XXXXXXXXX ajuizou ação de rescisão de contrato contra PROJETO IMOBILIÁRIO SPE 77 LTDA e VIVER INCORPORADORA E CONSTRUTORA S.A., informando que em 14.08.2011 firmou com as requeridas contrato de compromisso de compra e venda de um imóvel, matriculado sob o nº 88.947 do Registro de Imóveis desta Comarca (CANOAS-RS). Asseverou que o imóvel não foi entregue no prazo previsto, motivo pelo qual pretende a rescisão do contrato. Disse que solicitou a rescisão extrajudicialmente, não obtendo êxito porque a ré pretende devolver somente 15% dos valores adimplidos pelo autor. Sustentou que a situação experimentada lhe causou danos de ordem moral. Alegou que em razão do atraso na entrega do bem teve que despender o montante de R$ 9.600,00 à título de aluguel. Referiu que deve a demandada ser condenada ao pagamento dos valores adimplidos pelos autores à título de comissão de corretagem. Requereu a procedência da demanda.
Citadas, as requeridas apresentaram contestação (fls. 121/140), suscitando preliminarmente a ilegitimidade passiva da ré Viver. Referiram que não são responsáveis pela devolução dos valores adimplidos pelo autor à título de comissão de corretagem. Sustentaram que o prazo final para a entrega do imóvel era janeiro de 2013, face à cláusula de tolerância de 180 (cento e oitenta) dias. Aduziram que o atraso na entrega ocorreu em razão da redução da oferta de mão-de-obra. Alegaram que na hipótese de rescisão, deve ser restituído o montante de 70% dos valores pagos. Disseram que devem ser retidos os valores devidos à título de PIS e COFINS. Asseveram que inexiste o direito de indenizar o autor relativamente aos
danos materiais e morais pretendidos. Requereram a improcedência da demanda.
Não houve réplica.
Instadas as partes acerca da produção de provas, nada requereram.
Vieram conclusos os autos.
É O RELATO.
PASSO A DECIDIR.
Inicialmente, de se registrar que estão presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, sendo possível o exame do mérito.
Cabível o julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 330, I, do Código de Processo Civil, por tratar-se de matéria unicamente de direito, sendo prescindível a produção de prova oral.
Trata-se de ação de rescisão de contrato cumulada com indenização por danos materiais e morais, em razão de atraso na entrega de bem imóvel.
Denoto, da análise dos autos, que o requerente adquiriu um imóvel com prazo de entrega para o mês de julho de 2012, podendo haver prorrogação de 180 (cento e oitenta) dias, conforme cláusula 7.1.1 do contrato (fl. 85), ou seja, o prazo máximo para entrega era o mês de janeiro de 2013.
De acordo com as alegações expostas em sede de contestação, o atraso da obra seria em decorrência da escassez de mão de obra, que, na visão da requerida, justifica o atraso e permite a prorrogação pelo tempo necessário.
Ora, de acordo com o art. 333, II, do Código de Processo Civil, cumpre ao réu a demonstração de fato extintivo, modificativo ou impeditivo do direito autoral, ônus do qual não se desincumbiu o demandado, na medida em que a justificativa concedida não merece respaldo, tendo em vista que a demandada atua no ramo da construção, devendo conhecer os riscos da atividade, não sendo crível justificar o atraso na alegada escassez de mão-de-obra, o que, ademais, sequer restou comprovado nos autos.
A presente demanda foi ajuizada em 16.12.2013, tendo em vista que os autores requereram, administrativamente, a rescisão do contrato, o que não foi perfectibilizado porque a devolução dos valores adimplidos não ocorreria de forma integral.
Ora, havendo a insatisfação dos compradores com o bem adquirido e, dessa forma, plenamente justificável, não há óbice para a rescisão do contrato, ademais pelo fato de que não há oposição da parte requerida, devendo ser analisada a forma da devolução dos valores pagos e eventuais danos advindos da mora da requerida.
De acordo com os elementos constantes dos autos, verifico que os autores pagaram o valor de R$ 19.081,23, que atualizado até 08.08.2013 correspondem ao montante de R$ 21.824,17.
Dessa forma, tendo em vista que a pretensão à rescisão contratual não ocorreu por culpa dos compradores, entendo que a parte ré não pode se valer da cláusula contratual que prevê a cominação de multa, conforme pretendido, devendo os valores serem devolvidos em sua integralidade, porque, ao contrário do alegado, a culpa pela rescisão foi causada pela parte requerida, dado o atraso na entrega do bem.
Quanto aos danos materiais postulados, tenho que assiste razão ao requerente ao ser ressarcido dos valores pagos à título de aluguel pelo período do atraso na entrega do imóvel.
Assim, tendo em vista que o contrato de locação de fls. 42/44 denota que o período da locação era de 02.10.2012 a 03.10.2013 e, tendo em vista que a mora da ré teve início em janeiro de 2013, tenho que o autor deve ser ressarcido pelos locativos no período compreendido entre janeiro de 2013 até outubro de 2013.
Tangente aos danos materiais postulados em razão dos produtos adquiridos junto à loja Ponto Frio, sem razão o demandante, visto que referem-se à bens duráveis, conforme notas fiscais acostadas aos autos, não havendo qualquer prejuízo material ao autor.
No tocante ao pleito de danos materiais relativamente ao montante de R$ 4.563,75 pagos à título de comissão de corretagem, tenho que merece respaldo.
