PERDA DE UMA CHANCE: A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO


11/05/2015 às 18h40
Por Esdras Carvalho

INTRODUÇÃO

A responsabilidade, considerada em seu sentido mais genérico, constitui instituto vastamente estudado pela sociedade jurídica.

A razão é simples!

Como se sabe, os serem humanos tendem a agir de forma egoísta, preservando seus próprios interesses, sejam eles de natureza biológica, física ou, até mesmo, econômica, em detrimento dos de seus pares. Conseqüência disso é que, não raramente, nos deparamos com situações socialmente conflituosas, de forma que interesses antagônicos ou, ao menos, não coincidentes, não conseguem resistir conjuntamente.

Ocorre que o simples convívio em sociedade ocasiona constantes violações a direitos, que devem ser reparados cabalmente a fim de se preservar a paz e evitar o caos, consolidando o mínimo de ordem necessário à sobrevivência do homem.

É nesse momento que o Estado interfere na relação social!

A análise detida do tema levou os estudiosos a classificarem a responsabilidade de acordo com a natureza da conduta que a gerava, ou do direito violado pelo fato, adotando princípios e características típicas a cada categoria. Destarte, o ordenamento jurídico brasileiro, assim como a maioria dos demais, passou a adotar três modalidades de responsabilidade, quais sejam a civil, penal e a administrativa.

O tema que compõe o objetivo principal do presente trabalho não permite que fujamos da responsabilidade ocorrida na seara cível, motivo pelo qual será analisada detalhadamente, em prejuízo dos demais.

Nas lições do mestre Silvio de Salvo Venosa (2010, p.36): “Logo, podemos afirmar que, ordinariamente, a responsabilidade civil nada mais é do que o dever imputado a um indivíduo de reparar uma lesão decorrente de seus próprios atos ou, extraordinariamente, de quem esteja sob seus cuidados.”

A Responsabilidade Civil encontra nascedouro nas próprias relações sociais. O dever reparatório, ou indenizatório, é consectário lógico de um Estado preocupado com o convívio social harmônico, em que a equidade constitui objetivo fundamental prioritário.

Ao abordar o assunto, passarei a analisar sua evolução histórica, e seus momentos progressivos mais importantes. Mais precisamente, tratarei do seu desenvolvimento até os tempos atuais, partindo desde o Direito Romano, quando imperava a lei de Talião, em que o agressor respondia com o corpo pelos prejuízos causados à vítima, passando pelo surgimento da Lex Aquilia, juntamente com as primeiras noções de responsabilidade extracontratual, até atualmente, com a adoção da teoria subjetiva de responsabilização.

Após, com uma análise contemporânea do instituto, ressaltarei suas classificações e espécies, segundo doutrina especializada. E depois, passarei a explanar sobre as causas que resultam na exclusão do dever de reparar.

Ademais, para cabal compreensão do tema, far-se-á necessária uma abordagem ampla sobre a atividade advocatícia, ocasião em que se analisará sua evolução histórica, bem como sua importância para a sociedade em geral. Após, será iniciada uma análise conceitual das atividades de meio e de resultado, bem como a espécie de responsabilidade incidente sobre cada qual.

Finalmente, adentraremos no tema principal do presente trabalho, qual seja a responsabilidade civil pela perda de uma chance, e seus aspectos principais frente ao trabalho exercido pelo profissional em advocacia.

A teoria da perda de uma chance encontra linhagem no direito francês, segundo doutrina mais abalizada. Objeto de diversos debates jurídicos, a perda de uma chance constitui modalidade relativamente recente de responsabilização, em que se busca equiparar a mera perda de uma possibilidade a um dano sofrido efetivamente.

Na realidade, nesta modalidade se percebe uma flexibilização exacerbada do elemento dano. Aqui não há que se falar em dano efetivo, e sim na perda da possibilidade de se obter um resultado, equiparada a dano pela jurisprudência, razão pela qual o instituto é frequentemente confundido com diversos outros, tais como os lucros cesssantes.

Na responsabilidade civil pela perda de uma chance a lesão abrange somente expectativas, e não direitos concretos. Sua incidência na atividade advocatícia é aceita por diversos doutrinadores. Exemplos claros, citados pela Professora MARIA HELENA DINIZ, seriam os erros de direito, pelos erros de fato que cometeu no desempenho da função da advocacia, pelas omissões de provas necessárias para resalvar os direitos de seu constituinte, pela perda de prazo entre outros.

Em que pese inexistir dano efetivo, a perda de uma chance real é suficiente para se configurar a lesão, desde que comprovada a interferência direta na obtenção do resultado. O indivíduo que perde uma oportunidade por culpa alheia jamais poderá obter o resultado pretendido, motivo pelo qual o estudo do tema é tão importante atualmente.

1 RESPONSABILIDADE CIVIL

1.1 CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL

Preliminarmente, mister se faz alguns esclarecimentos a cerca do instituto da responsabilidade civil, de modo a tornar mais compreensivel eclaro o estudo desse instituto jurídico, particularmente, no que tange a responsabilidade civil pela perda de uma chance, da qual o presente trabalho monográfico tratará com maior amplitude.

Pois bem, insta ressaltar a importância da responsabilidade civil, um tema que cada vez mais tem despertado o interesse dos profissionais do meio jurídico, sendo este um tema de relevante atualidade jurídica sobretudo, por ter repercução no que tange o direito moderno e seus efeitos de fácil percepção nas atividades do cotidiano, dado que, o desenvolvimento economico, ao produzir diversas atividades, coloca em posição de risco a paz do homem.

Podemos desta forma ainda classificar a responsabilidade civil como a obrigação de uma pessoa a reparar o dano causado a outrem, seja por conduta omissiva ou comissiva ou ainda em razão de pessoas ou coisas vinculadas a ela.

