1 INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 postulou quatro princípios que deveriam nortear a administração pública brasileira: legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade. Com a edição da Emenda Constitucional nº 19/98 insere-se um novo princípio: a eficiência. A emenda, conclamada dentro dos círculos jurídicos de “Emendão”, inaugurou um período de mudanças no perfil da Administração Pública brasileira com a alteração do caput do artigo 37 da Constituição Federal, deixando latente a discussão sobre o limite da estabilidade do servidor público diante do princípio, imbuído de status constitucional, da eficiência dos serviços públicos.
O acréscimo da eficiência ao texto constitucional obrigou à prestação do serviço público de qualidade. Referido princípio se apóia na avaliação de desempenho do servidor, que poderá perder o cargo se não se mostrar eficiente conforme os ditames do art. 41, § 1º, III da Constituição Federal. Acontece que o servidor público tem garantida sua estabilidade constitucionalmente no art. 41, e, como não há norma complementar disciplinando a avaliação de desempenho a estabilidade, sem a edição da referida lei complementar torna-se absoluta, reduzindo as chances do servidor público ser demitido diante sua ineficiência.
Tal dispositivo pensa-se, não é de eficácia imediata, deixando o Estado de mãos atadas, já que não há regularização de tal procedimento avaliativo, pois a referida lei complementar ainda não foi equacionada, mesmo passados mais de dez anos da promulgação da emenda. Então, ocorre uma limitação indesejada diante de dois enunciados da Administração Pública – estabilidade em face da eficiência – postulando a problemática do presente estudo: a eficiência não é aplicada de forma absoluta, como desejara o legislador constitucional, pois esbarra na garantia de estabilidade deste servidor, adquirida os após três anos de efetivo exercício do emprego.
2 A Administração Pública
2.1 Características dos Serviços Públicos na Administração
Antes de adentrar as características dos servidores na Administração Pública cumpre ressaltar como surgiram os serviços públicos na Administração, e a própria formação desta no contexto dos Estados soberanos. Em especial, transcrevemos peça do catedrático austríaco Hans Kelsen (2006, p.135) que em sua obra Teoria Pura do Direito, nos dá a primeira lição sobre a formação histórica da Administração Pública Estatal, e indiretamente sobre os servidores públicos:
[...] Assim que o ordenamento jurídico superou o primitivo período de completa descentralização, assim que se formaram, para a produção e execução das normas jurídicas, e, em especial, para a consumação de atos coercitivos, órgãos que desenvolveram funções de acordo com a divisão do trabalho, destaca-se, de maneira extrema, da massa de membros do Estado, isto é, dos sujeitos às normas, um grupo de indivíduos, qualificados de modo específico, como órgãos[...] O órgão estatal que realiza suas funções converte-se – como titular da função jurídica centralizada – em funcionário do Estado[...]
Diferentemente da administração empresarial, cujo objetivo é alcançar o lucro, a Administração Pública visa atender ao bem comum, ou seja, ele é exercido em benefício de toda a sociedade. Com a Emenda Constitucional n.º 19, de 04 de junho de 1998, gerada pela PEC n.º 173/95, acrescentou-se aos princípios constitucionais da administração pública (art. 37, caput, da Constituição Federal) o princípio da eficiência, impondo ao servidor público o encargo de realizar suas atribuições com maior agilidade, perfeição, qualidade e orientada pelas modernas técnicas administrativas.
2.3 A estabilidade do Servidor Público
O servidor público que é empossado no cargo mediante concurso público almeja desde sempre, a sonhada estabilidade inerente aos cargos públicos. Igualmente, este deve zelar pelos princípios da Administração Pública que o garantem neste emprego. A estabilidade do servidor representou uma grande conquista ao trabalhador, pois o titular de cargo público conquistado pelo mérito não estaria sujeito às imposições políticas e pessoais, podendo representar o interesse público mesmo contra a vontade de seus superiores imediatos.
A globalização impôs às relações de trabalho, tanto na área privada quanto na Estatal, a reavaliação de uma série de situações e de práticas administrativas, inclusive questionando-se a flexibilização de alguns direitos trabalhistas obtidos ao longo das últimas décadas, sendo que esta tendência também se faz presente no serviço público moderno, acenando para uma ampliação nas possibilidades de demissão do servidor público estável.
