1. Introdução
A denúncia vazia é um dos instrumentos mais relevantes do Direito Locatício, especialmente na locação residencial urbana. Apesar de sua aparente simplicidade normativa, sua aplicação prática ainda gera controvérsias, nulidades processuais e expectativas frustradas por parte de locadores e advogados. Este artigo analisa os pressupostos legais, os limites interpretativos e as estratégias processuais que envolvem a denúncia vazia, à luz da Lei nº 8.245/91 e da jurisprudência dominante.
2. Conceito e fundamento legal
A denúncia vazia consiste na possibilidade de o locador retomar o imóvel sem necessidade de justificar o motivo, desde que preenchidos os requisitos legais. Seu fundamento principal encontra-se no art. 46 da Lei do Inquilinato, que dispõe:
“Nas locações ajustadas por escrito e por prazo igual ou superior a trinta meses, a locação extingue-se de pleno direito com o término do prazo, independentemente de notificação ou aviso.”
Encerrado o prazo contratual, caso o locatário permaneça no imóvel por mais de 30 dias sem oposição do locador, ocorre a prorrogação por prazo indeterminado, abrindo-se a possibilidade da denúncia vazia mediante notificação.
3. Requisitos essenciais para o exercício válido
Para o exercício legítimo da denúncia vazia na locação residencial, devem estar presentes cumulativamente:
1. Contrato escrito
2. Prazo contratual igual ou superior a 30 meses
3. Prorrogação tácita por prazo indeterminado
4. Notificação prévia concedendo prazo mínimo de 30 dias para desocupação
A ausência de qualquer desses requisitos inviabiliza a retomada imotivada do imóvel, exigindo do locador o enquadramento em uma das hipóteses de denúncia cheia (art. 47).
4. A notificação: formalismo necessário e prova estratégica
Embora a lei não exija forma específica, a notificação escrita e comprovável é indispensável do ponto de vista probatório. Na prática forense, recomenda-se:
Notificação extrajudicial por cartório;
Carta com aviso de recebimento (AR);
Cláusula contratual prevendo meios eletrônicos (com cautela).
A ausência de prova inequívoca da ciência do locatário é uma das principais causas de improcedência em ações de despejo fundadas na denúncia vazia.
5. Denúncia vazia x denúncia cheia: confusão recorrente
Erro comum na advocacia locatícia é tentar aplicar a denúncia vazia em contratos com prazo inferior a 30 meses. Nesses casos, a retomada só é possível nas hipóteses taxativas do art. 47, como:
Uso próprio;
Demolição ou reforma substancial;
Extinção de contrato de trabalho vinculado à moradia.
A tentativa de “forçar” a denúncia vazia nesses contratos gera não apenas improcedência, mas risco de condenação em honorários e litigância temerária.
6. Estratégia processual na ação de despejo
Uma vez notificado o locatário e não ocorrendo a desocupação voluntária, o caminho é a ação de despejo sem pedido liminar (art. 59, §1º, não se aplica à denúncia vazia residencial).
Pontos estratégicos relevantes:
Instrução inicial robusta (contrato + notificação + prova de prorrogação);
Pedido claro de despejo com fixação de prazo judicial;
Atenção à cumulação indevida com cobrança quando não há inadimplência.
7. Jurisprudência consolidada
Os tribunais têm reiteradamente afirmado que a denúncia vazia não é um direito absoluto, mas condicionado ao estrito cumprimento legal. O entendimento majoritário é no sentido de que:
“A retomada imotivada do imóvel residencial somente é possível quando atendidos rigorosamente os requisitos do art. 46 da Lei 8.245/91.”
Isso reforça a necessidade de atuação técnica e preventiva do advogado desde a fase contratual.
8. Conclusão
A denúncia vazia é ferramenta legítima, porém técnica. Seu uso inadequado gera prejuízos ao locador e compromete a credibilidade profissional do advogado. A atuação estratégica no Direito Locatício exige domínio não apenas da lei, mas da dinâmica contratual, probatória e jurisprudencial.
Mais do que promover despejos, cabe ao advogado locatício prevenir litígios, estruturar contratos sólidos e orientar expectativas com base na legalidade, papel que se torna cada vez mais valorizado no mercado imobiliário.