Derivada do verbo latin “respondere”, responsabilidade, nos traz a idéia de restituição, de reparação, ou seja, a reparação de um dado dano sofrido em virtude da atitude de alguém que agiu em desconformidade com a norma ou não cumpriu um determinado dever.

Entre tanto, este verbo latino se originou, também, do vocábulo latino , “spondeo” que por sua vez era a forma de vinculação do devedor em contratos não escritos, ou seja, os contratos meramente verbais do direito romano.

Pode-se depreender ainda, no que diz respeito ao tema, responsabilidade civl, segundo conceitua De Plácido e Silva (2005, p.1222) “designa a obrigação de reparar o dano ou ressarcir o dano quando injustamente causado por outrem. Revela-se, assim, ou melhor, resulta da ofensa ou da violação de direito, que redunda em dano ou prejuizo a outrem.”

Conforme bem salienta Maria Helena Diniz (2007, p.35):

A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal.

Logo, depreendemos do vocabulo responsabilidade que o mesmo está indubitavélmente conexo com o surgimento de uma obrigação jurídica derivada, apesar de que haja ainda um tanto de dificuldade da doutrina em de certa forma conceituar a responsabilidade civil, pode-se dizer que o devido instituto jurídico, defini-se por sendo a responsabilidade delegada a alguém, que agindo comissiva ou omissivamente violou um bem jurídico resguardado, dessa forma, por conseguinte, o dever reparatório do dano causado.

Neste sentido, no que tange a diferença entre obrigação e responsabilidade anota Gonçalves (2009, p.03):

Em síntese, em toda obrigação há um dever jurídico originário, enquanto na responsabilidade há um dever jurídico sucessivo. E sendo a responsabilidade uma espécie de sombra da obrigação, sempre que quisermos saber quem é o responsável teremos de observar a quem a lei imputa a obrigação ou o dever originário.

Desta forma, o homem como parte do meio social, na prática de qualquer ato suficientemente capaz de ofender o direito alheio ou proceder contrariamente aos valores sociais, estará sujeito as consequências dos seus atos, estando obrigado a restaurar o status quo ante, ou indenizar o dano causado, uma vez que o direito nunca poderá permitir tal ofensa sem que ao menos haja a devida restauração.

Desta forma, opera a responsabilidade civil, cujo propósito maior é o de antes de qualquer coisa, restabelecer um certo equilíbrio nas relações jurídicas, assim sendo a reparação dos danos causados.

Nesse mesmo diapasão, segundo anota Silvio de Salvo Venosa (2010, p. 01)“O estudo da responsabilidade civil abrange todo o conjunto de princípios e normas que regem a obrigação de indenizar.”

Logo, pode-se afirmar que a responsabilidade civil, mantém como primordial fato gerador o interesse em restaurar o equilíbrio retirado pelo ato ilícito e por dupla função a de, justamente, garantir o direito do lesado à segurança e atender como sanção civil de origem compensatória.

Não obstante, ao classificar o instituto da responsabilidade civil, boa parte da doutrina, representada por muitos autores conceituados, depara-se com uma problemática, qual seja, caracterizá-la baseada na culpa (responsabilidade subjetiva) ou no risco (responsabilidade objetiva).

Maria Helena Diniz (2007, p.34), ao citar Pirsón e Villé em sua obra mostra a maneira como eles aplicam a responsabilidade: “Como a obrigação imposta pelas normas às pessoas no sentido de responder pelas conseqüências prejudiciais de suas ações.”

Por outro lado, também mencionado por Maria Helena Diniz em sua obra(2007, p.34), em sua ótica de responsabilidade: “Sob um aspecto mais amplo, não vislumbrando nela uma mera questão de culpabilidade, mas sim de repartição de prejuízos causados, equilibrando direitos e interesses.” Tal ideologia, vale salientar, implica em uma visão moderna de responsabilidade, como sendo detentora de dois pólos distintos: o objetivo, cujo qual fundado no risco e o subjetivo, este sendo fundamentado na culpa.

Analisados os pensamentos supramencionados, cabe reiterar o que assevera o ilustre doutrinador Silvio de Salvo Venosa (2010, p.02), no que tange a culpabilidade na esfera da responsabilidade civil:

Cada vez mais a necessidade do exame da culpa torna-se desnecessário: a responsabilidade com culpa ou subjetiva atualmente local secundário, pois existem inúmeras situações legais de responsabilidade objetiva ou sem culpa.

Neste mesmo sentido, mister se faz analisar a definição dada por Maria Helena Diniz (2007, p.34) à responsabilidade civil que entende como sendo:

A aplicação de medidas que obriguem a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob guarda ou ainda de simples imposição legal. Definição esta que guarda, em sua estrutura, a idéia da culpa quando se cogita da existência de ilícito (responsabilidade subjetiva), e a de risco, ou seja, da responsabilidade sem culpa (responsabilidade objetiva).

Em verdade, em se tratando de responsabilidade civil, o que certamente deve ser levado em conta é a conduta do agente sendo esta, por conseguinte composta por um ou mais atos suficientemente aptos a gerar o dever indenizatório ao lesado.

O código civil de 2002 trata do tema em mais de um artigo, constante da parte geral, livro III, título III, “Dos Atos Ilícitos”, e na parte especial, livro I, título IX, Da Responsabilidade Civil.

O artigo 186 do diploma supracitado dispõe que: “Aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

Artigo 187 dispõe ainda que: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa fé ou pelos bons costumes.”

Logo, o artigo 927 afirma que: “Aquele que por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.” E seu parágrafo único corrobora que: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza risco para os direitos de outrem.”

1.2 RESPONSABILIDADE CIVIL: EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Fato é que, o direito é a conseqüência do convívio em sociedade, sendo fruto de um desenvolvimento social e responsável por regular todas as hipóteses de relação entre os indivíduos. Por conseguinte, os institutos que perfazem qualquer ordenamento jurídico passam, no decorrer do tempo, por diversas mudanças, ao passo que acompanhem as tendências da sociedade como um todo e nenhuma situação possa ficar desamparada sem o devido enquadramento legal.