Os servidores que exercem as atividades exclusivas de Estado terão a estabilidade mais rígida, mas todos os servidores poderão perder os seus cargos por insuficiência de desempenho. Havia antes mesmo da emenda, citadas hipóteses de demissão do servidor, como as faltas graves – que são definidas em lei como desvios de conduta, prática de atos desonestos, abandono do serviço, etc.
A proposta de emenda acrescentou a estas possibilidades duas outras: o desempenho insuficiente e ao critério da necessidade da administração. O desligamento do servidor poderá ocorrer por insuficiência de desempenho, como uma forma de afastar do serviço público os servidores descompromissados com o seu trabalho. Contudo observe-se que as garantias em favor do servidor permanecem, não podendo ser ele desligado por insuficiência de desempenho sem processo administrativo, onde terá direito a ampla defesa.
2.4. A reforma do Estado e a Emenda Constitucional nº 19/98
A Reforma Constitucional iniciada de 1995 (PEC n.º 173/95) e finalizada com a promulgação da Emenda Constitucional nº 19/98, publicada no Diário Oficial da União em 05 de junho deste ano, teve por escopo não só diminuir as grandes deficiências da União e dos entes federados no tocante ao aspecto administrativo, como também flexibilizar as relações de trabalho no serviço público. A aprovação da Emenda Constitucional n.º 19/98 demonstra mais uma atitude política em adaptar-se aos ditames do Fundo Monetário Internacional, divulgando a ideologia neoliberal nos países subdesenvolvidos com finalidade de intervir nas fracas economias dos países recém-saídos de bruscos períodos ditatoriais – a exemplo do que acontecera em toda a América Latina, especialmente na Argentina; implacando a culpa pela ineficiência da máquina administrativa nos servidores das entidades públicas estatais. O ex-ministro Luis Carlos Bresser conclama o que é, e como deve ser realizada a Reforma Administrativa (1998, p.), in verbis:
Reformar o Estado é uma tarefa imensa, que ultrapassa de muito as possibilidades do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE). É uma tarefa de todo o governo, em seus três níveis. Mais do que isto é uma tarefa de toda a nação brasileira. Reformar o Estado significa superar de vez a crise fiscal, de forma que o país volte a apresentar uma poupança pública que lhe permita estabilizar solidamente os preços e financiar os investimentos. Significa completar a mudança na forma de intervenção do Estado no plano econômico e social, por meio de reformas voltadas para o mercado e para a justiça social. Reformar o Estado significa, finalmente, rever a estrutura do aparelho estatal e do seu pessoal, a partir de uma crítica não apenas das velhas práticas patrimonialistas ou clientelistas, mas também do modelo burocrático clássico, com o objetivo de tornar seus serviços mais baratos e de melhor qualidade.
É manifesto que de nada adianta reformar a Constituição Federal se os próprios administradores, muitas vezes descompromissados com o Estado de Direito, ao arrepio da legislação, aplicam medidas administrativas de impacto da maneira que melhor lhes convêm politicamente, porém sem submetê-las a consulta prévia da instituição jurídica que representa o Estado.
3 Princípios Fundamentais
3.1 Distinção entre Normas, Princípios e Regras
A Constituição Federal é composta por princípios e regras. Ao dirimir um conflito entre os princípios e as regras constitucionais, como no caso observado presente entre a estabilidade e a eficiência do servidor público, o órgão julgador deve utilizar-se do princípio dos princípios, que é o princípio da proporcionalidade, devendo ponderar sobre qual a norma que deve prevalecer no caso concreto, já que não há hierarquia normativa entre normas constitucionais, o que há é uma hierarquia valorativa, na análise do caso concreto, a fim de que haja uma solução justa para a lide.
A diferença marcante entre as regras e os princípios, logo, reside na regra cuida de casos concretos. Para Ronald Dworkin (2002), a diferença entre elas é de caráter lógico. As regras operam dentro do esquema “tudo ou nada”, isto é, ou a regra é válida e o resultado que prevê deve ser alcançado no caso concreto ou é inválida e não tem nenhuma incidência neste caso concreto.
A abrangência dos princípios é muito maior que a das regras. Entre eles pode haver "colisão", não conflito. Quando colidem, não se excluem. Melhor assinala o mestre Dworkin (Op. cit.):
Denomino princípio um padrão que deve ser observado, não porque vá promover ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas porque é uma exigência de justiça ou eqüidade ou alguma outra dimensão da moralidade [...]. A diferença entre princípios jurídicos e regras jurídicas é de natureza lógica. Os dois conjuntos de padrões apontam para decisões particulares acerca da obrigação jurídica em circunstâncias específicas, mas distinguem-se quanto à natureza da orientação que oferecem. As regras são aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada. Dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão.
