Autismos nível 1 de Suporte x BPC-LOAS


07/03/2025 às 15h49
Por Chaianesilva.jurisexcello

O Direito ao BPC para Autistas Nível 1: Muito Além do Diagnóstico

    Quando falamos em Benefício de Prestação Continuada (BPC), muita gente ainda acredita que ele se destina apenas a pessoas com deficiências físicas graves ou transtornos que causem incapacidade total para o trabalho. Mas será que essa visão faz sentido quando falamos de autistas nível 1 de suporte? A resposta está no modelo de avaliação da deficiência adotado no Brasil – e é aqui que muitos advogados podem encontrar um caminho jurídico forte para garantir esse direito.

 

Muito Além da Medicina: O Modelo Biopsicossocial

    Historicamente, a deficiência foi vista sob uma ótica estritamente médica: se a pessoa não tivesse um problema físico evidente ou uma condição mental severa, ela não era considerada "deficiente". Mas essa visão ficou ultrapassada. Hoje, o conceito de deficiência se baseia no modelo biopsicossocial, que considera não apenas o diagnóstico médico, mas também as barreiras sociais e ambientais que impedem a plena participação da pessoa na sociedade.

    O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) foi um marco nessa mudança de pensamento. Ele define a pessoa com deficiência como aquela que enfrenta impedimentos de longo prazo que, somados a barreiras sociais, restringem sua participação plena e efetiva na sociedade. Ou seja, não basta olhar para o laudo médico – é preciso avaliar como essa pessoa lida com o mundo ao seu redor.

    No caso do autismo “nível 1 de suporte”, isso é fundamental. Embora esses indivíduos tenham habilidades cognitivas preservadas e não precisem de suporte contínuo para atividades básicas, eles frequentemente enfrentam dificuldades significativas na comunicação social, na adaptação a ambientes imprevisíveis e no desenvolvimento da autonomia financeira. Muitos não conseguem se manter em empregos, têm crises de ansiedade em situações comuns do dia a dia e acabam socialmente isolados.

    O Decreto nº 6.214/2007, que regulamenta o BPC, reforça essa ideia ao estabelecer que a deficiência deve ser avaliada considerando fatores sociais e não apenas clínicos. No entanto, na prática, ainda há resistência por parte do INSS em aplicar essa interpretação de forma ampla.

 

As Barreiras Invisíveis Que Impedem a Independência

    Mesmo que um autista “nível 1 de suporte” consiga realizar tarefas diárias básicas, as barreiras sociais que enfrenta podem ser tão limitantes quanto uma deficiência física evidente. Imagine um jovem autista que se formou no ensino médio, mas que não consegue permanecer em um emprego porque tem dificuldade em entender nuances sociais, lidar com mudanças de rotina e gerenciar crises emocionais. Ele pode até ter a capacidade técnica para exercer a função, mas o ambiente de trabalho se torna um obstáculo intransponível.

    Além disso, há um fator econômico importante: muitas famílias não têm condições de oferecer suporte financeiro contínuo para um filho adulto autista, que, sem o benefício, pode acabar em uma situação de vulnerabilidade. E aqui entra um ponto essencial: o BPC não é um benefício previdenciário, mas assistencial. Ele existe justamente para garantir um mínimo de dignidade a pessoas que, por diversas razões, não conseguem se sustentar sozinhas.

    O artigo 10 da Lei Brasileira de Inclusão reforça que a análise da deficiência deve considerar as barreiras que impedem a autonomia da pessoa, e não apenas sua condição clínica. Isso significa que, se um autista nível 1 enfrenta desafios que inviabilizam sua inserção no mercado de trabalho e sua independência financeira, ele tem o direito de ser reconhecido como uma pessoa com deficiência para fins de concessão do BPC.

 

Como Construir a Prova no Processo 

    Para que essa tese seja aceita administrativamente ou judicialmente, a estratégia jurídica precisa ser bem fundamentada. O ideal é apresentar laudos psicológicos e psiquiátricos detalhados, que não apenas confirmem o diagnóstico de TEA nível 1, mas descrevam as dificuldades funcionais do requerente no dia a dia.

 

Além disso, a avaliação deve incluir:

  1. Relatórios de assistentes sociais, demonstrando a falta de suporte familiar e as dificuldades econômicas.
  2. Pareceres escolares ou profissionais, apontando dificuldades na adaptação e na manutenção de rotinas.
  3. Aplicação do Índice de Funcionalidade Brasileiro Modificado (IFBrM), para quantificar as limitações que o autista enfrenta.
  4. Jurisprudência favorável, demonstrando que tribunais já concederam o BPC em situações semelhantes.

 

Um Direito Que Precisa Ser Reconhecido

    O direito ao BPC para autistas “nível 1 de suporte” ainda enfrenta resistência, mas a legislação já dá suporte para uma interpretação mais justa e coerente com a realidade dessas pessoas. O modelo biopsicossocial e a análise das barreiras sociais devem ser os principais pilares das teses jurídicas voltadas para essa demanda.

    O desafio dos advogados que atuam nessa área é quebrar o paradigma ultrapassado que associa deficiência apenas à incapacidade física ou intelectual severa e garantir que o INSS e o Judiciário reconheçam a realidade das limitações enfrentadas por autistas "nível 1 de suporte". A chave para isso está na construção de provas sólidas e na defesa de uma interpretação ampla da legislação, sempre fundamentada no princípio da dignidade da pessoa humana e no direito à inclusão social.

 

  • BPC, LOAS, Autismo, Nível 1 de Suporte

Referências

Texto escrito por: Chaiane Silva Sócia fundadora da Jurisexcello.


Chaianesilva.jurisexcello

Bacharel em Direito - São Gonçalo, RJ


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