Conceito de Crime


24/08/2018 às 10h54
Por Hillis da Silva Costa

NOÇÕES SOBRE O CONCEITO DE CRIME

 

1.INTRODUÇÃO

A teoria do crime ou do fato punível (expressão mais utilizada pela doutrina especializada) se reveste de contornos pragmáticos. Não sendo a melhor opção conceber a teoria do crime apenas como mais uma “teoria” no universo jurídico. Dotado apenas de abstrações, sem nenhuma utilidade prática.

Ao revés, é dentro da teoria do crime que a dogmática penal desenvolve os princípios, regras e valores dos principais institutos da Parte Geral do Código Penal. Aqui reside todo o pragmatismo ao qual deve ser dado à teoria do crime, qual seja, reconhecer que a divisão do conceito de crime em “estratos” ( visão estratificada do crime) em tipicidade, antijuricidade ou ilicitude e punibilidade nos auxilia a atribuir a responsabilidade a alguém.

Luis Regis Prado, relembrando os ensinamentos de Roxin, adverte que:

“De igual modo, convém salientar a importância da teoria geral do delito para a formação jurídica, visto que tão somente  com um sólido arsenal de conhecimentos teóricos-científicos torna-se possível solucionar os problemas que se apresentam  na aplicação da lei penal ao caso concreto, e ser, desse modo, cumprida a finalidade prática da ciência do Direito Penal”.

O mesmo entendimento é compartilhado por Cezar Roberto Bitencourt:

“O conhecimento dos temas abrangidos pela teoria do delito é, por isso, extraordinariamente importante, pois somente através do entendimento dos elementos que determinam a relevância penal de uma conduta , e das regras que estabelecem quem, quando e como deve ser punido, estaremos em condições de exercitar a prática do Direito Penal”

Juarez Cirino dos Santos chama atenção para um ponto, extremamente, relevante para a teoria do crime. Pois, a teoria do fato punível é o ponto de maior relevância para a dogmática penal na medida em que ao conceituar o crime e todos os seus institutos correlatos, a dogmática penal acaba auxiliando a elaboração de políticas criminais com objetivo de prevenir e combater a criminalidade.

Desse modo, necessária se faz uma rápida abordagem no conceito de crime.

2.  CONCEITO DE CRIME

Vários são os conceitos existentes para o crime. Nesse sentido, o crime pode ser conceituado em uma perspectiva legal ou dogmática.

 

DEFINIÇÃO DO CRIME PELA PERSPECTIVA LEGAL

O conceito legal do crime é dado pelo próprio legislador afirma ser, vamos encontrar o conceito de crime na Lei e Introdução ao Código Penal ( Dec. Lei nº 3.914/41), cujo art.1º dispõe: “ considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com pena de multa, contravenção a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente”.

Percebe-se, portanto, que o Brasil adotou uma classificação bipartida (ao contrário de alguns países que adotam um critério tricotômico p.ex. Alemanha e França) para a infração penal (gênero): Crime ou Delito (espécie) e Contravenção Penal (espécie). Em relação a ultima espécie (contravenção penal) são também denominados de crime anão

Diferenças: Crimes ou Delitos- Aplica-se pena de reclusão ou de detenção, isolada, alternativa ou cumulativamente com a pena de multa. Contravenção Penal: Aplica-se pena de prisão simples e multa. Percebe-se que a diferença reside na quantidade de pena, sendo uma questão de politica criminal aplicar sanções mais graves a condutas que lesem ou expõe a perigo bens jurídicos mais importantes e essências ao convívio em sociedade.

PROBLEMÁTICA DO ART.28 DA LEI Nº11.343/06

Questão que sempre suscitou questionamentos é se a conduta tipificada no art. 28 da Lei 11.343/06 (posse de droga para consumo pessoal) é crime ou não. A divergência surgiu na medida em que o preceito secundário da norma não atribui reclusão, detenção, prisão simples ou multa, consequentemente, não temos a imposição de pena, conforme vimos a classificação dada pelo art.1º da Lei de Introdução do Código Penal.

