Introdução
A isenção de IPI na aquisição de veículos automotores destinados a pessoas com deficiência física, visual, mental severa ou profunda, bem como às pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), encontra amparo na Lei nº 8.989/1995. Trata-se de importante medida de inclusão social, que visa reduzir barreiras à mobilidade e acessibilidade desses indivíduos.
Contudo, na prática administrativa, a Receita Federal vinha negando a isenção aos beneficiários do Benefício de Prestação Continuada (BPC/LOAS), sob o argumento de que o recebimento do benefício assistencial inviabilizaria a concessão cumulativa de outro “benefício” estatal.
Esse entendimento foi recentemente afastado pelo Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.993.981), em decisão paradigmática, que reconheceu a compatibilidade entre o BPC/LOAS e a isenção de IPI.
O caso concreto
Um adolescente com Transtorno do Espectro Autista teve o pedido de isenção do IPI negado pela Receita Federal, que alegou ofensa ao art. 20, § 4º, da Lei nº 8.742/1993 (LOAS), dispositivo que veda a cumulação do BPC com outro benefício no âmbito da Seguridade Social.
O Tribunal Regional Federal da 5ª Região reformou a decisão administrativa, assegurando o direito à isenção. A Fazenda Nacional interpôs recurso ao STJ, insistindo na tese restritiva.
Fundamentação jurídica do STJ
O Superior Tribunal de Justiça manteve a decisão favorável ao consumidor, consolidando importantes fundamentos:
- Natureza distinta da isenção tributária;
A isenção de IPI prevista na Lei nº 8.989/1995 não possui natureza de benefício previdenciário ou assistencial, mas sim de desoneração fiscal. Logo, não se subsume à vedação de cumulação prevista no art. 20, § 4º, da LOAS.
- Finalidade inclusiva da legislação;
A interpretação restritiva da Fazenda Nacional desvirtua o objetivo da norma, que é facilitar a inclusão social e a mobilidade da pessoa com deficiência ou TEA.
Negar a isenção pelo simples fato de o indivíduo ser beneficiário do BPC gera tratamento discriminatório, punindo justamente quem se encontra em maior vulnerabilidade.
- Revisão do BPC como caminho adequado;
O STJ destacou que, caso existam indícios de incompatibilidade econômica do núcleo familiar com a condição de hipossuficiência, o meio adequado seria a revisão do benefício assistencial — e não a negação de isenção tributária, cuja natureza e finalidade são distintas.
Impactos da decisão
A decisão do STJ traz relevantes repercussões:
· Segurança jurídica: unifica a interpretação acerca da possibilidade de acumulação do BPC com a isenção de IPI.
· Proteção do direito à mobilidade: reforça a aplicação dos princípios da dignidade da pessoa humana e da inclusão social.
· Precedente relevante: orienta a atuação de advogados em processos semelhantes e a revisão da prática administrativa da Receita Federal.
Conclusão
O recente entendimento do STJ reafirma a necessidade de interpretação teleológica e protetiva das normas que tratam de pessoas com deficiência, em consonância com a Constituição Federal (art. 1º, III; art. 227; art. 244), a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (Decreto nº 6.949/2009) e o Estatuto da Pessoa com Deficiencia (Lei nº 13.146/2015).
Em síntese, a isenção de IPI não configura benefício previdenciário ou assistencial, sendo plenamente compatível com o BPC/LOAS. Trata-se de importante conquista em favor da efetivação dos direitos fundamentais das pessoas com deficiência e suas famílias.