A incompetência da justiça do trabalho para o julgamento de ações envolvendo empregados públicos de entidades prestadoras de serviço público.


20/03/2024 às 15h09
Por Alexandre Rocha Pintal

I. Introdução.

Vencidos trinta e seis anos desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, ainda não se tem um critério interpretativo uniforme e seguro sobre o que a justiça do trabalho deva ou não julgar, sequer na iniciativa privada. [1]

Particularmente e este o tema em destaque, persevera a dificuldade em relação ao emprego público, nos diversos níveis federativos e modalidades gerenciais da administração pública brasileira. 

Na ADIn n.º 3.395-6/DF, o Supremo Tribunal Federal deu interpretação conforme ao art.114, I CF, para excluir da justiça do trabalho a competência de julgamento do servidor submetido a "relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo", nestes termos. 

Foi suficientemente claro quanto ao regime estatuído, à fácil percepção de algo exaustivamente delineado pelo ente político instituidor. Ocorre que, subsiste um regime jurídico-funcional administrativo não estatutário, que se conhece por emprego público, remanescendo séria divergência quanto à competência de julgamento da modalidade na justiça do trabalho, já que vocacionada às lides entre particulares, sob a principiologia de Direito Privado.

O déficit do Direito Público no Poder Judiciário Trabalhista pode não ser tão relevante nas estatais que exercem atividade econômica, mas nas que prestam serviço público costuma afetar seriamente as prerrogativas processuais fazendárias, a segurança jurídica dos contratos, a execução orçamentária e a autonomia política do Poder Executivo, especialmente de Munícípios e Estados, garantidas constitucionalmente. 

Desdobram-se estes aspectos a seguir. 

 

II. Ordem pública e derrogações celetistas.

Algumas entidades de conformação funcional aparentemente contraditória, como as autarquias que utilizam o emprego público [OAB, Conselhos de Fiscalização Profissional, USP / V. ADIn. 5.615, ADPF n.º 367/DF, e ADC n.º 36], acabaram estimulando um quadro de soluções assimétricas sobre competência na administração indireta no Brasil, com sensível prevalência da atribuição de julgamento à justiça do trabalho na "ausência de regime estatutário".

Não se adentrará à polêmica sobre se, na ADIn 3.395-6/DF, a expressão "relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo", foi ou não empregada como sinônima. Fato é que o Supremo Tribunal Federal enxergou uma relação administrativa preponderante no contrato temporário firmado com o poder público, mesmo com "registro em CTPS" e o "pagamento de verbas tipicamente celetistas" [v. RExt n.º 573.202/AM]. 

Aliás, na Corte Maior ecoou por muito tempo a obrigatoriedade do regime jurídico estatutário ao funcionalismo, conforme assentado na MC-ADIn 2.135, por inconstitucionalidade formal da EC n.º 19/98, resultando num entendimento de restauração da redação original do art. 39 da Constituição. [2] [3]

Alheio às idas e vindas de Brasília no assunto, o emprego público persistiu como um fato político-administrativo, particularmente nos Municípios. [4]  Isto certamente se deu devido a limitações orçamentárias, mas também por influência de fatores técnicos como o de responder de modo mais flexível ao turn over de médicos e técnicos de enfermagem no SUS. [5] São circunstâncias que, a despeito do precedente, sempre transbordaram à avença temporária, atingindo tanto quanto a contratação definitiva do quadro efetivo.

O regime de emprego público é composto de normas esparsas, situadas na CLT, instrumentos coletivos, editais de processo seletivo, cláusulas dos contratos individuais, leis do ente federativo instituidor, Constituição Federal, e até Decretos-Legislativos e Executivos sobre Convenções da OIT, ratificadas no plano jurídico interno. Perseveram ainda algumas incidências potenciais como a lei de improbidade (Lei Federal n.º n.º 8.429/92), e os crimes contra a administração pública (arts. 312/ss. do Código Penal). 

Certo é, que as normas de caráter imperativo, impessoal e indisponível, acabam derrogando ou restringindo a eficácia de diversas disposições de direito material e processual da CLT, ou pelo menos deveriam. 

O fenômeno mais evidente da natureza administrativa do contrato de emprego público é justamente a previsão constitucional de concurso para ingresso na carreira (art. 37, II CF), inclusive tornando ineficaz a prorrogação tácita prevista no art. 1º e 451 da CLT l, para além do termo, na hipótese de contratação temporária. 

A vedação da duplicidade de vínculos, exceptuadas as hipóteses previstas no art. 37, XVI da CF, é outra norma de viés nitidamente publiscista que infiltra o contrato de que se trata, figurando como hipótese de rescisão extravagante da CLT no art. 3º inc. II da Lei Federal n.º 9.962/00. 

O empregado público, tanto quanto o estatutário, está sujeito ao teto remuneratório do art. 37, IX da CF, calculado no Poder Executivo pelo subsídio do Presidente, Governador ou Prefeito. O limite deve ser observado tanto no pagamento mensal ordinário aos empregados quanto em condenações judiciais sobre parcelas de natureza salarial, inclusive horas-extras [v. Acórdão n.º 73/2017 TCU e ARE's n.ºs 1307020, 1078985, 1067406, 1064510 - STF], porque o que não é lícito administrativamente não poderia ser judicialmente. O respeito ao teto deve ser operacionalizado por abatimentos mensais cujo produto serve de base de cálculo ao imposto de renda e às contribuições sociais [RExt n.º 675.978]. [6] [7]

Outra particularidade do contrato de emprego público é que só admite a forma escrita, sob pena de nulidade. O art. 442 da CLT é derrogado pelo art. 60, parágrafo único da Lei n.º 8.666/93 e art. 95, §2º da Lei n.º 14.133/21.

A indeterminação de prazo no contrato do empregado público concursado prevista no art. 3º da Lei Federal n.º 9.962/00 constitui cláusula obrigatória incompatível ao prazo de experiência do art. 445 da CLT.

Como o empregador detém a obrigação legal de registro e arquivamento dos pagamentos e documentos funcionais (art.41, §1º CLT), este ônus de apresentação no processo judicial lhe cabe. O que se discute nos foros é se o juiz poderia suprir a ausência de cálculo de diferenças pelo autor, remetendo o processo diretamente ao perito. Se o dever de imparcialidade estaria sendo negligenciado pelo poder instrutório do art. 765 da CLT. [8]

Seja como for, os holerites, extratos, recibos, pontos manuais ou eletrônicos, e as peças de informação da administração pública, diferentemente da documentação apresentada pelas empresas, detém presunção relativa de veracidade (fé-pública). Assim dispõe o art. 1º, inc. i do Decreto-Lei n.º 779/69, não se aplicando doravante nas estatais que exercem atividade econômica (cabeça).

Sobre a dispensa do empregado público, a Lei n.º 9.962/2000 é taxativa, elencando quatro hipóteses: justa causa por falta grave (art. 3º, inciso I) [9]; acumulação ilegal (inciso II) [10]; avaliação de desempenho insatisfatória (inciso IV) [11]; e redução de quadro por excesso de despesa (inciso III), seguindo-se o plano de amortização da Lei Complementar n.º 101/00, vulgo "de responsabilidade fiscal" [12].

O leading case do STF no RExt n.º 589.998/PI, de Relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, envolvendo a Empresa Pública dos Correios (tema 131), somado a pronunciamento mais recente no mesmo processo, em sede de Embargos de Declaração, de Relatoria do Ministro Luis Roberto Barroso, complementado pelo julgamento do RExt n.º 688.267/CE (tema 1.022, envolvendo a Sociedade de Economia Mista do Branco do Brasil), sob a relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, consagrou a necessidade de motivação da dispensa do empregado público, inadmitindo portando a modalidade arbitrária sem justa causa, aplicável nas empresas. [13] 

Os precedentes traduziram aprioristicamente a desnecessidade de processo administrativo para a dispensa, bastando ato unilateral motivado. Uma certa prudência patronal no entanto, atenta a entendimentos divergentes por toda a trilha judicial, o recomenda para imputações passíveis de rescisão, senão nas estatais de atividade econômica, pelo menos nas que prestam serviço público. [14] [15] [16] 

O imposto de renda incidente sobre a remuneração do empregado público, inclusive sobre parcelas de natureza salarial deferidas judicialmente, só deve ser retido na fonte e recolhido à Receita Federal da União no plano federal. Trata-se de receita pertencente aos Municípios, Estados e ao Distrito Federal sobre a folha de seus empregados públicos, na dicção literal do art. 158, inciso I CF. Obviamente, a norma dispensa trânsito financeiro federal pelo mecanismo de repartição das receitas. O entendimento se estende aos empregados terceirizados pela administração (ACO n.º 2866/RExt n.º1293453/Tema 1.130).

