A Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência: histórico e considerações iniciais


10/07/2015 às 18h45
Por Adriana Monteiro Advocacia e Consultoria Jurídica

A Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência surgiu do apelo e do esforço da sociedade civil organizada, no sentido de promover e proteger os direitos da pessoa com deficiência, passando a garanti-los internacionalmente, evitando que os diferentes Estados ignorem as necessidades destes cidadãos.

Anteriormente, a matéria já havia sido abordada pela Organização das Nações Unidas – ONU. Na década de 70, os direitos das pessoas com deficiência foram reconhecidos internacionalmente, pela primeira vez, por meio de duas declarações – a Declaração sobre os Direitos das Pessoas Deficientes Mentais e a Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes. Nos anos 90, novos direitos surgiram por meio da Declaração de Salamanca e, em 2001, por meio da Convenção Interamericana para Eliminação de todas as formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência.

Todas estas legislações são fruto da luta dos movimentos sociais e, embora em muitos aspectos ultrapassadas, foram fundamentais para a construção de um novo modelo, e foi a partir deste contexto que o Governo do México apresentou a Resolução nº 56/168 da ONU, na qual se sugeria a constituição de uma comissão ad hoc para elaboração de uma convenção sobre os Direitos Humanos das pessoas com deficiência.

A discussão que norteou os direitos estabelecidos pela Convenção durou de 2002 a 2006 e, embora pareça ser um longo período, considera-se que foi promulgada em tempo recorde, tendo em vista que foi a primeira vez que a sociedade civil participou ativamente da construção de um instrumento internacional de garantia de direitos dentro da ONU.

A negociação para que este tratado fosse aprovado coube a Luis Gallegos e Don Mackay, ambos embaixadores, do Equador e da Nova Zelândia, respectivamente, e abrangiu uma rede de 70 organizações não-governamentais (que ficou conhecida como "Liga Internacional sobre Deficiência") e o "Projeto Sul" – que foi um financiamento fundamental para que as pessoas com deficiência de países latino-americanso e africanos pudessem participar da elaboração da Convenção.

A primeira novidade na Convenção está no seu próprio título. A anterior "pessoas portadoras de deficiência" foi considerada uma terminologia ultrapassada, tendo em vista que ninguém "porta" uma deficiência e não se pode "deixá-la" ou "levá-la"de acordo com uma vontade própria. O termo "pessoas com necessidades especiais" também foi considerado inadequado, por carregar um caráter de assistencialismo que não é o que as pessoas com deficiência consideram como adequado.

A segunda novidade que deve ser explicitada está no artigo 1º:

"Reconhecendo que a deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras atitudinais e ambientais que impedem sua plena e efetiva participação na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas"

A deficiência é um conceito em evolução e condição inerente a todo ser humano. A diferença está no fato de que algumas "barreiras atitudinais e ambientais", fruto da própria sociedade, da natureza e do nosso modo de vida, impedem que algumas pessoas tenham "sua plena e efetiva participação na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas."

A ampliação do que é considerado "deficiência" é uma conquista para todos. Entender a deficiência como resultado da própria sociedade é primordial para que a efetivação dos direitos expressos na Convenção se concretizem, posto que seu núcleo, a partir deste conceito, não está na pessoa, mas nesta interação entre as pessoas e o mundo em que vivem, que nem sempre está pronto para recebê-las de forma igualitária. Assim, um homem que sofreu um Acidente Vascular Cardíaco e encontra-se impossibilitado por barreiras atitudinais ou ambientais de participar em condições de igualdade da sociedade pode ser considerado, naquele momento, como "pessoa com deficiência" e a este homem são devidas as políticas públicas necessárias para que possa exercer em plenitude sua cidadania.

Para finalizar, é importante dizer, entretanto, que a consideração inicial mais relevante é a natureza desta Convenção e a sua aplicabilidade.

A Convenção foi assinada por 192 países e ratificada por quase 100, incluindo o Brasil. A partir da Emenda nº 45, o § 3º do art. 5º da Constituição Federal da República, deu aos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, se aprovados em dois turnos por 3/5 dos votos do Congresso Nacional, força de emenda constitucional.

Isso equivale a dizer que a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência deve ser lida como se no texto da Constituição Federal estivesse escrita. O peso desta afirmação é inquestionável. A justiça brasileira precisa conhecer, se curvar e cumprir o que ali está estabelecido. A Convenção não é um "norte", um "eixo", uma "direção", como muitos acreditam. A Convenção é parte da lei máxima do País e se sobrepõe a toda e qualquer lei inferior à Constituição, revogando tacitamente, inclusive, qualquer artigo da Constituição Federal anterior a sua promulgação que esteja escrito em discordância ao que ela define.

Juntamente com a ratificação da Convenção, em 09.07.2008, o Brasil ratificou o Protocolo Facultativo, o que significa dizer que qualquer pessoa no Brasil pode comunicar a Organização das Nações Unidas, violação de direitos promulgados pela Convenção, desde que sejam esgotados no País todos os meios de se fazer cumprir os direitos reclamados.

Adriana Monteiro da Silva

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Referências

Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência comentada. BRASIL. SDH, 2009.


Adriana Monteiro Advocacia e Consultoria Jurídica

Bacharel em Direito - Brasília, DF


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