimento possui eficácia plena, inexistindo necessidade de justificativa plausível para a sua concretização. A ausência de justificativa para desistência do consumidor na contratação, ganha sentido com as palavras de Ada Pellegrini Grinover (2001, p. 492): O direito de arrependimento existe sem que seja necessária qualquer justificativa do porquê da atitude do consumidor. Basta que o contrato de consumo tenha sido concluído fora do estabelecimento comercial para que incida, plenamente, o direito de o consumidor arrepender-se.

Assim, a qualquer tempo dentro do lapso temporal de sete dias, o consumidor pode desistir do contrato celebrado, seja em aquisição de produto ou contratação de serviços.

Em segundo plano, paralelo à eficácia plena do direito de arrependimento, encontra-se um dos princípios basilares do direito consumerista: a boa-fé.

É pacífico o entendimento de que seja exigida a boa-fé do fornecedor no sentido de orientar-se pela disposição normativa existente, juntamente com as instituições financeiras e administradoras de cartão de crédito. Todavia, faz-se necessário, também, a boa-fé por parte do consumidor no exercício do direito existente. Enveredando por esse princípio, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2008, p. 509) afirmam: "O objetivo da construção jurisprudencial do principio da boa-fé é justamente dotá-lo de sentido técnico, torná-lo menos fluido, para que não sobeje apenas como referência ética e metajurídica sem qualquer concretização no plano operacional".

Os doutrinadores buscam racionalizar esse princípio através da construção jurisprudencial, da análise do caso concreto pelos Tribunais. A doutrina caminha nesse sentido, devido à industria do dano moral existente nas relações de consumo, que vem provocando a banalização dessa espécie de dano, que cresce demasiadamente.

Anteriormente à crescente utilização do contrato eletrônico e das compras pela Internet, a aquisição de um produto com defeito era considerada má sorte. Inobstante, com as crescentes compras realizadas à distância, que mesmo o fornecedor adotando a postura legal existente, ainda assim, o direito de arrependimento é utilizado pelo consumidor como forma de obtenção de vantagem através do ingresso em ações frívolas pelo Judiciário, em alguns casos. Essa crescente realidade é observada por Paulo Maximilian (2000, p.130): O direito de todo cidadão acessar o Poder Judiciário se vê atualmente manchado por um incontável número de ações absurdas e ridículas, em que os autores postulam as mais exóticas providências do julgador. Tais demandas servem mais ao anedotário jurídico do que à efetiva satisfação de interesses da sociedade.

Assim, apesar do Projeto de Lei apresentar uma tendência exigente quanto às contratações eletrônicas, visando resguardar os consumidores nos contratos à distância, é necessário a imediata aplicação dos mecanismos de frenagem de possíveis práticas de má-fé.

Saad (2002, p.446), de forma mais extremista, afirma: O Código autoriza o comprador a arrepender-se mesmo depois de haver recebido o produto e, para sua decisão produzir efeitos jurídicos, não se faz mister que ele tenha de fundamentá-la. Há, no caso, um excesso de proteção ao consumidor, que gerará a incerteza nas relações de consumo que se processam da maneira que vimos indicando.

É imperioso que se busque equilíbrio na aplicação do direito de arrependimento na possibilidade de aprovação do PLS em sua integralidade. Os extremos, que se aproximam da ampliação dos direitos dos consumidores, na ausência de mecanismos de frenagem, podem abarrotar o Judiciários em demandas sem justa causa.

De modo contrário, aproximar-se de uma possível redução da aplicabilidade desse direito, favorece diretamente os fornecedores, instituições financeiras e administradoras de cartão de Crédito, que podem criar verdadeiras margens de lucro na utilização indevida da legislação consumerista em seu favor. Nessa linha de raciocínio, pode-se afirmar que a revisão do art. 49 do CDC, tornou-se necessária pela crescente utilização dos contratos eletrônicos, ou à distância. A reestruturação normativa do direito de arrependimento apresenta verdadeiras amarras para pressionar o fornecedor a utilizar-se de um padrão de comportamento, quando da utilização do direito de arrependimento por parte do consumidor.

Entretanto, nos possíveis casos de má-fé, o enriquecimento sem causa do consumidor deverá ser apontado como forma de coibir verdadeira massificação na utilização desse direito, como pedra de construção da indústria do dano moral.

O equilíbrio que deve permear o direito de arrependimento, deve ser delimitado pelo próprio magistrado, observando as peculiaridades de cada caso concreto.

Assim, adverte Fabrício da Mota Alves (2007): O magistrado é um aplicador da lei. Não deve ele, jamais, agir como legislador, sob pena de ferir a harmonia dos Poderes. Sua atuação encontra limites na própria ordem jurídica e, em um patamar maior, na própria legislação. Sua decisão, por mais alternativa que possa vir a ser, jamais deverá sobrepor-se à lei. Por isso, deve-se buscar, sempre, a melhor interpretação normativa aplicável ao caso concreto. No entanto, sendo a norma obscura ou imprópria ao fato social, nada impede que o juiz possa persistir na aplicação abusiva do direito de arrependimento nas relações comerciais formalizadas à distância. (...) Dessa forma, sendo o direito de arrependimento aplicado de forma abusiva e nitidamente prejudicial aos fornecedores, estes serão obrigados a levar em consideração fatores de risco da atividade comercial.

