ESSENTIAL FACILITIES: BREVES CONSIDERAÇÕES E APLICAÇÃO NO BRASIL


16/08/2018 às 16h09
Por Arthur Lustosa Strozzi

RESUMO

O presente resumo examina a aplicabilidade da doutrina das essential facilities ao realizar um estudo acerca da matéria, com análise sobre: o conceito, elementos distintivos, requisitos e elementos para o seu uso; considerando, ainda, a noção de monopólio e o caráter imprescindível e necessário para a instalação de uma empresa, fins de possibilitar sua competição com o mercado que a empresa monopolista controla e tem posse. Aponta-se ao fim, de forma breve, julgados proferidos pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE.

 

INTRODUÇÃO

Parte-se do pressuposto de que a atividade econômica se determina pela efetivação do consumo, isto é, pelo custo-benefício mais atrativo para o seu destinatário final. No Brasil, a Ordem Econômica Constitucional (gênero), fundada no artigo 170 da Constituição Federal, se deriva no exercício da livre iniciativa (espécie), que é garantido no desenvolvimento da atividade econômica em condições de paridade para com seus concorrentes, sendo proibidas as restrições discriminatórias em um mercado livre, não possuindo barreiras de ingresso que impeçam a livre concorrência, conforme estabelece a Lei n. 12.529, de 30 de novembro de 2011.

O conceito de essential facility aparece como forma de combater a prática anticoncorrencial em mercados de extrema concentração econômica, principalmente, nos casos de monopólio natural ou em monopólios decorrentes de razões estruturais e em situações que o próprio mercado não consegue suportar. [1]

Diante disso, verificar-se-á a doutrina das essential facilities, desde sua concepção à aplicabilidade no ordenamento jurídico brasileiro atual.

 

DESENVOLVIMENTO

A doutrina da essential facilities inicia-se como parte da jurisprudência norte-     -americana no caso “United States v/s Terminal Railroad Association of St. Louis”[2], em 1912. A lide versava sobre o mercado de transporte ferroviário e a propriedade de todos os meios de infraestruturas de acesso à cidade de St. Louis, no Missouri, por uma companhia que detinha para si o monopólio. Constatou-se, concretamente, o efeito prejudicial à livre concorrência provocada por uma empresa que possui o poder de determinada instalação essencial.

A solução para esse caso consistiu na obrigação da empresa controladora das facilidades (linhas ferroviárias, pontes, postos de controle de entrada e de saída da cidade, etc.) em compartilhar suas estruturas essenciais para os demais competidores, mediante um pagamento prévio de uma tarifa ajustada para a utilização destas estruturas, possibilitando e permitindo a entrada de seus concorrentes e sua devida competição com a empresa controladora, em um plano de igualdade.

Calixto Salomão Filho destaca que há possibilidade de identificar os dois “pressupostos centrais subjacentes” aplicados na decisão que inaugura a doutrina, são eles: “(i) a situação de dependência com relação ao acesso a certos bens; (ii) a impossibilidade de superar esta dependência a partir da construção ou aquisição de bens próprios.”[3]

O primeiro julgamento em que o termo essential facility é utilizado expressamente é no caso “Hecht v/s Pro-football Inc.”[4]. O conflito abordava a proibição – através de uma cláusula do contrato de arrendamento – da utilização de um estádio de futebol americano por outro time que não fosse o atual usuário (Redskins), obrigando, assim, a necessidade de construção de um novo estádio para que se obtivesse a licença estabelecida pela liga nacional do referido esporte. Outro importante aspecto desta decisão foi a verificação de que, quando uma instalação não pode ser duplicada pelos competidores, nasce uma obrigação para quem está na posse da estrutura de compartilhá-la em termos justos e razoáveis, diante da ilegalidade em restringir o comércio pela via de negar o acesso a facilidade escassas.[5]

Assim, nasce o conceito de essential facilities, conforme preceitua Alfredo Ugarte Soto:

