Este texto visa abordar o abandono da ordem cogente da lei em prol de interesses políticos, econômicos, mercadológicos, financeiros, pessoais, culturais, religiosos etc. por membros de poder e as consequências de tal comportamento.
Um dos alicerces do Direito brasileiro é que havendo lei não se pode aplicar equidade, analogia, ideologias, convicções, costumes, princípios gerais de direito ou qualquer outro instituto doutrinário. Simples assim. Nesse sentido é a ordem do artigo 4º do Decreto – Lei 4657/1942, nomeada pela Lei 12376/2010 de Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro.
Não é o que nos tem sido apresentado no dia a dia de um país chamado Brasil, notadamente pelos tribunais do Poder Judiciário do país.
Muito embora realizada sobre a vigência do Código de Processo Civil de 1973, a (ainda aplicada) Súmula 421 do Superior Tribunal de Justiça nega aos defensores públicos o direito a sua verba alimentar que é claramente devida conforme §19 do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015.
A revogação de lei por outra lei em sentido contrário é automática. Obviamente não seria diverso o entendimento no tocante a Súmula revogada por automaticamente por lei.
Atualmente divulgou-se a lamentável decisão do Superior Tribunal de Justiça quanto a possibilidade de penhora de salários, proventos etc. para qualquer dívida desde que não ficasse comprometida a subsistência mínima do devedor, acrescentando uma exceção no parágrafo § 2º do artigo 833 do Código de Processo Civil. O Superior Tribunal de Justiça se enquadra no Poder Judiciário e não no Poder Legislativo ou Executivo. O artigo 833 do CPC é claríssimo ao afirmar que salário é impenhorável, exceto em duas situações: para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, e das importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais. O legislador não permitiu ao magistrado alargar tal taxativo rol. Mas o Judiciário elucubrou e incluiu no artigo 833 do CPC uma terceira exceção: para qualquer dívida desde que não ficasse comprometida a subsistência mínima do devedor.
Amplamente divulgada a possibilidade de capitalização de juros em contratos bancários, notadamente pela edição da medida provisória n° 2.170-36, de 23 de agosto de 2001. O Judiciário entendeu ter havido relevância e urgência em tal medida. A meu entender só se for emergência em possibilitar maior (embora já tão acentuada) concentração de renda em favor das casas bancárias. Não consigo enxergar outra emergência.
O Superior Tribunal de Justiça afirmou no Tema 953 em sede de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas junto ao Superior Tribunal de Justiça assim estipula: A cobrança de juros capitalizados nos contratos de mútuo é permitida quando houver expressa pactuação.
No REsp 1302738 o STJ ordena que: A menção numérica a taxas de juros incidentes no contrato não é suficiente para caracterizar contratação expressa de capitalização de juros. Diante da falta de clareza dessa informação, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu como abusivos os encargos exigidos num contrato de financiamento bancário e afastou a mora.
Lamentavelmente o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo é quase unânime em contrariar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e julga da seguinte forma: Contrato bancário. Capitalização dos juros - Estipuladas, no mencionado contrato de empréstimo, firmado em 24.4.2006, a taxa mensal de juros em 3,08000% e a taxa anual de juros em 43,91000% - Reputada como prevista a periodicidade da capitalização Permitida a capitalização mensal dos juros remuneratórios[1].
Exorbitantes os números de casos de indeferimento de produção de provas (a exemplo de improcedência de pedidos de exibição de apólices, contratos bancários etc), perguntas em audiências a testemunhas (no Judiciário paulista, a maioria dos magistrados não respeita o artigo 459 do CPC) etc. caracterizando nítido cerceio aos direitos constitucionalmente previstos a ampla defesa e contraditório[2]. Talvez em prol de uma ilusória celeridade no trâmite processual.
Inacreditavelmente, há casos de improcedência do pleito de exibição de documentos e improcedência do pedido principal por falta do documento, cuja exibição foi julgada improcedente. Rechaçamento escancarado da ORDEM do artigo 359 do CPC/73 (artigo 400 do CPC/15)[3].
O Superior Tribunal de Justiça, notadamente a 1ª Turma, de forma repentina mudou entendimento e determinou a suspensão de todos os processos no território nacional, para que o tema seja julgado sob o regime dos recursos repetitivos quanto a legalidade da incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços nas parcelas estranhas à remuneração da energia elétrica (Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição – TUSD e Tarifa do Uso do Sistema de Transmissão – TUST).
Não poderia deixar aqui, de citar a reforma trabalhista que incluiu a obrigação de o empregado, que ao propor o processo está em quase a totalidade dos casos, desempregado, a pagar honorários advocatícios e custas processuais, em um absurdo desestímulo ao direito constitucional de ação, instigando o engessamento do direito laboral, pois muitos direitos são absolutamente controvertidos entre os magistrados (o que não é novidade para nenhum operador do Direito) e nem se sabe qual será o entendimento do julgador e, por receio de improcedência (e honorários e custas por consequência) tal direito nunca será objeto do pedido. Igual conflito de entendimentos se dá entre os peritos. Inúmeros são os casos em que o médico que o trabalhador trata, entende tal trabalhador como portador de doença laboral mas o perito entende que não. E nessa controvérsia, o trabalhador é quem deixará de fazer pedidos em suas iniciais e facilitará o enriquecimento ainda maior de empregadores que não investem em prevenção de acidentes e doenças laborais.