Isto porque, embora os valores não tenham sido pagos à requerida, e sim a terceiros, entendo que, em razão da culpa da ré pela rescisão do contrato, esta deverá arcar com o montante despendido pelos autores para viabilizar a aquisição do imóvel objeto da lide, que restou frustrado em decorrência do atraso na entrega do bem.
No entanto, embora procedente o pleito de rescisão do contrato, tenho que não há falar em indenização pelos danos morais alegadamente experimentados, tendo em vista que entendo que para caracterizar dano moral, torna-se imperiosa sua efetiva comprovação, uma vez que o dano extrapatrimonial pressupõe ofensa aos direitos de personalidade e à dignidade da pessoa humana, pressupondo situações vexatórias e humilhantes, o que entendo não ser o caso dos autos.
Isto porque tenho que a situação experimentada pelo autor não supera o mero dissabor das relações contratuais, sendo ônus do requerente a demonstração cabal de ofensa à ordem moral.
Assim, não havendo provas acerca do dano moral experimentado, não há falar em indenização por danos morais.
Aliás, sobre a caracterização do dano moral, assinala com propriedade o autor SÍLVIO DE SALVO VENOSA[1] no sentido de que infortúnios comuns não estão a merecer a configuração de prejuízos ao patrimônio moral da parte:
“Dano moral é o prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima. Nesse campo, o prejuízo transita pelo imponderável, daí por que aumentam as dificuldades de se estabelecer a justa recompensa pelo dano. Em muitas situações, cuida-se de indenizar o inefável. Não é também qualquer dissabor comezinho da vida que pode acarretar a indenização. Aqui, também é importante o critério objetivo do homem médio, o bônus pater famílias: não se levará em conta o psiquismo do homem excessivamente sensível, que se aborrece com fatos diuturnos da vida, nem o homem de pouca ou nenhuma sensibilidade, capaz de resistir sempre às rudezas do destino. Nesse campo, não há fórmulas seguras para auxiliar o juiz. Cabe ao magistrado sentir em cada caso o pulsar da sociedade que o cerca. O sofrimento como contraposição reflexa da alegria é uma constante do comportamento humano universal.” (Grifou-se.)
Sobre o tema, também é de grande valia referir as sábias palavras do em. Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, SÉRGIO CAVALIERI FILHO[1]:
“(...) só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos.
Dor, vexame, sofrimento e humilhação são conseqüência, e não causa. Assim como a febre é o efeito de uma agressão orgânica, dor, vexame e sofrimento só poderão ser considerados dano moral quando tiverem por causa uma agressão à dignidade de alguém”. (Grifou-se.)
Por fim, no tocante à retenção dos valores relativos ao PIS e COFINS, sem razão à demandada, visto que sequer comprovou que despendeu valores a este título.
Dessa forma, a parcial procedência da demanda é medida que se impõe.
[1]{C} CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 6ª ed. revista, aumentada e atualizada, São Paulo: Malheiros, 2005, p. 105.
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente demanda ajuizada por TIAGO MACIEL ZENGA contra PROJETO IMOBILIÁRIO SPE 77 LTDA e VIVER INCORPORADORA E CONSTRUTORA S.A. com base no art. 269, I, do Código de Processo Civil, para o fim de:
a) DECLARAR a rescisão do contrato objeto da lide;
b) CONDENAR o réu à devolução integral dos valores efetivamente pagos pelos autores, devidamente atualizados pelo IGP-M desde a data do desembolso e acrescidos de juros moratórios no montante de 1% ao mês, a contar da citação;
c) CONDENAR o réu ao pagamento de R$ 4.563,75 à título de indenização por danos materiais, devidamente atualizados pelo IGP-M desde a data do desembolso e acrescidos de juros moratórios no montante de 1% ao mês, a contar da citação;
d) CONDENAR a requerida ao ressarcimento dos valores despendidos à título de aluguel no período compreendido entre janeiro de 2013 a outubro de 2013, no montante de R$ 800,00 mensais, a ser atualizado pelo IGP-M a partir do desembolso, bem como juros moratórios de 1% ao mês a contar da citação.
Diante da sucumbência recíproca, condeno ambas as partes ao pagamento das custas processuais, devendo a ré arcar com o montante de 80% das custas processuais, sendo o restante pelo autor. A parte demandada deverá arcar com os honorários advocatícios devidos ao procurador da parte autora, que fixo em 15% sobre o valor atualizado da condenação, atendidos os vetores do art. 20, §§ 3º e 4º, do Código de Processo Civil; o autor deve arcar com os honorários da parte adversa no montante de R$ 600,00 admitindo-se a compensação de tais verbas. Contudo, resta suspensa a exigibilidade da verba sucumbencial pela parte autora, face à AJG deferida nos autos.
Processo nº: 008/1.13.0034948-0 (CNJ:.0061936-89.2013.8.21.0008) Natureza: Rescisão de Contrato - Réu: Projeto Imobiliário SPE 77 Ltda
Viver Incorporadora e Construtora S.A. Juiz Prolator: Juiz de Direito - Dr. Rodrigo de Souza Allem Data: 08/08/2014
Esta é a lição que a construtura tomou em demanda ajuizada por nosso escritório.
Eduardo Gomes Advogados
Canoas, 08 de agosto de 2014.