É incontestável que o direito deve andar lado a lado com a evolução, de uma sociedade, de maneira que vá se adaptando ao meio que regula, esta estando sujeita a se mostrar como uma medida inútil a regulação. Neste aspecto, a responsabilidade civil passou por diversas linhas de pensamento, adotando e abandonando inúmeras teorias até atingir, atualmente, o que se pode acreditar ser o mais aproximado do ideal.

Observa-se, portanto, que a responsabilidade, em seu sentido mais genérico, acaba por resultar de uma ampla evolução social. Deixou-se de lado a concepção primordial de vingança pessoal, em que o agressor responderia com o próprio corpo pelo mal causado por si, na proporcionalidade do dano suportado pela vítima, e passou-se a adotar a teoria da responsabilidade patrimonial, originando-se a concepção de indenização cível ou dever de reparação. Nas palavras dos ilustres Stolze e Pamplona (2008, p.10):

De fato nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto está calcada na concepção de vingança privada, forma por certo rudimentar, mas compreensível do ponto de vista humano como lidima reação pessoal contra o mal sofrido.

Em tempos remotos, aquele que por vontade própria se sobrepor-se a órbita jurídica alheia, ou seja, viesse agredir outrem voluntariamente, responderia por seus atos dentro dos moldes da lei de talião, que encontrava fortes traços na lei das XII tábuas, conforme anota Stolze e Pamplona (2008, 6ª ed., pág. 10). Neste contexto, a pena aplicada ao agressor consistia na rigorosa reciprocidade em virtude do crime praticado por ele, funcionando dessa maneira como uma verdadeira retaliação, freqüentemente expressa pela máxima “olho por olho, dente por dente” como realmente era.

Para que se dê um real entendimento a proporcionalidade da responsabilidade naquele período e de como se deu os primeiros indícios reais perante a sociedade, pede-se vênia para que seja exposto uma necessária lição sobre o devido tema em análise, consagrada da bíblia sagrada livro de Êxodo, cap. 21, versículos 22 à 25:

Se alguns homens ao brigarem atingirem uma mulher grávida, fazendo-a abortar, mas sem maiores danos, o culpado será multado de acordo com aquilo que o marido da mulher exigir e os juízes decidirem. Se, porém, houver dano maior, então pagarás vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferimento por ferimento, contusão por contusão.

Dado isto, percebemos que o homem, por seu próprio instinto e pela historicidade, já tinha a tendência de expulsar o mal da forma que lhe melhor conviesse, e assim sendo, quase na maioria dos casos o sentimento se traduzia no instinto de vingança, sendo assim aplicado ao agressor o mesmo prejuízo suportado pela vítima, com isso sendo consolidado sentimento de vingança, de retaliação. Apenas com o decorrer do tempo, juntamente com a consolidação do estado de direito e o monopólio jurisdicional, que passou-se a ser adotado outros métodos de responsabilização, exaurindo-se a concepção de vingança pessoal e adentrando ao patrimônio do agressor para indenizar cabalmente todo o dano ocasionado.

Segundo leciona Silvio de Salvo Venosa (2010, p.18):

O conceito de reparar o dano injustamente causado somente surge em época relativamente recente da história do direito. O famoso princípio da Lei do Talião, da retribuição do mal pelo mal, “olho por olho”, já denota uma forma de reparação do dano. Na verdade, o princípio é da natureza humana, ou seja, reagir a qualquer mal injusto perpetrado contra a pessoa a família ou o grupo social. A sociedade primitiva reagia com a violência. O homem de todas as épocas também o faria, não fosse reprimido pelo ordenamento jurídico.

Certamente que tal sentimento levaria o homem e a sociedade como um todo ao fim precoce, a sociedade, propriamente dita, começou a reconhecer medidas transacionais entre os litigantes, dessa maneira, alguns bens e importâncias em dinheiro poderia ser disponibilizada em favor do lesionado, em detrimento ao patrimônio do causador da agressão.

Neste sentido, originou-se a Lex Aquília e os primordiais aspectos da responsabilidade aquiliana, que se impôs como um divisor de águas no que diz respeito a responsabilidade civil. Logo passou-se a admitir a punibilidade dos agentes por danos injustificadamente provocado, seja qual fosse a relação obrigacional preexistente, restando para que fosse configurada apenas que o dano decorresse de uma conduta humana culposa e que daí surgi-se o dever reparador, vindo a culpa a ser compreendida em sua forma mais extensa, abarcando não somente a negligência e a imprudência, como o próprio dolo.

Observa Silvio de Salvo Venosa (2010, p.18) que por meio da Lex Aquília, se passou a atribuir ao titular de bens de direito a receber um pagamento em dinheiro de quem tivesse destruído ou deteriorado o seus.

A partir deste ponto, foi desenvolvido o que hoje acredita-se ser o mais aproximado do ideal, levando em conta as circunstâncias e elementos caracterizadores de uma sociedade mais moderna e capitalista, qual seja a teoria da responsabilidade subjetiva, ou teoria da culpa, fundada no adágio romano que versa neminem laedere, ou seja, não lesar ninguém.

1.3 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE

Tendo em vista que existem algumas distinções no que diz respeito a aplicação da responsabilidade civil no ordenamento jurídico brasileiro, foi determinada uma classificação sistemática, tendo por base, precipuamente, a culpa e em seguida a natureza da norma jurídica infringida. Tendo assim de conformidade tais critérios, tem-se de tal modo que a responsabilidade civil pode ser quanto ao fundamento: subjetiva e objetiva, e ainda quanto ao fato gerador: contratuais e extracontratuais.

