INTRODUÇÃO
A violência doméstica e familiar contra a mulher é uma chaga social que assola o Brasil, impactando milhões de vidas e minando os direitos humanos fundamentais. Apesar dos avanços significativos na legislação e nas políticas públicas, o problema persiste com números alarmantes, exigindo uma análise contínua e aprimoramento das estratégias de combate. Este artigo busca explorar o cenário da violência doméstica no país, com foco nas mudanças recentes na legislação e nos desafios que ainda precisam ser superados para garantir a segurança e a dignidade das mulheres brasileiras.
O MARCO LEGAL: LEI MARIA DA PENHA E SUAS ALTERAÇÕES
A Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha, representa um divisor de águas no enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil. Sua criação foi um passo fundamental para reconhecer a gravidade do problema e estabelecer mecanismos legais para coibi-lo e preveni-lo. Alei define claramente as formas de violência, prevê medidas protetivas de urgência e determina a criação de serviços especializados para o atendimento às vítimas.
PRINCIPAIS PONTOS DA LEI MARIA DA PENHA:
Definição Abrangente de Violência:
A Lei Maria da Penha inovou ao classificar a violência doméstica em cinco tipos distintos: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Essa categorização permite uma compreensão mais ampla das diversas manifestações da violência e facilita a identificação e o combate a cada uma delas.
Medidas Protetivas de Urgência:
Um dos pilares da lei são as medidas protetivas de urgência, que podem ser aplicadas pelo juiz para garantir a segurança da mulher em situação de violência. Entre elas, destacam-se o afastamento do agressor do lar, a proibição de contato com a vítima e seus familiares, e a restrição ou suspensão de visitas a dependentes menores.
Criação de Juizados e Serviços Especializados:
A lei prevê a criação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com competência cível e criminal, para agilizar o processamento dos casos. Além disso, incentiva a criação de centros de referência, casas-abrigo e delegacias especializadas, visando um atendimento humanizado e integral às vítimas.
Agravamento da Pena:
A Lei Maria da Penha também estabelece o agravamento da pena para os crimes de violência doméstica e familiar, refletindo a maior reprovabilidade social dessas condutas.
ALTERAÇÕES E APRIMORAMENTOS RECENTES NA LEGISLAÇÃO:
Desde sua promulgação, a Lei Maria da Penha tem sido constantemente aprimorada por meio de novas leis, que buscam ampliar a proteção às mulheres e adaptar a legislação às novas realidades e desafios. Entre as alterações mais relevantes, destacam-se:
Lei do Minuto Seguinte (Lei nº 12.845/2013):
Esta lei garante o atendimento imediato e multidisciplinar às vítimas de violência sexual em todos os hospitais da rede pública, assegurando acesso a profilaxia de gravidez e de doenças sexualmente transmissíveis, além de apoio psicológico e social.
Lei do Feminicídio (Lei nº 13.104/2015):
Um marco importante, essa lei tipifica o assassinato de mulheres em razão do gênero como crime hediondo, com penas mais graves. O feminicídio é caracterizado quando o crime envolve violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Lei da Importunação Sexual (Lei nº 13.718/2018):
Essa lei criminaliza a importunação sexual, que consiste na prática de ato libidinoso contra alguém sem a sua anuência, com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro. Também criminaliza a divulgação de cena de estupro, estupro de vulnerável, cena de sexo ou pornografia sem consentimento da vítima.
Lei nº 13.772/2018:
Esta alteração na Lei Maria da Penha incluiu a violação da intimidade da mulher como forma de violência doméstica e familiar, abrangendo
situações como a exposição não autorizada de imagens, vídeos ou informações íntimas.
Lei nº 14.188/2021:
Essa lei define o programa de cooperação Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica e Familiar, que permite que mulheres em situação de violência peçam ajuda em farmácias e outros estabelecimentos comerciais, utilizando um “X” vermelho na palma da mão. Além disso, incluiu no Código Penal o crime de violência psicológica contra a mulher, que antes era apenas uma das formas de violência previstas na Lei Maria da Penha.
Lei nº 14.310/2022:
Essa lei alterou a Lei Maria da Penha para determinar o registro imediato, pela autoridade policial, das medidas protetivas de urgência deferidas em favor da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes. Isso visa dar mais celeridade e efetividade à proteção das vítimas.
