A DIFERENCIAÇÃO ENTRE A CATEGORIZAÇÃO DE USO E TRÁFICO DE DROGAS E A SEGREGAÇÃO PENAL PARA ESTA DISTINÇÃO


16/07/2022 às 19h05
Por Bianka Lima Correspondência Jurídica

As drogas são consideradas, de acordo com o a lei que rege o tema a ser desenvolvido no presente artigo, a Lei n. 11.343/06, em seu art. 1º, parágrafo único:

Art. 1º.

Parágrafo único. Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União. (Lei n. 11.343/06)

A OMS também apresenta o conceito de drogas como sendo, “qualquer substancia que, introduzida no organismo, interfere no seu funcionamento”, isso mostra como podem ser consideradas também, consequentemente, os antibióticos, o uso de álcool, tabagismo e até mesmo a cafeína.

Mas claro que na nossa sociedade, algumas drogas são consideradas lícitas, com uso permitido e com a devida fiscalização, diferente das drogas ilícitas, que são expressamente proibidas e sujeitas a sanções.

 

O QUE É TRÁFICO?

 

O tráfico de drogas é descrito pelo artigo 33, caput, sobre quem pratique o ato de:

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: (Lei n. 11.343/06)

Dentre outras formas de também responder ao tráfico disposto no artigo 33, incisos I, II, III, IV e seus parágrafos seguintes.

Dada a definição de tráfico de drogas, quem são os traficantes para a lei penal?

Hodiernamente, se vê com reiterada frequência, grandes notícias veiculadas a respeito de traficantes detidos em vários lugares, e, principalmente nas grandes periferias. Naturalmente ao pensar numa imagem de traficante, muito comumente as pessoas associam a imagem de periferias e pessoas negras a esse ato, no entanto, é claro que sua figura não se limita somente a essa visão distorcida e muito presente na sociedade.

Mesmo que de forma não muito comum, o tráfico de drogas vem aumentando e se tornando mais presente em bairros nobres, como podemos ver na matéria veiculada pelo Jornal Jovem Pan.

Ignoradas pelo Estado, as periferias do Brasil assistiram nas últimas décadas um crescimento enorme do comércio de drogas. É natural pensar, então, que o tráfico se encontra quase que exclusivamente nas regiões mais carentes das cidades. No entanto, na cidade de São Paulo, os bairros com mais casos de detenções por tráfico de droga estão justamente no centro da capital. (Jornal Jovem Pan)

Isso se deve em razão de como são feitas as apreensões no país, ainda de acordo com o Jornal, os lugares onde há a maior incidência de tráfico de drogas é o mesmo local onde há maior incidência de intervenção policial, sendo ainda a maioria dos presos e suspeitos, negros,  tal diferenciação também é abordado por Dennis Pacheco.

É importante lembrar que, na verdade, uma boa parte das prisões acontecem pelas abordagens policiais. Então o que a gente tem, na verdade, é um outro indicativo de que os negros são mais abordados pelos policiais do que os brancos. A suspeita ela é construída por aspectos como linguagem, vestimenta, raça, cor, então são elementos da cultura periférica e da cultura favelada. (Jornal Jovem Pan)

 

O QUE É USO?

 

Dissemelhante do tráfico de drogas, o uso de entorpecentes é disposto no art. 28, caput, da referida Lei de Drogas “Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:”

O Brasil por muito tempo não fez distinção entre usuários de drogas e traficantes, de fato, a criminalização das drogas já foi prevista no art. 281 do Código Penal e na opinião do Supremo Tribunal, a lei não criminalizou o uso de drogas, apenas o tráfico foi considerado crime. Apenas em 1968, pelo Decreto-Lei 385/68, o artigo 281 do Código Penal foi alterado para estabelecer a mesma sanção para traficantes e usuários de drogas. Esta alteração pôs fim à jurisprudência de que não entendia o uso de drogas como crime, anterior a entrada da Lei de drogas que rege esse tema atualmente.

Nada obstante em parecer fácil criar uma alusão a diferença entre uso e tráfico, como isso pode ser aplicada na prática penal? Quais aspectos deverão ser considerados para aplicação do uso ou tráfico de drogas?

Ao se refugiar a lei, em seu art. 28 parágrafo 2º, é presente as características que devem ser observadas para sua diferenciação:

Art. 28 ...

§ 2º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente. (Lei n. 11.343/06).

 

COMO É POSSIVEL FAZER ESSA DISTINÇÃO?

 

Ao imaginar um suspeito preso com uma pequena quantidade de entorpecentes, como por exemplo, maconha, logo se remete uma imagem de usuário e não traficante. Mas caso um suspeito seja abordado com uma quantidade razoavelmente grande, esse é remetido a imagem do tráfico. No entanto, quantidade pode servir para diferenciar ambas atitudes? Um usuário deverá necessariamente sempre utilizar de poucas quantidades, e um traficante de grandes quantidades de entorpecentes?

Não é necessário nem imaginar distinção tão grande, uma pessoa pode comprar 100g (cem gramas) de maconha para consumo, assim como pode comprar a mesma quantidade para vender. Isso pode ser facilmente encontrado na prática penal como demonstra a jurisprudência abaixo.