1.3.1 QUANTO AO FATO GERADOR

Sob o ponto de vista do fato gerador, a responsabilidade civil passa por uma bissegmentação. Neste sentido se analisa assim a natureza da conduta danosa praticada pelo agente, essa de forma isolada, independentemente do próprio resultado a ser suportado pela vítima.

Vejamos o que dispõe Silvio de Salvo Venosa acerca do tema (2010, p.22):

A grande questão nessa matéria é saber se o ato danoso ocorreu em razão de uma obrigação preexistente, contrato ou negocio jurídico unilateral. Enfatizamos anteriormente que nem sempre resta muito clara a existência de um contrato, porque tanto a responsabilidade contratual como a extracontratual com freqüência se interpenetram e ontologicamente não são distintas: quem transgride um dever de conduta, com ou sem contrato, pode ser obrigado a ressarcir o dano.

Deste modo, no que tange ao fato gerador, logo temos assim que a responsabilidade civil pode ser entendida também como sendo contratual ou, ainda, extracontratual.

1.3.1.1 RESPONSABILIDADE CONTRATUAL

Em um entendimento simplificado temos que é contratual a responsabilidade civil aquela que decorre de uma violação de obrigação jurídica prévia, ou seja, aquela sob a qual resulte de uma relação obrigacional descumprida, materializando-se assim em um inadimplemento voluntário, seja ele integral ou parcial.

Pontua Silvio de Salvo Venosa (2010, p.22) que tanto em sua modalidade contratual como na extracontratual o fundamento genérico da responsabilidade reside na culpa, vista de forma unitária. Ocorre que na culpa contratual, examina-se o inadimplemento como seu fundamento e os termos e limites da obrigação.

Dessa maneira, se exige, portanto, para configuração da modalidade analisada em questão, que essa conduta humana seja contrária àquela ao qual o contraente está obrigado a executar, de modo que atente as expectativas da parte que figura na outra ponta do liame obrigacional, ocasionando-lhe um dano passível de reparação.

Ao exaltar a dificuldade encontrada na demonstração da culpa do agente ou da antijuridicidade da sua conduta para ensejar a sua responsabilização civil, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2008, p.16), com a maestria que lhes são peculiar, dispõem:

Tal dificuldade é minorada quando a conduta ensejadora do dano é resultante do descumprimento de um dever contratual, pois, nessa hipótese presumir-se-ia a culpa, uma vez que a própria parte se obrigou, diretamente, à obrigação, ora descumprida.

Como exemplo pode ser citada a situação em que se encontra o indivíduo que tem o fornecimento de água cortado injustificadamente, ou ainda o comodatário que, por sua culpa, permite o perecimento do bem e, por isso, deixa de entregá-lo na data aprazada. Na mesma situação figura o segurador que, dolosamente, se furta de pagar a indenização devida ao segurado, ou ainda o escritor que, por mera negligência, se omite de entregar ao editor, no prazo fixado pelo contrato, a obra prometida e já anunciada.

1.3.1.2 RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL

Diz-se extracontratual a responsabilidade que prescinde de uma relação jurídica obrigacional pretérita. Nesta modalidade, o individuo é responsabilizado civilmente pela pura e simples violação de um direito alheio, reconhecido por lei e garantido pelo Estado de Direito.

Seus contornos surgiram ainda no Direito Romano, justamente com as primeiras noções da Lex Aquilia, razão pela qual também é conhecida como responsabilidade aquiliana.

Segundo leciona Silvio de Salvo Venosa (2010, p.22), na culpa aquiliana, leva-se em conta a conduta do agente e a culpa em sentido lato, cujo conceito abarca não só a negligência, imprudência e imperícia, como também o dolo. Ainda, as lições de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2008, p.16-17) sobre o tema fulminam qualquer dúvida porventura existente, vejamos:

Se o prejuízo decorre diretamente da violação de um mandamento legal, por forca da atuação ilícita do agente infrator (caso do sujeito que bate em um carro), estamos diante da responsabilidade extracontratual.

Assim, pode-se concluir que a culpa, aqui estudada, necessita de efetiva comprovação pelo individuo que tem o patrimônio lapidado, segundo as regras de distribuição do ônus probante insculpidas no art. 333 do Código de Processo Civil. De outro modo, a culpa contratual é presumida, pois a responsabilidade resulta de uma obrigação livremente assumida pela parte, razão pelo qual caberá ao inadimplente o ônus de provar que não merece ser responsabilizado.

1.3.2 RESPONSABILIDADE CIVIL QUANTO AO FUNDAMENTO

Nosso ordenamento jurídico prático adotou sob a concepção de fundamento, duas espécies de responsabilidade civil, quais sejam, a responsabilidade subjetiva e a responsabilidade objetiva.

Por padrão, temos que as relações sociais acarretam a responsabilização em sua modalidade subjetiva, visto que os agentes se posicionam em par de igualdade em nosso ordenamento jurídico.

Logo, admiti-se no ordenamento jurídico a responsabilidade em sua modalidade objetiva, na qual apenas incidem em situações específicas, com mais precisão, naquelas que se baseiam no elemento da teoria do risco.

Adiante, passarei a abordar as características de cada uma.

1.3.2.1 RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA

Conforme prevê a teoria clássica, a culpa era tida como um pressuposto da responsabilidade civil, logo, sem a existência da culpa não haveria de se falar em responsabilidade.

Segundo anota Stolze e Pamplona (2009, p.13):

Esta culpa, por ter natureza civil, se caracterizará quando o agente causador do dano atuar com negligência ou imprudência, conforme cediço doutrinariamente, através da interpretação da primeira parte do artigo 159 do Código Civil de 1916 (art. 159:. Aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano), regra geral mantida com aperfeiçoamentos pelo código civil de 2002 (art. 186:. Aquele que por ação ou omissão involuntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito).

