A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA: TEORIAS, ASPECTOS PROCESSUAIS E SUA APLICAÇÃO NAS SOCIEDADES PERSONIFICADAS


16/04/2024 às 19h34
Por Ana Marcelle Rego Perazzo Silva

Autoria: Ana Marcelle Rêgo Perazzo Silva

 

Resumo : O Presente trabalho dedica-se a estudar a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica. Inicialmente será analisada sua evolução histórica e de que forma tal teoria é abordada hoje pelas normas jurídicas brasileiras, bem como seus aspectos processuais e incidência de aplicação nas sociedades personificadas, levando em conta a limitação patrimonial da personalidade jurídica. Será abordado também o uso do instituto pelo Poder Judiciário, e os benefícios que a regularização de sua aplicabilidade traria para o ordenamento jurídico vigente.

 

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1- APONTAMENTOS HISTÓRICOS 2- A PERSONALIDADE JURÍDICA E A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA  3-  TEORIA MAIOR E TEORIA MENOR 4- ASPECTOS PROCESSUAIS 5- A NECESSIDADE DE REGULARMENTAÇÃO.  CONSIDERAÇÕES FINAIS.   REFERÊNCIAS.

 

INTRODUÇÃO

Foi dito que a criação da personalidade jurídica configura verdadeira revolução no âmbito do direito empresarial, tratando-se de ferramenta juridicamente desenvolvida para atender às necessidades da realidade social. É notório que a pessoa jurídica difere da pessoa do sócio, a mesma detém titularidade para praticar diversos atos jurídicos, tendo personalidade e patrimônio próprio, que não se misturam com os dos seus sócios.

 

É notório que a pessoa jurídica difere da pessoa do sócio, a mesma detém titularidade para praticar diversos atos jurídicos, tendo personalidade e patrimônio próprio, que não se misturam com os dos seus sócios.

 

A teoria da desconsideração surgiu a partir da necessidade de garantir que a finalidade da personalidade jurídica das sociedades não fosse desviada, e que assim fosse utilizada de maneira errônea para a prática de atos ilícitos.

 

Neste sentido, tal teoria, a fim de proporcionar uma maior segurança jurídica, mostra-se essencial como recurso para tentar abster práticas irregulares através da indevida utilização da pessoa jurídica, uma vez que esta visa desconsiderar a blindagem patrimonial da sociedade temporariamente, atingindo consequentemente, os responsáveis por esse desvirtuamento que, em nome da sociedade, praticam fraudes e abusos de direito.

 

Atualmente, a Desconsideração da Personalidade Jurídica pode ser encontrada no Código Tributário Nacional, no Código de Defesa do Consumidor, na Consolidação das Lies Trabalhistas, Lei n. 4.591/94, no Código Ambiental e no Código Civil de 2002. No entanto, tal dispositivo jurídico ainda não possui um instituto que regule sua aplicação, o que se realizada, teria uma maior eficácia e um maior controle por parte do legislador.

 

  1.  APONTAMENTOS HISTÓRICOS

 

A Desconsideração da Personalidade Jurídica, ou também chamada, Disregard doctrine, ganhou o cenário mundial no caso Salomon v. Salomon & Com, em 1897 na Inglaterra, porém sem muita repercussão jurisprudencial. Foi no direito alemão que a teoria teve sua sistematização, através do estudo comparado de casos já decididos anteriormente.

 

Em estudo realizado por Rolf Serick, diz que a teoria só poderia ser aplicada como exceção, para casos em que ficasse comprovado a fraude ou o abuso de direito, onde deve ser levando em conta o elemento dolo para caracterizar a utilização da teoria.

 

A teoria da desconsideração chegou ao Brasil nos anos 60, tema tratado inicialmente pelo jurista Rubens Requião, onde o mesmo transcreveu as seguintes observações:

 

A disregard doctrine aparece como algo mais do que um simples     dispositivo do Direito americano de sociedade. É algo que aparece como consequência de uma expressão estrutural da sociedade. E, por isso, em qualquer país em que se apresente a separação incisiva entre a pessoa jurídica e os membros que a compõem, se coloca o problema de verificar como se há de enfrentar aqueles casos em que essa radical separação conduz a resultados completamente injustos e contrários ao direito.

