Reversão ou Desconversão. Art. 4º do DL nº 911/69. Possibilidade.


02/12/2021 às 08h36
Por Cineide Melo

A presente leitura diz respeito ao artigo 4º, do DL nº 911/1969, com as alterações acrescidas pelo advento da Lei nº 13.043/2014, entre as quais a possibilidade de o Credor Fiduciário requerer, nos mesmos autos, a conversão do pedido de busca e apreensão em ação executiva. Veja-se:

Art. 4º Se o bem alienado fiduciariamente não for encontrado ou não se achar na posse do devedor, fica facultado ao credor requerer, nos mesmos autos, a conversão do pedido de busca e apreensão em ação executiva, na forma prevista no Capítulo II do Livro II da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil. (Redação dada pela Lei nº 13.043, de 2014)[1]

Oportuno destacar que o Credor Fiduciário apenas faz a opção do pedido alhures descrito após esgotar todas as diligências administrativas e judiciais necessárias visando ao resultado útil do processo de busca e apreensão. Nos casos deslocalizados, o Credor pode contar com o auxílio de algumas ferramentas disponibilizadas pelo Poder Judiciário, quais sejam: RENAJUD (para incluir a restrição de circulação em veículos terrestres perante o DETRAN) ou BACENJUD/INFOJUD (nas pesquisas de endereços atualizados da parte devedora).

Todavia, após esgotadas todas as medidas administrativas e judiciais e estas restarem infrutíferas, o Credor tem a faculdade de optar pela conversão da ação de busca e apreensão em ação executiva. Entretanto, as diligências de localização da garantia fiduciária não cessam, ainda permanecem, e, em alguns casos o bem é localizado. Nesse contexto, surge o questionamento: o que fazer? É possível a reversão ou desconversão?

Ora, uma vez que o objeto da demanda foi localizado posteriormente ao pedido inicial de conversão da ação de busca e apreensão para a ação executiva, é incontestável que a busca e apreensão é a via adequada à efetividade do direito perseguido pelo Credor, revelando-se imperiosa observância aos princípios da efetividade, celeridade e instrumentalidade do processo.

Por outro lado, a garantia fiduciária traduz uma propriedade ao Credor Fiduciário, um direito que não pode ser prejudicado pela mudança do rito processual. Assim sendo, converter a busca e apreensão em ação executiva não significa dizer que o Credor Fiduciário renunciou à garantia fiduciária anteriormente constituída.

Nesse contexto, apesar de não constar expressa previsão legal ao Credor é cabível a aplicação do “non liquet”, expressão do direito romano segundo a qual o magistrado deixava de julgar o caso por não encontrar resposta na lei, que no direito brasileiro é vedado ao julgador, conforme disposto no artigo 5º, inciso XXXV da CRFB/88 e no artigo 140, do CPC. Vejamos:

CF/88: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...][2]

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; [...]

CPC/2015: Art. 140. O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico[3].

Em recente pesquisa jurisprudencial, os tribunais inferiores têm consolidado o entendimento de que é possível a reversão ou desconversão desde que não tenha acontecido a citação do Devedor/Executado, porque assim estaria completa e estabilizada, e, fixados, por conseguinte, o pedido e a causa de pedir nos fólios executivos, inviabilizando ao Credor Fiduciário o pedido, nos termos do art. 329, II, do CPC, que diz:

Art. 329. O autor poderá: [...] II - até o saneamento do processo, aditar ou alterar o pedido e a causa de pedir, com consentimento do réu, assegurado o contraditório mediante a possibilidade de manifestação deste no prazo mínimo de 15 (quinze) dias, facultado o requerimento de prova suplementar.

Sobre o tema Theotônio Negrão assevera o seguinte:

“Se o bem é localizado após a conversão do pedido de busca e apreensão em ação de depósito, admite-se a sua busca e apreensão”.[4]

Vejamos os recentes julgados da jurisprudência pátria:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO CONVERTIDA EM EXECUÇÃO. BEM LOCALIZADO E APREENDIDO EM OUTRA COMARCA DURANTE O CURSO DA EXECUÇÃO. REVERSÃO PARA AÇÃO DE BUSCA E APRRENSÃO A PEDIDO DO AUTOR. POSSIBILIDADE. PRIVILÉGIO À ECONOMIA E À CELERIDADE PROCESSUAL. DECISÃO REFORMADA.

1. É viável reverter-se a ação de execução para busca e apreensão quando localizado e apreendido o bem já no curso da ação de execução a pedido do autor.

2. Embora não se desconheça que o rito da ação executória é distinto da ação de busca e apreensão e há de se considerar também que a real pretensão do banco exequente era a busca e apreensão do bem.

3. Diante do princípio da instrumentalidade das formas e da economia e celeridade processual, possível é a reversão da ação de execução para ação de busca e apreensão.

(TJ-MG - AI: 10702120583498001 MG, Relator: Otávio Portes, Data de Julgamento: 17/06/2020, Data de Publicação: 18/06/2020)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO CONVERTIDA EM EXECUÇÃO. BEM LOCALIZADO. REVERSÃO. POSSIBILIDADE. PRINCIPIO DA EFETIVIDADE E DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. RECURSO PROVIDO.

1. Não existe impedimento legal para que se proceda à reversão da conversão da ação de busca e apreensão, sendo que neste caso, a citação do réu não impede que seja revertido o rito, posto que a excepcionalidade da conversão (ou desconversão) da ação visa justamente a efetividade da prestação jurisdicional.

2. No caso, aparentemente o veículo foi localizado, de modo que negar a reversão do procedimento significaria homenagear a forma em detrimento da efetividade processo.

(TJPR - 18ª C.Cível - 0044576-96.2019.8.16.0000 - Fazenda Rio Grande - Rel.: Desembargador Marcelo Gobbo Dalla Dea - J. 25.11.2019)

Por fim, conclui-se que, apesar de não haver previsão legal em nosso ordenamento jurídico, é possível ao Credor Fiduciário, havendo êxito na localização do bem originalmente alienado, a reversão ou desconversão da ação executiva, em consonância com os princípios da economia processual e efetividade para tal desiderato; desde que não tenha havido a angularização do feito, e a demanda executiva não estaria completa e estabilizada, e, fixados, por conseguinte, o pedido e a causa de pedir.

Autoras:

MELO, C.P. (Lattes Id http://lattes.cnpq.br/1083565224450760)

SENA. R.R. (Lattes Id http://lattes.cnpq.br/0685918187103245)

  • #direitobancário
  • #DL911/69

Referências

[1]http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/1965-1988/Del0911.htm

[2] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/constituição.htm

[3] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm

[4] Código de Processo Civil e Legislação em Vigor. 46ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2014. P. 1.227.


Cineide Melo

Advogado - Recife, PE


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