Uma corrente doutrinária composta pelos ilustres mestres Luis Flávio Gomes, Rogério Sanches Cunha e outros sustentam que se trata de um ilícito penal sui generis. Pois, não foram previstas penas de reclusão ou e detenção, não se trata de crime, e estando ausentes as penas de prisão simples ou multa, também não configura contravenção penal, com fulcro no art. 1º da Lei de Introdução Penal. Esse posicionamento é, predominantemente, minoritário.

O posicionamento majoritário afirma que a conduta prevista na norma penal incriminadora ora em comento possui caráter criminoso, ou seja, a conduta prevista no art. 28 da lei 11.343/06 é criminosa. A peculiaridade reside, justamente, em seu preceito secundário que foge a regra criada pelo art. 1º da Lei de Introdução do Código Penal.

O Supremo Tribunal Federal entende que na verdade houve o fenômeno da despenalização e não o da descriminalização da conduta. De acordo com vários de seus precedentes:   . RE 430.105 QO/RJ, rel. Sepulveda Pertence, 1º Turma, j. 13.02.2007

 

DEFINIÇÃO DO CRIME PELA PERSPECTIVA DOGMÁTICA

Quando indagado pelo conceito de crime, devemos nos ater a qual critério será  utilizando para responder o questionamento. Pois, a depender do critério selecionado o conceito de crime será diferente.

CRITÉRIO FORMAL OU LEGAL

Levando em consideração tal critério, crime será definido tal qual está descrito na lei, ou seja, crime é o que está tipificado no diploma legal. Nesse diapasão, o critério formal obedece, fielmente, o principio da legalidade ( art.5º ,XXXIX; CF e art.1º; CP).

Para tal critério pouco importa o conteúdo da norma incriminadora. Haverá crime toda vez que ocorre a subsunção entre a conduta praticada e o tipo previsto na lei penal. O conceito de crime é fornecido pelo legislador.

CRITÉRIO MATERIAL

De acordo com esse critério será considerado crime qualquer conduta que lese ou expõe a perigo um bem juridicamente protegido. Aqui há preponderância do principio da lesividade. Leva-se em conta o bem jurídico.   

As condutas que são incriminadas com base nesse critério não podem ser combatidas por outros ramos do ordenamento jurídico. Pois, a lesividade, a afronta aos bens jurídicos são, demasiadamente, graves e pecaminosos ao convivo em sociedade que somente o direito penal se releva a resposta mais adequada a tais condutas. 

Percebe-se que nesse critério o bem jurídico ganha especial atenção. A definição do crime gira em torno dele.

Luiz Regis Prado leciona que no aspecto material, o delito constitui lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico-penal, de caráter individual, coletivo ou difuso.

Tal critério reveste-se de grande importância. Na medida em que a definição de crime será feita com base em bens jurídicos de extrema relevância, ou seja, aqueles considerados necessários e indispensáveis para uma justa e pacífica conivência social. Assim, a política criminal será direcionada a criação de leis que visem tutelar bem jurídicos relevantes e tipificar condutas graves.

Penso que tal conceito (apesar de não ser o mais utilizado para explicar o conceito de crime) refle muito bem alguns princípios limitadores do Poder punitivo Estatal.

Se para tal critério, crime é uma conduta grave, ou seja, digna de maior reprovabilidade social, não irá importar para o Direito Penal condutas de pouco relevância social.  Nesse ponto, temos o principio da adequação social ou exigibilidade ou idoneidade. Que serve como um limitador da atuação punitivista do Estado. Esse é entendimento adotado por Cezar Roberto Bitencout para quem há condutas que por sua “adequação social” não podem ser consideradas criminosas. Em outros termos, segunda essa teoria ( principio da adequação social ) , as condutas que se consideram  “ socialmente adequadas” não se revestem de tipicidade e, por isso, não podem constituir delitos.

De outra banda, se para tal critério o bem jurídico é dotado de significativa importância, a ponto de constituir o próprio conceito de crime, temos que para a incidência do direito penal e a consequência existência do crime, se faz necessário que o bem juridicamente protegido se revele, demasiadamente, importante e indispensável para toda a sociedade. Neste particular temos a manifestação do Princípio da Insignificância ou bagatela. Certeira é a análise feita por Paulo Queiroz, para quem:

 

“O princípio da insignificância constitui, portanto, um instrumento por cujo meio o juiz, em razão da manifesta desproporção entre crime e castigo, reconhece o caráter não criminoso de um fato que , embora formalmente típico, não constitui  uma lesão digna de proteção, por não traduzir uma violação realmente importante ao bem jurídico tutelado” ( Grifo Nosso)

 

Expostos tais argumentos, orbita em importância o critério material de crime. Pois, em sua essência revela princípios limitadores do Poder Punitivo Estatal.

