ABANDONO AFETIVO E A RESPONSABILIDADE CIVIL
Denise Cristine Borges[1]
Jean Ricardo Jasko 2
RESUMO
O presente trabalho visa analisar a possibilidade de responsabilização civil do genitor em caso de abandono afetivo. Atualmente, face a modificação de valores morais e sociais, os quais geralmente acabam afetando de maneira negativa os núcleos familiares, verifica-se a formação de crianças e adolescentes com problemas emocionais e dificuldades de socialização em virtude do abandono e da negligência de seus pais. A inserção de novos arranjos familiares e os dispositivos protetivos dispostos no Estatuto da Criança e Adolescente não conseguem proteger, de forma efetiva, os interesses primordiais de crianças e adolescentes, que passam a ser vítimas de descaso, desamor e negligência. A possibilidade de responsabilização civil do genitor que pratica o abandono afetivo pode configurar, talvez, uma resposta rápida para conscientizar os pais da importância de sua presença e afeto no desenvolvimento sadio de seus filhos. Outrossim, apesar da nobre intenção de proteger os interesses das crianças e adolescentes, verifica-se a impossibilidade de se obrigar o indivíduo a nutrir afeto por aquele com quem não possui afinidade. Foi utilizado o método de estudo descritivo documental, com análise qualitativa de referências bibliográficas, artigos e jurisprudência. O procedimento de coleta de dados partiu da pesquisa em livros disponíveis na biblioteca digital da Universidade do Contestado, artigos científicos e jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e Tribunal de Justiça de Santa Catarina, sendo escolhidos autores renomados e temas pertinentes ao objeto da pesquisa. Após analisar a evolução histórica da família e seus princípios basilares, o presente artigo finaliza trazendo a opinião de doutrinadores e tribunais sobre a possibilidade de aplicação de responsabilização civil em caso de abandono afetivo.
Palavras-Chave: ABANDONO AFETIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. CRIANÇA E ADOLESCENTE
ABSTRACT
This study aims to examine the possibility of civil liability of the parent in case of emotional abandonment. Currently, given the change of moral and social values, which usually end up negatively affecting the households, there is the formation of children and adolescents with emotional problems and difficulties of socialization because of the abandonment and neglect of their parents. The inclusion of new family arrangements and protective devices arranged in the Child and Adolescent fail to protect, effectively, the best interests of children and adolescents who become victims of neglect, lack of love and neglect. The possibility of civil liability of the parent who does emotional abandonment can configure perhaps a rapid response to create awareness among parents of the importance of their presence and affection in the healthy development of their children. Furthermore, despite the noble intention of protecting the interests of children and adolescents, there is the inability to compel the individual to nurture affection for the one with whom no affinity. It used the descriptive documentary study method with a qualitative analysis of references, articles and jurisprudence. The data collection procedure came from research in books available in digital library of the University of Contestado, scientific articles and case law of the Supreme Court and Court of Santa Catarina, being chosen renowned authors and issues relevant to the object of research. After analyzing the historical evolution of the family and its basic principles, this article concludes by bringing the views of scholars and courts about the possibility of civil liability in the event of application of emotional abandonment.
Key Word: ABANDONMENT AFFECTIVE. CIVIL RESPONSABILITY. CHILD AND ADOLESCENT
1 INTRODUÇÃO
A Constituição de 1988, acompanhando as modificações sociais e familiares, inseriu em seu texto um sistema especial de proteção aos direitos fundamentais de crianças e adolescente, além, de novas conceituações ligadas a família. A igualdade entre homem e mulher dentro da sociedade conjugal, a proibição de distinção discriminatória em relação à filiação, o reconhecimento de diversas formas de arranjos familiares, são apenas alguns reflexos das alterações vivenciadas nos últimos anos. Ressalta-se o princípio da dignidade da pessoa humana e o dever da família, do Estado e da sociedade assegurar a criança e ao adolescente o direito ao respeito, dignidade e à convivência familiar e comunitária.
