RESUMO O presente trabalho busca abordar os novos desafios interpostos pela sociedade contemporânea, no que tange aos direitos e garantias dos Refugiados e a necessidade do reconhecimento da modalidade do refugiado ambiental, que apesar de não estar postulada no âmbito normativo, tem encontrado respaldo na esfera doutrinária sendo também reconhecido pela ONU como um fenômeno crescente e irreversível, face aos desastres ambientais naturais majorados pelas mudanças climáticas. Dentro desta conjuntura, também será analisado a atual situação jurídica dos imigrantes Haitianos que se deslocam para o Brasil. Apesar de postularem todos os requisitos que configura o status de Refugiado Ambiental, este ainda não fora reconhecido pelo governo brasileiro. A metodologia utilizada fora o dedutivo, por meio de pesquisa bibliográfica. Palavras-
Chave: Direito dos Refugiados, Refugiados Ambientais, Migração dos Haitianos para o Brasil
ABSTRACT In this article scientific, we seek to address the new challenges brought by modern society, with regard to the rights and guarantees of Refugees and the need to recognize the environmental refugee system, which despite not being postulated at the normative level, has found support in the doctrinal sphere being also recognized by the UN as a growing and irreversible phenomenon, given the natural environmental disasters plus climate change. Within this context, will also be analyzed the current legal situation of Haitian immigrants moving to Brazil. Although they possess all the requirements that qualify the status of environmental refugees, this has not yet been recognized by the Brazilian government. The methodology used was deductive, by means of bibliographic search. Keywords: Refugee Law, Environmental Refugees, Migration of Haitians to Brazil
Introdução O estudo dos Direitos Humanos dos Refugiados é comum tanto na disciplina de Direitos Humanos tal qual nos conteúdos proferidos no Direito Internacional Público. Tratando-se , portanto, de um elementar mecanismo jurídico internacional na proteção do tripé fulcral inerente aos valores da pessoa humana: vida, liberdade e dignidade. O fenômeno da imigração sempre se fez presente na história da humanidade, os principais elementos desencadeadores deste fenômeno estavam atrelados até então as perseguições de ordem religiosa, ideológica, como também aos conflitos (ou ameaça) por disputa de poder, ou território. Todavia, com o aumento vertiginoso do número de desastres naturais – muitos deles provocados ou acelerados pela ação humana no meio ambiente global – um novo fator desencadeador se impõe para o instituto do refúgio, trata-se da figura do refugiado ambiental. O refugiado ambiental, diferentemente dos demais, não está circunscrito as ameaças pessoais direcionadas a determinado indivíduo ou grupo. Isto porque a força motriz que o qualifica está associada aos eventos da própria natureza (diante do meio ambiente global) que não se restringe as fronteiras geográficas, ou as diferenças políticas, sociais e ideológicas. De modo que todos estão sujeitos, aos efeitos deletérios provenientes das catástrofes ecológicas. Partindo desta premissa este trabalho busca apresentar um breve panorama quanto a evolução da ideia de refúgio dentro do direito humanitário, como também analisar o atual mecanismo jurídico internacional sobre o direito do refugiado face aos novos desafios contemporâneos, e, por sua vez, investigar o atual status jurídico concedido pelo Brasil aos haitianos que pleiteiam refúgio. 1 Breves considerações sobre o Direito dos Refugiados São múltiplos os fatores que aduzem um indivíduo a migração, dentre estes estão os de aspectos: políticos, econômicos, sociais e, não obstante, os ambientais. Este fenômeno exsurge de uma necessidade iminente de proteção dos valores fundamentais da pessoa humana e do auspício, por parte do migrante, em buscar uma oportunidade para melhoria de vida, livre de potenciais ameaças a liberdade e a própria vida. Os migrantes bifurcam-se, basicamente, em duas categorias: os forçosos e os não forçosos. Este trabalho ater-se-á a categoria dos migrantes forçosos, mais especificamente, os refugiados. Para fins de melhor compreensão, faz-se importante sublinhar a diferença instituída entre os institutos jurídicos de asilo e refúgio, embora guardem entre si semelhanças na garantia dos direitos civis de um estrangeiro residente, estes não se confundem e não se misturam, neste liame Barreto (2009, p.05) bem elucida: [...] Embora apresentem algumas semelhanças a principal