Outra situação a ser frisada são os conflitos e até provocações presenciadas entre os ministros do Supremo Tribunal Federal (a exemplo da sessão ocorrida em 22.06.2017)[4]
Cito ainda neste artigo os denominados “super salários” no âmbito público que transgridem o artigo 37, inciso XI da Constituição da República Federativa do Brasil (que se apresenta em clareza inconteste)[5].
Por este articulista atuar mais intensamente na área civil e tributária, não estão citadas neste artigo as transgressões cometidas por autoridades no Direito Penal e Processual Penal (em que presenciamos até interposição de Recurso Ordinário em Habeas Corpus por magistrado[6] até a sabida e notória criminalidade imbuída em alguns membros do Poder Legislativo e Executivo que trituram o que vier pela frente, famintos pela reeleição), pois os desrespeitos às leis, ora citados, foram vivenciadas, em sua grande maioria, pessoalmente pelo articulista.
Pego me indagando inocentemente às vezes:
O que leva um magistrado a não aplicar a claríssima letra da lei adjetiva de 2015 ao invés do enunciado 421 do STJ ?
O que leva um magistrado a acrescentar exceções de penhorabilidade de remunerações em rol de exceções claramente taxativo?
Como um magistrado pode entender que em um país com quase 12 milhões de analfabetos [7] (não computados aqui os semianalfabetos e analfabetos funcionais), um consumidor compreenda que na conta 3,08% x 12 = 43,91% está escrita a palavra CAPITALIZAÇÃO ?
O que leva um magistrado a arruinar o direito de um contribuinte assíduo de ICMS e IR (fonte do dinheiro gasto para pagar os salários dos magistrados estaduais e federais inclusive) indeferindo/improcedendo a exibição de documentos e improcedendo o direito principal por falta daquele documento cujo acesso foi impedido, violando o direito de ação, a ordem do artigo 400 do CPC (ou artigo 359 do CPC/73) ?
O que leva um magistrado a entender impertinente uma pergunta que seriam gastos 30 segundos para ser realizada a uma testemunha, arruinando estratégias de defesa ?
A alteração desmesurada e repentina do entendimento de uma turma do STJ não desestabilizaria a confiança no Poder Judiciário e no Brasil por investidores estrangeiros ?
Não era a aplicação da lei e a imparcialidade dos magistrados ser incondicionada, i. é, não deveria se sobrepor sobre qualquer outra problemática social (seja política, econômica, financeira etc) ?
Conclusão
Com a devida vênia pelos excessos argumentativos neste trabalho cometidos, jamais visando ofender ou denegrir a imagem de quaisquer dos poderes da República, mas apenas chamar a atenção para a árdua realidade, entendo que na falta dos Poderes Executivo e Legislativo eficazes, ágeis, probos e intelectualizados, o Judiciário dita as regras de convivência (ou de subordinação, como um tirano). Regras estas que existem para ser respeitadas, pois facilitam a circulação de riquezas, distribuição de renda, crescimento do país etc. e foram (pelo menos parte delas) baseadas em pesquisas, baseadas em oitivas de camadas da sociedade etc.
O Judiciário comete a maior atrocidade (ou um silencioso genocídio, diria) ao tentar esvaziar suas prateleiras de processos, há anos, parados, com violação de direitos e desestímulo ao ingresso de demandas.
Já foi dito na literatura que a ditadura judiciária é a pior das ditaduras, já que inexistem formas ou pessoas a quem mais se socorrer, a não ser estampar para o mundo afora por meio de órgãos internacionais, as atrocidades cometidas. O que parece se pretender é cercear o próprio direito de ação optando-se pela improcedência em massa de pedidos exordiais explicitamente amparados em lei (em sentido lato), desestimulando o exercício de direitos e facilitando o acúmulo de riquezas nas mãos dos já mais ricos[8].
Necessário lembrar que o Direito é uma ciência humana. Tal entendimento vem do humanismo da Idade Média. O humanismo foi uma teoria, diria, que manifestou interesse nos assuntos que estivessem intimamente ligados ao homem.
No Direito Brasileiro a cada dia, o que mais temos presenciado, é o inverso: um desumanismo assustador por desrespeito crescente aos direitos constitucionais fundamentais na qual o Brasil se comprometeu a cumprir por meio de tratados e pactos internacionais. Direitos estes pautados também no humanismo e, notadamente nos conceitos de igualdade, fraternidade e liberdade. Rechaçar direitos, é rechaçar o Estado democrático de Direito. Inexiste Estado Democrático de Direito sem direito. Direito no livro da estante não é Direito. Se membros de poder não cessarem as transgressões de normas (muitas vezes elaboradas, discutidas, elaboradas, aprovadas e sancionadas pelos próprios transgressores), entendemos que tais, olharão para o passado, no futuro, e constatarão: Não deixei um bom país para os meus descendentes.