Apesar das belas palavras dispostas na Carta Magna, as quais foram reproduzidas e estendidas ao Estatuto da Criança e Adolescente, vivencia-se uma crise na família. Os adultos, preocupados em a produção e consumo, esquecem-se de dispender tempo e afeto às crianças e adolescentes. Assim, “o lar como unidade de afeto e abrigo, espaço de amor, solidariedade e segurança, parece que está se dissolvendo”.(NEGREIROS E FÉRES CARNEIRO, 2012)
A afetividade, segundo Santos, significa a “estrutura que possibilita a realização da personalidade; o conjunto de relacionamentos que viabiliza a vida em sociedade, enfim, valor intrínseco aos seres humanos”. (SANTOS, 2011). Nesse contexto, a família figura como estrutura para todas as relações de afeto construídas durante a existência do ser humano, sendo que, a falta de afeto pode acarretar consequências não somente psicológicas, mas, inclusive, de cunho social.
A primeira experiência social da pessoa humana está no contato familiar, sendo a família responsável pelo desenvolvimento sadio de suas crianças e adolescentes. Quando a família não supre a necessidade de amor, amparo e convivência pode-se gerar inúmeros distúrbios de comportamento, razão pela qual deve haver um maior comprometimento por parte dos genitores na educação e no desenvolvimento de seus filhos.
Assim, alguns julgados têm determinado a responsabilização civil de pais que abandonam ou rejeitam seus filhos, acarretando transtornos psíquicos em razão da indiferença, falta de carinho e afeto na infância e juventude. Justifica-se tal entendimento pelo fato do afeto encontrar-se inserido nos direitos da personalidade, devendo ser objeto de proteção pelo Direito. De outra banda, verifica-se a impossibilidade de compelir o ser humano a construir uma relação de afeto, em razão da subjetividade dos sentimentos.
2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Para a realização do presente artigo foi utilizado o método de estudo descritivo documental, com análise qualitativa de referências bibliográficas, artigos e jurisprudência. O procedimento de coleta de dados partiu da pesquisa em livros disponíveis na biblioteca digital da Universidade do Contestado, e, obras doutrinárias de propriedade da própria autora, como os manuais de Direito de Família organizados por Maria Berenice Dias, Carlos Roberto Gonçalves e Pablo Stolze Gagliano. Também, foi realizada pesquisa jurisprudencial no site do Superior Tribunal de Justiça e no site do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. As obras foram escolhidas de acordo com a notoriedade do autor/organizador, e, a compatibilidade dos artigos científicos com o tema proposto para discussão neste estudo.
3 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E AS FAMÍLIAS
A Constituição de 1988, acompanhando as modificações sociais e familiares, inseriu em seu texto um sistema especial de proteção aos direitos fundamentais de crianças e adolescente, além, de novas conceituações ligadas a família. A igualdade entre homem e mulher dentro da sociedade conjugal, a proibição de distinção discriminatória em relação à filiação, o reconhecimento de diversas formas de arranjos familiares, são apenas alguns reflexos das alterações vivenciadas nos últimos anos. Ressalta-se o princípio da dignidade da pessoa humana e o dever da família, do Estado e da sociedade assegurar a criança e ao adolescente o direito ao respeito, dignidade e à convivência familiar e comunitária.
A partir dos princípios norteadores da família dispostos na Carta Magna tais como a solidariedade, a igualdade, a pluralidade de entidades familiares, e, o princípio do melhor interesse da criança e adolescente surgiu a noção de afetividade, sendo que todas as relações familiares devem estar baseadas no afeto. Segundo Prado “o princípio da afetividade não se relaciona com a ideia de sentimento, mas a dedicação que os pais devem ter com a criação e formação dos filhos menores” .(PRADO,2012)
Importante discorrer acerca dos princípios fundamentais aplicados à família a fim de compreender toda a teia protetiva criada para resguardar as relações familiares. O princípio da dignidade da pessoa humana, fundamental em todas as áreas do Direito, apresenta-se como fundamento da própria Constituição Federal, que já menciona a importância da dignidade da pessoa humana em seu artigo 1°., inciso III. A família tem especial contribuição para a formação do indivíduo e para a realização de seus objetivos de vida, sendo que, a dignidade da pessoa humana deve começar a ser respeitada dentro da própria família. Pode-se dizer que o respeito à dignidade da pessoa humana vem de dentro para fora, tem início no seio familiar para poder se expandir à toda a sociedade.
