RESUMO
O presente artigo aborda os direitos dos consumidores em relação aos tratamentos médicos não incluídos no Rol de Procedimentos da ANS. Explora-se a possibilidade de acesso a tratamentos não contemplados no Rol, enfatizando a necessidade de justificativa médica fundamentada. Além disso, são analisados casos relevantes da jurisprudência brasileira, que reconhecem o direito dos consumidores à cobertura de tratamentos off-label. Por fim, são oferecidas orientações sobre as medidas a serem tomadas em caso de negativa de cobertura pelo plano de saúde, ressaltando a viabilidade do recurso judicial e a importância de documentação adequada e assessoria jurídica especializada.
INTRODUÇÃO
Muitas vezes, ao nos depararmos com a necessidade de um tratamento médico, surge a dúvida: meu plano de saúde deve cobrir tratamentos que não constam na lista de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)? Essa questão é crucial para garantir o acesso a cuidados de saúde adequados e eficazes. Neste artigo, vamos explorar seus direitos como consumidor e entender se o plano de saúde é obrigado a fornecer tratamentos fora do rol da ANS, além de oferecer orientações sobre como agir diante dessa situação.
I. O que é o rol de procedimentos da ANS (Resolução Normativa nº 465/2021)?
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) delineia o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, uma relação que delimita os procedimentos, exames, consultas e terapias que os planos de saúde devem disponibilizar aos beneficiários. Esse rol é periodicamente revisado pela ANS, embasado em critérios técnicos e científicos, visando assegurar uma cobertura mínima obrigatória que atenda às demandas de saúde da população.
Para os planos firmados a partir de 02 de janeiro de 1999, denominados como planos novos, o Rol de Procedimentos é automaticamente aplicável. No entanto, para os planos celebrados antes dessa data, sua vigência é restrita aos que foram adaptados conforme as disposições da Lei dos Planos de Saúde.
É crucial verificar o tipo de plano de saúde contratado antes de solicitar qualquer procedimento, garantindo assim os direitos de cobertura estabelecidos.O rol é público e pode e deve ser consultado por você, consumidor consciente, mediante acesso ao endereço eletrônico da ANS.
A Resolução Normativa nº 465/2021 da ANS é a legislação que orienta a atualização do Rol de Procedimentos, garantindo transparência, participação social e acesso a tratamentos modernos e eficazes. Essa iniciativa busca equilibrar a relação entre operadoras de planos de saúde e consumidores, assegurando que estes últimos não sejam prejudicados pela falta de cobertura de tratamentos essenciais.
A participação da população é igualmente relevante na construção do mencionado rol, considerando que a medicina está em constante evolução, a sua atualização é algo que se espera. No último dia 28/02/2024, a ANS promoveu a consulta pública de nº 125, buscando contribuição para a revisão do rol de procedimento dos planos de saúde, contanto com ampla participação da sociedade, na oportunidade, foi aberta a discussão sobre a inclusão das seguintes tecnologias:
- Dupilumabe para tratamento de crianças com dermatite atópica grave;
- Radioterapia de Intensidade Modulada (IMRT) para tratamento de pacientes com tumores de próstata;
- Osimertinibe, medicamento antineoplásico oral para uso em tratamento de pacientes com câncer de pulmão (câncer de pulmão não pequenas células EGFR mutado).
O Rol de Procedimentos desempenha um papel crucial na proteção dos direitos dos consumidores, garantindo acesso a um conjunto básico de serviços de saúde, independentemente de condição financeira ou tipo de plano contratado.
Ao estabelecer os procedimentos obrigatórios, a ANS não apenas fomenta a equidade no acesso aos serviços de saúde, mas também garante que todos os beneficiários tenham acesso aos tratamentos essenciais para seu bem-estar físico e emocional. Essa medida reforça a defesa dos direitos dos consumidores de planos de saúde, conferindo-lhes segurança e tranquilidade nos momentos de necessidade médica.
No entanto, caso o tratamento mais adequado ao seu caso não esteja listado, não é motivo para desespero.
