A inteligência artificial no combate contra a Violência doméstica.


02/01/2025 às 14h32
Por Donizete Gonçalves

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A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL (IA) NO COMBATE CONTRA A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Donizete Barbosa Gonçalves1
Izabel da Conceição de Almeida Gonçalves2
Luciana Peluzio3
Introdução
A violência doméstica é um problema social grave e de proporções globais, afetando milhões de
pessoas, especialmente mulheres, que se encontram em situações de vulnerabilidade. No Brasil, a Lei
Maria da Penha representa um avanço importante na proteção das vítimas e no combate a esse tipo de
violência. Contudo, novas tecnologias, como a Inteligência Artificial (IA), têm se mostrado promissoras
na ampliação dos mecanismos de prevenção, monitoramento e resposta rápida a esses casos. A IA, por
meio de algoritmos avançados e sistemas automatizados, pode desempenhar um papel significativo ao
identificar padrões de comportamento, fornecer apoio às vítimas e otimizar intervenções.
Apesar dos avanços legislativos e da crescente conscientização sobre a violência doméstica, as
ações de prevenção e proteção muitas vezes falham em atingir as vítimas de maneira eficaz e em tempo
hábil. O sistema jurídico, por si só, não consegue abarcar todos os aspectos do problema, como a
prevenção precoce e a garantia de segurança imediata para as vítimas. Neste contexto, a introdução da IA
oferece uma oportunidade para integrar soluções tecnológicas que possam otimizar a identificação de
riscos e fornecer suporte contínuo, porém, surgem também preocupações éticas e técnicas, como a
segurança dos dados das vítimas e o risco de discriminação nos algoritmos.
A utilização de IA no combate à violência doméstica justifica-se pela capacidade dessa tecnologia
de agir de forma proativa, identificando comportamentos de risco e possibilitando intervenções mais
rápidas. Ao monitorar padrões de comportamento, a IA pode auxiliar as autoridades e profissionais de
apoio a prevenir o agravamento da violência, além de fornecer ferramentas acessíveis para que as vítimas
busquem ajuda. Além disso, o uso da IA se alinha aos esforços da Lei Maria da Penha em ampliar as
formas de proteção às mulheres, integrando o uso da tecnologia com o arcabouço legal já existente.
Objetivos
1 Aluno do décimo período do Curso de Direito da Universidade Iguaçu
2 Aluna do décimo período do Curso de Direito da Universidade Iguaçu
3 Professor Orientador do Curso de Direito da Universidade Iguaçu
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Objetivo Geral:
 Analisar o papel da Inteligência Artificial na prevenção, identificação e mitigação de casos de
violência doméstica, considerando as aplicações tecnológicas no contexto brasileiro e suas
implicações éticas.
Objetivos Específicos:
 Investigar como a IA pode ser utilizada para detectar precocemente sinais de violência doméstica
através da análise de dados comportamentais.
 Avaliar as tecnologias de IA disponíveis que oferecem suporte e proteção imediata às vítimas de
violência doméstica.
 Analisar os desafios éticos e jurídicos relacionados ao direito de privacidade no uso da IA no
contexto da violência doméstica
Referencial Teórico
O referencial teórico deste estudo envolveu as publicações acadêmicas e científicas “A inteligência
artificial como aliada no combate à violência contra a mulher” de Amorim (2018); “Inteligência Artificial
e violência doméstica: a garantia à integridade física por meio da relativização da privacidade” de Mendes
(2022), “Inovações digitais no combate à violência contra a mulher: iniciativas durante a pandemia da
Covid-19 no Brasil” de Paiva (2021); e “Fontes de informação sobre a violência contra a mulher no Brasil”
de Souza, Uchôa e Barreto (2024), bem como as publicações informativas do Grupo Mulheres do Brasil
(2023) e do Ministério Público do Mato Grosso do Sul (2024). Todas as obras contribuíram para a análise
acerca das tecnologias utilizadas para o combate à violência doméstica e a utilização da Inteligência
Artificial neste âmbito.
