RESUMO
O presente resumo examina a aplicabilidade da doutrina das essential facilities ao realizar um estudo acerca da matéria, com análise sobre: o conceito, elementos distintivos, requisitos e elementos para o seu uso; considerando, ainda, a noção de monopólio e o caráter imprescindível e necessário para a instalação de uma empresa, fins de possibilitar sua competição com o mercado que a empresa monopolista controla e tem posse. Aponta-se ao fim, de forma breve, julgados proferidos pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE.
INTRODUÇÃO
Parte-se do pressuposto de que a atividade econômica se determina pela efetivação do consumo, isto é, pelo custo-benefício mais atrativo para o seu destinatário final. No Brasil, a Ordem Econômica Constitucional (gênero), fundada no artigo 170 da Constituição Federal, se deriva no exercício da livre iniciativa (espécie), que é garantido no desenvolvimento da atividade econômica em condições de paridade para com seus concorrentes, sendo proibidas as restrições discriminatórias em um mercado livre, não possuindo barreiras de ingresso que impeçam a livre concorrência, conforme estabelece a Lei n. 12.529, de 30 de novembro de 2011.
O conceito de essential facility aparece como forma de combater a prática anticoncorrencial em mercados de extrema concentração econômica, principalmente, nos casos de monopólio natural ou em monopólios decorrentes de razões estruturais e em situações que o próprio mercado não consegue suportar. [1]
Diante disso, verificar-se-á a doutrina das essential facilities, desde sua concepção à aplicabilidade no ordenamento jurídico brasileiro atual.
DESENVOLVIMENTO
A doutrina da essential facilities inicia-se como parte da jurisprudência norte- -americana no caso “United States v/s Terminal Railroad Association of St. Louis”[2], em 1912. A lide versava sobre o mercado de transporte ferroviário e a propriedade de todos os meios de infraestruturas de acesso à cidade de St. Louis, no Missouri, por uma companhia que detinha para si o monopólio. Constatou-se, concretamente, o efeito prejudicial à livre concorrência provocada por uma empresa que possui o poder de determinada instalação essencial.
A solução para esse caso consistiu na obrigação da empresa controladora das facilidades (linhas ferroviárias, pontes, postos de controle de entrada e de saída da cidade, etc.) em compartilhar suas estruturas essenciais para os demais competidores, mediante um pagamento prévio de uma tarifa ajustada para a utilização destas estruturas, possibilitando e permitindo a entrada de seus concorrentes e sua devida competição com a empresa controladora, em um plano de igualdade.
Calixto Salomão Filho destaca que há possibilidade de identificar os dois “pressupostos centrais subjacentes” aplicados na decisão que inaugura a doutrina, são eles: “(i) a situação de dependência com relação ao acesso a certos bens; (ii) a impossibilidade de superar esta dependência a partir da construção ou aquisição de bens próprios.”[3]
O primeiro julgamento em que o termo essential facility é utilizado expressamente é no caso “Hecht v/s Pro-football Inc.”[4]. O conflito abordava a proibição – através de uma cláusula do contrato de arrendamento – da utilização de um estádio de futebol americano por outro time que não fosse o atual usuário (Redskins), obrigando, assim, a necessidade de construção de um novo estádio para que se obtivesse a licença estabelecida pela liga nacional do referido esporte. Outro importante aspecto desta decisão foi a verificação de que, quando uma instalação não pode ser duplicada pelos competidores, nasce uma obrigação para quem está na posse da estrutura de compartilhá-la em termos justos e razoáveis, diante da ilegalidade em restringir o comércio pela via de negar o acesso a facilidade escassas.[5]
Assim, nasce o conceito de essential facilities, conforme preceitua Alfredo Ugarte Soto:
“Consiste en identificar aquellas situaciones en que un monopolista, controlador de un bien indispensable para la realización de una actividad económica en un mercado relevante, impide a otros competidores el uso del bien esencial o le impone condiciones gravosas y discriminatorias para su utilización, sin que existan razones jurídicas, técnicas o comerciales para hacerlo.”[6]