 

Diante do abuso de direito e da fraude no uso da personalidade jurídica, o juiz brasileiro tem o direito de indagar, em seu livre convencimento, se há de consagrar a fraude ou o abuso de direito, ou se deva desprezar a personalidade jurídica, para, penetrando em seu âmago, alcançar as pessoas e bens que dentro dela se escondem para fins ilícitos e abusivos.

 

A partir daí, com a doutrina e a jurisprudência aprofundando os estudos a cerca da teoria, após alguns anos tivemos a primeira demonstração de inserção de tal teoria no âmbito jurídico brasileiro, com o Código de Defesa do Consumidor de 1990. Fato este preponderante para que a Teoria da Desconsideração Jurídica pudesse ser observada com um instrumento de coibição de práticas abusivas nas relações consumeristas. Ainda sim, o Código Civil de 2002, em seu Art. 50, também tratou de inserir a teoria, pelo modo que concretiza a sua aplicação nas relações comerciais.

 

Ao longo dos anos, foi adotada pelo ramo do Direito Empresarial, à medida que, a personalidade jurídica proporciona o desenvolvimento e expansão da atividade econômica nacional, a desconsideração da personalidade jurídica é usada como ferramenta de regulação da mesma, o que possibilita uma maior segurança jurídica no meio comercial coibindo atos fraudulentos, e atendendo aos limites da livre iniciativa empresarial.

 

2. A PERSONALIDADE JURÍDICA E A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

 

Antes de falar especificamente de que modo a Desconsideração da Personalidade Jurídica, está ligada as sociedades personificadas, faz-se necessário o esclarecimento conceitual a respeito da Pessoa Jurídica. Como assim coloca Rubens Requião:

 

Entende-se por pessoa jurídica o ente incorpóreo que, como as pessoas físicas, pode ser sujeito de direitos. Não se confundem, assim, as pessoas jurídicas com as pessoas físicas que deram lugar ao seu nascimento; pelo contrário, delas se distanciam, adquirindo patrimônio autônomo e exercendo direitos em nome próprio. Por tal razão, as pessoas jurídicas têm nome particular, como as pessoas físicas, domicílio e nacionalidade; podem estar em juízo, como autoras ou como rés, sem que isso se reflita na pessoa daqueles que a constituíram. Finalmente, têm vida autônoma, muitas vezes superior às das pessoas que as formaram; em alguns casos, a mudança de estado dessas pessoas não se reflete na estrutura das pessoas jurídicas, podendo, assim, variar as pessoas físicas que lhe deram origem, sem que esse fato incida no seu organismo. É o que acontece com as sociedades institucionais ou de capitais, cujos sócios podem mudar de estado ou ser substituídos sem que se altere a estrutura social.

 

A definição acima, em resumo diz que a Sociedade Empresária, ao adquirir personalidade jurídica, passa a ser uma Sociedade Personificada, ou seja, passa a celebrar contratos em nome próprio, adquirindo direitos e deveres perante o ordenamento jurídico, além de possuir patrimônio próprio, que não se confunde com os dos sócios que lhes deram origem. Cumpre salientar que, a Sociedade só passa a ter personalidade jurídica, após ter os seus atos constitutivos, devidamente registrados junto ao órgão competente, conforme disposto no art. 45 do Código Civil de 2002, verbis:

 

Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessária, de autorização do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.

 

O patrimônio pessoal dos sócios de uma sociedade personificada poderá ser atingido de forma limitada ou ilimitada pelas obrigações sociais adquiridas, dependendo do que estiver disposto no ato constitutivo da sociedade.

 

 No entanto, quando se fala em “Benefício de Ordem”, essa responsabilidade torna-se subsidiária, como assim é fundamentado pelo Art. 1.024 do Código Civil de 2002, “os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dividas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais”, ou seja, a possibilidade de responsabilização dos sócios, parte apenas se o patrimônio da sociedade não for suficiente para solver a dívida com os credores.