O olhar do magistrado, portanto, deverá ser de suma importância para aplicação do direito de arrependimento na sua forma plena, e eficaz para o consumidor, na tutela de seus interesses, e não como forma de aniquilar práticas comerciais.

5 Considerações Finais

A evolução social nas contratações à distância, marcada pela era digital e pelo contrato virtual trouxe novas fronteiras e desafios outros a serem enfrentados pelo legislador.

Vislumbra-se atualmente, uma sociedade que busca freneticamente a celeridade, o consumismo, a conveniência, e os contratos à distância passam a ocorrer em sua forma massificada, por possuir características que preenchem essas características do mundo globalizado contemporâneo.

Se de um lado o consumidor ampliou suas possibilidades de contratações, de outro, se tornou mais vulnerável nessa modalidade de contrato, podendo muitas vezes comprar o que não deseja efetivamente, ou se equivocar quanto a alguma característica pouco analisada anteriormente à compra e à contratação.

Esse quadro levou a uma reflexão a respeito do art. 49 do CDC que atualmente proporciona ao consumidor o direito de se arrepender dentro do prazo de sete dias, nos contratos realizados à distância, incluindo por final, o direito ao estorno do valor pago.

Apesar do direito de arrependimento esboçado no art. 49 do CDC ser de extrema evolução na esfera do Direito do Consumidor, sua redação data da promulgação da Lei nº 8.078/90. Sabe-se que decorridos quase vinte e dois anos de vigência do CDC, a sociedade se transfigurou nas realizações dos contratos realizados à distância, cada vez mais escolhido pelos consumidores. Faz-se necessário entretanto repensar diversos pontos cuja inexistência tornou-se indispensável à lei em razão das transformações sociais e da própria modalidade contratual à distância, que vem assumindo novos contornos. Um bom exemplo é o consumidor que, mesmo dentro de estabelecimentos comerciais, acaba efetuando aquisições "à distância". Isso porque, a ausência física do produto a ser adquirido obriga à categorização dessa compra como contrato à distância, em razão da não acessibilidade do consumidor ao produto adquirido (por não haver um idêntico exposto ou em estoque), possibilidade atualmente não disposta no art. 49 do CDC.

Essa extensão conceitual dos contratos à distância é imprescindível, para proporcionar respaldo ao consumidor na abrangência de seu direito de arrependimento. Ademais, os estabelecimentos comerciais, as Administradoras de Cartões de Crédito e Instituições Financeiras, na atual redação do art. 49 do CDC, sofrem penalidades pelo descumprimento, a partir da aplicação de artigos subsidiários, aspectos principiológicos da boa-fé, entre outros argumentos, quando o consumidor ingressa com demanda judicial. Para sanar esta lacuna, o PLS na revisão do art. 49 do CDC incluiu sanções significativas na hipótese de descumprimento dos deveres dos estabelecimentos comerciais, administradoras de cartões de crédito e instituições financeiras quando o consumidor exercita o direito de arrependimento.

É importante ressaltar que o presente artigo não se propôs a esgotar todos os pontos que gravitam em torno do direito de arrependimento, e sim, levantar indagações a respeito da necessidade de modificação do art. 49 do CDC, proposta pelo PLS, bem como prever através da realização da leitura de diversos doutrinadores, possíveis posturas tanto dos estabelecimentos comerciais e seus responsáveis indiretos, como também do consumidor.

Ressalta-se que a restrição a esses pontos foi de extrema relevância, para obstar vasta explanação a respeito dos contratos à distância, comércio eletrônico ou direito de arrependimento em sua forma ampla, e sim ventilar aspectos relevantes da imprescindibilidade da reforma, esboçando o cenário atual na aplicação de tal direito, e antecipando posturas de ambas as partes contratuais.

Por derradeiro, é importante ressaltar que apesar de a doutrina ser majoritariamente favorável à aplicação do direito de arrependimento em sua forma redacional atual, existem divergências doutrinárias nas lacunas existentes no comentado artigo, o que demanda relativa subjetividade do magistrado em adotar a doutrina majoritária ou a minoritária.

A resolução desse impasse seria a aplicação de uma nova estrutura ao art. 49 do CDC, se amoldando à realidade atual, ficando a cargo do magistrado na análise do caso concreto, a aplicação proporcional do artigo em sua forma revisada, para obstar as práticas de má-fé dos consumidores, que muitas vezes engessam a celeridade do Judiciário, assoberbando-o com demandas frívolas, carecedoras de mérito, utilizadas muitas vezes como meio de enriquecimento sem causa.

Referências

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  • Direito do Consumidor

Referências

Artigo publicado na Magister de Direito Empresarial, Concorrencial e do Consumidor, n. 52, ago./set. 2013.


Kamilla Abreu Costa Mozeli

Advogado - Bom Jesus do Itabapoana, RJ


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