Metodologia
Este estudo será conduzido através de uma revisão bibliográfica, de caráter qualitativo e descritivo,
com a análise de livros, artigos acadêmicos e científicos, legislações e jurisprudências sobre o tema. A
pesquisa será realizada nas bases de dados SciELO, CAPES e Google Scholar, com as palavras-chave
“Inteligência Artificial”, “Violência Doméstica” e “Combate a Violência Doméstica”; “Uso de
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Tecnologias”, selecionado materiais bibliográficos que tenham relação direta com o tema e os objetivos
desta pesquisa, e que tenham sido publicados nos últimos cinco anos.
Resultados e Discussão
A inteligência artificial (IA) é uma área interdisciplinar da ciência da computação que se dedica
ao desenvolvimento de sistemas capazes de realizar tarefas que, normalmente, exigiriam a intervenção da
inteligência humana. Ela abrange uma vasta gama de tecnologias que permitem a simulação de processos
cognitivos, como o aprendizado, o raciocínio lógico, a resolução de problemas e a compreensão de
linguagem natural. Os sistemas de IA podem executar funções que variam desde tarefas simples e
automatizadas até ações complexas, como a tomada de decisões baseada em grandes volumes de dados.
A principal característica da IA é sua capacidade de adaptar-se a novas informações e contextos, o que a
diferencia de sistemas computacionais convencionais, que operam de acordo com regras previamente
definidas (MENDES, 2022).
Os avanços na IA têm sido impulsionados por inovações em áreas como machine learning
(aprendizado de máquina), deep learning (aprendizado profundo) e processamento de linguagem natural.
Esses métodos permitem que os sistemas de IA processem dados em larga escala, identifiquem padrões,
façam previsões e até aprendam a partir da experiência, sem a necessidade de uma programação explícita
para cada cenário. A IA já está presente em diversos setores, incluindo saúde, transporte, segurança e
finanças, contribuindo significativamente para o aumento da eficiência, redução de custos e
aprimoramento de processos (SOUZA; UCHÔA; BARRETO, 2024).
No contexto do Poder Judiciário, a inteligência artificial tem emergido como uma ferramenta para
melhorar a eficiência dos tribunais, reduzir a morosidade processual e proporcionar maior acessibilidade
e transparência nas decisões judiciais. O crescente volume de processos e a complexidade das demandas
judiciais impõem desafios significativos à administração da Justiça, e a IA surge como uma solução para
mitigar esses problemas. Um exemplo concreto da utilização da IA no Judiciário brasileiro é o sistema
"Victor", desenvolvido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que utiliza machine learning para
classificar processos e auxiliar na triagem de casos de repercussão geral, otimizando o trabalho dos
ministros e reduzindo o tempo de tramitação (SOUZA; UCHÔA; BARRETO, 2024).
Ainda, a inteligência artificial (IA) pode ser utilizada como ferramenta no enfrentamento à
violência doméstica, proporcionando novas formas de prevenir, detectar e agir contra essa problemática
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social que afeta milhões de mulheres no Brasil e no mundo. Isto porque, a violência doméstica é um
desafio marcado por barreiras culturais, sociais e institucionais que dificultam a proteção das vítimas e a
punição dos agressores. A aplicação da IA neste âmbito pode ser capaz de aumentar a eficácia das ações
preventivas, melhorar a coleta e análise de dados e acelerar a resposta institucional, contribuindo para a
proteção e o empoderamento das vítimas (MENDES, 2022).
Um exemplo emblemático do uso da IA para combater a violência contra a mulher é o Projeto
Glória, lançado pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, com a participação da professora
Cristina Castro-Lucas da Universidade de Brasília (UNB). Trata-se de uma plataforma de IA que tem
como objetivo ampliar a disseminação de informações sobre o tema e, mais importante, atuar diretamente
na quebra do ciclo de violência. A robô Glória, desenvolvida com interfaces inteligentes e algoritmos de
autoaprendizagem, interage em linguagem natural com os usuários, fornecendo informações sobre os
direitos das mulheres, orientações sobre como agir em situações de violência e ferramentas de apoio para
as vítimas (GRUPO MULHERES DO BRASIL, 2023).