 

Ainda sim, no Art. 1.052 do mesmo dispositivo legal informa que, “na Sociedade Ilimitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital”. No mesmo sentido, cumpre salientar o disposto no art. 596 do Código de Processo Civil que diz:

 

Art. 596. Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade senão nos casos previstos em lei; o sócio, demandado pelo pagamento da dívida, tem direito a exigir que sejam, primeiro, executados os bens da sociedade.

 

Em voto do Recurso Especial N° 1.180.714- RJ (2010/0022474-9) foi dito que a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, é aquela que autoriza o juízo a ignorar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, sempre que utilizada como instrumento de fraude ou abuso de direito, para que os sócios e administradores da sociedade respondam pessoalmente por débitos da pessoa moral.

 

A respeito da personalidade jurídica e a teoria da desconsideração, Marlon Tomazette diz que:

A desconsideração é, pois a forma de adequar a pessoa jurídica aos fins para os quais a mesma foi criada, vale dizer, é a forma de limitar e coibir o uso indevido deste privilégio que é a pessoa jurídica, vale dizer, é uma forma de reconhecer a relatividade da personalidade jurídica das sociedades. Este privilégio só se justifica quando a pessoa jurídica é usada adequadamente, o desvio da função faz com que deixe de existir razão para a separação patrimonial.

 

Para Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica é o mero desprezo eventual, pelo poder judiciário, da personalidade independente e autônoma da pessoa jurídica, com a finalidade de possibilitar que os sócios a ela ligados, respondam pelos atos fraudulentos com seus patrimônios pessoais. Tona-se então, uma autorização judicial para responsabilizar civilmente os sócios.

 

Pablo Stolze e Rodollfo Pamplona Filho, trazem em sua obra literária a informação de que a desconsideração não se limita apenas aos sócios, mas se estende também aos administradores da pessoa jurídica.

 

3- TEORIA MAIOR E TEORIA MENOR

 

A teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica possui duas vertentes que abordam tal instrumento de formas completamente diferentes em caráter de funções distintas. O primeiro dispositivo a tratar da desconsideração foi o Código de Defesa do consumidor em seu Art. 28 caput e § 5:

 

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

 

§5°. Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo, ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

 

Tal disposição legal traz o que se entende por Teoria Menor. Para essa teoria, basta que a separação entre os bens da sociedade e do sócio se torne obstáculo a satisfação do crédito. (Ricardo Monazzi, 2010)

 

Entende-se que o legislador levou em consideração a proteção do consumidor, este sendo hipossuficiente perante o fornecedor, e que não pode ser responsabilizado pelo risco da atividade econômica empresarial. E consonância com o disposto, o STJ entende que no direito do consumidor e no direito ambiental, para a aplicação da disregard doctrine, basta o mero prejuízo do credor, por haver regras legais específicas nesse sentido. 

 

A teoria menor da desconsideração incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Para a teoria menor, risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa por parte dos sócios. 

 

No entanto, o ordenamento jurídico atual, adota com sendo de aplicação majoritária, a Teoria Maior, positivada pelo Art. 50 do Código Civil de 2002:

 

Art. 50. Em caso de abuso de personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam entendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

 

Insta salientar, que tal teoria vai totalmente conta a teoria menor, pois a mesma defende que a desconsideração da personalidade jurídica, não pode ser aplicada somente com a demonstração de insolvência da divida ou não cumprimento das obrigações pela pessoa jurídica. Neste sentido, é de suma importância a prova da insolvência ou do desvio de finalidade da personalidade jurídica por meio de atos fraudulentos.

 

Ainda sim, sobre o tema, discorre Ricardo Nogueira que a teoria maior se fundamenta na apresentação de provas que validem o ato ilícito partindo dos sócios. Em regra, a desconsideração da personalidade jurídica deve ser aplicada em caráter excepcional, desde que devidamente preenchido os requisitos solicitados, fundamento este basilar, herdado das analises de Rolf Serick na Alemanha.