“Consiste en identificar aquellas situaciones en que un monopolista, controlador de un bien indispensable para la realización de una actividad económica en un mercado relevante, impide a otros competidores el uso del bien esencial o le impone condiciones gravosas y discriminatorias para su utilización, sin que existan razones jurídicas, técnicas o comerciales para hacerlo.”[6]

 

Outro importante caso a ser analisado é o “MCI Corp. v/s AT&T”[7], que estabeleceu, de modo jurisprudencial, a aplicação de quatro critérios para a verificação da prática da ilicitude na recusa de acesso aos bens de produção essenciais, conforme aponta Calixto Salomão Filho:

“(i) é preciso que haja o controle de um bem por um monopolista, sendo que outros agentes econômicos dependem daquele para desenvolver suas atividades; (ii) deve haver a impossibilidade prática e/ou econômica de duplicação do referido bem; (iii) houve a negativa de acesso a tal bem; (iv) há viabilidade de fornecer tal acesso.”[8]

 

 De forma breve, há a necessidade de apontar o conceito de cada um dos requisitos estabelecidos na referida jurisprudência:

 (i) o controle de uma instalação por um monopolista consiste no titular da essential facility ser pessoa natural ou jurídica[9] que detenha o controle de diversas qualidades jurídicas, sem ser necessariamente seu proprietário. Tal poder permite o controle da instalação, exercendo exclusividade na oferta e na demanda de um produto, traduzindo-se no próprio arbítrio de fixação de preços, quantidades e qualidades.

(ii) o caráter imprescindível e necessário da instalação, para poder competir com o mercado da empresa que controla a posse, traduz-se na indisponibilidade de criação ou duplicação da referida estrutura para a existência de uma justa competição concorrencial, isto é, a visão de que uma instalação é essencial quando o mercado depende dela;

(iii) a denegação do uso por parte dos competidores[10], conhecido como refusal to deal, trata-se de uma negativa injustificada por parte do monopolista de contratar com o seu concorrente, impossibilitando, assim, a competição de forma igual. De modo geral, as cortes norte-americanas têm admitido como indícios de abusos os casos em que o monopolista estabelece condições de acesso que se tornam inaceitáveis do ponto de vista dos competidores; e

(iv) a viabilidade de fornecer o acesso a bens essenciais é verificada na exclusiva e inegável necessidade dos concorrentes em compartilhar as instalações como fundamento essencial para garantir a concorrência no mercado.

A aplicação da teoria da essential facilities também é verificada no ordenamento jurídico brasileiro, em especial pelas decisões proferidas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE. Em que pese a restrição inicial nos casos analisados pelo Conselho[11], a primeira aparição de forma positiva da mencionada doutrina se deu no ano de 2002, quando foi julgada a abusividade nas diferenças em relação às cobranças de tarifas telefônicas de longa distância, estabelecidas pela Telesp em favor de sua subsidiária (Telefônica), prejudicando, assim, a concorrente Embratel.

Outros casos que merecem destaque na aplicação da doutrina em território nacional são: (a) PA n. 08012.002706/2009-25, que tratava de um monopólio nos serviços de anestesia de Campo Grande; (b) PA n. 08012.005930/2009-79, o qual consistia em um cartel internacional no mercado de vidro para tubos de raios catódicos (Cathode Ray Tubes – CRT);  (c) PA n. 08700.010110/2012-46, conhecido como case Telemar/OI, que trata dos cortes de cabos telefônicos dos concorrentes usuários da infraestrutura das caixas de passagem pertencentes ao representado, além de cancelamento fraudulento de portabilidade; e (d) PA n. 08012.000504/2005-15, que analisou a conduta anticoncorrencial praticada por determinada associação e o sindicato de transportadores no porto de Santos e do Guarujá.