II. E se o tratamento receitado pelo meu médico não constar no rol de procedimentos da ANS?
Além de orientar a prática médica e facilitar a vida dos consumidores, o Rol de Procedimentos da ANS desempenha um papel fundamental ao definir a cobertura dos planos de saúde. No entanto, é crucial ressaltar que essa lista não é inflexível. Tratamentos e medicamentos que não constam no Rol ainda podem ser solicitados pelos consumidores, desde que atendam a certos requisitos, caracterizando-se como tratamentos "off-label".
Para que um tratamento fora do Rol seja considerado, é essencial que o médico responsável pela prescrição forneça uma justificativa detalhada e fundamentada sobre a necessidade desse tratamento. Isso inclui informações precisas sobre o diagnóstico do paciente, a gravidade da condição de saúde, a falta de eficácia de tratamentos alternativos disponíveis e a relevância do tratamento proposto para o caso específico.
Cada paciente apresenta particularidades em seu histórico médico, condições de saúde e características individuais. Portanto, ao decidir sobre o tratamento mais adequado, é imprescindível considerar as necessidades específicas de cada paciente. Em alguns casos, pode não haver alternativas adequadas disponíveis no Rol da ANS para tratar determinadas condições médicas, especialmente aquelas raras ou complexas, onde os tratamentos padrão podem não surtir efeito.
Ademais, é importante reconhecer que a medicina está em constante evolução, com novos tratamentos e terapias sendo desenvolvidos continuamente. Assim, mesmo que um tratamento não esteja incluído no Rol da ANS no momento, é possível que ele seja reconhecido como padrão de cuidado em um futuro próximo, devido aos avanços na pesquisa médica e tecnológica.
III. Contextualizando ainda mais: O que diz a jurisprudência sobre o tratamento ‘off-label’?
A discussão sobre a obrigação do plano de saúde em fornecer tratamentos off-label prescritos por médicos competentes é embasada em uma série de fundamentos legais e jurisprudenciais que garantem o acesso à saúde e a proteção do consumidor.
Em primeiro lugar, é importante reiterar que o Rol de Procedimentos da Agência Nacional de Saúde (RN 465/2021) não possui caráter absoluto e não deve ser interpretado de forma rígida e inflexível. Conforme jurisprudência consolidada, o rol é considerado exemplificativo, não exaustivo, devendo ser interpretado de maneira flexível para garantir o acesso a tratamentos necessários para a saúde dos beneficiários dos planos de saúde.
A jurisprudência pátria tem reiteradamente reconhecido o direito dos consumidores à cobertura de tratamentos off-label, mesmo que não constem no rol da ANS. Isso se fundamenta no princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado na Constituição Federal, que implica o acesso a tratamentos eficazes e adequados para a preservação da saúde.
Em um exemplo prático, ao abordar a controversa sobre a obrigatoriedade de cobertura do medicamento antineoplásico oral Lenalidomida, prescrito a uma paciente com câncer mieloma múltiplo, o Superior Tribunal de Justiça destaca que o entendimento jurisprudencial que considera o Rol da ANS de caráter taxativo mitigado.
Conforme jurisprudência do STJ, a natureza taxativa ou exemplificativa do Rol da ANS não é determinante para analisar o dever de cobertura de medicamentos para tratamento de câncer. Importa-se, principalmente, a diretriz estabelecida na resolução normativa.