 

Ademais, a mesma não resulta em extinção da pessoa jurídica tampouco anulação/ revogação de atos específicos praticados por ela, ainda que verificados os vícios a que faz alusão o art. 50n do Código Civil. Na verdade, trata-se de apenas uma suspenção temporária de uma ficção jurídica, que é a empresa, sob cujo véu se esconde a pessoa natural do sócio. (RESP N° 1.180.714- RJ 2010/0022474-9). 

 

A identificação do desvio de finalidade, nas atividades da pessoa jurídica, deve partir da constatação de que a pessoa jurídica realiza condutas ilícitas ou incompatíveis com a atividade autorizada, além de realizar atividades que favoreçam o enriquecimento de seus sócios, na medida em que provoca a sua própria derrocada administrativa. (FERNANDES, ed. 78/2012).

 

4- ASPECTOS PROCESSUAIS

 

Ainda que a teoria da desconsideração jurídica tenha sua efetiva positivação nos dispositivos aqui já elencados, ela não possui um instrumento único que verse sobre sua aplicação, deste modo fica a critério do magistrado a forma e o momento de sua aplicação no processo e o procedimento a ser adotado, o mesmo conta com o auxilio da doutrina e do vasto campo de jurisprudências já existente sobre o tema.

 

Insta salientar, que como requisitos para a sua incidência, é imprescindível a comprovação do ato fraudulento, abusivo pelos sócios ou da confusão patrimonial da sociedade empresária, uma vez que esse dispositivo deve ser utilizado com excepcionalidade e não como regra geral. Segundo Fabio Ulhoa Coelho “o juíz pode decretar a suspensão episódica da eficácia do ato constitutivo, se verificar que ela foi utilizada como instrumento para realização de fraude ou de abuso de direito”.

 

Assim, para que a Disregard seja aplicada em um processo, estando este já em sua fase de execução, não é necessária a propositura de uma ação independente, ou seja, uma ação paralela ao processo já existente, desta forma, a desconsideração pode ser arguida no mesmo processo de execução, sem que esteja confrontando o principio de devido processo legal. Aos casos em que o juiz determina a execução do patrimônio dos sócios, após executado os bens da sociedade empresária, é chamado de redirecionamento da execução contra os sócios.

 

Esse também é o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, quando diz que para a aplicação da teoria, é dispensável a propositura de uma ação autônoma. Bastando para o levantamento da blindagem patrimonial, a verificação dos pressupostos de sua incidência, podendo este mesmo ser no processo de execução. (STJ, Recurso Ordinário n° 16.274-SP/2003).

 

No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, informou que a desconsideração da personalidade jurídica da empresa executada pode ser decretada nos autos da própria ação de execução, independente de processo de conhecimento autônomo.

 

Cumpre destacar o disposto nos art. 129 e 130 da Lei n° 11.101/2005: A desconsideração da personalidade jurídica não se assemelha à ação revocatória falencial ou a ação pauliana, seja em suas causas justificadoras, seja em suas consequências. A primeira (revocatória) visa ao reconhecimento de ineficácia de determinado negócio jurídico tido como suspeito, e a segunda (pauliana) à invalidação de ato praticado em fraude a credores. (Resp n° 1.180.714-RJ 2010/0022474-9)

 

Ao contrário, a teoria da desconsideração não consiste tecnicamente na invalidade ou na ineficácia dos negócios jurídicos celebrados pela sociedade empresaria, mas se baseia na ineficácia temporária da pessoa jurídica, e da blindagem patrimonial a ela concedida.

