COMPLIANCE MÉDICO


29/05/2020 às 09h58
Por Advogada Daniela Xavier

O Compliance tem como pilares centrais a ética, a legalidade, a conformidade e o incentivo a probidade. No Brasil, o ano de 2014 marca uma mudança na trajetória de crescimento e visibilidade em decorrência da entrada em vigor da Lei nº 12846/13, intitulada Lei Anticorrupção.  

Apesar de sua ascensão estar vinculada inicialmente à relação entre o Poder Público e particulares, o Compliance irradiou-se para os mais variados ramos da Ciência Jurídica. Dialoga, por conseguinte, com o Direito Médico, que está relacionado com a legislação tanto no âmbito administrativo quanto no âmbito judicial, tem como objeto o tratamento da relação entre a instituição de saúde, os profissionais e os pacientes.

O Direito Médico, que surgiu inicialmente da convergência entre o Direito e a relação médico-paciente, hoje abarca múltiplos agentes, tais como clínicas, hospitais, médicos, enfermeiros e pacientes. Essa expansão, naturalmente, demanda uma reestruturação não apenas das relações como também da normatização vigente.

A união entre o Compliance e esta área jurídica vem sendo relevante para assegurar transparência, segurança e organização em relação a todos aqueles envolvidos, direta ou indiretamente, no cuidado do paciente. Nesse sentido, os procedimentos internos no âmbito dos hospitais, clínicas, consultórios, entre outras instituições que atuam nessa área de prestação de serviços são pautados nas políticas de conformidade.

Salienta-se que a implantação de um programa de compliance no setor de saúde tem se mostrado cada vez mais importante e gerando resultados positivos tanto a médio quanto a longo prazo.

A título exemplificativo, faz-se imperioso destacar alguns exemplos: uma das principais implementações diz respeito a elaboração de um código de conduta que possa regulamentar a atuação dos quadros internos da empresa. Na mesma linha, a realização de um treinamento de conformidade para os profissionais e parceiros que atuam direta e indiretamente com os pacientes. Além disso, pode ser realizada avaliação dos riscos no âmbito do controle interno das clinicas, hospitais e atividades médicas que possam ensejar eventuais condenações administrativas e judiciais. O último exemplo é a due diligence com relação a fornecedores e demais prestadores de serviços indiretos envolvidos na operação central.

A área de saúde tem como ponto importante a relação direta, na maioria dos casos, com o paciente. Assim, a ética, integridade e o tratamento humanizado são pontos essenciais nesta relação. Para isso, o profissional da área de saúde deve se comunicar de forma humanizada e clara, bem como agir de forma proba, íntegra e em consonância com a legislação que regulamenta a atividade médica e multiprofissional de saúde, com o fito de mitigar os riscos oriundos de condutas inadequadas.

O treinamento da equipe de saúde é uma das políticas adotadas pelo Compliance, a qual viabiliza um melhor atendimento do paciente na medida em que reforça o vínculo de confiança e, de forma indireta, evita reclamações administrativas perante os conselhos profissionais e processos judiciais.

Outro fator de relevância diz respeito ao sigilo das informações. Assim como o Compliance preza pela confidencialidade, o Direito Médico tem como um dos princípios o sigilo das informações. Nesse sentido dispõe o Código de Ética Médica ao afirmar que “o médico guardará sigilo a respeito das informações que detenha conhecimento no desempenho de suas funções, com exceção dos casos previstos em lei”. Ainda assim, é possível que seja feito um contrato que vá além da responsabilidade do médico, alcançando sua equipe e os demais quadros da clínica ou hospital.

O termo de confidencialidade pressupõe a obrigação de sigilo das informações que estão sendo trocadas para que estas não sejam repassadas a terceiros, bem como a adoção de um tratamento adequado de tais dados. Um programa de compliance voltado ao treinamento e comunicação interpessoal e a sistematização de um código de conduta aplicado a todos os quadros é de vital importância para evitar o vazamento de dados e controlar os eventuais danos.

Os efeitos da ausência de um controle interno com relação à confidencialidade em caso, por exemplo, de descumprimento da obrigação de sigilo, são altamente negativos: poderá ensejar, a depender do caso, pedido de reparação civil e tutela específica de obrigação de fazer ou de não fazer, na qual o juiz poderá aplicar multa-diária para que o responsável cesse imediatamente a prática do ilícito contratual, não excluindo a possibilidade de eventual responsabilização penal.