característica que diferencia o asilo do refúgio é o fato de que o asilo é ato soberano do Estado, ou seja, é uma decisão política e o seu cumprimento não está vinculado a nenhum organismo internacional. O Estado tem o direito de conceder asilo, mas não se acha obrigado a concedê-lo nem declarar por que o nega. Diferentemente a concessão do status de refugiado, quando preenchidos os requisitos, obriga os Estados signatários dos instrumentos internacionais de proteção aos refugiados (a já mencionada Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967). Os órgãos internacionais multilaterais realizam o controle da aplicação das normas sobre o refúgio e os Estados respondem pelo não cumprimento de seus deveres ou violação das normas específicas. [...] De acordo com a definição clássica plasmada na Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiado (1951), refugiado é toda pessoa que por causa de fundados temores de perseguição devido à sua raça, religião, nacionalidade, associação a determinado grupo social ou opinião política, encontra-se fora de seu país de origem e que, por causa dos ditos temores, não pode ou não quer regressar ao mesmo. Conforme observa Ramos (2011, p.104) [...] Do ponto de vista histórico, é relevante registrar que a referida Convenção, (...) fora concebida em virtude de uma preocupação específica – os grandes deslocamentos humanos no continente europeu após a segunda guerra mundial. Com o avançar do tempo e o surgimento de novos focos de conflitos e fluxos de refugiados além das fronteiras da Europa, conferiu-se alcance universal ao presente instrumento a partir da eliminação das limitações geográficas e temporais existentes no texto original. Vale salientar que foi com Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados (1967) que se ampliou o alcance da Convenção em seus aspectos geográfico e temporal [...] (grifo nosso) Partindo desta premissa, seguindo Ramos (2011) pode-se vislumbra que na concepção clássica apesar de apresentar grandes avanços na proteção dos direitos humanos universais, esta mantém-se adstrita ao caráter individualista interposto pela figura essencial do “agente perseguidor”, limitando desta maneira aos eventos provocados pelo Homem. Apesar da natureza restritiva adotada pela definição clássica do Estatuto do Refugiado, no âmbito regional houve uma ampliação da ideia de refúgio, como tentativa de abarcar novos casos advindos de contextos específicos, como bem planificado por Ramos (2011, p.107) 4 [...] A proteção universal mínima estabelecida pela Convenção de 1951 foi ampliada no âmbito regional, sendo incorporadas ao rol de motivações preexistente outras situações para a concessão do status de refugiado, de modo a adaptar a proteção dos refugiados a contextos específicos [...] Pode-se elencar, basicamente, dois instrumentos jurídicos internacionais de âmbito regional que incorporam novos elementos na concepção de refugiado: a Convenção da Organização da Unidade Africana de 1969 (aborda os aspectos específicos sobre os problemas dos refugiados na África), e a Declaração de Cartagena sobre Refugiados (1984) (América Central, México e Panamá), segundo Ramos (2011, p.77) [...]Ambos os instrumentos preveem a ampliação do conceito de refugiado estabelecido na Convenção de 1951/Protocolo de 1967, adaptando-o à realidade de cada região (África e América Central). Nesses dois diplomas, consideram-se também como refugiados as pessoas que tenham fugido dos seus países (de origem, nacionalidade ou local de residência habitual) porque a sua vida, segurança ou liberdade tenham sido ameaçadas em razão de violência generalizada, agressão (ocupação ou dominação) estrangeira, conflitos internos, violação maciça dos direitos humanos ou outras circunstâncias/acontecimentos que tenham perturbado gravemente a ordem pública [...] Com base na declaração de Cartagena (1984), o ordenamento jurídico brasileiro incluiu a violação a direitos humanos como causa ensejadora da condição de refugiado, conforme postulado na lei 9474/97. Segundo Kim (2006, p.10) [...] a lei brasileira nº. 9.474 de 1997 amplia ainda mais o conceito de refugiado, vez que não impõe condições especificas, em seu artigo 1, inciso III, ‘devido à grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país’. Alguns autores, também, acrescentam como possível causa da problemática do refúgio os desastres naturais formando os chamados ‘refugiados ambientais’ [...] Contudo vale salientar que os textos legais supracitados são instrumentos internacionais de alcance regional, o que para Barros (2011), apesar de ser um avanço não se faz suficiente na lida com a comunidade internacional como um todo, para isto, seria fundamental a ratificação de um instrumento internacional de âmbito global que positivasse uma definição abrangente e de alcance global, estabelecendo por sua vez critérios de categorização que permitam adotar soluções específicas. 