 

Gabriela Helou Garcia expõe que a desconsideração da personalidade jurídica poderá decorrer de um incidente processual, ou seja, na própria fase de execução, ou de um processo autônomo de conhecimento. O primeiro defende que a desconsideração pode ser decretada no mesmo processo a que deu origem o título executivo, ou seja, no processo de execução, com o objetivo de garantir a celeridade do processo, não tendo risco de violabilidade dos princípios do contraditório e da ampla defesa. Já na segunda hipótese, tem como finalidade proporcionar aos sócios os direitos básicos do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

 

Salientando de que os tribunais vem decidindo pela não necessidade de um processo independente de conhecimento, concordando que o pedido de desconsideração da personalidade jurídica seja feito no quadro da execução

 

5- A NECESSIDADE DE REGULARMENTAÇÃO

 

A teoria em estudo tem sua positivação em alguns dispositivos legais do ordenamento jurídico brasileiro, porém é na jurisprudência que o tema é exaustivamente debatido, deixando a cargo dos operadores de direito a subjetiva interpretação sobre sua aplicabilidade e incidência.

 

Faz-se necessária a inserção no Direito brasileiro, de um dispositivo que regule tal instrumento, já que detém o objetivo de coibir as práticas fraudulentas e abusivas comerciais. Levando-se em conta o fato importante da expansão econômica que país vem sofrendo nos últimos anos.

 

A desconsideração da personalidade jurídica, é algo que deve ser usando em caráter excepcional, porém, o poder judiciário vem fazendo o uso do instituto de forma exacerbada e excessiva, sob a alegação de querer uma maior efetividade processual, transformando a teoria da desconsideração uma regra processual.

 

            O Poder Judiciário deve possuir cautela no momento em que for aplicar a desconsideração da personalidade jurídica, uma vez que, devem ser observados todos os pressupostos para justificar a utilização do instituto, para que o mesmo não perca a sua efetividade e consequentemente a validade, pelo uso desregular. Assim coloca Gabriel Teixeira que:

 

Devido ao crescente uso da pessoa jurídica para fins diversos daqueles vislumbrados pelo sistema jurídico quando da criação do instituto, a jurisprudência brasileira tem utilizado a disregard doctrine excessivamente, na ânsia por uma efetividade processual, utilizando como regra geral e não como uma exceção, que deveria ser o seu fim previsto, banalizado e liquidando como o conceito da personalidade jurídica. (LUDVIG; Gabriel Teixeira. 2010)

 

O Deputado Ricardo Fiúza propôs um Projeto de Lei n° 2426/2003, que regulamenta o disposto no art. 50 do Código Civil de 2002, disciplinando a declaração judicial de desconsideração da personalidade jurídica e dá outras providências. Apresentou como justificativa o seguinte argumento sobre os casos de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica:

 

“vêm sendo ampliados desmesuradamente no Brasil, especialmente pela Justiça do Trabalho, que vem de certa maneira e inadvertidamente usurpando as funções do Poder Legislativo, visto que enxergam em disposições legais que regulam outros institutos jurídicos fundamento para decretar a desconsideração da personalidade jurídica, sem que a lei apontada cogite sequer dessa hipótese, sendo grande a confusão que fazem entre os institutos da co-responsabilidade e solidariedade, previstos, respectivamente, no Código Tributário e na legislação societária, ocorrendo a primeira (co-responsabilidade) nos casos de tributos deixados de ser recolhidos em decorrência de atos ilícitos ou praticados com excesso de poderes por administradores de sociedades, e a segunda (solidariedade) nos casos em que genericamente os administradores de sociedades ajam com excesso de poderes ou pratiquem atos ilícitos, daí porque, não obstante a semelhança de seus efeitos, a matéria está a exigir diploma processual próprio, em que se firmem as hipóteses em que a desconsideração da personalidade jurídica possa e deva ser decretada.”

 

Tais argumentos também foram citados por Luciane Helena Vieira, onde a mesma ainda salientou que um dos pontos mais positivos do Projeto de Lei n° 2426/2003, é o de justamente procurar traçar o processo pelo qual se dará a aplicação da desconsideração, buscando preservar o exercício da ampla defesa, com o estabelecimento do contraditório.

 

Art. 3º. Antes de declarar que os efeitos de certas e determinadas obrigações sejam estendidos aos bens dos administradores ou sócios da pessoa jurídica, o juiz lhes facultará o prévio exercício do contraditório, concedendo-lhes o prazo de quinze dias para produção de suas defesas.