É dizer, o acordo/compromisso/contrato de confidencialidade deverá: impedir a apropriação indevida de informação confidencial e garantir a confidencialidade das informações do paciente, completamente relacionado ao pilar do compliance de sigilo e confidencialidade.

A obediência legal é um dos pilares do compliance, como forma de evitar uma exposição negativa da imagem e da reputação do prestador de serviço. Assim, cautelas no ambiente de saúde precisam ser tomadas diariamente. O preenchimento adequado dos prontuários, o seu regular armazenamento, assim como o de exames, deve ser de acordo com normas e leis estabelecidas. Ambos são documentos de propriedade do paciente e devem estar a sua disposição quando necessário, tendo os hospitais e clínicas a sua guarda.

As regras quanto ao armazenamento de prontuários digitais e físicos são distintas. Quanto ao primeiro, existe lei específica que indica adequadamente o procedimento que deve ser seguido, qual seja, a Lei 13.787/18, que dispõe sobre a digitalização e a utilização de sistemas informatizados para a guarda, o armazenamento e o manuseio de prontuário de paciente. Em se tratando de prontuário físico, assim compreendido como aquele produzido em suporte de papel, este deve ser preservado em sua forma original pelo prazo de 20 (vinte) anos após o último registro. Após esse período, pode ser eliminado, desde que microfilmado, de acordo com a legislação arquivista (Lei nº 5.433/68 e Decreto nº 1.799/96), ou digitalizado de acordo com a regulamentação do CFM, (Resolução n. 1.639/02, artigo 6º). Ou seja, mais um ponto que pode ensejar ações administrativas e judiciais se não tiver um controle adequado do procedimento.

Importante ressaltar, ainda, que a relação com o paciente inclui todos os funcionários com os quais o paciente tem contato. Dessa forma, vincula os recepcionistas, seguranças, funcionários dos serviços gerais, entre outros. Mesmo esses serviços sejam terceirizados, é fundamental que todos os quadros, da alta administração aos funcionários de base, tenham uma relação com o cliente de acordo com o código de conduta estabelecido.

A análise do compliance médico perpassa ainda na questão trabalhista, com normas de segurança do trabalho, como utilização de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual), controle de ponto, existência da CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes), análise da necessidade contratação de jovem aprendiz e de deficientes, entre outras questões que precisam de atenção especializada. Impende assinalar que o departamento jurídico por vezes só está capacitado para atuar no contencioso, demandando, por conseguinte, a atuação de um profissional de Compliance para o trabalho preventivo.

Além disso, outra forma de demonstrar a importância do compliance e do Direito Médico como aliados é a existência de um Comitê de Crise. Caso venha a ocorrer alguma situação que impacte diretamente na imagem da clínica, hospital ou equipe, assim como a hipótese de uma condenação administrativa, cível, trabalhista ou criminal de notório impacto na empresa, é importante ter uma estrutura responsável pela investigação interna, para reportar o fato às autoridades, bem como pela articulação de estratégias para atenuar os danos e superá-los no médio prazo.

Como dito, o Compliance é fundamental para o atendimento médico e de saúde de excelência. Casos que à primeira vista são de simples resolução podem gerar implicações de amplitude jamais considerada. Um canal de dúvidas e denúncias, pilar do programa de Compliance, pode ser crucial para reduzir um risco aparentemente inexistente. Exemplos do cotidiano podem ser citados: uma recepcionista que recebe um presente de aniversário de um paciente, sem saber se as políticas internas permitem que ela aceite; um paciente que solicita à enfermeira um medicamento não prescrito pelo médico; fornecedores de insumos que atuam de forma ilegal, seja por meio de força de trabalho escrava, seja por vinculação a esquemas de fraude e corrupção.

À luz do exposto, diante do cenário de instabilidade do mercado e a iminente recessão da economia brasileira, as atividades que a empresa realiza para além do seu objeto central, tais como o programa ambiental, de contratação de minorias, a realização de projetos sociais (atendimento ao SUS, tarifa social) e a implementação de programa de compliance podem ser diferenciais no momento de escolha do paciente.

 

 

  • compliance
  • direito médico
  • compliance trabalhista
  • auditoria interna

Advogada Daniela Xavier

Advogado - Salvador, BA


Comentários