RESUMO
Ao longo dos anos o Estado tem buscado mecanismos legislativos para evitar que decisões judiciais interferiam diretamente no planejamento e orçamento da Fazenda Pública. Um dos mecanismos mais contundentes utilizados pelo Executivo foi a vedação de concessão de liminares em face da Fazendo Pública. Todavia esta vedação foi determinante para o surgimento de uma controvérsia acerca da extensão da impossibilidade concessão de liminares em face da Fazenda Pública, especialmente nas medidas cautelares. Assim, com a análise de doutrinas gerais e específicas e, também, da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, serão abordados os temas centrais do estudo. Primeiramente, será examinada a origem destas vedações dentro do sistema processual brasileiro. Após, o trabalho irá analisar criticamente este instituto, diante de uma perspectiva legal e constitucional, amparada especialmente nos direitos fundamentais.
Palavras-chave: Ação Cautelar. Impossibilidade de concessão de liminar. Fazenda Pública.
1 INTRODUÇÃO
Ao longo dos anos, especialmente após a promulgação da Constituição Federal de 1988 e conseqüente busca dos cidadãos por seus direitos, diante da ampla conscientização, dada à quantidade de informações disponíveis e as novas garantias asseguradas constitucionalmente, o Poder Público se tornou um dos principais clientes do Judiciário, geralmente sentando no banco dos réus.
Diante desta nova realidade, o Estado buscou mecanismos pelos quais pudesse se defender. Historicamente, o ato de cidadão litigar em face do Estado sempre acarretou em regras diversas daquelas estabelecidas para a litigância entre particulares, sempre favorecendo o Estado e determinando que certos expedientes que poderiam onerar o Estado não sejam aplicados, ou então, concedendo prazos maiores, geralmente o dobro daquele regularmente concedido.
No caso das medidas de urgência o Poder Público buscou, através de diversas maneiras de alguma maneira limitar a concessão de medidas liminares em ações cautelares ajuizadas em face da Fazenda Pública, bem como mandados de segurança e a concessão de antecipações de tutelas em procedimentos comuns.
Todavia, estas leis possuem profundas implicações nas diante das restrições impostas ao cidadão quando litigando em face do Poder Público e inviabilizando a concessão de liminares que contrariem certos interesses específicos da Fazenda Pública, limitando inclusive a atuação do Judiciário nesses casos.
São estas peculiaridades relativas à conformação constitucional dessas limitações impostas pelas leis e os benefícios concedidos ao Poder Público que serão analisadas a seguir.
2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA
A origem remota da possibilidade de um magistrado de mesma hierarquia ou superior suspender a execução de um ato determinada por outro juiz, pode ser traçada diretamente ao império romano, onde por meio da “Intercessio” um juiz podia vetar a realização de um ato assim determinado por outro juiz.
No Brasil, tal previsão veio diretamente ligada à positivação do Mandado de Segurança na Constituição Federal de 1934, estando prevista no art. 113, §
33 daquela constituição.
A edição do Código de Processo Civil de 1939 não mudou muito a realidade estabelecida pela Constituição Federal então vigente, estando estabelecida no art. 328 deste código, onde mesmo sem prever um prazo, se entendia que a suspensão da medida perdurava até o julgamento final do Mandado de Segurança.
Em 1951 foi editada a Lei do Mandado de Segurança, Lei 1533/51, visando regular os trâmites processuais deste. Esta Lei revogou o art. 328 do CPC 1939 e estabeleceu a possibilidade do Presidente do Tribunal de não vincular o pedido às razões do Interesse Público; a previsão do recurso de Agravo em prol do Impetrante contra a decisão de suspensão; a possibilidade de suspensão unicamente da sentença, embora a doutrina defendesse que a possibilidade de suspensão deveria ser estendida também às liminares.
Foi em 1964, após o golpe militar que o governo, frise-se não democrático, editou a Lei 4348 visando regular processualmente o Mandado de Segurança.
Essa Lei restringiu drasticamente as possibilidades de concessão de Mandados de Segurança, vedando em seu art. 5º a concessão de liminares visando conceder vantagens financeiras a servidores públicos.