Não apenas regras mas também princípios impositivos envolvendo a administração têm influência prática sobre os direitos e deveres do empregado público. O princípio da previsão orçamentária contrapõe-se à aplicação de cláusula econômica de categoria diferenciada não negociada. O princípio da continuidade do serviço público reforça a gravidade do abandono do emprego público e seu enquadramento na justa causa. O princípio da boa-fé contratual deve ilidir a pretensão salarial entre a contratação e o exercício. O princípio da livre exoneração revela a incoerência do pagamento da multa de 40% sobre o FGTS de empregado público comissionado, já que a sanção foi criada para indenizar a dispensa imotivada. 

Outra questão recorrente diz respeito ao pedido de demissão formulado pelo empregado público com processo administrativo disciplinar tramitando contra si. Poderia a administração acatá-lo como direito potestativo imponível independentemente da vontade do empregador, como apregoa a doutrina trabalhista? Ou a apuração da justa causa e eventual improbidade administrativa ou crime contra a administração pública justificaria o processamento até o parecer conclusivo da comissão processante e a deliberação da autoridade máxima, por se tratar de interesse público indisponível e até enquadrável, acaso ignorado, em tese, no crime de prevaricação do art. 319 do Código Penal?

No sistema único de saúde em específico, além das derrogações gerais de natureza pública sobre regras privadas, não menos intenso o conflito inter-federativo que se manifesta nas reclamatórias de empregados públicos municipais e estaduais.

Um exemplo pode ser vizualizado no pedido de nulidade do regime de compensação em plantões, por ausência da licença mencionada no art.60 da CLT, com a seguinte redação:

Nas atividades insalubres, assim consideradas as constantes dos quadros mencionados no capítulo "Da Segurança e da Medicina do Trabalho", ou que neles venham a ser incluídas por ato do Ministro do Trabalho, Industria e Comercio, quaisquer prorrogações só poderão ser acordadas mediante licença prévia das autoridades competentes em matéria de higiene do trabalho, as quais, para esse efeito, procederão aos necessários exames locais e à verificação dos métodos e processos de trabalho, quer diretamente, quer por intermédio de autoridades sanitárias federais, estaduais e municipais, com quem entrarão em entendimento para tal fim.

A constitucionalidade deste artigo não parece ter sido testada no Supremo Tribunal Federal, diante da autonomia política gerencial de Estados e Municípios no serviço público de saúde (competência comum conforme o art. 198 e inc. I da CF). 

É preciso entender que esta competência executiva fôra conferida de modo pleno para que pudesse sustentar a obrigatoriedade de um atendimento médico e de enfermagem ininterrupto, inclusive com autoridade sanitária própria instituída (art. 200, CF). 

Entenda-se bem. Não se ignora a legitimidade da fiscalização concomitante ou a posteriori das Delegacias Regionais sobre condições de trabalho. O que se discute é a legitimidade de um "alvará" federal prévio para a jornada extraordinária em atividade insalubre num serviço público municipal ou estadual tão ou mais capacitado que o da União. 

Pouquíssimos juízes do trabalho enfrentam a tese, preferindo condenar à literalidade, mesmo que não haja extrapolações habituais diárias, semanais ou mensais de jornada nas marcações de ponto.

A contra-tese trabalhista, de acatamento minoritário, sempre foi a de dispensar a referida licença devido à autorização implícita do regime de plantões no instrumento coletivo firmado com o Sindicato da categoria, pelo menos até que a Lei Federal n.º 13.467/17 incluísse um parágrafo único no art.60, dispensando expressamente a exigência na 12x36.

 

III. A insuficiência da matéria como critério de competência jurisdicional envolvendo a administração pública. 

A pretensão de impugnar cláusula de edital de concurso para vaga de emprego público (pré-contrato), já foi definida pelo Supremo Tribunal Federal como de competência da justiça comum (Temas n.º 376, 784, 838; Súmulas n.º 43 e 683). O mesmo quanto à contratação temporária de terceiro pela administração, negligenciando candidato aprovado em concurso para cadastro de reserva (Tema n.º 735).

A legitimidade do ato de dispensa do empregado público, e a avaliação de reintegração para percepção simultânea de salários com proventos de aposentadoria conforme a EC 103/2919 (pós-contrato), também já foram definidas pela Suprema Corte como matérias administrativas que atraem a competência do juízo comum (Tema n.º 606).

Um último precedente importante no assunto foi a determinação de deslocamento de competência para a justiça comum quando requerida na ação distribuída na justiça do trabalho "parcela de natureza administrativa" criada pela unidade federada, para além das verbas tipicamente celetistas (STF-Tema n. 1143, RExt n.º 1288440/SP).

Note-se que, para fazê-lo, o Pretório Excelso afastou implicitamente a "tese de" competência privativa da União para legislar sobre Direito "do Trabalho" (art. 22, I CF), reconhecendo a legitimidade da competência supletiva estadual, municipal e distrital legislativa no regime de emprego "público" (arts. 9º, §1º, 23 e 30, II). 

Não seria outra a solução de incompetência da especializada para um adicional estabelecido por lei federal, para além das previsões remuneratórias da CLT, mas neste cenário hermenêutico de inexistência de ofensa à autonomia política da União (a justiça do trabalho é federal), somente o "fato da presença" das entidades mencionadas no inciso I do art.109 no processo, resolveria a questão.

A hipótese evidencia a insuficiência de interpretar isoladamente o critério "ratione materiae" do art.114, I para o emprego público, sem considerar o critério "intuitu personae" do art.109, I da Constituição.

 

IV. Um critério uniforme e mais coerente para a definição de competência nas ações propostas por empregados públicos. 

Não faz sentido teleológico nem sistemático o atual status jurisprudencial majoritário de relegar à justiça comum (fazendária), o julgamento de empregados públicos contratados sob o regime temporário (ADIn 3.395-6/DF), ou comissionado (Rcl. n.º7.039); e quando do principal signo evidenciador do liame com o Estado -- o concurso de provas ou provas e títulos --, atribuir o julgamento à justiça do trabalho.

A instância trabalhista foi erigida sob pressupostos ideológico-filosóficos voltados à mediação do poder econômico, sob as regras de mercado, não do poder político governamental e estatal, sujeito às regras de natureza pública. [17]

Não se olvide que a potencialidade regulamentar executiva no serviço público também é digna de respeito. Existem especificidades gerenciais no SUS, p.ex., desenvolvidas ao longo de sua história,  para melhor resolver imbróglios logísticos, técnicos e éticos. Não parecem critérios passíveis de reavaliação jurisdicional, senão na hipótese de ilegalidade flagrante. É a Constituição Federal que lhes garante a oportunidade (quando) e a conveniência (como) governamental. 

Somente a doutrina do Direito Administrativo, denodadamente preocupada com a separação de poderes, desenvolveu um limitador hermenêutico da atividade jurisdicional ---- a discricionariedade administrativa. Não surpreende então a existência de decisões da justiça do trabalho anulando cláusula de edital de concurso que vedou a recontratação de empregados públicos dispensados por justa causa no prazo de reabilitação dos últimos cinco anos (assédio sexual e furto efetivamente ocorridos, hipoteticamente até homicídio), ao argumento principal de "discriminação" [TRT9ª: ACP n.º 1730.91.2013.5.09.0009]; proibindo o acesso do médico do trabalho ao prontuário atrelado a atestado (com CID aposta), suspeito de graciosidade, contra toda a legislação e pareceres do CFM/CRM's na matéria, ao argumento de "sigilo médico-paciente" [TRT9ª: ACP n.º 0010936-30.2016.5.09.0008], inclusive aplicando multa em interpretação ampliativa da parte dispositiva da sentença, em cumprimento de sentença, incluindo exames clínicos na proibição [TRT9ª: CumSen n.º 0000176-17.2019.5.09.0008]; condenando a entidade pública ao pagamento de indenização substitutiva pela redução de horas-extras prejudiciais à saúde do empregado, e ao erário, inclusive recomendada pelo Tribunal de Contas [TRT9ª: ACP n.º 0011923-51.2016.5.09.0013]; determinando a reintegração de empregado sob atestado, flagrado trabalhando para outro empregador em circunstâncias desabonadoras da CID [TRT9ª: RT n.º 0000449-71.2020.5.09.0004], e por aí vai...