O princípio constitucional da isonomia, também conhecido como princípio da igualdade, serve como sustentáculo para a fundamentação do princípio da dignidade humana, vez que impede qualquer tratamento discriminatório entre as pessoas. A aplicação do princípio da igualdade veio equilibrar as relações familiares, vez que inexiste a figura do patriarca como chefe de família, sendo todas as decisões tomadas em conjunto pelo homem e pela mulher, conforme disposto no parágrafo 5°. do artigo 226 da Constituição Federal e artigo 1.511 do Código Civil. Assim, tanto o homem como a mulher são responsáveis pelo planejamento familiar, pelas despesas do lar e pela educação dos filhos.
Em relação aos filhos, insta salientar o disposto no artigo 227, §6°. da Constituição Federal, reproduzido no artigo 1.596 do Código Civil, onde se encontra a proibição de designações discriminatórias relativas à filiação, ressaltando que todos os filhos, sejam provenientes ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações. Como a base atual do Direito de Família reside no afeto, nada mais justo que conceder tratamento igualitário a todas as formas de filiação. Inexiste distinção entre os filhos naturais, adotivos ou socioafetivos, existindo em todas as formas de filiação o dever de respeito, educação, apoio moral, sentimental, e, inclusive religioso. O dever de educação e
sustento ultrapassa o simples adimplemento de pensão alimentícia, envolvendo o dever de auxiliar no desenvolvimento da prole em todos os seus aspectos.
Nesse contexto, insere-se também a solidariedade familiar. O princípio da solidariedade familiar consiste, não somente, no dever de mútua assistência que os cônjuges têm entre si, retratado no artigo 1.511 do Código Civil, mas, vai além, porque exige um comportamento compreensivo e cooperativo entre companheiros, cônjuges, filhos e demais familiares. Segundo Madaleno “a solidariedade é princípio e oxigênio de todas as relações familiares e afetivas, porque esses vínculos só podem se sustentar e se desenvolver em ambiente recíproco de compreensão e cooperação”. (MADALENO,2013)
A pluralidade familiar disposta no artigo 226 da Constituição Federal resguarda o direito a formações familiares distintas, elencando aquelas constituídas pelo casamento, pela união estável e as famílias monoparentais. Nesse sentido, indaga-se se o rol apresentado pelo artigo em comento seria taxativo ou enunciativo, e, ao mensurar a importância da pluralidade familiar na atualidade, tem- se que são protegidas as formas familiares que não se encontram expressamente previstas no dispositivo constitucional, a exemplo das uniões homoafetivas e das famílias anaparentais.
Segundo Perlingieri “O merecimento de tutela da família não diz respeito exclusivamente às relações de sangue, mas, sobretudo, àquelas afetivas que se traduzem em uma comunhão espiritual e de vida”. (PERLINGIERI, 2002). E, a família anaparental retrata a importância com que são tratadas as relações de afeto. Essa nova forma de relação familiar caracteriza-se pela inexistência da figura dos pais, constituindo-se basicamente pela convivência entre parentes com vínculo colateral ou pessoas, que, mesmo sem possuírem parentesco ou conotação sexual, encontram-se guiadas por uma identidade de propósitos, que é o “animus” de constituir família.
O “animus” de constituir família também é um dos fundamentos para caracterizar a união estável, que foi reconhecida como entidade familiar com a Constituição Federal de 1988. Em 1994 foi editada a Lei n° 8.971/94 que foi a primeira lei a regulamentar a união estável em nosso ordenamento jurídico. Posteriormente, houve a edição da Lei n°. 9.278/96, que já em seu artigo 1°. reconhece como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família. Também, no mesmo diploma legal foram definidos os direitos e deveres dos conviventes e extinta a obrigatoriedade de convivência mínima de cinco anos, exigida na Lei n°. 8.971/94. Assim, inexiste limite temporal para o reconhecimento da união estável. Embora discutíveis, Rodrigo da Cunha Pereira aponta como elementos caracterizados da união estável a durabilidade da relação, a existência de filhos, a construção patrimonial em comum, coabitação, fidelidade, notoriedade, comunhão de vida, enfim, tudo aquilo que faça a relação parecer um casamento. (BALBONI, 2007)
A Ação Direita de Inconstitucionalidade n.º 4277, e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.º 132, julgadas em 5 de maio de 2011, reconheceram a união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Assim, tem-se que a união estável pode também ser caracterizada nas relações homoafetivas, desde que presentes a intenção de constituir família e construir uma vida em comum. Como a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, §3°. dispõe que a lei deverá facilitar a conversão da união estável em casamento, entende-se admitido também o casamento homoafetivo. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou uma resolução em 14 de maio de 2013 que afirma ser vedado “às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo".