Ressalta-se, por último, que tanto o critério formal quanto o material não permitem uma análise estrutural do crime. Motivo pelo qual a dogmática penal não se vale desses critérios para analisar o conceito de crime.

 CRITÉRIO ANALÍTICO OU DOGMÁTICO

Com base nesse critério os elementos que compõe o crime são postos em uma disposição lógica que auxilia o operador do direito a visualizar o concito de crime de forma mais racional e segura.

Luis Regis Prado afirma que:

 

“A propósito do conceito analítico de delito, afirma-se com precisão, que na aplicação do Direito, esse conceito contribui de modo decisivo para a melhor visualização dos problemas e casos penais, assim como denota interesse prático imediato, manifestamente, na questão de dolo e da culpa; o erro , da omissão, da tentativa, do concurso de agentes e de crimes, das causas de justificação, das condições objetivas de punibilidade e, inclusive, na aplicação das sanções penais e medidas de segurança”

 

Independente da concepção que se adote (bipartida, tripartida ou quadripartida) sempre será levada em consideração a tipicidade, ilicitude e culpabilidade, ou seja, tipicidade, ilicitude e culpabilidade são conceitos fundamentais para a teoria do delito quando se adota o critério analítico.

Existe entre tais elementos uma relação lógica de sucessão e prejudicialidade, pois a culpabilidade pressupõe a ilicitude e esta, a tipicidade.

 

SISTEMA QUADRIPARTIDO

É considerado crime o fato típico, antijurídico, culpável e punível. Tal posição é sustentada por Basileu Garcia. Trata-se de posição minoritária na doutrina Pátria.

Nessa concepção a punibilidade é considera elemento estrutural do crime. De modo que a sua ausência implica na inexistência do próprio conceito de crime.

SISTEMA TRIPARTIDO

Para tal posição o crime é considerado fato típico, antijurídico e culpável. Na falta de algum desses elementos o fato não será considerado crime.    

SISTEMA BIPARTIDO

O crime seria fato típico e antijurídico, sendo a culpabilidade pressuposto para aplicação da pena.

É a posição adotada pelo Código Penal Brasileiro. Embora não declare de maneira clara esse posicionamento o Código Penal em algumas passagens se inclina para tal posicionamento. É o que se observa, por exemplo, no art.26, caput e 28, § 1º do Código Penal, que afirma se isento de pena quando existir causas de exclusão de culpabilidade, ou seja, o crime continua a existir (é típico e ilícito), porém não se faz necessário a imposição de pena.

 

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dessa forma, vislumbra-se a importância do conceito de crime, tanto no aspecto acadêmico como no aspecto prático. Bem como sua instrumentalidade prática, pois diante de um caso concreto a teoria do delito (sobretudo a concepção analítica) nos auxilia a visualizar a conduta criminosa de forma mais detalhada.

De outra banda, percebe-se, que a teoria do delito não é pura abstração sem utilidade prática. Pelo contrário, é se valendo dela que o operador do direito está municiado com instrumentos aptos a resolucionar o caso concreto.

 

  • Conceito de crime
  • Critério Analítico
  • Sistema tripartido
  • Sistema bipartido
  • Sistema quadripartido
  • Critério formal ou legal
  • Contravenções penais
  • Delitos

Referências

REFERÊNCIAS

Betencourt, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte Geral 1. 17º Ed. Saraiva.p.253

Prado, Luiz Regis. Curso De Direito Penal. 13º Ed. Revistas dos Tribunais. p.199

Queiroz, Paulo. Curso de Direito Penal- Parte Geral. 10º Ed. Jus Podivm. p.86

Santos, Juarez Cirino dos. Direito Penal – Parte Geral. 6º Ed. Curitiba. ICPC. p.71


Hillis da Silva Costa

Advogado - São Luís, MA


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