O ilustre professor Luís Roberto Barroso (1998, p.141) deixa seu posicionamento sobre a distinção em nosso meio:
[...] a dogmática moderna avaliza o entendimento de que as normas jurídicas, em geral, e as normas constitucionais, em particular, podem de ser duas categorias diversas: as normas - princípios e as normas - disposição. As normas - disposição, também referidas como regras, têm eficácia restrita às situações específicas as quais se dirigem. Já as normas-princípio, ou simplesmente princípios, têm, normalmente, maior teor de abstração e uma finalidade mais destacada dentro do sistema [...]
Os princípios têm convivência conflitual, podendo, cada um, dividir sua eficácia com o outro conflitante; enquanto as regras, uma vez definidas as hipóteses fáticas, uma afasta a outra. Ainda podemos dizer que as regras referem-se a fatos hipotéticos específicos; os princípios não se limitam a qualquer fato particular, transmitem uma prescrição programática universal, para ser objetivada na medida do jurídico e faticamente plausível. Os princípios esclarecem as normas, ditam-lhes a finalidade e potencializam-nas.
3.2 Histórico da Ineficiência Administrativa Brasileira
Como ponto de partida, situamos os anos 30, quando da Revolução que acabara com a política do café – com – leite, rompendo o monopólio do eixo São Paulo – Minas Gerais, instaurando novas práticas políticas, econômicas, sociais e principalmente trabalhistas da era Vargas. Nesse ínterim, o fortalecimento do Estado de Direito, juntamente com o modelo de centralização estatal vigente na Alemanha e na Itália inspiravam o modo do Executivo brasileiro se portar perante as políticas administrativas.
Cabe a citação do trabalho publicado de COUTINHO (1996, p.06) sobre o monopólio estatal que acabara por modificar toda a estrutura administrativa brasileira, in verbis:
Com a grande depressão de 1929, o papel de agente econômico do Estado foi ampliado. Delegou-se a ele também a gestão do “tempo” econômico. Por meio dos gastos públicos, o Estado poderia estimular a economia, controlando, assim, os períodos de recessão e depressão. Uma crença baseada na afirmativa da economia nacional ser isolada da mundial e que, ao lado da teoria do consumo como agente de formação e investimento do capital, fundamentou a maioria das políticas econômicas do Megaestado. A aceitação dessas teorias permitiu a criação de mais um papel para o Estado: ser agente fiscal. Se não havia limites para aquilo que o Estado podia gastar e para os empréstimos que ele podia fazer em razão das necessidades sociais e econômicas, não haveria também limites para os impostos que ele podia cobrar, principalmente em seu papel de redistribuir a renda da sociedade.
Este modelo do “Megaestado” implantado desde os meados da década de 30 foi seguido nas décadas anteriores – ainda mais quando se necessitava de pessoal colaborador a fim de assegurar a perpetuação dos militares no poder. Neste período o Estado gastou dinheiro e não conseguiu estimular a economia e nem evitar as recessões e depressões. Além disso, a história demonstrou que os déficits públicos são culpados pela insolvência do Estado, evasão do capital nacional para outros países, comprometimento da formação do capital, além da paralisação dos investimentos e geração de empregos.
A estrutura burocrática do aparato estatal é menos importante hoje, dentro de cenário de globalização normativa e econômica que os Estados Constitucionais vêm passando. O Estado brasileiro detém uma grade parte do PIB nacional, regulando a atividade econômica, e a produção cultural em enormes proporções. A partir desse momento, quando do rompimento com o modelo econômico de substituição de importações varguista, e sendo implantada a aceleração econômica baseada nos investimentos norte-americanos, houve o paulatino crescimento dos órgãos burocráticos da administração pública, já que era necessário um grande número de pessoas para administrar o “milagre econômico” dos anos 70.
Nos anos 90, com o retorno da democracia brasileira e a euforia democrática amplamente conquistada pela edição da ova Carta Magna de 1988, fez com que chegasse ao Brasil as idéias do neoliberalismo premente das grandes economias capitalistas, pregando em seus termos o intervencionismo mínimo do Estado na economia, generalizando-se a idéia de que o Estado se tornara grande demais, burocrático e ineficiente, resultando, por conseguinte na prestação de serviços públicos de baixa qualidade.