 

Observando o disposto no artigo 3° do projeto de Lei citado anteriormente, ficou evidente a preocupação do legislador em realmente fundar suas decisões em algo verídico, não bastando apenas a mera apresentação do ato ilícito ou abusivo por parte do prejudicado, mas também a concessão do direito de defesa e argumentação contrária, para que possa justificar ou não sobre o ato fraudulento.

 

Ainda falando do prejudicado, o texto do projeto diz em um dos seus artigos que, este deve apresentar, mediante requerimento específico, quais os atos abusivos praticados pelos sócios ou seus administradores. Ressalvasse que só será responsabilizado com patrimônios pessoais, os sócios ou administradores que praticaram o abuso de direito.

 

No entanto, com a propositura do projeto para um novo Código de Processo Civil, nota-se uma grande preocupação em realmente regularizar a aplicação desse instrumento.

 

 Na redação do julgamento do Recurso Especial de n° 1.180.714- RJ/2010, vem trazer o seguinte texto: O próprio projeto do novo código de Processo Civil, que de forma inédita disciplina um incidente para a medida, parece ter mantido a mesma lógica e não prevê qualquer tipo de prazo para o exercício. Ao contrário, enuncia que a medida é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento da sentença e também na execução fundada em título executivo extrajudicial.

 

Originalmente tinha-se a teoria como recurso do magistrado para coibir o uso irregular da pessoa jurídica, devendo ser acionado de forma excepcional, porém, com a justificativa de uma melhor prestação e efetividade processual, a mesma vem sendo aplicada em caráter de regra.

 

O fato de a desconsideração possuir um carácter excepcional, é o que proporciona o aumento na exploração da atividade econômica, em concordância com o princípio da livre iniciativa da atividade comercial. De modo que, em conjunto com a blindagem patrimonial da personalidade jurídica, faz com que os sócios passem a gozar de uma segurança ao investir capital na sociedade, sabendo eles que a Pessoa Jurídica, neste caso, responde pelos negócios jurídicos celebrados.

 

Logo, quando se fala em aplicar a desconsideração da personalidade jurídica de forma irregular, significa dizer que não houve a real comprovação do ato ilícito da personalidade jurídica, mas tão somente a não satisfação do crédito a que era obrigado a pagar. No mesmo sentido, Nathalia Vernet de Borba ao tratar sobre o tema, coloca que a jurisprudência, ignorando o aspecto extraordinário da referida teoria, vem autorizando a sua aplicação repetidamente, ainda que ausente a prova dos requisitos que a pressupõem.

 

“Cumpre anotar, no entanto, que, embora admiráveis tais inovações, o tema ainda não se encontra integralmente positivado, uma vez que ainda há muitos aspectos não abordados nos meros três artigos que disciplinam. De fato, o anteprojeto ainda necessita de algum aperfeiçoamento, pois se verifica que muitas questões permanecerão sem respostas, que seguirão sendo resolvidas pela doutrina e pela jurisprudência.” (CARVALHO; Nathalia Vernet de Borba)

 

A importância de regularização desse dispositivo reflete no uso desmedido por parte do Judiciário, fundamentando suas decisões na doutrina e em jurisprudências. Esse uso arbitrário faz com que a teoria perca o sentido da sua eficácia e coloca em debate sua real finalidade no rol jurídico e econômico. Visando com uma regulamentação, o esclarecimento processual bem como a uniformidade da aplicação da Disregard Doctrine, o que tornaria proibido o uso arbitrário do instituto.

           

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A Personalidade Jurídica tem sua origem pautada na expansão da atividade comercial, e na necessidade de proteção as pessoas que dela participavam. Tal personificação vem como um benefício dado com o objetivo de incentivar o crescimento do empreendedorismo e consequentemente da economia.

 

A concentração de esforços e lucros em prol de um objetivo comum, da origem as chamadas sociedades empresárias. Uma vez que esta possua a personalidade jurídica, presume-se que possui todos os seus atos constitutivos registrados devidamente, bem como possui patrimônio próprio distintos dos membros que a integral, ademais, uma vez que a sociedade Empresária seja personificada, a mesma passa a contrair direitos e deveres, assim como passa a celebrar negócios jurídicos em nome próprio, não se falando em responsabilização dos sócios por atos praticados no exercício da atividade empresária.