A Súmula n.º 665 do STJ, a seu turno, ratifica a saudável cultura de auto-contenção judiciária da justiça comum, sob o viés discricionário da administração executiva: 

O controle jurisdicional do processo administrativo disciplinar restringe-se ao exame da regularidade do procedimento e da legalidade do ato, à luz dos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, não sendo possível incursão no mérito administrativo, ressalvadas as hipóteses de flagrante ilegalidade, teratologia ou manifesta desproporcionalidade da sanção aplicada.

​​​Um critério mais coerente e uniforme para fixar a competência de julgamento de uma ação movida por empregado público passa necessariamente pelo "contra quem" do art.109, I CF; e se entidade integrante da administração indireta não autárquica, o "objeto social". 

Isto reduziria significativamente os abusos interventivos da justiça federal trabalhista na política gerencial municipal e estadual, e a miríade de decisões contraditórias e incoerentes sobre competência, já que das duas uma: ou a entidade empregadora da administração presta serviço público, ou atividade econômica.

À exceção talvez das autarquias corporativas (Conselhos de Fiscalização Profissional e OAB), de "utilidade pública" e a última ainda de "missão institucional na defesa da cidadania". Estas estariam doravante abrangidas pela menção expressa de "autarquias" do art.109, I, CF.

 

V. O exame do objeto social. 

O objeto social é um típico elemento dos contratos constitutivos das organizōes coletivas voltadas a um objetivo comum. Costuma-se correlacioná-lo às atividades principais que uma sociedade empresária ou instituição filantrópica irá empreender. 

Além da atividade, o exame do objeto social revela implicitamente a finalidade para o qual se buscou constituir a entidade pública ou privada.

Como o Estado brasileiro se submete à gradientes diversos de sujeição ao princípio da legalidade, indo da mais estrita ou reserva de lei dos órgãos e autarquias, à mais efêmera ou ampla das sociedades de economia mista exercentes de atividade econômica, o objeto social costuma estar tanto descrito na legislação criativa ou autorizativa, quanto no estatuto da entidade autárquica, fundacional ou empresária. 

As empresas públicas a princípio devem exercer atividade econômica, conforme preceitua o inciso II do art. 5º do Decreto-Lei n.º 200/67: 

II - Emprêsa Pública - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criado por lei "para a exploração de atividade econômica" que o Govêrno seja levado a exercer por fôrça de contingência ou de conveniência administrativa podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito. 

Se subordinaríam portanto à competência da justiça do trabalho, porque é dela o múnus de dirimir conflitos laborativos inseridos na atividade econômica.

Quanto à Empresa Pública de Serviços Hospitalares (EBSERH), todavia, como prestadora de serviço público que é, inobstante o nomen iuris, deveria se sujeitar à competência do juízo comum federal nas ações movidas por seus empregados públicos.  

Isto evidencia porque a avaliação de competência judicial deve se dar pelo objeto social, não pela personalidade jurídica que induz à errônea apreensão sobre a realidade administrativa ou comercial na administração indireta.

A personalidade jurídica de direito privado não espelha necessariamente uma entidade exploradora de atividade econômica. As Fundações Estatais de Saúde são exemplo cabal disto.

Do mesmo modo, a personalidade jurídica de direito público não está restrita ao serviço público. É o caso, p.ex., do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), criado como empresa pública e posteriormente transformado em autarquia que permaneceu exercendo atividade econômica, sendo-lhe por isto mesmo indeferido o pedido de reconhecimento de prerrogativas fazendárias no C.TST, no AIRR n.º 475/1996-001-17-42.0. 

Na prática, basta ao operador jurídico localizar a "vedação ao lucro" na lei ou estatuto da entidade, determinante para a definição de um serviço público --- gratuito à população, remunerado indiretamente por recursos do orçamento. O lucro é o elemento caracterizador de toda atividade comercial, incompatível ao serviço público. 

A atividade econômica prestada pelo Estado, além da lucratividade, se distingue pela facultatividade. É opção do ente federativo agir ou não num dado setor econômico, sob o regime monopolístico ou concorrencial. [18] 

Os serviços públicos de segurança, educação e saúde são todos constitucionalmente obrigatórios ao Estado brasileiro, nos três níveis federativos, independentemente da possibilidade de exploração paralela pela iniciativa privada, onde coexistem empresas de segurança, saúde e educação. 

Nenhuma ou pouca dificuldade advém para definir a competência da justiça comum quanto às ações de servidores estatutários ou celetistas das fundações públicas de direito público ou autárquicas prestadoras daqueles três serviços públicos obrigatórios. Até por expressa disposicão de "autarquias" e "fundações" no inciso I do art.109 CF. 

O Decreto n.º 200/67 situa, não por acaso, a autarquia no inciso I do art. 5º:

I - Autarquia - o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar "atividades típicas da Administração Pública", que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada.

A referência à serviço "autônomo" e personalidade jurídica "própria" situam-na como primeira unidade descentralizada da administração. "Atividade típica" da administração direta é o serviço público. 

Alguns outros serviços para além da fiscalização das profissões regulamentadas pelos Conselhos de Fiscalização Profissional e OAB estariam numa "zona cinzenta" interpretativa, e acabaram sendo revestidos como autarquias nos planos estaduais, como a imprensa oficial, loterias, bibliotecas, teatros e etc. Ainda assim, uma dificuldade hermenêutica cujo saneamento pela expressa previsão em razão da pessoa no inciso I do art.119, mesmo com empregados públicos contratados, se revela preferível à submissão à justiça do trabalho, inadequada para julgar o gerenciamento submetido ao Direito Administrativo e não à livre iniciativa.

No sistema único de saúde (SUS), um projeto de revitalização das fundações públicas de direito privado previstas no mesmo Decreto-Lei n.º 200/67, tomou corpo nas últimas décadas por estímulo do Ministério da Saúde [v.ADIn n.º 4197]. Ei-la no inciso VI do mesmo art. 5º: 

IV - Fundação Pública - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, "sem fins lucrativos", criada em virtude de autorização legislativa, para o desenvolvimento de atividades que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito público, com autonomia administrativa, patrimônio próprio gerido pelos respectivos órgãos de direção, e funcionamento custeado por recursos da União e de outras fontes.    

No plano federal, para administrar os hospitais universitários, foi escolhido todavia o modelo de empresa pública (de serviços hospitalares -- EBSERH [v. ADIn n.º 4895]).

Nos âmbitos estaduais e municipais, as fundações públicas de direito privado, também chamadas de "estatais" ou "governamentais",  passaram a assumir progressivamente parte do serviço público das secretarias de saúde, adotando inobstante a personalidade jurídica de direito privado para que pudessem se utilizar da contratacão funcional, contabilidade e tributação semelhantes às das empresas.

"Semelhantes", pois com elas não se identificam totalmente, precisando realizar concursos públicos para a contratação de pessoal, motivar ou processar administrativamente o ato de dispensa, prestar contas ao controle externo do Poder Legislativo (Tribunal de Contas), realizar licitações para as compras e aquisições de serviço, entre outras disposições que também alcançam as fundações autárquicas, diferenciando-se estas últimas apenas pela prerrogativa do poder de polícia, cobrança de taxas pelos serviços, e integração direta no orçamento central.

Pelo fato de prestarem serviços públicos, as fundações públicas de direito privado, assim como as públicas de direito público, gozam da imunidade recíproca de impostos (art. 150, VI CF).

A afetação das fundações de saúde ao sistema único é perpétua e exclusiva, revelando um projeto gerencial voltado a reduzir a burocracia, os custos pela (aceleração da) desoneração do tesouro com aposentadorias do funcionalismo, e otimizar os gastos, combinando o controle e a transparência do Estado à dinamicidade e economicidade características das empresas. 

Os repasses para o custeio da mão-de-obra e insumos hospitalares são viabilizados por um contrato de gestão, decorrendo dos fundos de saúde, compostos da receita de impostos e contribuições, inclusive destinados pela União aos Estados e Municípios via repartição de receitas tributárias. 

Resulta que, independentemente da personalidade jurídica pública ou privada, as fundações que têm por objeto social a prestação de serviços públicos, devem ser julgadas pela justiça comum fazendária. 