A doutrina da proteção integral é originária da Convenção Internacional sobre os Direitos das Crianças, a qual foi objeto de previsão expressa no artigo 227 da Constituição Federal de 1988. O Estatuto da Criança e Adolescente consagrou a doutrina da proteção integral, nos artigos 1°. e 3°., reconhecendo todos os direitos fundamentais inerentes a pessoa humana, além dos “direitos especiais decorrentes da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, que se articulam, produzem e se reproduzem de forma recíproca”.(VERONESE E CUSTÓDIO, 2013)
Os dispositivos constitucionais protetivos da criança e adolescente, e, da família, foram reproduzidos e estendidos ao Estatuto da Criança e Adolescente, criando uma rede de proteção essencial para o Estado democrático de Direito. Os artigos 3°. e 4°. do Estatuto da Criança e Adolescente estabelecem os deveres dos pais em relação aos seus filhos menores, como a convivência, educação, cuidado, entre outros, onde podemos incluir o direito das crianças e adolescentes desfrutarem de apoio no desenvolvimento moral e espiritual.
A educação dos filhos não se restringe ao pagamento de pensão alimentícia que possa proporcionar um estudo de qualidade, mas, engloba o apoio intelectual e moral para o desenvolvimento de suas capacidades.
A primeira experiência social da pessoa humana está no contato familiar, sendo a família responsável pelo desenvolvimento sadio de suas crianças e adolescentes. Quando a família não supre a necessidade de amor, amparo e convivência pode-se gerar inúmeros distúrbios de comportamento, razão pela qual deve haver um maior comprometimento por parte dos genitores na educação e no desenvolvimento de seus filhos.
4 A POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL POR ABANDONO AFETIVO
Atualmente, apesar de toda uma legislação protetiva, vivencia-se uma crise na família. Os adultos, preocupados em a produção e consumo, esquecem-se de dispender tempo e afeto às crianças e adolescentes. Assim, “o lar como unidade de afeto e abrigo, espaço de amor, solidariedade e segurança, parece que está se dissolvendo”. (NEGREIROS E FÉRES CARNEIRO, 2012)
A afetividade, segundo Santos, significa a “estrutura que possibilita a realização da personalidade; o conjunto de relacionamentos que viabiliza a vida em sociedade, enfim, valor intrínseco aos seres humanos”. Nesse contexto, a família figura como estrutura para todas as relações de afeto construídas durante a existência do ser humano, sendo que, a falta de afeto pode acarretar consequências não somente psicológicas, mas, inclusive, de cunho social.
A possibilidade de responsabilização civil dos pais pelo abandono afetivo apresenta-se como uma forma de coibir tal comportamento omissivo, vez que a penalidade imposta pelo nosso ordenamento ao pai que abandona seu filho restringe-se, tão somente, a suspensão ou destituição do poder familiar. Nesse contexto, entende-se que a suspensão ou destituição do poder familiar serve como um verdadeiro prêmio para o pai que, fica isento das responsabilidades, e, não repara os danos causados aos filhos.
O termo responsabilidade vem do latim “respondere”, significando a “necessidade que existe de responsabilizar alguém por seus atos danosos”. (SANTOS, 2011). Assim, todo aquele que comete um ato passível de causar dano a outrem poderá ser responsabilizado. O direito a responsabilização por dano sofrido tem assento constitucional no artigo 5°., incisos V e X, e, encontra-se disposto também nos artigos 186 e 927 do Código Civil.
A responsabilidade civil abrange todos os ramos do Direito, inclusive as relações familiares, onde se aplica a responsabilidade civil subjetiva, sendo essencial a presença dos seguintes elementos: conduta voluntária que viole um dever jurídico; dolo ou culpa; o dano e o seu nexo com a conduta do agente. (DA ROSA, 2012)
Assim, alguns julgados têm determinado a responsabilização civil de pais que abandonam ou rejeitam seus filhos, acarretando transtornos psíquicos em razão da indiferença, falta de carinho e afeto na infância e juventude. Justifica-se tal entendimento pelo fato do afeto encontrar-se inserido nos direitos da personalidade, devendo ser objeto de proteção pelo Direito. De outra banda, verifica-se a impossibilidade de compelir o ser humano a construir uma relação de afeto, em razão da subjetividade dos sentimentos.