Da mesma forma, o artigo 4º da referida Lei assim estabeleceu, à época:
Art 4º Quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, o Presidente do Tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso (VETADO) suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar, e da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo no prazo de (10) dez dias, contados da publicação do ato.[1]
Deve ser salientada a existência de um veto de palavra neste artigo 4º, medida obviamente antidemocrática e expediente recorrentemente utilizado pela ditadura militar que vigorou no Brasil.
Ainda, a Lei previa a possibilidade de Agravo da decisão que suspendia a liminar, no entanto dada à inadmissibilidade deste recurso em Mandado de Segurança à época, o artigo foi vetado.
Passados mais de 20 anos, com fim da ditadura militar e o término de um período sombrio para o Brasil, iniciou-se o processo de redemocratização do país que culminou com a promulgação da Constituição Federal de 1998.
Esta Constituição, chamada inclusive de Constituição Cidadã, previu detalhadamente uma série de direitos e garantias, visando assegurar a existência de um Estado Democrático de Direito no país.
Seria esperado que medidas flagrantemente antidemocráticas como estas verificadas na Lei 4348/64 não fossem recepcionadas por esta nova Constituição. No entanto, não foi isso que ocorreu.
Não somente a Lei 4348/64 foi recepcionada, como o governo, dito democrático, se valeu de novas leis, bem como constantes e variadas medidas provisórias para continuar se valendo desse expediente.
Em 1992 foi editada a Lei 8437 que estendeu as vedações presentes à concessão de Mandado de Segurança também às medidas cautelares:
Art. 1° Não será cabível medida liminar contra atos do Poder Público, no procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventiva, toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal.[2]
Essa mesma Lei criou uma limitação de competência transversal ao determinar, no parágrafo primeiro deste mesmo artigo primeiro, ser incabível a concessão de medida cautelar ou liminar por juiz de primeiro grau quando for impugnado ato de autoridade que está sujeita, na via do Mandado de Segurança, a competência originária de Tribunal[3].
Com a introdução da antecipação de tutela no ordenamento jurídico pela Lei 8952/94, que deu nova redação ao art. 273 do Código de Processo Civil, estabelecendo a possibilidade do juiz, a requerimento da parte antecipar, parcial ou totalmente, a tutela pretendida pela parte na inicial, caso se convença da verossimilhança da alegação e haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou caso fique caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu[4].
Em pouco tempo, menos de três anos, o Governo Federal editou a Medida Provisória 1570-5 de 1997, posteriormente convertida na Lei 9494 de 1997, estendendo às antecipações de tutela as limitações previstas na Lei 4348/64:
Art. 1º Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil o disposto nos arts. 5º e seu parágrafo único e 7º da Lei nº 4.348, de 26 de junho de 1964, no art. 1º e seu § 4º da Lei nº 5.021, de 9 de junho de 1966, e nos arts. 1º, 3º e 4º da Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992[5].
Foram ainda incluídos os parágrafos 1º e 2º ao art. 4º da Lei 4348/64 em 2001, novamente por medida provisória, no caso a Medida Provisória nº 2180-35 de 2001, estendendo ao Mandado de Segurança mais algumas vantagens conferidas ao Poder Público nas Lei subseqüentemente editadas.
Em 2009, veio a nova Lei do Mandado de Segurança, Lei nº 12016 que em nada reduziu os privilégios concedidos ao Poder Público ao longo de mais de 30 anos e mantendo intactas as suas prerrogativas.
3 ANÁLISE CRÍTICA E INCONSTITUCIONALIDADE
Com efeito, como pode ser verificada da evolução histórica a impossibilidade de concessão de liminar em face da Fazenda Pública visando a inclusão em folha de pagamento, reclassificação, equiparação, concessão de aumento ou extensão de vantagem a servidor da União, Estados, Distrito Federal e dos Municípios, inclusive de suas autarquias e fundações, tem uma clara intenção de evitar a possibilidade de prejuízos ao erário público, determinando que decisões neste sentido só sejam executadas após o trânsito em julgado da decisão.