CONCLUSÃO

À guisa de conclusão, tendo-se em mente todos os fundamentos expostos sobre a teoria da essential facilities – de seu avanço histórico até a sua efetiva aplicação no ordenamento jurídico brasileiro –, nota-se que esta doutrina permanece com grande pertinência. Insta salientar que houve um crescente e acertado modo de aplicação, em especial quanto ao uso da teoria em setores não regulados ou reguláveis, sendo compatível com nossa legislação.

 

  • Direito Concorrencial
  • Essential Facilities
  • cade

Referências

[1] SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito concorrencial: as condutas. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 111-112.

[2] US SUPREME COURT. United States v/s Terminal Railroad Association of St. Louis. Disponível em: <https://supreme.justia.com/cases/federal/us/224/383/case.html>. Acesso em: 15 de abril de 2018.

[3] Cf. SALOMÃO FILHO, Calixto. Obra citada, p. 112.

[4] US District Court for the District of Columbia – 312. Hecht v/s Pro-football Inc. Disponível em: <https://law.justia.com/cases/federal/district-courts/FSupp/312/472/1468853/>. Acesso em: 15 de abril de 2018.

[5] UGARTE SOTO, Alfredo. Facilidades esenciales y abuso de posición dominante. Revista de Derecho Universidad Católica del Norte. 2013, p. 236-237.

[6] Cf. UGARTE SOTO, Alfredo. Obra citada, p. 238.

[7] US SUPREME COURT. MCI Telecommunications Corp. v. AT&T CO. Disponível em: <https://caselaw.findlaw.com/us-supreme-court/512/218.html>. Acesso em: 15 de abril de 2018.

[8] Cf. SALOMÃO FILHO, Calixto. Ob. cit., p. 112-113.

[9] Geralmente o poder monopolista deriva pela via legal (monopólios de privilégio), pela via natural (monopólios naturais), pela eficiência econômica em desenvolvimento com suas atividades comerciais etc.

[10] Importante destacar a discussão doutrinária acerca do conflito entre a doutrina da essential facilities, os direitos inerentes a propriedade intelectual e as standart essential patents. Para maior aprofundamento: FARIA. Isabela Brockelmann. Considerações sobre essential facilities e standart essential patents nas guerras de patentes. Revista de Defesa da Concorrência, v.2. n. 01 (2014), p. 89-105.

[11] Em 1998, o CADE negou acesso à Petroquímica Triunfo S.A., considerando o fato de que a Companhia Petroquímica do Sul – COPESUL possuía relevantes fundamentos econômicos para excluir a demandante de seus contratos. Em 2001, negou-se, novamente, o acesso ao Directv que pretendia aumentar seu nível de competitividade ao oferecer o canal.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 01 de abril de 2018.

________.  Lei nº. 12.529, de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica; altera a Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, o Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, e a Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985; revoga dispositivos da Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994, e a Lei no 9.781, de 19 de janeiro de 1999; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/Lei/L12529.htm>. Acesso em: 01 de abril de 2018.

FARIA. Isabela Brockelmann. Considerações sobre essential facilities e standart essential patents nas guerras de patentes. Revista de Defesa da Concorrência, v.2. n. 01 (2014).

SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito concorrencial: as condutas. 1ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003.

UGARTE SOTO, Alfredo. Facilidades esenciales y abuso de posición dominante. Revista de Derecho Universidad Católica del Norte. 2013.

US District Court for the District of Columbia – 312. Hecht v/s Pro-football Inc. Disponível em: <https://law.justia.com/cases/federal/district-courts/FSupp/312/472/1468853/>. Acesso em: 15 de abril de 2018.

US SUPREME COURT. MCI Telecommunications Corp. v. AT&T CO. Disponível em: <https://caselaw.findlaw.com/us-supreme-court/512/218.html>. Acesso em: 15 de abril de 2018.

___________. United States v/s Terminal Railroad Association of St. Louis. Disponível em: <https://supreme.justia.com/cases/federal/us/224/383/case.html>. Acesso em: 15 de abril de 2018.


Arthur Lustosa Strozzi

Advogado - Ibiporã, PR


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