Em relação à afetividade essencial na relação entre pai e filho, esclarece-se que inexiste o dever de amar propriamente dito, porém, existe o dever de dedicação e assistência entre os pais e filhos, independentemente de ser o vínculo biológico ou socioafetivo. Nesse sentido, colaciona-se trecho do julgamento do REsp 1159242,da relatora Ministra Nancy Andrigui, que julgou procedente o pedido de reparação civil proposto de uma filha contra seu pai:
“O cuidado, distintamente, é tisnado por elementos objetivos, distinguindo-se do amar pela possibilidade de verificação e comprovação de seu cumprimento, que exsurge da avaliação de ações concretas: presença; contatos, mesmo que não presenciais; ações voluntárias em favor da prole; comparações entre o tratamento dado aos demais filhos – quando existirem-, entre outras formulas possíveis que serão trazidas à apreciação do julgador, pelas partes”. (Superior Tribunal de Justiça,3°. Turma. REsp 1159242. Relatora Min. Nancy Andrigui, j.24.04.2012, DJe 10.05.2012)
O Estatuto da Criança e do Adolescente em seus artigos 3°., e, 4°.,estabelece os deveres dos pais em relação aos seus filhos menores, como a convivência, educação, cuidado, entre outros. Além de assegurar o direito de crianças e adolescentes ao desenvolvimento moral, em condições de dignidade, respeito e convivência familiar.
A falta de assistência afetiva aos filhos não se encontra prevista na legislação como conduta proibida pelos genitores, entretanto, utilizando uma visão sistêmica, presume-se que tal conduta fere gravemente os direitos e garantias da família e da criança e adolescente.
O Código Penal, em seu artigo 224, tipifica o crime de abandono material, impondo uma pena de detenção de um a quatro anos e, ainda multa. O abandono afetivo independe do abandono material. O pai pode praticar atos de negligência e omissão mesmo quando efetua o pagamento pontual da pensão alimentícia. O inadimplemento da obrigação alimentar apenas agrava, ainda mais, o desprezo e o abandono.
Assim, em setembro de 2003, o Juiz Mario Romano Maggioni, titular da Comarca de Capão da Canoa (Rio Grande do Sul) condenou um pai ao pagamento de uma indenização no valor de 200 salários mínimos, sendo a primeira decisão em nosso país a visualizar a possibilidade de responsabilização civil do genitor por abandono afetivo.
Caracterizados os elementos da responsabilidade civil subjetiva, grande parte da doutrina, como Flávio Tartuce, Rodrigo da Cunha Pereira, Conrado Paulino da Rosa, entre outros, entende que o pai que abandonou afetivamente o filho deve ser condenado à reparação por danos materiais e morais causados. Nesse sentido, colaciona-se ementa de acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, do Relator Dr. Barros Levenhagen, que reconhece o dever do pai indenizar por danos morais seu filho abandonado afetivamente.
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE DANOS MORAIS - ABANDONO AFETIVO DE MENOR - GENITOR QUE SE RECUSA A CONHECER E ESTABELECER CONVÍVIO COM FILHO - REPERCUSSÃO PSICOLÓGICA - VIOLAÇÃO AO DIREITO DE CONVÍVIO FAMILIAR - INTELIGÊNCIA DO ART. 227, DA CR/88 - DANO MORAL - CARACTERIZAÇÃO - REPARAÇÃO DEVIDA - PRECEDENTES - 'QUANTUM' INDENIZATÓRIO - RATIFICAÇÃO - RECURSO NÃO PROVIDO - SENTENÇA CONFIRMADA. - A responsabilidade pela concepção de uma criança e o próprio exercício da parentalidade responsável não devem ser imputados exclusivamente à mulher, pois decorrem do exercício da liberdade sexual assumido por ambos os genitores. (TJ-MG - AC: 10145074116982001 MG , Relator: Barros Levenhagen, Data de Julgamento: 16/01/2014, Câmaras Cíveis / 5ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 23/01/2014)
No dizer de Prado:
Embora não restabeleça o status quo ante da situação de abandono, a indenização compensará o filho pelos danos sofridos, punirá o pai ou a mãe pela conduta adotada, absolutamente imprópria e indevida, e dissuadirá a sua prática futura, alertando todos aqueles que são pais, biológicos ou socioafetivos, para a importância do correto desempenho de suas funções para a prole. Previne-se, dessa forma, a reiteração da conduta causadora de danos aos filhos menores, que repercute intensamente na formação de sua personalidade por se encontrarem em situação de vulnerabilidade. (PRADO, 2012.p 8)
Em maio do corrente ano, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina manteve decisão que negou pedido de anulação de registro civil formulado por um pai após 12 anos de convivência com filha afetiva, determinando, ainda, o pagamento de indenização por danos morais, em favor da criança, no valor de R$ 50 mil.