5 2 Refugiado Ambiental Embora não haja uma regulamentação normativa quanto ao Direito Internacional do Refugiado que contemple a figura do refugiado Ambiental, esta definição tem se tornado recorrente nos meios midiáticos como também tem permeado, no âmbito doutrinário, intensos debates face aos desastres ambientais naturais, muitos desses majorados pelo papel de degradador assumido pelo homem moderno de maneira a ocasionar drásticas mudanças do meio ambiente natural dentro do atual cenário mundial. Como bem clarificado por Hossne et al. (2012, p.409): [...] A questão dos refugiados não é recente no mundo. O que é novo é o aparecimento de refugiados que saem de seus países por motivos outros que não só perseguições. Calcula-se que milhões de pessoas deixaram seus lares em função de secas, desertificação, erosão do solo, acidentes industriais e outras causas ambientais. A mudança climática, induzida principalmente pelo padrão de consumo e produção industrial impostos pelos países desenvolvidos e pelos países industrializados, acelerou muitos desses processos naturais e trouxe consigo novos problemas. Observa-se que, nos últimos anos, os desastres naturais produziram mais refugiados que as guerras e os conflitos, e o aquecimento global, causado pela ação do homem, é um dos principais causadores dos problemas ambientais hoje no mundo, ainda que não seja o único. [...] A popularização do termo "refugiados ambientais" advém da obra environmental refugees (1985) publicada pelo professor Essam El- Hinnawi que segundo por Hossne et al. (2012) está concatenado, não mais a figura do “perseguidor”, mas a uma série de problemas ambientais que resvalam ,por sua vez, diretamente na esfera socioeconômica e cultural tanto das áreas atingidas pelos efeitos das catástrofes ambientais, como também às áreas que se tornam rotas potenciais para imigração. Segundo definição do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA 1985, sn): [...] refugiados ambientais são pessoas que foram obrigadas a abandonar temporária ou definitivamente a zona onde tradicionalmente vivem, devido ao visível declínio do ambiente (por razões naturais ou humanas) perturbando a sua existência e/ou a qualidade da mesma de tal maneira que a subsistência dessas pessoas entra em perigo.[...] Partindo desta premissa conceitual, pode-se categoriza duas modalidades, apontadas pela doutrina, que postulam a hipótese do instituto do refugiado ambiental, segundo Myers apud Hossne at al (2012, p.411) 6 [...] O primeiro grupo sendo formado por aqueles que se viram obrigados a deixar suas casas devido à degradação, enchentes, secas e desertificação, e que são chamados também de “refugiados induzidos por desastres” e “migrantes induzidos pelo desenvolvimento”, como aqueles que deixaram suas casas devido a acidentes humanos que levaram ao êxodo ambiental; e o segundo grupo, formado por aquelas pessoas que deixam seus países devido a conflitos que tiveram início por razões ambientais e tornaram-se, ao longo do processo, conflitos políticos, e que, por essa razão, não cabem no conceito de refugiado da Convenção de 1951 [...] (grifo nosso) Conforme o Relatório Global do HABITAT Cidades e Mudanças Climáticas em Assentamentos Humanos apresentado pela ONU (2011, sn) estima-se que, “[...] em 2050, poderá haver até 200 milhões de refugiados ambientais em todo o mundo, muitos dos quais serão forçados a deixar as suas casas por causa da elevação dos níveis do mar e os aumentos da frequência de inundações ou secas.” Neste mesmo estudo também aponta que em 2010, já haveria 50 milhões de refugiados ambientais, de maneira a superar o às categorias de refugiados tradicionais. Segundo Barros (2011, p.11) “[...] Hoje já se reconhece que os deslocamentos humanos vinculados a grandes projetos de desenvolvimento e a desastres naturais ocorrem de cinco a dez vezes mais do que os deslocamentos gerados por conflitos.”