O conceito de responsabilidade dentro da doutrina subjetiva, coloca que o principio pelo qual cada um é responsável pela culpa que lhe é devida, ou seja, tem-se que a responsabilidade civil subjetiva é aquela que encontra justificativa na culpa ou dolo, seja por ação ou omissão danosa a outrem, sendo inexcusavelmente necessária a comprovação desta culpa, para que seja elencado o dever de indenizar.

Todavia, havendo sido configurada a culpa, em um fato que constitua o direito a pretensão reparatória, fica dessa forma o autor incubido de mostrar, de provar a culpa do réu.

Conforme prevê tal concepção, a responsabilidade do agente que ocasionou tal dano apenas restará esclarecida se o agente agir com o dolo ou culpa.

Entre tanto, prevê a lei também casos específicos em que ocorre um dano sem a necessidade de caracterização da culpa, o que se convencionou chamar de responsabilidade objetiva. Essa, por sua vez, não prejudica em hipótese alguma a concepção da responsabilidade subjetiva que subsiste como importante e necessária a regra.

Assim, pode-se analisar, não obstante venha sendo ponderado a responsabilidade sob um ponto de vista objetivo, no ordenamento jurídico brasileiro a responsabilidade civil não se desligou do princípio fundamental da culpa, uma vez que o artigo 186 c/c artigo 927, caput, do Código Civil, aplica que tendo a vítima sofrido um dano, esta faz jus a uma reparação, devendo dessa forma o ofensor indenizar-lhe. De tal modo, existe uma certa culpa a se extrair dessa conduta ilícita que tenha gerado o dano, que agora passa a dever a indenização.

1.3.2.2 RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA

Assim que se deu o surgimento da responsabilidade civil, veio a tona a reparação do dano com o objetivo do ressarcimento pelo lesado por aqueles atos contrários as normas praticados pelo ofensor dessa forma agido este com a devida culpa.

Entre tanto, no decorrer do tempo e por conta de diversas transformações materiais do meio social pelo progresso, a concepção de culpabilidade passou a ser vista sob uma ótica de insuficiência para abarcar todas as situações de responsabilidade, de tal modo que cresciam o número de acidentes no meio de trabalho com a devida evolução das novas técnicas de produção. Assim, tornava-se relativamente impossível para o empregado atestar a culpa do seu empregador e portanto o empregado ficará sujeito a suportar todos os danos sofridos, o que veio a levar os cientistas jurídicos a fazerem um reexame da responsabilidade.

Dessa maneira, tão somente depois da segunda metade do século XIX é que a responsabilidade civil objetiva conquistou a independência dentro da responsabilidade civil, surgindo ai diversos trabalhos em países da Europa como, Itália e Bélgica, entre tanto, na frança, o seu marco maior consolidação.

De agora em diante, uma vez que sendo feitas essas breves considerações a cerca da responsabilidade objetiva, partiremos agora para uma análise mais sólida no que tange esta modalidade de responsabilidade seus aspectos no ordenamento jurídico brasileiro.

Conforme já abordado anteriormente, em determinadas situações, a norma obriga que o agente causador, repare o dano sofrido pela vítima, mesmo que praticado sem a devida culpa.

Habitua-se a dar a esse determinado caso o nome de responsabilidade objetiva, fundamentando-se na teoria objetiva ou do risco, uma vez que prescinde de culpa, sendo satisfeita apenas com o dano e o nexo causal.

Certa teoria do risco tem como fundamentação a concepção de que todo e qualquer é reparavel e deve ser objeto de indenização pelo agente que se liga pelo nexo de causalidade, independentemente de culpa.

Carlos Roberto Gonçalves, (2009, p.31):

Uma das teorias que procuram justificar a responsabilidade objetiva é a teoria do risco. Para esta teoria, toda pessoa que exerce atividade cria um risco de danos a terceiros. E deve ser obrigada a repará-lo ainda que sua conduta seja isenta de culpa. A responsabilidade civil desloca-se da noção de culpa para a idéia de risco, ora encarada como “risco proveito” que se funda no princípio segundo o qual é reparável o dano causado a outrem em conseqüência de uma atividade realizada em benefício do responsável (ubi emolumentum, ibis ônus): ora mais genericamente como “risco criado”, a que se subordina todo aquele que, sem indagação de culpa, expulsar alguém e suportá-lo.

No que tange a responsabilidade objetiva, não há a necessidade de ser provada a culpa do agente, para que desta forma se obrigue a indenizar a vítima do dano. Em determinados casos, esta culpa é presumida pela lei e, em outros casos, até mesmo prescindível. Como caso hipotético, quando a culpa é presumida, pode-se citar o que esta elencado no artigo 936 do Código Civil, cujo qual diz ser presumida a culpabilidade do dono do animal, se este vier causar dano a outrem, sendo-lhe, entre tanto, facultado provar excludentes.

Ou seja, pode-se entender por objetiva a responsabilidade independentemente de culpa, podendo a mesma existir ou não, todavia, será irrelevante a sua configuração para que tenha o dever de reparação ao dano sofrido. Indispensável, no caso é a existência do nexo de causalidade entre a ação e o dano que deve haver para que haja a reparação do dano, tendo que não poder-se-ia mais ser acusado aquele agente que deu causa ao evento.

O Código Civil brasileiro, embora enumere diversos dispositivos especiais a cerca de determinados casos de responsabilidade civil objetiva, é seguidor da teoria subijetiva, como pode se depreender da leitura do artigo 186, que elege a culpa e o dolo como sendo aspectos imprescindíveis para a caracterização da responsabilidade e, por conseguinte a indenização do dano sofrido.