5 CONCLUSÃO
O presente artigo teve por objetivo apresentar as discussões atuais em torno da possibilidade de responsabilização civil dos pais em caso de abandono afetivo. Para atingir o objetivo proposto foi necessário, primeiramente, pesquisar a concepção de família e seus princípios.
A concepção moderna da família, baseada no princípio da dignidade da pessoa humana, assegurou constitucionalmente a proteção de novos arranjos familiares, tais como a família monoparental, anaparental, a família constituída pela união estável, e, inclusive as famílias homoafetivas. A partir do princípio da dignidade da pessoa humana, cuja aplicação é fundamental a todos os ramos do Direito, extrai-se a relevância atualmente concedida ao princípio da afetividade. O afeto é responsável pela formação moral, social e psicológica do indivíduo, respondendo pelo suprimento de seus mais íntimos anseios, sendo que o primeiro contato do individuo com o afeto encontra-se no relacionamento com sua família. Família é afeto, simples assim.
A Carta Magna de 1988 reverencia o princípio da igualdade entre homem e mulher e o princípio da igualdade jurídica entre todos os filhos, independentemente da origem do vínculo ser biológica ou socioafetiva. O artigo 1.513 do Código Civil de 2002 assegura a liberdade de constituir uma comunhão de vida família, e, dentro da liberdade de constituir família, encontra-se a paternidade responsável, ou seja, o indivíduo tem liberdade para escolher seu cônjuge, para escolher a forma do arranjo familiar, para escolher ter ou não filhos, mas, uma vez formada a relação paterno-filial, os pais tem deveres a serem observados decorrentes do poder familiar.
Nesse contexto, insere-se o dever de sustento, de guarda e educação, os quais se encontram expressamente arrolados da mesma forma no Estatuto da Criança e Adolescente. E quando se menciona o dever de sustento e educação entende-se que tais palavras ultrapassam o mero dever de prestar alimentos, atingindo a obrigação do pai assumir o filho como parte de sua vida, fornecendo-lhe assistência e afeto suficientes para proporcionar um desenvolvimento moral, psicológico e social saudável.
Quando o dever inerente aos pais, de proporcionar um desenvolvimento sadio aos seus filhos não é cumprido, poderá surgir o direito a reparação dos danos ocasionados. Assim, se o descumprimento do dever de assistência resultar em danos de ordem material, moral ou psicológica, constrói-se a possibilidade de responsabilização civil do agressor, entendimento que vem se construindo, de forma tímida, em nossos tribunais pátrios. Apesar de se encontrar certa resistência por parte dos tribunais brasileiros, que temem a banalização do dano moral e a monetarização do afeto, verifica-se uma tendência a responsabilizar os pais, de forma mais efetiva, pelos prejuízos morais e psicológicos advindos do abandono afetivo. A responsabilização civil tem o intuito não somente de punir o pai ofensor, mas, também, de tentar servir como exemplo de conduta a ser evitada.
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1 Advogada e Professora de Direito de Família na Universidade do Contestado, Campus Porto União/SC, Mestre em Desenvolvimento Regional. Email: adv_denise@hotmail.com/ deniseb@unc.br
2 Acadêmico do Curso de Direito da Universidade do Contestado, Campus Porto União/SC.
ARTIGO JÁ APRESENTADO EM JUNHO/2015 NO EVINCI UNC - MAFRA/SC