. Dentre os riscos advindos em decorrência das catástrofes ambientais, têm-se: os maremotos, terremotos, ciclones tropicais, eventos de precipitação intensa e condições meteorológicas extremas, dente outros, que segundo Clos (2011, sn) [...] podem prejudicar os alicerces e o funcionamento das cidades com repercussões generalizadas na infra-estrutura física, econômica e social das cidades. Nós já sabemos que os impactos das mudanças climáticas serão particularmente severos em zonas costeiras pouco elevadas, onde muitas das maiores cidades do mundo estão localizadas. E são sempre os pobres urbanos, especialmente os moradores de favela, que correm maior risco quando os desastres acontecem [...] De acordo com o 4ª Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) (2007), a frequência e a intensidade de desastres associados aos efeitos das mudanças climáticas, tem tido aumento significativo ocasionando, por conseguinte, sérios danos e prejuízos socioeconômicos. Segundo alertado pelo Relatório do IPCC a negligencia das mudanças climáticas nas políticas públicas dos Estados, tem implicado além dos riscos e danos, um custo elevado nas ações de mitigação e adaptação aos efeitos das mudanças climáticas, a estimativa do custo anual de inação é de 5% do PIB mundial contra 1% do custo da ação. Todavia, apesar do cenário iminente, no âmbito normativo do Direito Internacional do Refugiado, o referido tema não é um consenso entre os Estados, segundo Barros (2011, p. 7 84) ainda há “[...]uma forte resistência por parte de Estados e de organizações intergovernamentais no tocante à ampliação do alcance do atual sistema internacional de proteção a refugiados [...]” de maneira que ainda é inexistente um mecanismo internacional que promova aos refugiados ambientais uma proteção e assistência. A resistência dos Estados em ampliar o conceito de refugiado, segundo Zeferino e Aguado (2012, p.07) esta arraigada a uma “[...] postura autodefensiva por parte dos governos, principalmente diante do acréscimo considerável de convulsões naturais ocorrentes na atualidade, cujo resultado poderia conduzir à invasão descontrolada de milhões de refugiados em determinados Estados [...]”. Contrariando portanto os princípios fulcrais do direito internacional público da solidariedade e cooperação, como bem destacado por D’adesky (2003, p. 193-194) [...] O crescimento de fluxos migratórios mundiais vem ensejando crescentes recusas pelos Estados, notadamente quanto aos refugiados, em total afronta ao princípio da inclusão universal da cidadania, implicando à certos países um nacionalismo xenófobo, contrariando postulados consuetudinários de respeito à dignidade humana e à diversidade cultural. Tais nacionalismos extremistas repelem-se ao ideário de uma ordem internacional lastreada em axiomas principiológicos de paz, cooperação e solidariedade global, cuja materialização ocorre no reconhecimento destas coletividades em sua igualdade, independentemente de características étnicas e ideologias culturais e religiosas, efetivamente incluindo-as à determinada comunidade nacional. Segundo Menezes (2010, p.155) [...] a principal razão para não reconhecer o conceito de refugiado ambiental é pela falta de viabilidade política para criar uma agenda para a sua caracterização no direito internacional dos refugiados, ou ainda, com a criação de um novo instrumento internacional. Sendo razoável concluir, na esteira dos discursos apresentados, que a grande dificuldade em avançar no tema é de ordem política e não jurídica. A evolução no âmbito cientifico e doutrinário sobre o tema, não se coaduna, portanto, com as lacunas acopladas no quadro normativo e com a inação das políticas internacionais voltadas aos refugiados ambientais de modo a deixar desprotegida a pessoa humana num momento de extrema vulnerabilidade decorrente dos desastres naturais (muito desses potencializados pela própria ação humana). Neste sentido, seguindo Barros (2011, p.72), faz-se “(...) absolutamente necessária e urgente a busca de caminhos para uma resposta jurídica adequada e eficiente para esse problema, (...) que ainda não conquistou o merecido espaço na agenda política da grande maioria dos membros da comunidade internacional”. 