Da mesma forma, o art. 1º, parágrafo 5º da Lei 8437/92 estabelece a vedação de concessão de liminar que determina compensação de créditos tributários ou previdenciários, mais uma vez visando “proteger” a Fazenda Pública de ter que desembolsar valores que podem vir a ser revertidos posteriormente.
Além destas duas possibilidades de cunho flagrantemente material, o artigo 4º abre a possibilidade de suspensão das liminares concedidas nos seguintes termos:
Art. 4° Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.[6]
A previsão estabelecida neste artigo dá uma vasta possibilidade ao Poder Público de conseguir suspender as liminares que sejam deferidas contra seus interesses, tendo em vista as expressões utilizadas na lei as quais dão margem a mais ampla interpretação possível, mormente se considerada que toda medida liminar deferida contra a Fazenda Pública, poderia, em teoria, se encaixar de alguma forma em lesão a economia pública.
Estabelecidas estas premissas, podemos constatar que a edição dessas leis possui claras motivações políticas e buscam fazer valer os interesses do Poder Executivo e, vedando a concessões de certas liminares e restringindo a aplicação de outras, possibilitando ao Poder Público “contornar” a via recursal, dando competência para que o Presidente do Tribunal a que está sujeito a apreciação do recurso cabível pelas vias recursais ordinárias.
Cumpre destacar que no caso do Poder Judiciário Estadual, o Presidente do Tribunal de Justiça, via de regra, afastado da competência jurisdicional ordinária dentro do Tribunal, atuando unicamente no Órgão Especial e dentro de órgãos administrativos internos, é também o chefe do Judiciário, devendo ser ressaltada as implicações políticas da apreciação da suspensão da medida liminar concedida, por exemplo em uma medida cautelar contra o Estado do qual o Tribunal faz parte, visto a interlocução obrigatória que deve existir entre os Três Poderes.
Superadas as críticas e as indagações a quais podem ser questionadas do ponto de vista subjetivo em relação a estas leis, em especial a Lei 8437/92, resta a questão objetiva - até certo ponto, considerando-se que hermenêutica e interpretação de leis, são uma das ciências mais abertas a análises subjetivas – atinente a constitucionalidade das previsões estabelecidas nestas leis.
Sendo assim, há posicionamentos em ambos sentidos adotados por notórios doutrinadores pátrios, os quais serão analisados a seguir.
Em sua maioria, os doutrinadores se posicionam pela inconstitucionalidade dessas normas vedando a concessão de liminares, uma vez que dissociadas do moderno conceito de acesso a justiça insculpido no artigo 5º, XXXV:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;[7]
Dessa maneira, para Luiz Guilherme Marinoni:
“O direito de acesso a justiça, albergado no art. 5º, inc. XXXV, da CF, não quer dizer apenas que todos têm o direito de recorrer ao Poder Judiciário, mas também quer significar que todos têm direito à tutela jurisdicional, adequada e efetiva. Quer dizer isto que, “se o legislador infraconstitucional está obrigado, em nome do direito constitucional a adequada tutela jurisdicional, ele não pode decidir em contradição com o próprio princípio da efetividade, que o cidadão somente tem o direito à tutela efetiva e tempestiva contra o particular. Dizer que não há direito à tutela antecipatória contra a Fazenda Pública em caso de ‘fundado receio de dano” é o mesmo que afirmar que o direito do cidadão pode ser lesado quando a Fazenda Pública é ré”.[8]
No mesmo sentido escreve Jose Luiz Bolzan de Morais, fazendo dura crítica a aplicação destas Leis:
Assim, a referência que devemos fazer é acerca da análise da constitucionalidade da lei em tela ou se, ao contrário, o enfrentamento do problema deva se dar no nível do repensar do papel do Direito, da função jurisdicional e dos operadores jurídicos em todo esta crise, sob o risco sempre presente de, na reação à ética da responsabilidade propagada pelo programa de governo do político de plantão propormos uma ética da convicção que busque sua legitimação não no recurso ainda não esgotado dos procedimentos democráticos mas, isto sim, no valor iluminado de um saber ‘crítico’ dogmatizado, bem como em uma reação sistemática a um Estado que, em razão da detenção temporária de um mandato político, assume um feitio contraditório com os interesses da sociedade ou de parcelas dela.