Esse projeto visa alcançar mais de 20 milhões de pessoas e fornecer relatórios detalhados,
segmentados por faixa etária, localização geográfica e características socioeconômicas das vítimas. Tal
abordagem não apenas amplia o alcance das campanhas educativas sobre violência de gênero, mas
também proporciona uma base de dados robusta que pode ser utilizada para criar políticas públicas mais
direcionadas. A coleta sistemática de dados possibilita identificar padrões de reincidência e novas
tendências de violência, permitindo uma ação mais ágil e preventiva das autoridades (GRUPO
MULHERES DO BRASIL, 2023).
Além disso, a iniciativa Glória busca aumentar a conscientização da sociedade, especialmente em
um país onde, de acordo com o Instituto Maria da Penha, uma mulher é vítima de violência física ou
verbal a cada dois segundos. As taxas alarmantes de feminicídio e violência doméstica no Brasil indicam
a necessidade urgente de ações inovadoras, e a IA, por meio de plataformas como a Glória, demonstra ser
uma ferramenta poderosa nesse enfrentamento, ao facilitar a identificação precoce de casos e oferecer
suporte acessível e humanizado às vítimas (GRUPO MULHERES DO BRASIL, 2023).
Outro exemplo significativo é o robô lançado pelo Ministério Público do Mato Grosso do Sul
(MPMS), desenvolvido para auxiliar as promotorias de justiça no combate à violência doméstica. Com
base em tecnologias de IA, este robô é capaz de acelerar a produção de peças jurídicas, especialmente
denúncias relacionadas à Lei Maria da Penha, e otimizar o tempo de resposta das promotorias. A
automação de tarefas repetitivas e a capacidade de processar grandes volumes de informações permitem
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que os promotores se concentrem em aspectos mais complexos dos casos, aumentando a eficácia do
sistema judicial (MINISTÉRIO PÚBLICO DO MATO GROSSO DO SUL, 2024).
Desenvolvido pelo Laboratório de Inovação do MPMS, esse robô opera em um ambiente
computacional seguro, garantindo o sigilo das informações das vítimas, ao mesmo tempo que processa
dados com o uso de inteligência artificial generativa. A supervisão humana em todas as etapas assegura
que a tecnologia seja usada de forma ética e dentro dos padrões legais. O foco inicial na produção de
denúncias de violência doméstica permite uma resposta mais rápida às demandas sociais e uma aplicação
mais eficaz da legislação voltada à proteção das mulheres (MINISTÉRIO PÚBLICO DO MATO
GROSSO DO SUL, 2024).
Essas iniciativas evidenciam como a IA pode atuar no combate à violência doméstica, oferecendo
soluções para um problema que tem raízes profundas nas desigualdades de gênero e na falta de acesso a
informações e recursos. Contudo, apesar dos avanços tecnológicos, ainda há desafios significativos a
serem superados. A implementação dessas tecnologias depende de infraestrutura adequada, investimento
público e treinamento de profissionais para que possam utilizar essas ferramentas de forma eficiente. Além
disso, é fundamental garantir que o uso da IA seja acompanhado por um debate ético contínuo,
assegurando que a privacidade e os direitos das vítimas sejam sempre preservados.
No contexto de vítimas de violência, questões como o sigilo das informações, o uso adequado dos
dados pessoais e a proteção contra acessos indevidos são essenciais para garantir a segurança e a dignidade
das pessoas envolvidas. Nesse cenário, a reflexão ética se torna imprescindível para que as ferramentas
de IA sejam usadas de forma responsável, respeitando os direitos fundamentais. A primeira preocupação
ética envolve a privacidade das vítimas. Muitas mulheres que sofrem violência doméstica têm receio de
denunciar seus agressores por medo de represálias ou por desconfiança no sistema de proteção
(AMORIM, 2018).
Ao denunciar, essas vítimas interagem com plataformas baseadas em IA, que compartilham
informações sensíveis sobre suas vidas pessoais, relacionamentos e experiências de violência. A Lei Geral
de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) estabelece normas para o tratamento de dados pessoais, com
especial atenção aos dados sensíveis, como os relacionados à saúde, à origem racial e à vida sexual,
garantindo que as informações coletadas sejam usadas exclusivamente para os fins propostos, com o
consentimento informado das vítimas (PAIVA, 2021).