Por outro lado, vale a menção as palavras do ilustríssimo Miguel Reale, citado por Carlos Roberto Gonçalves, em sua obra assim proferidas:

Carlos Roberto Gonçalves, (2009, p.33):

responsabilidade subjetiva ou responsabilidade objetiva? Não há que fazer esta alternativa. Na realidade, as duas formas de responsabilidade se conjugam e se dinamizam. Deve ser reconhecida, penso eu, a responsabilidade subjetiva como norma, pois o indivíduo deve ser responsabilizado, em princípio, por sua ação ou omissão, culposa ou dolosa. Mas isto não exclui que atendendo à estrutura dos negócios, se leve em conta a responsabilidade objetiva. Este é um ponto fundamental.

Dessa forma, cumpre frisar a importância do parágrafo único do artigo 927 para o meio jurídico, tendo em vista que trouxe a baila grande renovação ao ordenamento jurídico brasileiro, ao reconhecer a responsabilidade sem a culpa pelo exercício da atividade que ofereça risco para os direitos do indivíduo, o que amplia significativamente, a seara dos danos reparáveis.

1.4 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Conforme o entendimento, sob o viés jurídico, a definição de responsabilidade civil acaba por encerrar a idéia de reparação patrimonial. Entre tanto, é certo que a sua materialização exige a presença de determinados pressupostos que se mostram por demais essenciais, componentes fundamentais para a sua configuração, pela qual a percepção nem sempre constitui tarefa das mais fáceis, especialmente no que tange a um caso em concreto. Dessa forma, tem-se como necessário um amplo estudo sobre o tema, assim possibilitando uma boa compreensão, e facilitando a materialização do que a sociedade jurídica denomina de subsunção.

Para tanto, passaremos a explicar os pressupostos em subtópicos, dando um maior realce as suas especificidades.

1.4.1 CONDUTA HUMANA

A conduta humana, como um requisito indispensável para a configuração da responsabilização, engloba somente aqueles comportamentos que tendem a modificar o meio social, hipótese esta que acarretará uma alteração por conseguinte lesiva na esfera jurídica de algum indivíduo.

Além de certos doutrinadores adotarem a denominação “fato” para especificar o elemento em análise, não me parece aceitável, para fins didáticos de conceituação adotar-se um termo tão vasto. Explica-se!

Sendo assim, ocorre que não é todo fato que origina a obrigação de indenizar. Este apenas decorre de uma conduta humana espontânea e específica.

A nomenclatura utilizada por parte dos doutrinadores chega a um sentido muito amplo, dessa maneira vindo a dificultar sua própria conceituação. Logo, em hipótese alguma poderia servir de pressuposto para desenvolver o conceito de dever indenizatório.

Ora, é de conhecimento que toda modificação do meio decorre de um fato, este que por sua vez pode ou não decorrer de uma conduta humana, assim como também pode ou não surtir efeitos no mundo jurídico. Nesse sentido, explicando de maneira mais direta, caso aceitássemos o emprego da terminologia “fato” para a caracterização do dever reparatório, e comungássemos com o entendimento adotado por uma parte da doutrina, logo, estaríamos conscientemente concordando com toda a ação, seja essa ação humana ou não, seja jurídica ou não, restaria por assim dizer, em uma responsabilização, o que não se condiz com a realidade.

Desta forma, vale ainda ressaltar, que a conduta, cuja qual referida neste trabalho compreende não só apenas aquela advenha de um ato comissivo, ou mesmo de uma ação propriamente dita, mas também daquela que decorre de uma omissão. O núcleo da conduta humana, que passa a ser trabalhada neste tópico, é a voluntariedade do comportamento. Isto é, independentemente da modalidade da conduta praticada, se omissiva ou comissivamente, a essencialidade do pressuposto se resume à voluntariedade da conduta que gerou o resultado.

Segundo as palavras dos mestres Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2008, p.27), que aplica que o núcleo fundamental da noção de conduta humana “é a voluntariedade, que resulta exatamente da liberdade de escolha do agente imputável, com o discernimento necessário para ter consciência daquilo que faz”.

Exige-se, para tanto, que a conduta praticada pelo agente seja voluntária, espontânea, cometida sem que tenha qualquer tipo de coação ou ação de agentes externos.

1.4.2 DANO

Desde o seu surgimento, o dever reparatório sempre decorreu de um efetivo prejuízo. Com mais precisão, pode-se afirmar que o dever de indenizar decorreu da máxima romana neminem laedere, isto é, ninguém pode lesar ninguém. De tal forma, tão essencial é o elemento analisado que não poderíamos assim ousar falar em responsabilidade sem que existisse a ocorrência de um determinado prejuízo, sendo este certo ou, pelo menos, em potencial. Em outras palavras, sem o dano não há de se falar em responsabilidade, vez esta que não haveria dano algum a ser reparado pelo agente.

Como lecionam em sua obra os mestres Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2008, p.35):

Poderíamos então afirmar que, seja qual for a espécie de responsabilidade sob exame (contratual ou extracontratual, objetiva ou subjetiva), o dano é requisito indispensável para a sua configuração, qual seja, sua pedra de toque.

Quem repara, repara alguma coisa!

O agente causador de uma conduta lesiva repara um dano que dessa adveio. Conforme Sergio Cavaliere Filho, em sua obra Programa de Responsabilidade Civil (2005, p.95):

O dano é, sem dúvida, o grande vilão da responsabilidade civil. Não haveria que se falar em indenização, nem Mem ressarcimento, se não houvesse o dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano. Na responsabilidade objetiva, qualquer que seja a modalidade do risco que lhe sirva de fundamento – risco profissional, risco proveito, risco criado etc. -, o dano constitui o seu elemento preponderante. Tanto é assim que, sem dano, não haverá o que reparar, ainda que a conduta tenha sido culposa ou até dolosa.