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. REEXAME DE PROVAS. INCIDÊNCIA DO ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. 1. Tendo o Tribunal local desclassificado o delito do art. 33 para o do art. 28 da Lei n. 11.343/2006 porque, com base nas provas dos autos, não podia afirmar que a droga apreendida não era para consumo próprio, alterar esse entendimento implicaria adentrar no universo fático-probatório dos autos, esbarrando no óbice da Súmula 7/STJ. 2. Agravo regimental improvido. (Acórdão STJ AgRg-REsp-1.246.168)

Com o início de uma breve resolução sobre essa diferença, logo é perceptível que não pode haver apenas um critério para avaliação entre as condutas. Além do mais, em ambos os tipos penais é possível ver a utilização dos mesmos verbos (adquirir, guardar, ter em depósito, transportar e trazer consigo), para descreves ambos tipos.

O grande problema não tratado pelo legislador é que, devido ao grande número de drogas apreendidas, as normas que a lei utiliza para distinguir os usuários dos traficantes ajudam a aumentar, e, afetar a seletividade no sistema penal. O local e as condições onde foi apreendido, as circunstâncias do momento, o comportamento e os antecedentes dos agentes são os padrões que geralmente podem caracterizar os "ricos" como usuários e os "pobres" como traficantes.

Lamentavelmente, em comparação, as pessoas pobres com as que são financeiramente “superiores”, a chance de serem considerados traficantes é muito maior para os pobres, especialmente quando consideramos o local e as condições de ação, isso porque as pessoas hipossuficientes quase sempre são pegas na periferia, em locais como boca de fumo,  este é um dos argumentos para acusar o tráfico ("Ele foi pego por drogas em um local onde o tráfico é intenso").

O policial ouvido a fls. 100 confirmou que viu o apelante acompanhar mais quatro pessoas conhecidas como usuários de droga e viu quando ele dispensou um embrulho no caminho ao avistar a viatura, que continha 15 trouxinhas de cocaína. Afirmou que o apelante era conhecido como usuário de drogas, mas ultimamente estava traficando e usava sua bicicleta para tanto. Acrescentou ainda que o apelante disse ter adquirido a droga e São José do Rio Preto por R$-460,00, possuindo três porções de R$-50,00, uma porção de R$- 10,00 e onze porções de R$-20,00. De qualquer modo, o ser usuário não espanca a condição de tráfico, cada vez mais comum, mesmo porque há necessidade de dinheiro para manutenção do vício, adquirível em outras áreas, ou seja, o usuário vende para terceiros, para conseguir manter o próprio vício. Em regra, a paga é em espécie. (Acórdão TJSP A-2623-77.2008.8.26.0189)

Diante disto, com a pequena, porem avassaladora omissão do legislador, para avaliar outras medidas que poderiam ser utilizadas para identificar usuários e traficantes, a seletividade penal continua crescendo, desmerecendo aqueles que mais necessitam de atenção, que são hipossuficientes e que sozinhos, não conseguirão que suas vozes sejam ouvidas, num país com tanta impunidade a comunidade periférica.

 

CONCLUSÃO

 

O presente artigo teve por objetivo apresentar a grande dificuldade em apresentar a diferenciação entre o uso e tráfico de drogas, apresentada pela lei 11.343/06, e como essa diferença, que pode parecer fácil, é muito difícil de ser comprovada, se tornando mais difícil ainda, quando a escolha é feita pela seletividade, que escolherá os que sempre sofrem com a impunidade no país, para sofrerem a pior sanção.

É necessário observar a constante mudança da sociedade e como o Direito Penal, assim como todos os outros ramos do direito, devem estar sempre aglutinados a acompanhar e mudar em coletividade.

São e serão necessárias muitas mudanças para que as pessoas que sofrem com a injustiça no país, possam ter seus direitos exercidos completamente, e que a forma de aplicação da lei seja sempre de forma imparcial, assim como na aplicação do tipo penal apresentado.

  • Drogas
  • Tráfico
  • Discriminação

Referências

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GANEM, Pedro Magalhães. Traficante ou usuário de drogas? 2016. Disponível em: https://pedromaganem.jusbrasil.com.br/artigos/373859981/traficante-ou-usuario-de-drogas, acessado em 08/10/2020.

Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm, acessado em: 08/10/2020.

LINS, EV. A nova Lei de Drogas e o usuário: a emergência de uma política pautada na prevenção, na redução de danos, na assistência e na reinserção social. In: NERY FILHO, A., et al. orgs. Toxicomanias: incidências clínicas e socioantropológicas. Salvador: EDUFBA; Salvador: CETAD, 2009, pp. 243-267. Drogas: clínica e cultura collection. ISBN 978-85-232-0882-0. Disponível em: http://books.scielo.org/id/qk/pdf/nery-9788523208820-16.pdf, Acessado em 08/10/2020.

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MACHADO, Nara B. C. Usuário ou traficante? A seletividade penal na nova lei de drogas. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/fortaleza/3836.pdf, acessado em: 08/10/2020.

MARTINS, Leonardo. Jovem Pan – Republica e Santa Cecilia lideram lista de bairros em SP com mais prisões por tráfico de drogas. 2020. Disponível em: https://jovempan.com.br/programas/jornal-da-manha/republica-santa-cecilia-bairros-sp-trafico.html#:~:text=No%20entanto%2C%20na%20cidade%20de,com%20maior%20incidência%20de%20tráfico, acessado em 08/10/2020.


Bianka Lima Correspondência Jurídica

Estudante de Direito - Santos, SP


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