O problema da antecipação da tutela situa-se em um terreno que envolve não apenas a correta interpretação de seu ‘modus operandi’ senão que implica em uma tomada de posição frente a própria estruturação, funcionamento e legitimação do poder político em uma sociedade democrática.
Se a legitimação da função jurisdicional, diversamente das funções legislativa e executiva, não está assentada na regra da maioria - que é, segundo Norberto Bobbio, a regra por excelência da democracia - mas na referência ao conjunto de garantias fundamentais elencados pela ordem constitucional, a atividade de aplicação do Direito irá significar, para além da simples adequação do suporte fático abstrato ao concreto, uma correta compreensão dos vínculos e implicações que isto pode significar, impondo um conhecimento profundo não apenas dos mecanismos do direito constitucional mas aceitando definitivamente que, no campo do Direito nos movemos entre pretensões que refletem opções políticas muitas vezes irreconciliáveis, tendo que escolher, dentre aquelas disponíveis no mercado, a que melhor se nos apresenta.[9]
No mesmo sentido, se manifestam outros importante doutrinadores como, por exemplo, José Roberto dos Santos Bedaque, Sérgio Seiji Shimura, Marcelo Lima Guerra, Wilson Alves de Souza e Francisco Barros Dias[10].
Já em sentido contrário se manifesta Araken de Assis para quem a antecipação de tutela, considerando que as liminares em matéria de ação cautelar são antecipações da tutela pretendida, é uma questão de política processual, podendo o legislador decidir conceder ou negar essa possibilidade, sem que isso acarrete em inconstitucionalidade[11]. No mesmo sentido se manifesta Antonio Cláudio da Costa Machado, ainda que por fundamentação diversa[12].
No âmbito da Jurisprudência, o Supremo Tribunal Federal já analisou a questão de maneira incidental por meio de controle difuso de constitucionalidade, como de maneira direta através do controle concentrado, no caso, por meio da ADIn nº 223-6 DF, assim ementada (grifei):
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE CONTRA A MEDIDA PROVISORIA 173, DE 18.3.90, QUE VEDA A CONCESSÃO DE 'MEDIDA LIMINAR EM MANDADO DE SEGURANÇA E EM AÇÕES ORDINARIAS E CAUTELARES DECORRENTES DAS MEDIDAS PROVISORIAS NUMEROS 151, 154, 158, 160, 162, 165, 167 E 168': (...) SENTIDO DA INOVADORA ALUSAO CONSTITUCIONAL A PLENITUDE DA GARANTIA DA JURISDIÇÃO CONTRA A AMEAÇA A DIREITO: ENFASE A FUNÇÃO PREVENTIVA DE JURISDIÇÃO, NA QUAL SE INSERE A FUNÇÃO CAUTELAR E, QUANDO NECESSARIO, O PODER DE CAUTELA LIMINAR. IMPLICAÇÕES DA PLENITUDE DA JURISDIÇÃO CAUTELAR, ENQUANTO INSTRUMENTO DE PROTEÇÃO AO PROCESSO E DE SALVAGUARDA DA PLENITUDE DAS FUNÇÕES DO PODER JUDICIARIO. ADMISSIBILIDADE, NÃO OBSTANTE, DE CONDIÇÕES E LIMITAÇÕES LEGAIS AO PODER CAUTELAR DO JUIZ. A TUTELA CAUTELAR E O RISCO DO CONSTRANGIMENTO PRECIPITADO A DIREITOS DA PARTE CONTRARIA, COM VIOLAÇÃO DA GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. CONSEQUENTE NECESSIDADE DE CONTROLE DA RAZOABILIDADE DAS LEIS RESTRITIVAS AO PODER CAUTELAR. ANTECEDENTES LEGISLATIVOS DE VEDAÇÃO DE LIMINARES DE DETERMINADO CONTEUDO. CRITÉRIO DE RAZOABILIDADE DAS RESTRIÇÕES, A PARTIR
(...)CONSIDERAÇÕES, EM DIVERSOS VOTOS, DOS RISCOS DA SUSPENSÃO CAUTELAR DA MEDIDA IMPUGNADA.