Lei nº 14.550/2023:
Esta lei aprimorou a Lei Maria da Penha ao dispor sobre as medidas protetivas de urgência e estabelecer que a causa ou a motivação dos atos de violência e a condição do ofensor ou da ofendida não excluem a aplicação da lei. Isso reforça a abrangência da lei e evita interpretações que possam restringir sua aplicação.
O CENÁRIO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NO BRASIL: ESTATÍSTICAS E DESAFIOS
Apesar dos avanços legislativos, a violência doméstica contra a mulher permanece como uma realidade preocupante no Brasil, com números que evidenciam a urgência de ações contínuas e eficazes. As estatísticas recentes pintam um quadro desafiador:
Prevalência Alarmante:
Levantamentos indicam que a violência doméstica atinge uma parcela significativa da população feminina brasileira. De acordo como DataSenado, em novembro de 2023, três a cada dez brasileiras já havia sofrido violência doméstica provocada por homens [1]. Mais recentemente, em março de 2025, uma pesquisa divulgada pelo G1 revelou que 21,4 milhões de brasileiras sofreram algum tipo de violência nos últimos 12 meses, o que corresponde a 37,4% do total de mulheres no país [2]. Corroborando esses dados, a revista Veja, também em março de 2025, reportou que a violência atingiu 27 milhões de mulheres em 2024, com 37,5% das brasileiras tendo sido vítimas de alguma forma de agressão física, sexual ou psicológica nos últimos doze meses [3].
Crescimento dos Casos:
O número de ocorrências de violência contra a mulher tem apresentado um crescimento preocupante. A Agência Brasil, em março de2025, noticiou que a violência contra a mulher aumentou no Brasil, resultando em uma média de 13 vítimas por dia [4]. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em julho de 2024, apontou um aumento de 9,8% no número de mulheres que sofreram algum tipo de violência doméstica em 2023, totalizando258.941 ocorrências [5].
Feminicídios e Homicídios:
A forma mais extrema da violência de gênero, o feminicídio, continua a ceifar vidas de mulheres. Em 2024, foram registrados1.450 feminicídios, além de 2.485 homicídios dolosos e lesões corporais seguidas de morte, conforme dados do Ministério das Mulheres de março de 2025 [6]. Embora o mesmo relatório aponte uma ligeira diminuição de 5,07% nos feminicídios em 2024 em comparação com 2023, a persistência desses números elevados ressalta a gravidade da situação.
Impacto Social Abrangente:
A violência doméstica não afeta apenas as vítimas diretas, mas também tem um impacto social amplo. Uma pesquisa do DataSenado, de fevereiro de 2024, revelou que 68% das brasileiras conhecem alguma amiga, familiar ou conhecida que já sofreu violência doméstica, evidenciando a capilaridade do problema na sociedade [7].
Sobrecarga do Sistema Judiciário:
A grande quantidade de casos de violência doméstica gera uma sobrecarga no sistema judiciário. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em março de 2025, lançou um novo painel da violência contra a mulher que indicou um total de 1.297.142 casos de violência doméstica pendentes até o final de 2024 [8]. Esse volume expressivo de processos demonstra a necessidade de aprimoramento e agilidade na resposta judicial.
Esses dados sublinham a complexidade do problema da violência doméstica e a necessidade de uma abordagem multifacetada que combine a aplicação rigorosa da lei, a expansão de serviços de apoio às vítimas, a educação para a igualdade de gênero e a conscientização da sociedade sobre a importância de combater todas as formas de violência contra a mulher.
CONCLUSÃO
A violência doméstica e familiar contra a mulher é um problema complexo e multifacetado que exige a atenção contínua de toda a sociedade. A Lei Maria da Penha, com suas sucessivas alterações e aprimoramentos, representa um avanço significativo na proteção dos direitos das mulheres e no combate a essa forma de violência. No entanto, as estatísticas alarmantes demonstram que a legislação, por si só, não é suficiente para erradicar o problema. É fundamental que haja um esforço conjunto do poder público, da sociedade civil e de cada indivíduo para promover a conscientização, a educação para a igualdade de gênero, o fortalecimento das redes de apoio às vítimas e a aplicação rigorosa da lei. Somente assim será possível construir uma sociedade mais justa, igualitária e livre de violência para todas as mulheres.