Outro importante caso a ser analisado é o “MCI Corp. v/s AT&T”[7], que estabeleceu, de modo jurisprudencial, a aplicação de quatro critérios para a verificação da prática da ilicitude na recusa de acesso aos bens de produção essenciais, conforme aponta Calixto Salomão Filho:
“(i) é preciso que haja o controle de um bem por um monopolista, sendo que outros agentes econômicos dependem daquele para desenvolver suas atividades; (ii) deve haver a impossibilidade prática e/ou econômica de duplicação do referido bem; (iii) houve a negativa de acesso a tal bem; (iv) há viabilidade de fornecer tal acesso.”[8]
De forma breve, há a necessidade de apontar o conceito de cada um dos requisitos estabelecidos na referida jurisprudência:
(i) o controle de uma instalação por um monopolista consiste no titular da essential facility ser pessoa natural ou jurídica[9] que detenha o controle de diversas qualidades jurídicas, sem ser necessariamente seu proprietário. Tal poder permite o controle da instalação, exercendo exclusividade na oferta e na demanda de um produto, traduzindo-se no próprio arbítrio de fixação de preços, quantidades e qualidades.
(ii) o caráter imprescindível e necessário da instalação, para poder competir com o mercado da empresa que controla a posse, traduz-se na indisponibilidade de criação ou duplicação da referida estrutura para a existência de uma justa competição concorrencial, isto é, a visão de que uma instalação é essencial quando o mercado depende dela;
(iii) a denegação do uso por parte dos competidores[10], conhecido como refusal to deal, trata-se de uma negativa injustificada por parte do monopolista de contratar com o seu concorrente, impossibilitando, assim, a competição de forma igual. De modo geral, as cortes norte-americanas têm admitido como indícios de abusos os casos em que o monopolista estabelece condições de acesso que se tornam inaceitáveis do ponto de vista dos competidores; e
(iv) a viabilidade de fornecer o acesso a bens essenciais é verificada na exclusiva e inegável necessidade dos concorrentes em compartilhar as instalações como fundamento essencial para garantir a concorrência no mercado.
A aplicação da teoria da essential facilities também é verificada no ordenamento jurídico brasileiro, em especial pelas decisões proferidas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE. Em que pese a restrição inicial nos casos analisados pelo Conselho[11], a primeira aparição de forma positiva da mencionada doutrina se deu no ano de 2002, quando foi julgada a abusividade nas diferenças em relação às cobranças de tarifas telefônicas de longa distância, estabelecidas pela Telesp em favor de sua subsidiária (Telefônica), prejudicando, assim, a concorrente Embratel.
Outros casos que merecem destaque na aplicação da doutrina em território nacional são: (a) PA n. 08012.002706/2009-25, que tratava de um monopólio nos serviços de anestesia de Campo Grande; (b) PA n. 08012.005930/2009-79, o qual consistia em um cartel internacional no mercado de vidro para tubos de raios catódicos (Cathode Ray Tubes – CRT); (c) PA n. 08700.010110/2012-46, conhecido como case Telemar/OI, que trata dos cortes de cabos telefônicos dos concorrentes usuários da infraestrutura das caixas de passagem pertencentes ao representado, além de cancelamento fraudulento de portabilidade; e (d) PA n. 08012.000504/2005-15, que analisou a conduta anticoncorrencial praticada por determinada associação e o sindicato de transportadores no porto de Santos e do Guarujá.
CONCLUSÃO
À guisa de conclusão, tendo-se em mente todos os fundamentos expostos sobre a teoria da essential facilities – de seu avanço histórico até a sua efetiva aplicação no ordenamento jurídico brasileiro –, nota-se que esta doutrina permanece com grande pertinência. Insta salientar que houve um crescente e acertado modo de aplicação, em especial quanto ao uso da teoria em setores não regulados ou reguláveis, sendo compatível com nossa legislação.