(ADI 223 MC, Relator(a): Min. PAULO BROSSARD, Relator(a) p/ Acórdão: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 05/04/1990, DJ 29-06-1990 PP-06218 EMENT VOL-01587-01 PP-00001)[13]
Desta forma, o a STF assentou, que in abstrato, não há inconstitucionalidade nestas normas, mas que cada caso deve ser analisado dentro de suas peculiaridades.
De outra parte, o STF proferiu decisão na ADC nº 4-6 deferindo o pedido elaborado para suspender com eficácia ex tunc e efeito vinculante, a prolação de qualquer decisão que verse sobre pedido de tutela antecipada em face da Fazenda Pública, que tenha por pressuposto a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do art. 1º Lei nº 9494/97. Sendo assim, a restrição de concessão de liminares em face da Fazenda Pública se restringe àqueles casos expressamente previstos em Lei, ou seja “concessão de vantagens ou recursos a servidores”, podendo serem concedidas liminares tanto em medidas cautelares ou mandados de segurança, que não tenham por objeto os casos enquadrados nesse nicho específico.
Por final, cumpre destacar o pensamento de Márcio Louzada Carpena, para quem a questão da concessão de liminares, mesmo nessa situação, deve ser norteada pelos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal, observado o princípio da proporcionalidade pelo Poder Judiciário:
O direito é um conjunto de valores e por mais que os Poderes Executivo e Legislativo insistam em dispor vedações a antecipações de tutela por qualquer via que seja, jamais estará o Poder Judiciário adstrito a tais leis se vislumbrar valores, normas ou princípios outros que a ela se sobreponham. A própria Carta Federal dá respaldo a este tipo de concepção na medida em que estipula a independência dos Poderes. Com um Poder Judiciário desvinculado e “apolítico”, adstrito apenas aos interesses da Justiça e com a manutenção de um Estado Democrático de Direito, sempre visualizando as garantias constitucionais positivadas, não se pode aplicar indiscriminadamente esse tipo de vedação aos provimentos jurisdicionais, uma vez que, em determinadas situações, somente com esses se completa a prestação jurisdicional e se permite o efetivo acesso à justiça[14].
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
No presente estudo analisamos, primeiramente, a evolução histórica da impossibilidade de concessão de liminares em face da Fazenda Pública, seja elas em ações cautelares, mandados de segurança, ou ainda, antecipações de tutela em ações ordinárias, desde a sua origem mais remota até a sua implementação e evolução no Brasil.
Após realizamos uma estudo crítico desse instituto, destacando as posições dos doutrinadores pátrios acerca do tema, bem como realizando uma análise da jurisprudência dos Tribunais Superiores .
Desta forma, podemos concluir que diante do panorama atual não parece provável que a Fazenda Pública vá algum dia abrir mão de suas prerrogativas e vantagens estabelecidas por leis. Da mesma forma, no Supremo Tribunal Federal, o entendimento pela constitucionalidade das normas permanece vigorando e ainda que a composição do Tribunal tenha mudado drasticamente desde a última vez que a questão foi apreciada, o Tribunal não foi chamado a se manifesta acerca da questão, ainda que de maneira indireta, permanecendo vigorando as posições tomadas à época.
Todavia, há que se considerar a questão maior presente nesta discussão que é a deliberada vontade do Estado de fazer valer seus interesses em detrimento cidadão quando este estiver litigando em face do Estado, não raramente buscando que sejam cumpridos por parte deste aquilo que a Constituição Federal, como saúde, educação ou ainda aquilo que tem direito como servidor público do próprio Estado.
A vedação de concessão de liminares em face do Estado, em determinados casos, até poderia parecer irrelevante dentro de um contexto onde o Judiciário fosse muito menos assoberbado. Todavia, diante da situação em que o Judiciário brasileiro se encontrar, negar a possibilidade do cidadão obter uma liminar em face do Estado é negar o direito ao cidadão e negar o conceito estabelecido pela própria constituição de acesso a Justiça.