As sociedades de economia mista, a seu turno, tendo a unidade federativa como acionista controladora, devem exercer atividade econômica. O inciso do art.5º do Decreto-Lei n.º 200/67 confirma:

III - Sociedade de Economia Mista - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a "exploração de atividade econômica", sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta.

Resta dizer que, os empregados públicos da administração direta, como os agentes comunitários de saúde e os agentes de endemias da Lei Federal n.º 14.536/23, ou àqueles eventualmente integrantes de quadros em extinção não transformados em estatutários no regime de transição da CF/88, também devem ser julgados na justiça comum fazendária do plano federativo correspondente, pois prestam inequívoco serviço público. Órgãos da administração direta não podem exercer atividade econômica. 

 

V. Incongruências interpretativas. 

Lamentavelmente, como o constituinte não deixou explícita a simetria do inciso I do art.109, citando expressamente "Estados", "Municípios" e o "Distrito Federal", quando estes e suas entidades prestadoras de serviço público se vêem provocados na justiça federal do trabalho, são comumente obrigados à suportar a errônea literalidade do preceito dirigido "à União", e/ou a "ausência de regime estatutário" para rejeitar a preliminar de incompetência arguida.

As normas administrativas e processuais fazendárias acabam ignoradas, em bloco ou de modo convenientemente seletivo na fase de execução, atingindo o maior valor possível de condenação, sob o constructo ideológico da "máxima proteção do trabalhador". 

O juízo fazendário hodierno, a seu turno, costuma, pelo que se nota das ações a ele distribuídas ou redistribuídas, compreender as normas prejudiciais ou influentes de ordem pública como algo natural no contexto estatal, assegurando de modo mais equilibrado tanto quanto os direitos constitucionais sociais e celetistas incontroversos, quando descumpridos ou mal cumpridos.

Só não se convence tão facilmente de pretensões controversas que costumam vicejar com muita facilidade no juízo trabalhista, como a descaracterização de jornada médica por horas-extras; a majoração do adicional de insalubridade por exposição intermitente (não permanente), com uso de epi (redutor, senão neutralizador) provado nos autos, e o deferimento de adicional de função de 25%, desprezando as atribuições inerentes administrativas, para além das técnicas, de todo servidor. 

Estes extrapolamentos, além de arbitrários para o processo, militam contra a precisão técnica que se espera de um ramo do judiciário capacitado a entender o funcionamento da administração pública e considerar suas particularidades.

 

VI. A atividade econômica nas regras simétricas locais. 

A projeção simétrica da norma do art.109, I da CF nos planos federativos dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, não altera o fato de um critério prejudicial que deve necessariamente anteceder a análise da matéria e se sobrepor a ela quando o objeto social corresponder à prestação de serviço público.

No caso do Estado do Paraná p.ex., o art.5º inciso I da Resolução n.º 93/2013 prevê:

Art. 5º À vara judicial a que atribuída competência da Fazenda Pública compete:

I - processar e julgar as causas em que o Estado do Paraná, os Municípios que integram a respectiva Comarca ou Foro, suas autarquias, sociedades de economia mista, empresas públicas ou "fundações" forem interessados na condição de autores, réus, assistentes ou opoentes, bem assim as causas a elas conexas e as delas dependentes ou acessórias;

A regra sofreu do fenômeno que se conhece por mutação constitucional, vendo-se atualizada conforme a progressão tecnológica do aparato estatal brasileiro, incluindo "fundações" e "sociedades de economia mista", para além das autarquias e empresas públicas do art.109, I CF.

Seguindo o critério de que a atividade econômica justifica o viés jurisdicional reequilibrador do conflito capital x trabalho e a parametrização da legislação celetista em âmbito nacional, as sociedades de economia mista, nas ações propostas por seus empregados, devem ser julgadas pelas Varas do Trabalho. 

No que toca à atividade econômica, portanto, normas simétricas locais como a paranaense precisam ser interpretadas restritivamente, como mera resolução apriorística de conflito de competência entre Varas da Fazenda e Cíveis para julgar processos que "não" envolvam empregados públicos. 

Sobre as empresas e organizações sociais contratadas para realizar atendimentos no SUS, desdobram-se duas situações. As reclamatórias propostas por seus empregados apenas contra aquelas (uma raridade), devem ser julgadas na justiça do trabalho. Nas ações em que incluídas no pólo passivo as tomadoras, se prestadoras de serviço público, na justiça comum fazendária. Naturalmente, se a tomadora for exercente de atividade econômica, deve-se manter a competência da instância trabalhista. [19]

 

VII. Problemas processuais relacionados à sujeição da administração prestadora de serviço público à justiça do trabalho. 

​​​​Mesmo a própria CLT tendo ressalvado a prevalência do interesse público sobre o individual e corporativo (art.8º), e a declinação de competência à instância fazendária na hipótese de arguição preliminar (art.486, §3º), dificilmente estas disposições têm sido relevadas no contexto do juízo laboral, negligenciando-as no mais das vezes pelo só fato, já se comentou, da "ausência de vínculo estatutário."

Como se sabe o legislador constituinte derivado, na primeira reforma do Estado brasileiro pós-republicano (proposta pelo governo FHC), pretendeu resolver a celeuma sobre norma de eficácia limitada dependente de lei regulamentadora na redação original do art.114 da Constituição. Transformou-a então numa norma de eficácia plena via EC n.º 45/04 e com isto, sujeitou toda a administração pública à competência material da justiça do trabalho.

À época se supunha que os modelos gerenciais do Estado brasileiro se esgotaríam nos três citados -- administração direta, autarquias e empresas públicas. A expressão "empresas públicas" era e ainda é vulgarmente utilizada para designar todas as estatais do aparato governamental, incluindo as empresas púbicas "strictu sensu", as sociedades de economia mista, e as fundações públicas de direito privado, surgidas com o Decreto-Lei n.º 200/67 (art.4º, II, "d"), recepcionado pela ordem vigente (Súmula n.º 496 do STF).

Ocorre que, o Congresso não atinou para o paradoxal obliteramento das regras e princípios de Direito Público, consequentemente sujeitando interesses de Governo e de Estado à primazia de interesses individuais e corporativo-sindicais. 

O Parlamento também não deu a importância devida para o conflito inter-federativo que adviria, ao sujeitar o serviço público estadual e municipal à jurisdição federal. O contexto do contrato de emprego público vai muito além, envolvendo prerrogativas e cláusulas exorbitantes da administração, bem como deveres do servidor, ainda o celetista, sem paralelo nas empresas. 

A ADIn 3.395/6 e os milhares de processos repetitivos suscitando a incompetência da justiça do trabalho até a data presente demonstram que o critério material não respondeu adequadamente e nem vai à prestação de serviço público, nem às contratações autônomas na iniciativa privada, exigindo do STF um insistente aparamento de nulidades decretadas com reconhecimento de vínculo, indo contra, não raro, à vontade das partes e portando assumindo uma postura fiscalizatória "supletiva" do Executivo que não caberia ao Judiciário na Carta Republicana. 

Além dos aspectos materiais abordados, óbices de cunho processual também surgiram da transposição mal engendrada da administração pública para o foro trabalhista, enumerando-se os seguintes:

A cominação de prazo simples para Contestar na notificação inicial, contrariando o inciso II do art. 1º do Dec.-Lei n.º 779/69, que estabelece o quádruplo do prazo previsto no art. 841 da CLT. [20] [21]

A fixacão de rito sumaríssimo contra o parágrafo único do art. 852-A da CLT, restringindo o número de testemunhas e pressupostos recursais. 

A imputação de custas oposta ao inciso I do art. 790-A da CLT. 

O não reconhecimento de prerrogativas fazendárias na sentença, ou o reconhecimento genérico com afastamento "seletivo" na fase de execução daquelas com prejudicialidade remuneratória. 

O desrespeito à remessa de ofício do inciso V do art.1º do Decreto-Lei n.º 779/69.

A tramitação em apartado (não sincrética) do cumprimento provisório de sentença, contrariando a sistemática de precatórios do art.100 CF, que exige o trânsito em julgado para conferir certeza às parcelas devidas pela fazenda. Outrossim, dificultando a elaboração de cálculos e o peticionamento da defesa devido à integralidade das peças da fase ordinária em processo diverso no PJE.