Além disso, é considerada abusiva a recusa da operadora do plano de saúde em custear a cobertura de medicamentos registrados na ANVISA e prescritos pelo médico do paciente, mesmo que se trate de uso off-label ou experimental, especialmente quando esses medicamentos são imprescindíveis para a conservação da vida e saúde do beneficiário:
- AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. MEDICAMENTO ANTINEOPLÁSICO LENALIDOMIDA (REVLIMID). RECUSA DE COBERTURA. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE PREVISÃO NO ROL DA ANS. RECUSA GENÉRICA DE COBERTURA. MITIGAÇÃO DA TAXATIVIDADE DO ROL NO CASO CONCRETO. CABIMENTO. 1. Controvérsia pertinente à obrigatoriedade de cobertura do medicamento antineoplásico oral Lenalidomida prescrito a paciente acometida de câncer mieloma múltiplo. 2. Inclusão superveniente do medicamento no Rol da ANS que denota a existência de comprovação científica da eficácia do medicamento. 3. Não houve, na decisão ora agravada, aplicação retroativa das resoluções da ANS, mas tão somente continuidade de um entendimento jurisprudencial no âmbito desta Turma, qual seja o caráter taxativo mitigado do Rol da ANS.4. "A natureza taxativa ou exemplificativa do rol da ANS é desimportante à análise do dever de cobertura de medicamentos para o tratamento de câncer, em relação aos quais há apenas uma diretriz na resolução normativa" (AgInt nos EREsp 2.001.192/SP, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 2/5/2023, DJe de 4/5/2023).5. Ademais, segundo a jurisprudência do STJ, é abusiva a recusa da operadora do plano de saúde de custear a cobertura do medicamento registrado na ANVISA e prescrito pelo médico do paciente, ainda que se trate de uso off-label, ou de caráter experimental, especialmente quando se mostra imprescindível à conservação da vida e saúde do beneficiário .Agravo interno improvido. (STJ - AgInt no REsp: 1923562 SP 2021/0049523-0, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 18/09/2023, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/09/2023) (Grifos nossos)
Destaca-se que a Lei nº 9.656/98, que disciplina os planos e seguros privados de assistência à saúde, veda de forma expressa práticas abusivas por parte das operadoras de planos de saúde. Estas não detêm o poder de arbitrar sobre os tipos de tratamentos considerados mais adequados, sem observar os regulamentos estabelecidos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e as normativas legais pertinentes à matéria.
Nesse contexto, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça tem reiterado o caráter exemplificativo do rol de procedimentos e eventos em saúde estabelecido pela ANS (EDcl no AgInt no REsp nº 1.880.278/SP). Consequentemente, o entendimento consolidado da referida Turma ressalta que a recusa de cobertura por parte da operadora de plano de saúde é injustificada, mesmo na ausência do procedimento na lista de cobertura mínima da ANS. Em outras palavras, a seguradora é compelida a custear o tratamento indispensável à recuperação do paciente.
Nesse sentido, é oportuno mencionar o posicionamento desta Turma:
- BRADESCO SAÚDE S/A versus F. R.R. D. M.APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANOS MORAIS. NEGATIVA DE COBERTURA. CIRURGIA. RETIRADA DE TUMOR INTRACRANIANO E CRANIANO. CRANIOPLASTIA. PRÓTESE CUSTOMIZADA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO NO ROL DA ANS. LISTAGEM DOS PROCEDIMENTOS MÍNIMOS OBRIGATÓRIOS. RECUSA INDEVIDA. DANO MORAL CONFIGURADO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A contratação de plano de saúde pressupõe que o serviço será autorizado e devidamente custeado no momento da ocorrência do infortúnio, uma vez que, para isso, o consumidor paga religiosamente a contraprestação. 2. A cobertura do tratamento indicado pelo profissional médico deve ser observada pelo plano de saúde e se mostra indissociável da sua obrigação contratual. No caso, a paciente, foi diagnosticada com tumor intracraniano e craniano, situação que demanda ressecção tumoral acompanhada de reconstrução craniana com a utilização de prótese customizada, em razão da impossibilidade de se utilizar meios alternativos, como cimento ósseo ou tela de titânio.3. O fato do procedimento solicitado não constar na lista de cobertura mínima da ANS não é suficiente para retirar a obrigação da seguradora em cobrir a prótese necessária para a proteção e recuperação da perda óssea, em razão da cirurgia de ressecção tumoral. 4. Restou caracterizado o dano moral pela recusa injustificada na cobertura do procedimento, diante do agravamento do estado de saúde físico e mental da paciente, causado pelo aumento da sua aflição e angústia já exacerbadas pela necessidade de realização de cirurgia de alta complexidade e para a retirada de tumor craniano. 5. O artigo 85, § 2º, da Lei Processual, determina que a utilização do valor da causa para a fixação dos honorários sucumbenciais é critério último, a ser utilizado somente quando não houver valor expresso de condenação ou não for possível mensurar o proveito econômico. 6. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO."(Acórdão n 1294965, 07343019320198070001, Relator: LUÍS GUSTAVO B. DE OLIVEIRA, 4a o Turma Cível, data de julgamento: 22/10/2020, publicado no DJE: 9/11/2020) (Grifos nossos).