8 3 Deslocamento dos Haitianos para o Brasil O Relatório de Avaliação do IPCC (2007), ao tratar da urgência em estabelecer políticas públicas frente aos desastres ambientais naturais, emprega os termos “Vulnerabilidade e Resiliência”. Estes que serão fatores imprescindíveis quanto a qualificação da figura do refugiado ambiental. Segundo Hogan e Marandola Jr (2006, p.37): [...] Resiliência é a capacidade de um sistema social ou ecológico para absorver perturbações, mantendo a mesma estrutura básica e os modos de funcionamento, a capacidade de auto-organização, e a capacidade de se adaptar ao estresse e mudança. [...] vulnerabilidade por sua vez passa pela compreensão do perigo envolvido (eventos que causam dano), do contexto geográfico e da produção social (as relações sociais, culturais, políticas, econômicas e a situação das instituições), que revelarão os elementos constituintes da capacidade de resposta, absorção e ajustamento que aquela sociedade ou lugar possuem para enfrentar o perigo. Neste sentido Barros (2011, p.56) complementa: A análise da vulnerabilidade é o elemento-chave que conecta mudança climática, desastres, degradação ambiental e migrações forçadas daí decorrentes e que permite visualizar, com a devida abrangência, as múltiplas dimensões das mudanças ambientais e a necessidade da cooperação global, especialmente quando Estados e regiões afetados demonstram evidente incapacidade de responder a tais mudanças por meio de medidas preventivas e também posteriormente à ocorrência dos eventos. [...] Nesse sentido, a migração também é considerada, em maior ou menor grau, como recurso ou estratégia para o enfrentamento das mudanças ambientais globais, seja sob o aspecto preventivo ou de preparação, seja na adaptação aos efeitos das mudanças globais. A depender da intensidade e do alcance do evento, é possível vislumbrar a hipótese de que Estados venham a depender da solidariedade internacional para a sua reconstrução. (grifo nosso) O terremoto em 2010 no Haiti assume diante desta temática um exemplo emblemático, vez que segundo Thomson Reuters Foundation (2010) trata-se do pior desastre urbano da atualidade, que segundo estimativas resultou em mais de 300 mil vítimas fatais e por volta de um milhão e meio de pessoas desabrigadas. Segundo projeção apontada pelo Bando Mundial o custo recorrente da catástrofe está avaliado em 7.9 bilhões de dólares. A reconstrução do país vem tendo financiamento de organizações, fundos e doadores internacionais. Cinco anos após a tragédia, os problemas ainda permeiam de modo devastador o país mais pobre da América, segundo o Índice de Desenvolvimento Humano (PNUD 2013). Conforme dimensionado por Thomson Reuters Foundation (2010) a maior parte da população atingida ainda encontra-se em abrigos improvisados, lhe dando diariamente com a escassez dos recursos essenciais de uma vida minimamente digna. Cumulado a isto ainda se tem graves 9 problemas com a corrupção, a falta de policiamento nos abrigos, falta de segurança e disputa por posse de terras elevando ainda mais a tensão pós-desastre. Diante deste complexo cenário muitos haitianos têm vislumbrado a migração como uma esperança de um futuro melhor onde as suas garantias fundamentais possam ser resguardadas de maneira que assim possa usufruir uma vida digna. As principais rotas migratórias segundo Matos et al (2013) são: Canadá, EUA, França, Antilhas Francesas, República Dominicana e Brasil. Segundo Matos et al (2013, p.100) [...] O recente fluxo migratório de haitianos para o Brasil iniciou-se de forma tímida, após o tremor de 2010, porém intensificou-se no final de 2011 e começo de 2012. Estima-se que, neste período, cerca de 4.000 imigrantes haitianos, segundo dados do Ministério da Justiça – MJ, entraram ilegalmente no país. Os haitianos adentraram principalmente pelas fronteiras do Acre e do Amazonas, mas há rotas nos estados de Roraima, Mato Grosso e Amapá. Segundo estimativa do Ministério das Relações Exteriores – MRE o montante de haitianos em território brasileiro já supera a marca de 10.000 [...] De acordo com Milesi e Alves (2012, p. 02) “[...] entrando no Brasil irregularmente, os haitianos encaminham solicitação de refúgio. Após a solicitação, fazem Carteira de Trabalho (CTPS) e CPF para trabalhar no país [...]”. Diante deste vertiginoso fenômeno de imigração o Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE) remeteu as solicitações de refúgio para avaliação do Conselho Nacional de Imigração (CNIg) (vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego) sendo por este abnegado o status de refugiado, visto que de acordo com a interpretação clássica adotada, os haitianos não estariam qualificados uma vez que se faz ausente a figura do perseguidor e das respectivas motivações previstas na Convenção de 1951 bem como na lei doméstica 9474/97. Desta feita, afim de estabelecer uma solução ao caso, o CNIg, concedeu aos haitianos a permanência em decorrência das questões de ordem humanitária, por meio da Resolução nº 97/2012, que também definiu a concessão de cem vistos mensais pela embaixada do Brasil no Haiti aos haitianos que desejem imigrar