A determinação para pagamento/depósito em garantia em 48h, sob pena de penhora (art.880 da CLT) no cumprimento de sentença, contraditória às prerrogativas fazendárias, exigindo correção via declaratórios nas mesmas 48h, sob o risco de sequestro de equipamentos hospitalares e recursos financeiros destinados às compras de medicamentos, insumos e à folha de pagamento dos servidores. [22]

Os trinta dias que a administração disporia para opor Embargos à Execução conforme o art. 535 do CPC, inutilizados por entendimento que considera "preclusa" qualquer matéria não arguida na prévia Impugnação aos Cálculos, e cujo prazo é de oito dias, nunca duplicado.  O prazo de oito dias é insuficiente para a remessa do processo à assistência contábil, geralmente terceirizada, retorno com cálculo e parecer, e elaboração da petição, entre muitos outros prazos de uma repartição integrante do Poder Executivo. A figura da Impugnação prévia é além de tudo inútil porque a maioria dos juízes homologa o cálculo pericial num despacho simples, enfrentando as teses de excesso apenas nos Embargos à Execução.

Sobre a prescrição, a jurisprudência trabalhista a entendeu impassível de decretação de ofício pelo juiz, portanto incompatível ao Direito do Trabalho o art. 487, II do CPC. Seria um "interesse disponível" e um "ônus processual" de arguição pelo empregador, "até a segunda instância" [Súmula n.º 153 do TST], e mediante "Razões" de Recurso Ordinário, não sendo aceita por Contrarrazões.

As prescrições bienal para a propositura da ação e quinquenal para os créditos trabalhistas foram estabelecidas pelo legislador no art. 7º, XXIX da CF e art. 11 da CLT, tratando-se de norma de eficácia plena, auto-suficiente à compreensão do significado impositivo, portanto impassível de regulamentação legislativa infra-constitucional, quiçá judicial. [23] [24] [25]

O reexame necessário foi consagrado na justiça do trabalho pela Súmula n.º 303 do TST:

FAZENDA PÚBLICA. REEXAME NECESSÁRIO. (nova redação em decorrência do CPC de 2015)

I – Em dissídio individual, está sujeita ao reexame necessário, mesmo na vigência da Constituição Federal de 1988, decisão contrária à Fazenda Pública, salvo quando a condenação não ultrapassar o valor correspondente a: 

a) 1.000 (mil) salários mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações de direito público; 

b) 500 (quinhentos) salários mínimos para os Estados, o Distrito Federal, as respectivas autarquias e fundações de direito público e os Municípios que constituam capitais dos Estados; 

c) 100 (cem) salários mínimos para todos os demais Municípios e respectivas autarquias e fundações de direito público.

Como a redação dos incisos II e III não foi muito feliz em estancar a ambiguidade interpretativa, cinge-se a jurisprudência em aplicar o teto de 500 ou 100 salários mínimos para as fundações municipais de capitais. 

Para a justiça comum, a mesma ambiguidade persiste no art. 496 do CPC:

Art. 496. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:

I - proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público;

II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução fiscal.

§ 1º Nos casos previstos neste artigo, não interposta a apelação no prazo legal, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, e, se não o fizer, o presidente do respectivo tribunal avocá-los-á.

§ 2º Em qualquer dos casos referidos no § 1º, o tribunal julgará a remessa necessária.

§ 3º Não se aplica o disposto neste artigo quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a:

I - 1.000 (mil) salários-mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações de direito público;

II - 500 (quinhentos) salários-mínimos para os Estados, o Distrito Federal, as respectivas autarquias e fundações de direito público e os Municípios que constituam capitais dos Estados;

III - 100 (cem) salários-mínimos para todos os demais Municípios e respectivas autarquias e fundações de direito público.

§ 4º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em:

I - súmula de tribunal superior;

II - acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;

III - entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;

IV - entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa.

O reexame necessário é um mecanismo voltado à minimização do erro judiciário contra o patrimônio público, que só deve ser executado a partir de um título judicial bem formado, sob o crivo do duplo grau de jurisdição, da lei e da jurisprudência mais experiente dos Tribunais.

Só existe o reexame entre o 1o e 2o grau de jurisdição, de modo que, quando o Tribunal de Justiça ou Regional do Trabalho figurar como instância originária, incidirá a análise obrigatória de ofício da sucumbência da administração no STJ e TST.

Nos juizados especiais da fazenda pública inexiste o reexame necessário por expressa disposição (art.11 da Lei Federal n.º 12.153/09). 

Têm divergido a jurisprudência na justiça comum sobre se as fundações públicas de direito privado fariam jus à remessa de ofício. Pelo critério da personalidade jurídica, apenas as autarquias gozariam da benece, mesmo aquelas que exercem atividade econômica. As fundações estatais, mesmo sendo prestadoras de serviço público, devido à personalidade jurídica privada não teriam o reexame necessário, mas isto é incoerente. 

Alguns magistrados da justiça comum, ainda muito apegados à distinção acadêmica entre lei "criadora" ou "autorizativa" de uma fundacão e da personalidade jurídica resultante, também têm se equivocado na remessa do processo à instância cível, ou ainda, não reconhecendo as prerrogativas fazendárias mas mantendo o processo em Vara da Fazenda.

A identificação do serviço público no objeto social das fundações estatais esclarece suficientemente a prerrogativa do foro especializado nas lides administrativas. É ele e não a personalidade jurídica o critério distintivo necessário por observar. 

Pode-se criticar a ambiguidade aparente do legislador, já se disse, quando no Decreto-lei n.º 200/67, instituiu entidades públicas sob a personalidade jurídica de direito privado, mas não ignorar o objeto social como o critério mais coeso e potencialmente uniforme para definir o ramo da justiça competente ao julgamento, reduzindo milhares de discussões envolvendo estatais e empregados públicos em todo o país.  

Por fim, registra-se que a justiça do trabalho, pelo menos a vinculada ao TRT9ª (PR), não possui um sistema (ou sistema eficaz) de verificação de prevenção, litispendência e coisa julgada na distribuição.

São frequentes ações de mesmo empregado com pedidos, causa de pedir e períodos contratuais semelhantes tramitando em Varas diversas, como se o ônus de verificá-lo fosse do empregador.

O trâmite paralelo de ações coletivas e individuais de mesmo empregado sem atração pela prevenção cria sérias dificuldades para o cruzamento de pagamentos realizados, pois não raro a representação judicial em cada ação está sendo exercida por advogados ou procuradores diversos.

Ao contrário do que a abstração rasteira pode sugerir, o interesse em evitar o enriquecimento ilícito é dever de todos, antes do magistrado, do cidadão contribuinte embaixo da toga. A reunião das ações individuais no juízo onde tramita a ação coletiva permite, além do mais, evitar decisões contraditórias. 

A inoperância técnica se evidencia de maneira até caricata na postura de alguns Sindicatos obreiros de propor uma mesma ação diversas vezes até encontrar uma liminar favorável. A prática já foi abolida, ou muito amenizada, no sistema de distribuição cível, há pelo menos cinquenta anos.

 

Miras la ciudad dormida
bajo un halo de luz 
no despierta todavía
porque no ha dormido aún
No ha dormido aún lo suficiente
no la vayas a molestar
pero un día como cualquier otro día
la ciudad va a despertar
va a despertar ...

(Alberto Blanco, La ciudad dormida.)

________
[1] Sempre houve consenso sobre a competência da justiça do trabalho para julgar reclamatórias de empregados celetistas do setor privado, trabalhadores avulsos e, após a EC n.º 45, dos eventuais, mas intensa divergência sobre algumas categorias como a dos representantes comerciais, cabeleleiros e manicures de salões de beleza, membros de congregação religiosa e, mais recentemente, motoristas e entregadores por aplicativo [v. Súmula n.º 363 do STJ; RExt n.º  1.446.336], e franqueados de seguro [Recl. nºs 64.751,  64.762 e 64.763], que a princípio ofertam o seu serviço de modo impessoal no mercado de consumo. No Agravo em Reclamação Constitucional n.º 62.587, de Relatoria do Ministro Luciano Zanin, fôra reformado Acórdão do C.TST confirmando o vínculo de emprego de um advogado de escritório nas instâncias ordinário-probatórias da justiça do trabalho. Outra polêmica que tem crescido nos últimos tempos, principalmente quando inexistem participações significativas nos lucros e outros fatores característicos de uma autêntica sociedade civil. 