Observa-se também que a manutenção deste corpo burocrático ineficiente, e que do qual não era possível se livrar – decorrente da estabilidade adquirida por estes servidores –, tratava-se também de curral eleitoral dos mantenedores de tal política governamental. O que o Governo não sabia era que em todos estes anos assimilava em seu laboratório pessoal o perigoso “veneno” da corrupção pela adoção de tais medidas.
Em todos os países de 3º mundo, agora denominados subdesenvolvidos, e especialmente a América Latina, encontraram-se na posição de dominados incondicionalmente pelas suas dívidas com os países ricos. O FMI e o Banco Mundial como instrumentos de domínio dos países desenvolvidos condicionavam os países pobres aos seus recursos, pois havia a necessidade dos países subdesenvolvidos manterem suas economias ao mínimo de estabilidade. Portanto, foi nesse clima de insatisfação e de necessidade de mudança que culminou na Reforma Administrativa (emenda constitucional nº19) que o Governo Federal começou a alterar a estrutura da Administração Pública.
3.3 O Princípio da Eficiência na Administração Pública
O princípio da Eficiência abrange não apenas o modo de atuação do servidor público nas suas atribuições dentro serviço que presta, mas também resplende em táticas de estruturação, organização e disciplina da Administração Pública para que funcione de forma eficiente e prestativa. A implantação adveio da necessidade do Poder Público em jugular os gastos públicos fortificando a encargo de o administrador público prestar um serviço qualificado, eficaz e, sobretudo, sem desperdícios orçamentários.
Esta idéia, inspirada na vanguarda das reformas de gestão privadas, salvaguarda a própria Reforma Do Estado, elaborada em 1995, culminando com a edição da Emenda Constitucional nº 19/98. Em dissertação de mestrado, Ed da Silva Moraes (2007, p.10) critica que há a ausência de métodos com finalidade de avaliar de forma coerente o servidor público, in verbis:
A inexistência de critérios no âmbito da administração pública, visando mensurar o grau de eficiência de uma instituição. Neste particular pretende-se apresentar indicadores possíveis, que possam servir de parâmetros para levar a efeito tal propósito, podendo até trazer-se uma contribuição inédita para a matéria, no que se refere à sistematização de tais indicadores, pois até este momento tanto a legislação como a doutrina consultada não oferecem claramente uma linha básica capaz de ser colocada à disposição da administração pública a fim de mensurar o nível de eficiência”.
O princípio da eficiência foi inserido na Constituição Federal em 1998, porém sua utilização nos julgados já era utilizada largamente pela jurisprudência, e a doutrina assimilara suas condições desde antes da emenda nº 19/98. Antes mesmo da emenda constitucional nº 19/98 o princípio da eficiência já era consagrado em nossa sistemática jurídica.
4 Conflito entre os Dispositivos Constitucionais
Pela Constituição Federal, por ser a base estrutural da sociedade e do Estado Democrático Constitucional de Direito, pode–se concluir que não há hierarquia entre as normas constitucionais, sejam princípios ou regras. Afastando toda e qualquer hipótese de normas constitucionais inconstitucionais.
Deve-se observar que não há hierarquia entre os princípios constitucionais, podendo inclusive os mesmos se mostrarem contrapostos uns aos outros. Estando, conforme resta demonstrado, que todas as normas constitucionais estão em um mesmo nível hierárquico, o que decorre do princípio da unidade da Constituição, não pode haver normas constitucionais antinômicas, acontecendo, algumas vezes, a tensão das normas entre si.
Podemos nos aproveitar dos ensinamentos de RAYMUNDO (p.07, op. cit):
Quando não for possível compatibilizar interesses conflitantes, deve-se contemplar qual deve ceder lugar, no caso concreto, a fim de que o dilema tenha uma solução adequada no conflito. No processo de ponderação não se atribui preferência a um ou outro princípio ou direito, pelo contrário, deve o julgador assegurar a aplicação das normas conflitantes, no caso concreto, de forma que uma delas seja mais valorada, enquanto a outra sofre atenuação. A complexidade e relevância do processo de ponderação de normas devem levar em consideração todas as circunstâncias do caso sob exame, pois cada caso tem suas peculiaridades, que merecem ser analisadas.