para o Brasil. Segundo Télémaque (2012, p. 53), este dispositivo “[...] visa tornar os haitianos menos vulneráveis às ações de atravessadores ou quadrilhas de tráfico internacional de pessoas.” De acordo com Pacífico e Pinheiro (2013, p.109) 10 [...] a Resolução acima (Artigos 1º e 3º), o visto humanitário será válido por cinco anos, podendo ser renovado se o imigrante provar sua condição trabalhista regular no Brasil. Segundo dados do Instituto Migrações e Direitos Humanos (2012), até junho de 2012, foram deferidos 3.065 processos de vistos para residência permanente por motivos humanitários para haitianos. Com a concessão do visto humanitário, os haitianos detêm basicamente os mesmos direitos dos brasileiros, como direito à saúde, à educação e autorização para trabalhar. Conforme a Resolução, não apenas quem solicitar o visto será beneficiado, mas também cônjuges e parentes, pois a unidade familiar, conforme visto, é princípio-dever aplicado pelo Brasil aos imigrantes. Contudo, ante o exposto Barros (2013) pondera que a concessão pelo governo brasileiro do visto humanitário não soluciona por definitivo está celeuma, uma vez que se trata de medida paliativa afim de resolver as demandas emergenciais, Neste sentido Ventura (2014, sn) corrobora ao enfatizar que a resolução do CNIg visa substancialmente “(...) preencher as lacunas de uma lei obsoleta e submetido à pressão de diferentes setores produzir uma colcha de retalhos numa política migratória fragmentada, opaca e casuística (...)”. O Visto Humanitário, é de acordo com Barros (2013), um precedente que a médio e longo prazo não se faz sustentável, haja vista que devido à ausência de um mecanismo normativo que estabeleça critérios basilares para definição da modalidade de refugiado ambiental, esta tarefa fica a encargo da discricionariedade do Estado, incorrendo no risco de discriminação e injustiça face às pessoas que se encontram numa mesma condição. Segundo Barros (2011, p.112): Há, portanto, diante do caso concreto, a preocupação real com a ausência de critérios mínimos para o tratamento da questão e em situações similares. No caso do Haiti, é notório que o processo de reconstrução do país demandará um tempo considerável, donde é possível confirmar a tendência ao crescimento do fluxo de “refugiados ambientais” [...] o amparo conferido pelos instrumentos gerais de proteção de direitos humanos precisa ser materializado sob pena de se agravar ainda mais tal situação de precariedade e exposição a toda sorte de violações de direitos humanos.[...] Destarte, a urgência de se estabelecer mecanismos jurídicos internacionais que amplie o direito do refugiado (vítimas de desastre natural) se faz preponderante afim de que se possa resguardar os direitos basilares da pessoa humana. Não obstante, faz-se relevante salientar que no caso do Haiti apesar da concessão do visto humanitário, trata-se de um precedente paliativo face ao contexto emergencial, mas não sana as deficiências das políticas públicas sobre o tema, visto que para esta resolução, o reconhecimento normativo da modalidade de refugiado ambiental se faz imprescindível, bem como, segundo Ventura (2014, sn) o investimento de “(...)política migratória clara, capaz de garantir o igual tratamento entre migrantes, devidamente acompanhada de uma lei à altura dos desafios contemporâneos”. 11 Considerações Finais Destarte, apesar dos avanços galgados no espaço doutrinário quanto a ampliação conceitual da ideia de refugiado e do próprio posicionamento da ONU, que passou a reconhecer a figura do Refugiado ambiental. Ainda há uma grande resistência por parte dos Estados em estabelecer fundamentos legais no que tange a dilação do conceito de refugiado. Esta resistência está calcada no receio por parte dos Estados de uma migração em massa em caso de desastres naturais. Sendo portanto, uma postura auto defensiva que colide frontalmente com os princípios basilares da cooperação e solidariedade, que norteiam o Direito Internacional Público. No que condiz ao cenário doméstico, o não reconhecimento do status de refugiado do governo brasileiro para com os imigrantes haitianos, expõe as grandes deficiências do atual modelo de política migratória (ainda atrelado a concepção clássica) que adotara, como tentativa de resolução do fenômeno migratório crescente, a concessão do visto humanitário. Tratando-se portanto de um precedente paliativo que não sana as deficiências das políticas públicas sobre o tema que exige, como imprescindível, o reconhecimento da modalidade de refugiado ambiental.