Uma vez que nos voltamos a falar em lesão, quase que instantaneamente nos vem a mente o pensamento de dano material. Com isso, é válido dar um bom enfoque que o dano compreendido pelo dever indenizatório abarca não somente aqueles previstos pelo Legislador Constituinte Originário, qual seja, o material, moral ou à imagem,mas também todos os que, cuja violação acarrete afronta direta a qualquer dos direitos fundamentais.

Como nos dizeres do ilustres doutrinadores civilistas ora já citados Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2008, p.37):

É muito importante, pois, que nós tenhamos o cuidado de nos despir de determinados conceitos egoisticamente ensinados pela teoria clássica do Direito Civil, e fixemos a premissa de que o prejuízo indenizável poderá decorrer – não somente da violação do patrimônio economicamente aferível – mas também da vulneração de direitos inatos à condição de homem, sem expressão pecuniária essencial.

É de sumo importância que se tenha ciência de que a responsabilidade é um instituto que garante a observância dos direitos inerentes à pessoa, sendo aqui considerada como um sujeito dotado de diversos direitos, em todas as suas peculiaridades, e não ao patrimônio em si analisado.

Desta forma, não se exige a objetividade no que toca a caracterização do dano, basta tão somente que fique claro, no caso concreto, que a lesão foi concretizada em detrimento da parte, mesmo sendo esse prejuízo íntimo. No mesmo sentido, faz-se mister que o dano seja tal que haja necessidade de reparação, não se compondo esse rol aqueles superficiais, preponderantemente ilusórios, segundo os ensinamentos de Sílvio de Salvo Venosa (2010, p.40): “a materialização do dano ocorre com a definição do efetivo prejuízo suportado pela vítima. Sob esse aspecto, surge a problemática da perda da chance”.

Faz-se necessário ressaltar, por fim, que não existe qualquer vedação quanto a reparação de danos de naturezas distintas. Destarte, caso a conduta voluntária acarrete prejuízos de classes distintas, responderá o agente agressor dos limites do dano causado, por ser medida correlata a justiça.

1.4.3 NEXO DE CAUSALIDADE

Como nexo de causalidade, podemos entender como sendo um ponto que liga o dano a um fato. É, por assim dizer, a comprovação de que o dano decorreu daquele comportamento, ou o elo entre ambos. Ainda, em outras palavras, é a pura demonstração de um efeito de causa e conseqüência entre o dano e a conduta que lhe deu causa.

Assim, não se pode imaginar que um indivíduo seja responsabilizado pela ocorrência de um dano se das suas ações esse dano não ocorreu. Seria de extrema injustiça aceitar tal comportamento, motivo este pelo qual é tão importante para a percepção do elemento nexo causal, elevado categoria de pressuposto fundamental do dever de indenizar.

Não é a toa que grande parcela dos doutrinadores considera o nexo causal como sendo o mais melindroso de todos os pressupostos da responsabilidade. Tamanha é a sua complexidade que, que não raramente, o próprio poder judiciário acaba por se confundir, e nas sábias palavras dos mestres Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2008, pág. 86): acaba “ gerando dúvidas, e freqüentemente, levando os tribunais a adotarem posicionamentos confusos em torno do mesmo objeto de investigação”.

1.5 EXCLUDENTES CAUSAIS

Depois de uma análise detalhada dos pressupostos que caracterizam o dever indenizatório, passarei a seguir a adentrar na seara das circunstâncias que fulminam qualquer pretensão dessa natureza, mais conhecidas no meio jurídico como sendo as “causas excludentes de responsabilidade civil”.

A análise minuciosa das diversas situações que decorrem do convívio social, em conjunto com a preocupação em propagar Justiça por meio do direito, fez então surgir o entendimento que, por vezes, a obrigação indenizatória, não se mostrava a medida mais válida e adequada ao caso concreto. Foi nesse contexto que a sociedade jurídica passou a perceber que certas situações acabavam por tornar injusta a obrigação de reparar.

Neste sentido, vejamos o que aplica os doutrinadores Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2008, p.101):

Como causas excludentes de responsabilidade civil devem ser entendidas todas as circunstâncias que, por atacar um dos elementos ou pressupostos gerais da responsabilidade civil, rompendo o nexo causal, terminam por fulminar qualquer pretensão indenizatória.

Tal dever indenizatório apenas se mostra legítimo se o indivíduo, de forma voluntária e espontânea, vier praticar uma conduta e dela se origina um dano, conforme abordado anteriormente. Desse modo, caso incida sob o evento danoso uma das causas que excluem o dever de indenizar, nada poderá ser feito em prol da vítima, que deverá arcar cozinha com os prejuízos suportados.

Acontece assim que o Direito apenas e tão somente pode imperar sob a conduta humana ilícita, e nunca sob um comportamento lícito. Nesse mesmo sentido, a responsabilidade somente poderá incidir se o agente pratica uma certa conduta e é dela que o dano possa ser originado. São em situações como as supra descritas que o Direito acaba por fulminar qualquer que seja o intuito reparatório. Ora, jamais se haveria de permitir que um determinado indivíduo, agindo involuntariamente, arcasse com os tais prejuízos a que o mesmo não deu causa, ou sequer concorreu.

Ou seja, as causa excludentes atingem o elemento de forma tal que impede a materialização da responsabilidade civil, que acaba desta forma por não se mostrar como a medida mais viável ao caso.

Passaremos agora a analisar as excludentes em suas especificidades.

1.5.1 DA RESPONSABILIDADE CIVIL

1.5.1.1 NO ÂMBITO CONTRATUAL

No âmbito das manifestações volitivas nota-se a presença de uma causa de excludente de responsabilidade, denominada de “clausula de não indenizar” ou, como também é conhecida “clausula de irresponsabilidade”.

Neste sentido, vejamos quais são os limites dessa clausula, assim como a sua legitimidade perante o ordenamento jurídico vigorante.