Desse modo, podemos perceber que as regras têm um conteúdo de informação bem menor, pois se referem a um fato, nela tipificado, os princípios, por sua vez, se reportam a valores, cujo conteúdo é bem mais ampliado. Além do que, os princípios podem existir de forma implícita no sistema normativo, o que não é possível acontecer com as regras, que devem ser expressas. As regras quando são contraditórias, geram antinomia normativa, que é solucionada através do afastamento de uma delas.
Porém, a estabilidade é regra e conforme demonstrado conflita com o princípio da eficiência. Em se tratando de norma oriunda do poder constituinte originário, não há que se falar em norma constitucional inconstitucional. Entretanto, quando a norma advir do poder constituinte derivado, o Supremo Tribunal Federal entende possível ser declarada a sua inconstitucionalidade. Desta maneira, deve-se concluir que não há hierarquia normativa entre normas constitucionais, o que há é a hierarquia valorativa na aplicabilidade ao caso concreto.
4.1 Técnicas de Interpretação e a Aplicação dos Postulados Constitucionais
A hermenêutica constitucional tem a função de compatibilizar eventuais conflitos que surgem entre as normas constitucionais. A doutrina aponta diversas regras de interpretação constitucional para auxiliar o intérprete destas normas. Conforme salienta Vicente Ráo: (1952, apud, MORAES, p. 9, 10)
A hermenêutica tem por objeto investigar e coordenar por modo sistemático os princípios científicos e leis decorrentes, que disciplinam a apuração do conteúdo, do sentido e dos fins das normas jurídicas e a restauração do conceito orgânico do direito, para efeito de sua aplicação e interpretação; por meio de regras e processos especiais procura realizar, praticamente, estes princípios e estas leis científicas; a aplicação das normas jurídicas consiste na técnica de adaptação dos preceitos nelas contidos assim interpretados, às situações de fato que se lhes subordinam.
O conflito estabelecido, então, entre a estabilidade do servidor público face ao princípio da eficiência administrativa se dá, conforme resta demonstrado no contexto geral do estudo, pela aplicabilidade das normas constitucionais. Conforme a clássica classificação das normas constitucionais de José Afonso da Silva (1982, p.89-91) estas são de eficácia plena, contida ou limitada.
O pecado do legislador, talvez, foi ao estabelecer que a avaliação de desempenho se dará regida por meio de lei complementar (Art. 41, § 1º, III). Isso porque ele atribui a norma base que traria eficácia ao princípio da eficiência uma eficácia constitucional limitada. Portanto, essa premente necessidade de se efetivar a norma não foi possível, e até a finalização desta dissertação ainda não se deu, mesmo passados mais de 10 (dez) anos da emenda constitucional nº19/98.
5 Avaliação de Desempenho – Regra do Artigo 41, § 1º, Inciso III, da Constituição Federal
A avaliação de desempenho implementada com a reforma administrativa (E.C. nº 19/98) está inserida na Carta Política com a finalidade da maximização dos efeitos do princípio da eficiência, pois o servidor ao saber que estará sob a custódia de uma avaliação dentro de seu local de trabalho, forçosamente tende a produzir com qualidade, se empenhando mais no se presta à Administração Pública.
Através de sistemas permanentes de avaliação de desempenho, com regras conhecidas previamente pelo servidor e que deverão avaliar a todos, independente de sua posição, inclusive os chefes superiores, o Governo constatará a insuficiência no desempenho do avaliado. No direito público, alteram-se a natureza dos resultados futuramente pretendidos e a forma de realização de tal atividade, porém a necessidade de otimização ou obtenção de um resultado satisfatório no desempenho da atividade continua a ser um valor fundamental e um requisito da validade jurídica da atuação administrativa.
Sobre a exposição dos motivos, o próprio governo propôs em seu endereço eletrônico um questionário com a finalidade de explicar ao público leigo, e aos próprios servidores como procederá à avaliação de desempenho (BRASIL, Proposta de Reforma Administrativa):
[...] A insuficiência de desempenho será definida conforme as regras de cada sistema de avaliação,considerando as características próprias de cada tipo de trabalho e as atribuições e responsabilidades do servidor. Estas regras deverão ainda prever critérios para a recomendação da dispensa do servidor, que só se aplicará aos casos de sucessivas avaliações desfavoráveis, assegurada ao servidor a oportunidade de se submeter a treinamento ou a mudança de função ou local de trabalho.[...]