[2] Foi a impressão "obiter dictum" da Ministra Carmem Lúcia na Reclamação Constitucional n.º 16.279/PR, em Voto referendado pelo Plenário em sede de Agravo Regimental interposto pelo Sindicato dos Médicos no Estado do Paraná, obrigando ao deslocamento de competência da justiça do trabalho para a comum fazendária, em reclamatória movida por empregado público da, à época, Fundação Estatal de Atenção Especializada em Saúde de Curitiba, hoje denominada Fundação Estatal de Atenção à Saúde, regida pela Lei Municipal n.º 13.663/2010, ao qual representei como advogado na ocasião.

[3] Sucede que, o deferimento da Medida Cautelar deferida pelo Ministro Nelson Jobin na ADIn .º 3.395-6/DF, foi ratificado pelo Voto de fundo da Ministra Cármem Lúcia, mas o julgamento do processo em Plenário acabou sobrestado por pedido de vista do Ministro Nunes Marques.

[4] O quadro de professores empregados públicos da USP, uma autarquia, foi considerado legítimo pelo Plenário do Supremo na ADIn n.º 5.615. O Voto do Ministro Relator Alexandre de Moraes, acatado por maioria, destacou a autonomia de cada ente federativo para a escolha do regime de seus servidores, evoluindo a jurisprudência do STF no assunto. 

[5] Um número expressivo de médicos se ativam em plantões no SUS no início de carreira, tendendo a substituí-los todavia por ofertas salariais mais atraentes ou comodidades de consultório no setor privado. Muitos técnicos em enfermagem, por sua vez, vêm apresentando déficit de formação, exigindo solução rápida nem sempre compatível com treinamento interno, sendo certo que os concursos apresentam limitações para medir a capacitação prática dos candidatos. 

[6]  Persevera significativa corrente jurisprudencial trabalhista que ignora o mandamento do teto, sustentando que as condenações judiciais estariam excluídas do preceito. As motivações são variadas, tendo como lugar comum o dogma protetivo do empregado, curiosa senão tragicamente tratado como "hipossuficiente" justamente quando a sua remuneração rivaliza com a do Chefe Maior do Executivo e, no caso dos médicos, não raro apenas "um" de seus vínculos dentre outros provados pelo Cadastro Nacional de Estabelecimentos Hospitalares (CNES), usualmente ignorado para garantir "justiça gratuita" e exonerar de pagamento de honorários patronais por pedidos indeferidos, enterrando a previsão trazida pela Lei Federal n.º 13.467/17.  

[7] Nas descaracterizações do regime de plantões médicos de doze horas de trabalho por onze de descanso do art. 66 da CLT, o desrespeito ao teto resulta em condenações bastante desproporcionais ao período de contrato e à jornada. Primeiramente que, a inexistência de horas-extras médicas é tecnicamente utópica, eclodindo devido às oscilações de pacientes conforme o horário, o dia da semana e o período diurno ou noturno. A restrição se revela mesmo indesejada pela categoria, que eventualmente se auto-gestiona para reparti-las antecipadamente entre escalados e propiciar incremento remuneratório. Os precedentes em geral na matéria demonstram que a realidade do trabalhador hipersuficiente previsto no parágrafo único do art. 444 CLT, ainda não foi devidamente compreendida, perseverando a presunção de que a jornada extraordinária é sempre imposta, atende apenas interesses do empregador, e o profissional da medicina nunca detém consciência nem autonomia político-administrativa para respeitar seus próprios limites biológicos. Ainda se pune muito o empregador hospitalar brasileiro apenas observando as ativações das extras nas marcações de ponto sem verificar a completude das escalas, conforme recomendações do Conselho Federal de Medicina. Se a jornada extraordinária não está sendo executada sob déficit de pessoal, é inerente à profissão de saúde e não deveria redundar em "bis in idem" remuneratório. 

[8] São potencialmente contraditas: a quantidade de horas trabalhadas como base de cálculo, a integração salarial, a abrangência dos reflexos, a quitação das parcelas salariais ordinárias e rescisórias previstas em lei, a forma de apuração das parcelas deferidas judicialmente, entre outras. O perito é "longa manus" do juiz, e há confissões nos cálculos, de modo que desvirtua a saudável equidistância o empréstimo do aparato contábil judicial à parte autora, ao argumento de "execução de ofício" e "hipossuficiência econômica" por justiça gratuita. Com a nova redação do art. 478 da CLT, a execução de ofício deve estar restrita à parte não representada por advogado, o que é raro. 

[9] Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:
a) ato de improbidade;
b) incontinência de conduta ou mau procedimento;
c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;
d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena;
e) desídia no desempenho das respectivas funções;
f) embriaguez habitual ou em serviço;
g) violação de segredo da empresa;
h) ato de indisciplina ou de insubordinação;
i) abandono de emprego;
j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
l) prática constante de jogos de azar.
m) perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão, em decorrência de conduta dolosa do empregado. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
Parágrafo único - Constitui igualmente justa causa para dispensa de empregado a prática, devidamente comprovada em inquérito administrativo, de atos atentatórios à segurança nacional. (Incluído pelo Decreto-lei nº 3, de 27.1.1966)

[10] Art. 37. [...] XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:       
a) a de dois cargos de professor;       
b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;         
c) a de dois cargos privativos de médico;      
c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;       ...
XVII - a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público;      

[11] Art. 3º.[...] IV – insuficiência de desempenho, apurada em procedimento no qual se assegurem pelo menos um recurso hierárquico dotado de efeito suspensivo, que será apreciado em trinta dias, e o prévio conhecimento dos padrões mínimos exigidos para continuidade da relação de emprego, obrigatoriamente estabelecidos de acordo com as peculiaridades das atividades exercidas.

[12] Art. 22. [...] Parágrafo único. Se a despesa total com pessoal exceder a 95% (noventa e cinco por cento) do limite, são vedados ao Poder ou órgão referido no art. 20 que houver incorrido no excesso:
I - concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a qualquer título, salvo os derivados de sentença judicial ou de determinação legal ou contratual, ressalvada a revisão prevista no inciso X do art. 37 da Constituição;
II - criação de cargo, emprego ou função;
III - alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa;
IV - provimento de cargo público, admissão ou contratação de pessoal a qualquer título, ressalvada a reposição decorrente de aposentadoria ou falecimento de servidores das áreas de educação, saúde e segurança;
V - contratação de hora extra, salvo no caso do disposto no inciso II do § 6o do art. 57 da Constituição e as situações previstas na lei de diretrizes orçamentárias.

[13] A Convenção n.º 158 da Organização Mundial do Trabalho, que veda a dispensa arbitrária exigindo motivação em comportamento ou capacidade do empregado, ou ainda em necessidades de funcionamento da empresa, havia sido ratificada internamente no Brasil (Decreto-Legislativo n.º 68/1992 e Decreto-Executivo n.º 1.855/96), mas acabou denunciada pelo governo FHC (Decreto-Executivo n.º 2.100/96), restaurando a possibilidade da dispensa imotivada para os empregados das empresas. O STF registrou a constitucionalidade desta denúncia na ADC n.º 39, salientando apenas que no futuro se observe a ratificação posterior do Congresso Nacional, antes da notificação à OIT. 

[14] A Súmula nº 346 do STF, sobre anulação de ato não convalidável pela administração pública, indica que toda potencial afetação de direitos recomenda processo administrativo. O art. 2º, parágrafo único, inciso X da Lei Federal n.º 9.784/99, estabelece para todo processo passível de resultar em sanção a garantia de produção de provas (documental, testemunhal e pericial), a interposição de recurso, e a apresentação de alegações finais.

[15] Segundo a defesa do Banco do Brasil nos processos movidos por seus empregados, a sujeição ao regime de concorrência deveria figurar como um dos fundamentos da dispensa unilateral. Os empregados da atividade bancária e das sociedades de economia mista em geral realizam típica atividade comercial. Parece mesmo incoerente constituir comissões processantes que lidam com Direito Administrativo e do Trabalho. Geralmente estas Comissões estão ligadas às Assessorias Jurídicas nas entidades prestadoras de serviços publicos. A atividade advocatícia bancária praticamente se esgota em ações de clientes sob a perspectiva consumerista e cível. Um banco não conta com administração suficientemente descentralizada à capilaridade das agências no território nacional. A empresa pública da Caixa Econômica o mesmo, exercendo inequívoca atividade econômica, de modo que parece acertada a decisão que exige apenas a motivação rescisória nestas entidades, ainda que o contrato decorra de um concurso. Por outro lado, há que se reconhecer que estes empregados bancários costumam estar integrados em carreiras melhor estruturadas que os da administração pública, percebendo participações nos lucros, comissões decorrentes de contratos arranjados com clientes, planos de aposentadoria subsidiados e descontos de seguros, entre outros benefícios.O empregado público que não tem carreira estruturada previamente pelo Poder Legislativo acaba ficando a mercê de gestores de indicação política de base eleitoral, cuja provisoriedade no cargo ou emprego comissionado os desestimula à implementação de quadro. Sindicatos muito abrangentes quanto às categorias representadas, na área de sáude pelo menos,  dificultam ainda mais a implementação de progressões e promoções, não conseguindo exercer o foco necessário de atuação, refletindo numa dissiparidade exageradamente acentuada do emprego público para o vínculo estatutário nas mesmas atribuições da entidade federativa, o que inevitavelmente agride o art. 461 da CF. 