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem sido clara ao reconhecer a abusividade da recusa da operadora do plano de saúde em custear a cobertura de medicamentos prescritos por médicos, mesmo que se trate de uso off-label. Esse entendimento reforça a obrigação das operadoras de planos de saúde em garantir o acesso a tratamentos médicos necessários para a preservação da vida e da saúde dos beneficiários, em consonância com os princípios constitucionais e normativos aplicáveis.
Muito além disso, a autonomia do médico na escolha do tratamento mais adequado ao paciente também é um princípio essencial, respaldado pela legislação e jurisprudência brasileira. Assim, a recusa injustificada do plano de saúde em custear tratamentos off-label prescritos por médicos competentes viola não apenas os direitos do consumidor, mas também os princípios constitucionais e contratuais que regem a matéria.
Diante do exposto, fica evidente que a negativa de cobertura do tratamento off-label prescrito pela médica responsável para a parte autora configura prática abusiva e contrária aos direitos assegurados aos beneficiários de planos de saúde. Assim, é imperativo que o plano de saúde cumpra sua obrigação legal e ética de proporcionar assistência integral e de qualidade aos seus beneficiários, conforme a prescrição médica e os ditames legais vigente
IV. Conhecendo os seus direitos: O que fazer em caso de negativa do plano de saúde?
Caso o plano de saúde recuse fornecer o tratamento ou medicamento necessário sob a justificativa de não constar no rol da ANS, é importante ressaltar que você tem o direito de buscar amparo judicial para assegurar seus direitos.
Ao ingressar com uma ação judicial, você estará pleiteando perante o juízo competente que a operadora de saúde cumpra sua obrigação de fornecer o tratamento adequado ao seu quadro clínico específico. Nesse contexto, o descumprimento por parte da operadora de saúde pode acarretar em penalidades, incluindo multas, determinadas pelo judiciário.
Entretanto, para embasar sua solicitação de cobertura na esfera judicial, é imprescindível reunir todos os documentos necessários. Isso inclui não apenas relatórios médicos e prescrições, mas também justificativas detalhadas e fundamentadas fornecidas pelo profissional de saúde responsável pelo seu tratamento.
Além disso, qualquer correspondência trocada com a operadora do plano de saúde, bem como qualquer outra informação relevante que corrobore a necessidade do tratamento, deve ser cuidadosamente documentada e apresentada ao juízo.
É importante ressaltar que o processo judicial pode ser uma ferramenta eficaz para fazer valer seus direitos e obter a cobertura do tratamento necessário. No entanto, é recomendável buscar orientação jurídica especializada para garantir que seus interesses sejam devidamente representados e defendidos no decorrer do processo.
Um advogado com experiência em questões relacionadas à saúde suplementar poderá oferecer orientação específica sobre os melhores passos a serem seguidos e ajudá-lo a enfrentar o desafio de garantir o acesso ao tratamento adequado.
CONCLUSÃO
Em síntese, a obrigação do plano de saúde em fornecer tratamentos off-label prescritos por médicos competentes é um reflexo dos princípios constitucionais e infraconstitucionais que regem a saúde e as relações de consumo no Brasil. A interpretação ampla e favorável aos direitos do consumidor, aliada à autonomia médica e à dignidade da pessoa humana, fundamenta essa obrigação, que visa garantir o acesso a tratamentos eficazes e adequados. Dessa forma, é imperativo que os planos de saúde cumpram sua obrigação legal e ética de proporcionar assistência integral e de qualidade aos seus beneficiários, independentemente das limitações administrativas impostas pela ANS.