[...] O servidor que leva o seu trabalho a sério não tem o que temer. A avaliação de desempenho será para ele uma forma de mostrar a qualidade do seu trabalho e até de apontar as falhas que dificultam a obtenção de bons resultados e exigir soluções da chefia, quando for o caso. Além disso, os sistemas de avaliação de desempenho serão a base a partir da qual se implantarão gratificações de produtividade, em futuro próximo [...]
Apesar da Emenda Constitucional inaugurar a avaliação de desempenho do servidor em seus termos, e apesar de ela já existir mesmo antes da citada emenda, pode-se visualizar que esta disposição avaliativa fora inserida no texto constitucional para abalar a estrutura da “absoluta estabilidade”. O legislador reformador quis evitar justamente isso, que o servidor público se acomode em função de sua conquista trabalhista, inserindo para isso no bojo da Carta da República a avaliação de desempenho a recair sobre “todos” os servidores, e não somente àqueles em estágio probatório. Todos nós admitimos conhecer ao menos um servidor, que sob nossa ótica não transparece aos enunciados principiológicos constantes do art. 37 da Constituição Federal (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), principalmente a eficiência.
A contenda em volta da flexibilização da estabilidade do servidor público, não obstante seu caráter polêmico constitui-se em peça chave do processo de modernização do aparelho estatal, bem como da reforma do Estado em sua feição mais ampla.Embora tal modelo não fosse perfeito, sendo sob esta ótica, passível de aperfeiçoamento, as novas diretrizes aludidas, somadas a outras diretrizes espalhadas pela Carta Constitucional republicana, contribuíram sobremaneira, nos últimos anos, para elevação dos níveis de legalidade, legitimidade, impessoalidade, moralidade, transparência, eficiência, e democracia na Administração Pública brasileira, resultando como colheita política e institucional a eficiência e o desempenho dos serviços públicos.
6 Considerações Finais
A emenda constitucional nº 19/98 trouxe a desejada modernidade para a administração pública, tentada nos vários governos que se sucederam no interno da década e 80 e 90, elevando ao status constitucional o já utilizado Princípio da Eficiência. Outrossim, deve-se observar que uma Reforma deve reformar não apenas a estrutura administrativa e seus métodos de trabalho, mas também a própria mentalidade dos integrantes desta cadeia, ou seja, os servidores públicos.
O servidor público brasileiro apesar da Reforma vigente, assemelha-se ao trabalhador mecanicista que aperta a porca ao parafuso de Tempos Modernos, decaindo inevitavelmente à ineficácia de seu trabalho. Observa-se que com o servidor público o resultado é mais desanimador ainda do que o personagem de Chaplin, uma vez que este possui a estabilidade “vitalícia” tão indesejada pelo legislador pátrio.
Nota-se que a avaliação de desempenho já existe, porém é desprovida uma metodologia eficaz que realmente avalie o servidor público em todas as sua funções, tanto a qualidade dos serviços prestados quanto ao trato com o público que necessita dos serviços prestados. É nesse ponto que ocorre o conflito entre a regra estabilidade e o princípio da eficiência. Do modo as normas se encontram, não pode haver eficiência sem uma metodologia avaliativa que permita uma séria avaliação do servidor.
Não é uma palavra inserida no rol dos princípios da administração pública que mudará toda uma mentalidade de milhares de servidores da burocracia estatal que não sentem a mudança implementada. Pode-se visualizar que a Reforma do Estado ainda não “colou”, apesar de passados mais de 10 anos da Reforma Estatal, no tocante à forma do servidor se portar diante do serviço público.
A administração necessita do servidor pessoalmente e não pode simplesmente substituí-lo por qualquer outro, por isso lhe oferece a estabilidade, criando nesse ponto um relação de mutualismo com o servidor, já que é interessante ao cidadão conquistar um emprego estável em que ele não será simplesmente demitido sem motivos, como pode ocorrer na esfera privada, em que assegurados os direitos trabalhistas, pode o empregado ser demitido sem ao menos te contribuído para esta situação. Apresenta-se, nesse ínterim, uma inversão de valores, em que o a estabilidade deixa de ser uma garantia para a administração passando a ser entendida como um privilégio ou um "direito" do servidor.