 

No entanto, as inúmeras possibilidades da prática de atos em nome da Pessoa Jurídica e do gozo de facilidades que a mesma possui, fez com que os sócios ou administradores, utilizassem tal mecanismo como ferramenta para a prática de atos abusivos, ilícitos ou fraudulentos, desviando totalmente a finalidade da Personalidade Jurídica.

 

É nesse contexto que foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, que vem de forma imperativa nas relações comerciais, inibindo o uso da Personalidade Jurídica de forma ilegítima, ou seja, a teoria visa fazer com que aqueles que utilizaram a personalidade jurídica para a prática de atos fraudulentos, se responsabilizem pelo reparo causado a outrem ou pelo adimplemento do valor que está sendo pleiteado.

 

A Disregard Doctrine tem como efeito a suspenção temporária da personalidade jurídica que protege o patrimônio dos sócios, fazendo com que, uma vez que comprovado o ato ilícito, os bens dos sócios sejam executados, garantindo o pagamento do título que deu origem ao processo. Salienta-se que, a finalidade da desconsideração não é a anulação total da personalidade jurídica, mas apenas a suspensão temporária desse instrumento. A Teoria objetiva a existência e preservação da personalidade, não aceitando o desvio de finalidade pelos sócios.

 

No que tange sua aplicação no ato processual, por decisões reintegradas do STJ, sua aplicação pode ser dada no mesmo processo de execução a que deu causa constitutiva do título executivo, não necessitando de uma ação autônoma. Porém, ainda não possui no ordenamento jurídico brasileiro, nenhuma norma positivada sobre o modo que a desconsideração deve ser aplicada e em que momento, o que possui são jurisprudências, que servem para nortear o Poder Judiciário. Assim, para a efetiva desconsideração da personalidade jurídica, ainda é levado em conta às decisões arbitrárias dos magistrados, levando em conta cada caso concreto e seus aspectos distintos.

 

Verifica-se uma necessidade de regulamentação desse instituto, para que de fato haja uma uniformidade processual da sua aplicação, e de seus pressupostos necessários para a caracterização do desvio de finalidade. Vale ressaltar, que já existem projetos de leis que tem o objetivo de positivar as regras sobre o tema, porém, nada ainda é concreto uma vez que o mesmo foi arquivado.

  • #desconsideração #personalidade #jurídica #dpj #fr

Referências

Referências

 

COELHO, Fabio Ulhoa. Manual de Direito Comercial: A Desconsideração da personalidade Jurídica. 18 ed. Saraiva. São Paulo. 2007. 127 p.

 

REQUIÃO, Rubens, Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. Revista dos Tribunais, São Paulo,  v. 58, nº 410,  dez/69, p. 15

 

HAMDAM, Janaina Lumy. et. al. Apontamentos a cerca da desconsideração da personalidade jurídica no Direito Empresarial. Revista Jurídica Empresarial. 2011.

 

CARVALHO, Nathalia Vernet de Borba. A Desconsideração da Personalidade Jurídica  e o redirecionamento da execução contra os sócios. 2010. Disponível em:<http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2012_1/nathalia_carvalho.pdf> Acesso em 24/03/2014.

 

CARVALHO, Pedro Marco Brandão de. Desconsideração da Personalidade Jurídica: Teorias, aspectos processuais e o Direito Falimentar. 2009. Disponível em:<http://www.fesmpdft.org.br/arquivos/PEDRO_MARCO_BRANDAO.pdf>  Acesso em: 24/03/2014

 

CORRÊA, Mariana Rocha. A Eficácia Da Desconsideração Expansiva Da Personalidade Jurídica No Sistema Jurídico Brasileiro. 2011. Disponível em:http://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/trabalhos_conclusao/1semestre2011/trabalhos_12011/MarianaRochaCorrea.pdf Acesso em 30/03/2014.

