Futebol, Criptomoedas, e Crime contra o sistema financeiro


12/02/2019 às 14h52
Por Guilherme Bauer Schauffert

Paris Saint German, Avaí Futebol Clube, Atlético Mineiro, Esporte Clube Cruzeiro/RS. Estes são alguns Clubes de Futebol que estão envolvidos com a oferta pública de criptomoedas (também denominadas de tokens).

Em outubro de 2018, o Avaí Futebol Clube anunciou que estaria lançando a primeira criptomoeda de um clube de futebol brasileiro, o Avaí Token. A intenção era arrecadar, ao menos, o equivalente a R$ 18,5 milhões para investir em infraestrutura e no rendimento do time.

Em seguida, o Atlético Mineiro lançou a GaloCoin, moeda digital criada para que os torcedores possam consumir produtos do time em uma plataforma digital e para gerar vantagens financeiras ao Clube.

Há ainda o caso do Paris Saint German. Ainda que não envolto na jurisdição brasileira, dado o tamanho deste clube, chama atenção sua bela iniciativa de organizar a emissão e oferta do que se denominou de “tokens de fãs”.

É comum que a forma desses Clubes de oferecer as Moedas Digitais (tokens) se dê por meio de um procedimento denominado de ICO (Initial Coin Offering). Trata-se de uma novidade tecnológica muito utilizada para arrecadar fundos, que somente no primeiro semestre de 2017 levantou mais de 1,2 bilhões de dólares. A operação se assemelha ao tradicional IPO (Initial Public Offering), aquele procedimento que é realizado pelas empresas que desejam ofertar ações ao mercado de capitais.

As vantagens organizacionais e financeiras de lançar suas próprias criptomoedas são inúmeras. Diante disso, o fenômeno despertou a empolgação de Clubes de Futebol e de diversas empresas que necessitam arrecadar valores. Ocorre que, com tamanha empolgação, alguns Clubes e empresas podem acabar não dando a devida atenção aos riscos que este procedimento pode lhes gerar na esfera jurídica.

Por isso, no artigo de hoje, iremos demonstrar o principal risco jurídico que o processo ofertar criptomoedas pode ocasionar. Trata-se do risco de a Criptomoeda que está sendo oferecida ser considerada um Valor Mobiliário.

O problema de a criptomoeda ser classificada pelo ente regulador como uma espécie de Valor Mobiliário é a alta burocracia envolvida. Caso isso ocorra, o Clube de Futebol e suas criptomoedas estarão sob a jurisdição da CVM e, se não seguirem a legislação específica, podem acabar cometendo crimes contra o sistema financeiro.

Um exemplo de crime contra o sistema financeiro que Clubes podem ser enquadrados é o próprio ato de realizar a ICO da sua cripto. Até porque é crime emitir um Valor Mobiliário sem que seja realizado o registro prévio pela autoridade competente e sem que se tenha a autorização necessária para tanto, e a pena aplicada é a de reclusão, podendo chegar à 8 (oito) anos (art. 7º, incisos II e IV, Lei 7.492/86).

Nesse ponto, saliento que muitos dos Clubes de Futebol que emitiram ou estão prestes a emitir Criptomoedas não realizaram o registro prévio e também não se sujeitaram à aprovação dada pela CVM. Apesar disso, não se tem notícias de que algum Clube tenha sofrido punições.

Isso não significa que os entes regulatórios não estão de olho na questão. A CVM, por exemplo, já se manifestou sobre o tema e alertou que “certas ICOs podem se caracterizar como ofertas públicas de valores mobiliários” e que “ofertas de ativos virtuais que se enquadrem na definição de valor mobiliário e estejam em desconformidade com a regulamentação serão tidas como irregulares e, como tais, estarão sujeitas às sanções e penalidades aplicáveis”. (Ofício-Circular CVM/SER nº 01/2018).

Provavelmente, essa falta de registro por parte dos Clubes de Futebol se deu em razão de não haver certeza da natureza das Criptomoedas que estão emitindo. É incerta a distinção entre aquelas que são consideradas Valores Mobiliários e aquelas que não o são.

Não obstante incerta, a distinção é possível. Conforme determina a lei, Valor Mobiliário é qualquer título que gere direito de participação, de parceria ou de remuneração (art. 2º, inciso IX, Lei 6.385/76). Caso a Criptomoeda do Clube de Futebol se enquadre nessa definição, esta possui a natureza de Valor Mobiliário e está sujeita às diretrizes da CVM.

Ou seja: caso a Criptomoeda tenha sido emitida com a intenção de levantar fundos para o Clube de Futebol, e o torcedor que a comprou possuía a intenção de adquiri-la como forma de contrato de investimento e com expectativa de vantagem econômica futura, a Criptomoeda é um Valor Mobiliário. Nesse entendimento, a oferta da cripto Futebol terá de seguir a regulamentação prevista para o IPO e estará sujeita à atuação da CVM.

Por outro lado, caso a intenção da criptomoeda seja funcionar como uma “ficha” para a aquisição de produtos dentro de um ecossistema – equivalente a “tickets” dentro de um parque de diversões – esta será classificada como “Token de Utilidade”, e não estará sujeita à regulamentação da CVM.

Voltemos agora aos casos dos Clubes.

O Avaí Token foi anunciado como um contrato de investimento, pois tinha a intenção de levantar fundos e os compradores possuíam a intenção de investir. A moeda, portanto, muito se aproxima da definição de valor mobiliário. Porém, o produto não foi entendido como tal pelo Clube emissor, mas sim como um “Token de Utilidade”, de modo que não se sujeitou as regras impostas pela CVM.

Já o Galocoin, por sua vez, também foi anunciado como Token de Utilidade – e realmente parece ser esta a sua natureza ao se verificar qual a intenção de sua emissão, segundo o Clube. Ocorre que, indiretamente, ele também assume função análoga a de valor mobiliário, pois não deixa de ser uma forma de título com expectativa de que gere uma vantagem econômica futura.

Como a SEC (equivalente americano da CVM) alertou, “Tokens sold in ICOs can be called many things”. Em bom português, isso significa que chamar a criptomoeda de “Utility Token”, exatamente como têm feito os Clubes de Futebol, não impede que elas se caracterizem, de alguma forma, como Valor Mobiliário.

Em se tratando de ICOs de tokens de times de futebol, ainda não há nenhuma manifestação dos entes regulatórios do Mercado de Capitais, seja no sentido de que são Valores Mobiliários, seja no sentido de que são Utility Token. Tampouco há precedentes judiciais, eis que a matéria ainda não foi provocada em juízo.

Enquanto não houver uma determinação jurídica especificamente sobre os tokens emitidos por Clubes de futebol nos termos que as emissões estão sendo feitas, não haverá como ter certeza se tais tokens serão classificados como utilities ou se serão compreendidos como espécies de valores mobiliários.

Como consequência, pode ser que os Clubes estejam cometendo crimes contra o sistema financeiro ao emitirem Tokens sem se sujeitarem às diretrizes da CVM, mas também pode ser que não estejam. Não há uma definição concreta, e o enquadramento ou não irá variar diante do caso específico e da interpretação do jurista.

A única coisa que é incontestável é que emitir uma Criptomoeda sem estar juridicamente bem assessorado pode trazer diversos problemas legais. Sem dúvidas, os Clubes de Futebol que desejam emitir seu próprio Token devem consultar advogados especialistas na questão antes de se aventurarem nesse mundo.

E uma vez tomadas as precauções legais, basta colher as enormes vantagens econômicas que um ICO pode proporcionar!

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Guilherme Bauer Schauffert

Bacharel em Direito - Florianópolis, SC


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