[16] A Súmula n.º 390 do TST, no inciso I assegura a estabilidade (analogicamente ao cargo, conforme incisos I e II do art. 41, §1º CF) ao empregado público da administração direta, autárquica e fundacional (prestadoras de serviço público); e no inciso II prevê a ausência de estabilidade para a rescisão de contrato do empregado público de empresas públicas e sociedades de economia mista (exercentes de atividade econômica). Note-se que o enunciado não colide com os precedentes do STF que impuseram a motivação do ato unilateral demissório, porque a estabilidade significa principalmente a exigência do processo administrativo para a rescisão. Convém mencionar ainda outro precedente do STF afastando a estabilidade do art.19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) a empregado público da Fundação Padre Anchieta (TV Educativa), uma fundação pública de direito privado [RExt n.º 716378 / Tema n.º 545]. Foi adotada na ocasião a "personalidade jurídica de direito privado" como critério decisório, de modo que a estabilidade só alcançaria os empregados públicos das fundações públicas de direito público ou autárquicas. A aparente ambiguidade de uma entidade "pública de direito privado", conforme descrita no Decreto-Lei n.º 200/67, de fato ainda causa muita confusão. Note-se todavia que aquela emissora de TV inegavelmente exerce atividade econômica de interesse estratégico do Governo de São Paulo. Este é o seu objeto social. Quando houve a decisão em 2022, o Supremo ainda não havia definido a necessidade de motivação do ato rescisório em Plenário (o Voto do Min. Lewandowski é de 2023). Na contemporaneidade, ela seria exigível para a rescisão. O que pertine discutir vai um pouco além da necessidade de motivação nas entidades que exercem atividade econômica. Sempre se discutiu se o art.41 CF, que prevê a estabilidade (hoje após três anos de exercício), ao se dirigir a "servidor", estaria abarcando o celetista, contra o argumento de que "cargo" se restringiria à unidade técnica funcional do regime estatutário. Sem precisar solucionar a celeuma linguística, basta observar a semelhança das hipóteses de dispensa do empregado público na Lei Federal n.º 9.962, já citadas, à demissão do servidor estatutário a bem do serviço no art. 41 da Constituição:

 Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.        
§ 1º O servidor público estável só perderá o cargo:         
I - em virtude de sentença judicial transitada em julgado; 
II - mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa;        
III - mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa.         
§ 2º Invalidada por sentença judicial a demissão do servidor estável, será ele reintegrado, e o eventual ocupante da vaga, se estável, reconduzido ao cargo de origem, sem direito a indenização, aproveitado em outro cargo ou posto em disponibilidade com remuneração proporcional ao tempo de serviço.       
§ 3º Extinto o cargo ou declarada a sua desnecessidade, o servidor estável ficará em disponibilidade, com remuneração proporcional ao tempo de serviço, até seu adequado aproveitamento em outro cargo.       

Fácil perceber que as hipóteses de perda do cargo estatutário e rescisão de contrato de emprego público são praticamente as mesmas: avaliação de desempenho insatisfatória, falta funcional/justa causa, sentença judicial, devendo ser acrescentadas ainda para ambos a acumulação ilegal (art. 37, inc. XVI CF), e o esgotamento das medidas prévias de redução de excesso de despesas (art. 169, §4º CF). O único instituto previsto apenas na Constituição que se poderia supor "distintivo" entre o cargo estatutário e o emprego público seria a disponibilidade, mas ela decorre simplesmente da extinção da vaga por meio de lei (quando ocupada) ou decreto (na vacância). As vagas, tanto de cargos quanto de empregos públicos em estatais que prestam serviço público são todas homologadas e controladas pelo Tribunal de Contas. Não haveria razão para duvidar da incidência da disponibilidade ao emprego público, portanto, s.m.j.

A bem da verdade, todos os institutos previstos nos regimentos dos servidores estatutários, como participação contributiva do poder público para o benefício de aposentadoria, licenças remuneradas ou não (v. art. 476-A e §§ da CLT), podem ser reproduzidos no regime de emprego público, bastando atender à previsão orçamentária para aquelas parcelas remuneratórias que gerem despesa. 

[17] Não é certo afirmar que o Direito Administrativo seria "da administração". Ele também regula o poder político, vendo-se aparelhado de medidas aptas à coibição de abusos de poder. O empregado público ingressa na administração pública de modo impessoal pela via do concurso. Contabiliza algumas garantias contra o arbítrio diretivo e sua autonomia político-administrativa é consideravelmente superior a dos empregados nas empresas. São muito comuns reclamatórias de empregados públicos com vínculo ativo, fato rarefeito ou inexistente na iniciativa privada. Isto demonstra a diferença de rigor subordinante e a inadequação de tipos estruturantes do Direito do Trabalho muito forjados na presunção de um (abuso do) poder patronal muito incisivo, que deu origem à revolução industrial. 

[18] Geralmente, o interesse político estratégico na criação de uma empresa pública ou sociedade de economia mista está atrelado ao controle de um mercado não auto-regulável ou que pode facilmente se convolar em oligopólio como o bancário, reclamando a atuação do Estado enquanto agente econômico para, minimamente, estabelecer o custo médio das tarifas bancárias ao consumidor, entre outras questões. O tema da regulação de mercados vê-se exaustiva e eficientemente tratado pela doutrina norte-americana, cujo estudo mais detido da academia brasileira e difusão do conhecimento nos canais públicos da internet daria conta de revelar a imensa perda de tempo e o rotundo equívoco dos discursos ora ultra-liberais ora ultra-estatistas no contexto político-eleitoreiro brasileiro das últimas décadas. Uma menor atuação direta do Estado sempre deverá estar acompanhada de mais rigorosa regulação e fiscalização parametrizadora, salvo para setores muito específicos em que se constatou empiricamente, na prática, a eficácia da hipótese de auto-regulação privada (de distribuição logística, preço e qualidade de produto ou serviço). 

[19] A generalizada ofensa da justiça do trabalho ao precedente da ADC n.º 16, que ratificou a nessidade de prova de negligência na fiscalização do contrato para a imputação da responsabilidade subsidiária pelas verbas trabalhistas, conforme art. 71 caput e §1º da Lei Federal n.º 8.666/93 (hoje art. 121, §2º da Lei n.º 14.133/21), nunca foi outra coisa que não leniência do Supremos Tribunal Federal em determinar o deslocamento de competência para a justiça comum. Outro episódio frequente na especializada que agride o direito de defesa se dá, p.ex. na execução contra a tomadora na hipótese de acordo inadimplido pela prestadora, com ou sem protesto da defesa pelo retorno do processo à instrução. Não existe nenhum óbice legal à tal acordo, mas diversos juízes tentam coagir advogados públicos a anuir ao mesmo sem o protesto, sob pena de recusa à homologação. Assim, na superveniência de inadimplemento interpretam o silêncio como "anuência à execução subsidiária direta". Trata-se de abuso de poder do magistrado, infelizmente negligenciado pelas comissões de prerrogativas da OAB e corregedorias quando provocados. O silêncio, aliás, em todos os demais ramos do Direito nunca significou nada, mas a interpretação dos juízes do trabalho materializa o ditado popular do "quem cala consente", merecendo atenção redobrada de procuradores e advogados de tomadoras nas audiências e intimações para manifestação. 