 

LUDVIG, Gabriel Teixeira. A Desconsideração da Personalidade Jurídica e o redirecionamento da Execução na Pessoa dos Sócios. 2010. Disponível em:<http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2010_2/gabriel_ludvig.pdf> Acesso em 25/03/2014.

 

GARCIA, Gabriela Helou. Aspectos Processuais da Desconsideração da Personalidade Jurídica. Disponível em:< http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/455> Acesso 31/03/2014.

 

VIEIRA, Luciane Helena. Projeto de Lei visa regulamentar a Desconsideração da personalidade jurídica. 2011. Disponível em:<http://pinheiropedro.com.br/site/artigos/projeto-de-lei-visa-regulamentar-a-desconsideracao-da-personalidade-juridica/> Acesso em 31/03/2014.

 

LOVATO, Luiz Gustavo. Da Personalidade Jurídica e sua Desconsideração. Disponível em:<http://www.lovatoeport.com.br/Artigos/Da%20personalidade%20jur%C3%ADdica%20e%20sua%20desconsidera%C3%A7%C3%A3o.pdf> Acesso em 31/03/2014.

 

FERNANDES, Paola Cristina Rios Pereira. Desconsideração da Personalidade Jurídica- Como e quando a pessoa jurídica poderá ser desconsiderada pelo juiz, em decorrência de mau uso ou irregularidade. Revista Visão Jurídica. Ed.78/2012. Disponível em:< http://revistavisaojuridica.uol.com.br/visao-juridica/sumarios/sumario_3850.asp> Acesso 31/03/2014.

 

MONAZZI, Ricardo Nogueira. A Desconsideração da Personalidade Jurídica com base no art. 50 do Código Civil - Uma visão critica e uma nova proposta. 2010. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=3901> Acesso em 30/03/2014.

 

PASQUALOTTO, Adalberto de S. CHAVES, Mariana Petersen, FERREIRA, Gabriela Santos. A desconsideração da personalidade Jurídica. Revista Pensando o Direito. Nº 29. Rio Grande do Sul. 2010. 72 p.

 

TOMAZETTE, Marlon. A desconsideração da personalidade jurídica: a teoria, o CDC e o novo Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/3104>. Acesso em: 29 out. 2014.


 

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp n.1.141.447/SP. Relator Min. Sidinei Beneti. Publicado no DJ de 08.02.2011.

 

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp n.1180714/RJ. Relator Min. Luis Felipe Salomão. Publicado no DJ de 06.05.2011.

 

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp n.737.000/MG. Relator Min. Paulo de Tarso Sanseverino. Publicado no DJ de 12.09.2011.

 

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp n.1.190.847/RJ. Relator Min. Luis Felipe Salomão. Publicado no DJ de 12.11.2012.

 

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp n.1.315.110/SE. Relator  Min. Nancy Andrighi. Publicado no DJ de 07.06.2013.

 

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário MS n°16.274-SP. Relator Min. Nancy Andrighi. Publicado no DJ de 19/08/2003.

 

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp 279.273/SP de 2004. Relator  Min. Nancy Andrighi; Relator  Min.  Ari Pargendler. Terceira Turma, DJ de 29.03.2004.

 

BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Processo n. 1.0024.07.763195-0/001. Relator Guilherme Luciano Beata Nunes. Publicado no DJ de 21/06/2008.

 

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11.10.2002.

 

 BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de Janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 17.01.1973.

 

BRASIL. Lei nº 8.078/, de 09 de Novembro de 1990. Institui o Código de Defesa do Consumidor. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 09.11.1990.

 

BRASIL. Lei nº 6.404, de 15 de Dezembro de 1976. Institui Lei de Sociedades Anônimas. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 15.12.1976.

 

BRASIL. Projeto de Lei 2426/ 2003. Institui Lei da Desconsideração da Personalidade Jurídica. Sr. Depuado Federal Ricardo Fiuza.


Ana Marcelle Rego Perazzo Silva

Advogado - Feira de Santana, BA


Comentários