Em situações de violência doméstica, o vazamento de dados de uma vítima, como seu endereço,
nome ou detalhes do caso, pode colocá-la em maior perigo, expondo-a a novas violências ou retaliações
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por parte do agressor. Nesse sentido, as plataformas de IA voltadas ao combate à violência doméstica
devem operar em ambientes de alta segurança cibernética, com sistemas constantemente monitorados e
atualizados para prevenir ataques hackers e acessos não autorizados. Bem como, a utilização da IA não
deve suprimir o direito da vítima de decidir o que fazer com os seus dados, como usá-los e para que
finalidades, mas devem garantir que as vítimas possam optar por compartilhar ou não determinados dados,
respeitando o direito da vítima de gerenciar suas próprias informações de forma consciente e livre
(AMORIM, 2018).
Conclusões
Em conclusão, a Inteligência Artificial (IA) pode ser uma ferramenta para auxiliar no combate à
violência doméstica ao oferecer soluções inovadoras para a prevenção, identificação e mitigação de casos.
A análise dos dados comportamentais, viabilizada por algoritmos de IA, pode auxiliar na detecção precoce
de sinais de violência, fornecendo subsídios para uma intervenção mais ágil e assertiva. Nesse sentido, a
IA também se destaca ao oferecer tecnologias de suporte imediato às vítimas, ampliando as possibilidades
de proteção e autonomia.
Contudo, o uso dessas tecnologias impõe uma série de desafios éticos e jurídicos, especialmente
no que concerne ao direito à privacidade das vítimas e envolvidos. A aplicação da IA no contexto da
violência doméstica exige a criação de um equilíbrio entre a proteção oferecida e o respeito às liberdades
individuais, o que demanda tanto uma regulação quanto uma abordagem ética no desenvolvimento e
implementação dessas ferramentas. Em conclusão, a IA se configura como uma aliada no enfrentamento
da violência doméstica, mas sua eficácia plena depende de um comprometimento com a ética, a
transparência e a proteção dos direitos das pessoas afetadas.
Palavras-chave
Inteligência Artificial; Violência Doméstica; Tecnologia; Poder Judiciário.
Referências Bibliográficas
AMORIM, Fernanda Pacheco. A inteligência artificial como aliada no combate à violência contra a
mulher. Dissertação de Mestrado (Pós-Graduação em Ciência Jurídica) – Universidade do Vale do Itajaí,
Itajaí, 2018.
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GRUPO MULHERES DO BRASIL. Plataforma atua no combate à violência contra a mulher.
Disponível em: https://www.grupomulheresdobrasil.org.br/plataforma-de-inteligencia-artificial-atuara-
no-combate-a-violencia-contra-a-mulher/. Acesso em 14 out. 2024.
MENDES, Isabelle Brito Bezerra. Inteligência Artificial e violência doméstica: a garantia à
integridade física por meio da relativização da privacidade. Revista de Direito, Direito, Governança e
Novas Tecnologias, v. 8, n. 2, p. 20 – 41, Jul/Dez. 2022.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO MATO GROSSO DO SUL. MPMS lança robô especializado no uso de
inteligência artificial para o combate à violência doméstica. Disponível em:
https://www.mpms.mp.br/noticias/2024/01/mpms-lana-rob-especializado-no-uso-de-inteligncia-
artificial-para-o-combate-violncia-domstica#. Acesso em 14 out. 2024.
PAIVA, Roberta Salomone. Inovações digitais no combate à violência contra a mulher: iniciativas
durante a pandemia da Covid-19 no Brasil. Dissertação de Mestrado (Pós-Graduação em Gestão de
Políticas Internacionais) – Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2021.
SOUSA, Rosana de Vasconcelos; UCHÔA, Ana Maria de Vasconcelos; BARRETO, Maria Raidalva
Nery. Fontes de informação sobre a violência contra a mulher no Brasil. Serv. Soc. Soc., São Paulo, v.
147(2), e-6628376, 2024.


    Donizete Gonçalves

    Bacharel em Direito - Nova Iguaçu, RJ


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