[20] O art. 841 prevê que, "Recebida e protocolada a reclamação, o escrivão ou secretário, dentro de 48 (quarenta e oito) horas, remeterá a segunda via da petição, ou do termo, ao reclamado, notificando-o ao mesmo tempo, para comparecer à audiência do julgamento, que será a primeira desimpedida, depois de 5 (cinco) dias." O quádruplo do prazo seria de 5x4=20 dias. Na prática, porém, tem-se cominado a apresentação da Contestação escrita até a audiência, com fundamento no art. 847 da CLT. O art. 22 da Resolução n.º 241/2019 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho consagrou o entendimento, estipulando como termo final de protocolo da defesa escrita a "realização da proposta de conciliação infrutífera", sem prejuízo da possibilidade da defesa oral. O parágrafo único, ainda assim, recomenda que o protocolo seja efetuado em até 48h anteriores ao ato, devendo constar tal aconselhamento da notificação. 

[21] Numa dada manhã havia protocolado uma Contestação, dirigindo-me ao fórum trabalhista para a audiência presencial. Frustrado o acordo, o juiz percebeu que toda a documentação havia sido juntada ao processo, todavia com a primeira folha destinada à petição em branco devido a algum problema técnico que não se soube precisar. Ao invés de me facultar a defesa oral, o juiz autorizou a juntada da petição até a 23:59h. A parte autora consignou protesto e, prolatada a sentença apreciando a defesa e interpostos os recursos cabíveis, o TRT9ª (PR) a reformou para considerar a revelia da empregadora. Felizmente, a matéria de fundo era "de direito", exclusivamente interpretativa, e não houve prejuízo com a presunção de veracidade sobre matéria de fato, mas o proceder correto de um posicionamento estribado na apresentação da peça escrita "até o início da audiência" deveria ser o de determinar a baixa do processo ao juiz para facultar a defesa oral, o que seria realizado tranquilamente pela singeleza do assunto tratado na ocasião. Ou ainda, o que seria mais razoável à principiologia hodierna do processo-instrumental e status constitucional da ampla defesa e contraditório, convalidar o ato por economicidade processual para justamente evitar o cerceamento de defesa. 

[22] A maioria dos juízes do trabalho concorda com a aplicação subsidiária do art.916 do CPC às entidades públicas de personalidade jurídica privada que requerem o respectivo parcelamento em substituição aos Embargos à Execução. Pelo critério do objeto social apenas as estatais que exercem atividade econômica poderiam pleiteá-lo. As indiretas que prestam serviço público se sujeitariam ao pagamento via precatório. Pode-se cogitar inobstante que os valores sujeitos à requisição de pequeno valor (RPVs), sob o rito comum, possam ser objeto de tal parcelamento. É que não integram a ordem de inscrição de credores no Tribunal e o prazo descrito no art. 100, §5º CF, a partir do despacho de recebimento do ofício-requisitório do juiz onde tramitou o processo. A motivação do ato administrativo na hipótese deve estar lastreada na amortização em parcelas de interesse fazendário, em troca da antecipação do pagamento ao credor. Este raciocínio poderia eventualmente ser estendido aos precatórios por emenda constitucional, dando às partes do processo a oportunidade de um acordo homologatório judicial mais vantajoso do que o pagamento à vista para a fazenda, sem colidir com a indisponibilidade do interesse público. Como forma de reduzir a subjetividade o legislador poderia fixar o número de parcelas por tetos diversos de valores, auxiliando a reduzir o estoque de precatórios nas diversas unidades federativas. É meritosa a tentativa do Congresso em disciplinar uma ordem de pagamento isonômica pela data de constituição do título judicial, mas ignora as diversas circunstâncias que atrasam ou adiantam os processos judiciais, não sendo justo que um credor cuja ação tenha levado vinte anos tenha que esperar o mesmo período de pagamento no Tribunal que um credor com processo de três anos. Pense-se nas pequenas Prefeituras que se vêem obrigadas a quitar à vista um débito corrigido por dez anos (algumas parcelas têm termo na data de propositura da ação), sendo que poderiam amortizá-lo via acordo anterior de parcelamento e/ou deságio, equilibrando-o melhor às receitas do orçamento. No fim das contas, amenizaria também a anti-ética imagem do Estado brasileiro com os cidadãos, de ser um "ótimo cobrador e péssimo pagador".

[23] A prescrição é uma das feições mais evidentes da segurança jurídica, e por isto tratada desde sempre pela justiça comum, tanto federal quanto estaduais, como matéria de ordem pública. Nenhum princípio "protetivo" justifica imprescritibilidade; a quebra do limite temporal imposto pela Constituição. A linha de raciocínio fere inclusive a livre-iniciativa pois uma média ou pequena empresa que se veja condenada por parcelas de um contrato de "trinta anos" p.ex, enfrentará iminente falência se este empregado for um médico ou alto executivo e houver descaracterização de jornada com condenação em horas-extras. 
Por mais relevante que o trabalho humano seja, o exagero abstrativo de seus mecanismos de criação e florescimento com um mote excessivamente intervencionista e distorcedor do pacta sunt servanda não pode render bons frutos. Seja no conglomerado econômico de mercado, ou no contra-prestativo tributário estatal. Cedo ou tarde a postura intervencionista judiciária terá que se curvar à segurança jurídica que, no final das contas, é a grande contribuição do Direito universal para que as relações econômicas frutifiquem. Esta visão aguarda pacientemente aportar no Brasil, superando centenas de tratados desenvolvidos sobre circunstâncias lamentáveis mas muito particulares do trabalho industrial do século XVIII, universalizadas inadvertidamente para todo labor presente e futuro, já se disse. 

[24] A aparente indisposição da Suprema Corte para julgar matéria trabalhista em controle abstrato, somada às dificuldades de superar o critério de repercussão geral nos Recursos Extraordinários, acabam consagrando uma atividade legisferante inconstitucional extravagante e ilimitada da justiça do trabalho, para além da sentença normativa em dissídio coletivo. Mais de duas décadas foram necessárias até que o Pretório Excelso ratificasse na ADPF n.º 501 a tese defensiva de extrapolamento legislativo da dobra indenizada de férias pelo atraso na data do depósito, e não pelo atraso no gozo, conforme dicção do art. 137 da CLT, resultando na inconstitucionalidade da Súmula n.º 450 do TST. O argumento dos defensores de tal colmatação de lacuna sempre foi consistente quanto à finalidade -- evitar o atraso patronal no depósito do adiantamento salarial acrescido do 1/3, integrando o conceito de férias para além do repouso. Todavia, não quanto aos meios, já que a multa é uma sanção e como tal sujeita ao princípio da legalidade estrita (reserva de lei), não podendo ser tipificada senão pelo Poder Legislativo, esta a tese consagrada. 

[25] Uma questão emergente e de grande impacto financeiro no SUS, ainda por merecer a atenção do Supremo, trata da aplicação de cláusulas convencionais favoráveis ao empregado (público) na descaracterização e condenação em horas-extras sob jornada ficta inferior à contratada, negligenciando contrapartidas de interesse patronal e a teoria do conglobamento, construída pela própria doutrina trabalhista para evitar retalhos contratuais jamais pactuados. Pelo mesmo motivo pelo qual o exame da matéria entre diversos pedidos não figura critério seguro para delimitação de competência jurisdicional, também a análise de cláusulas convencionais de interesse patronal, especialmente as implícitas, é de intricada análise. [v.ARE 1121633/GO; Tema n.º 1046] É preferível recorrer aos adicionais legais e demais previsões regradas na CLT na hipótese de descaracterização, até porque nada mais é do que uma declaração de nulidade retroativa do contrato e jornada pela invalidade do regime de compensação --- ou se desconsidera tudo inclusive as cláusulas convencionais mais vantajosas ao empregado, ou se consideram todos os parâmetros do instrumento coletivo. Infelizmente, a maioria dos juízes do trabalho, monocrática ou colegiadamente, criam estatutos sui generis extravagantes da pactuação negociada coletiva nas condenações individuais por descaracterização do regime de compensação de plantões, revelando um autoritarismo francamente míope quanto à ausência de hipossuficiência nas negociações coletivas de trabalho, e desestimulador da pactuação normativa. Isto explica em grande medida o porquê dos rarefeitos Acordos Coletivos em território nacional, deixando a pactuação normativa para as Convenções, inter-sindicais e portanto carentes de envolvimento direto de entidade empregadora.  

  • Competência;incompetência;justiça do trabalho;empr
  • Competência da justiça comum; emprego público; reg
  • Concurso público;matéria trabalhista;imposto de re

Alexandre Rocha Pintal

Advogado - Curitiba, PR


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