1.5.1.1.1 CLAUSULA DE NÃO INDENIZAR

Segundo reza a doutrina mais determinante, a cláusula de não indenizar se refere a uma convenção por meio da qual as partes excluem a própria obrigação de reparar o dano, em caso este de inadimplemento da obrigação assumida.

Independentemente de não existir vedação expressa quanto a sua validade, tal ajuste, atualmente, não parece de certo ser bem aceito pelo nosso Código Civil, sobretudo em razão de estarmos passando por um momento de implantação do que Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2008, pág. 119) “solidarismo social”.

Ao que se permita a validação de tal estipulação, estaríamos, assim dizendo, abdicando de conceitos solidários, típico de um meio social preocupado com o seu desenvolvimento igualitário do seu povo, e por conseguinte retroagindo até o período em que o interesse particular, tomado ai por idéias de individualistas, imperava diante do bem comum.

Entre tanto, Silvio de Salvo Venosa (2010, p.74):

Ainda que admitida, de essa cláusula decorrer de contrato livremente negociado, sem a imposição do contrato de adesão. Desse modo, porque não negociada, não é válida a clausula normalmente aposta nos estacionamentos.

Ainda, aludi o renomado Doutrinador civilista que no sentido, é nula a cláusula unilateral do hoteleiro de não se responsabilizar por furtos das bagagens dos hospedes de seu hotel.

Percebe-se, assim então, que a essência da validação da cláusula de não indenizar está na forma com a qual se dá sua estipulação. Se esta manifestação resultar assim de livre e voluntária de ambas as partes, sua manifestação se fará presente no caso concreto, pois se insere no campo da autonomia da vontade negocial das partes. Do contrário, se resulta da imposição unilateral de um dos contratantes, geralmente daquele que detém o controle da situação negocial, a cláusula de não indenizar servirá apenas para aumentar o volume textual da ligação contratual, pois jamais os efeitos que dela decorrem serão produzidos.

Sob o aspecto consumerista, diversas dúvidas circundam o liame volitivo quando verificamos a inclusão de uma cláusula dessa espécie, especialmente quanto a sua legalidade, tem-se que somente se utiliza de tal artifício a parte que quer se livrar inteiramente das eventuais conseqüências que decorram de suas ações.

Contudo, quem já espera uma ocorrência de um evento futuro e incerto e estipula um dispositivo com vistas a escapar, digamos assim, de quaisquer que venham ser essas conseqüências é porque, no mínimo, ela acredita de forma certa real e concreta na sua ocorrência. Não seria bobagem pensar, assim, que o contratante já estaria com malícia, se precavendo em face do seu inadimplemento certo.

Porém, a Doutrina já tem suas devidas providências quanto a esse ímpeto malicioso, é aplica que jamais essa cláusula poderá violar princípios superiores, tais como aqueles de ordem pública. É o caso, segundo exemplo elaborado pelos mestres Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2008, p.119), de que não se considerar “válida a estipulação contratual costumeiramente imposta por empresas de guarda de veículos (estacionamentos pagos) no sentido de não se responsabilizarem por furtos de objetos ocorridos no interior dos automóveis”.

Segundo pontua Silvio de Salvo Venosa (2010, p.73):

No campo dos direitos do consumidor, essa clausula é nula (51, I). O código de Defesa do Consumidor admite nesse mesmo artigo a limitação da responsabilidade indenizatória ‘em situações justificáveis’, quando o consumidor for pessoa jurídica. Em se tratando de consumidor, pessoa natural, não se admite qualquer cláusula que restringe ou exonere do dever de indenizar.

Logo, far-se mister a devida análise do caso concreto para que seja possível perceber a legalidade ou não da excludente de responsabilidade ora estudada.

1.5.1.2 NO ÂMBITO EXTRACONTRATUAL

Não obstante de serem poucas as hipóteses de responsabilização que resultam do descumprimento voluntário de um liame obrigacional, é certo que a grande maioria desses casos que ensejam a materialização desse instituto não exige a presença de uma relação jurídica preexistente, se incluindo assim no âmbito da responsabilidade extracontratual, ou aquiliana.

Importante se faz ressaltar, desde já, que as devidas causas que excluem a obrigação de indenizar fogem a qualquer classificação dada pela Doutrina, vez que estas decorrem das especificidades do próprio caso concreto, imensuráveis por natureza.

Todavia, é possível mencionar as situações mais corriqueiras, vejamos.

1.5.1.2.1 CULPA DA VÍTIMA

A primeira excludente causal que passaremos a analisar no âmbito da responsabilidade extracontratual será a “culpa da vítima”.

Tal excludente se designa aos casos em que o determinado resultado lesivo decorre de uma conduta praticada pela própria vítima, sem que haja qualquer participação espontânea de terceiros ao fato, motivo pelo qual somente a ela deverá ser imputada a responsabilidade.

Comodo se faz ressaltar que não existe qualquer vedação no que tange à participação de um terceiro no evento danoso. Ocorre, todavia, de fato, que é a própria vítima quem provoca o dano, seja essa por sua conduta voluntária, ou seja até mesmo por um descuido no seu dever de cautela, habitual a todo aquele que convive no meio social, ou ainda por assumir os riscos decorrentes da prática de um ato perigoso. Neste sentido, qualquer que fosse a conduta praticada por um terceiro serviria meramente de instrumento, ou intermédio, para obtenção do resultado provocado, ou buscado, pela vítima.

Destaca-se, ainda, que a particula de culpa, componente do próprio título, está empregado em seu sentido mais abrangente, abarcando a negligência, a imprudência e o dolo.

Para uma completa compreensão do tema, imaginemos assim o exemplo dado pelos ilustres mestres Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho em que o sujeito, guiando o seu veículo segundo as regras de transito, se depara com um indivíduo que, visando suicidar-se, arremessa-se sob as suas rodas. Nesse caso, ainda segundo os civilistas (2008, p.114), “o evento fatídico, obviamente, não poderá ser atribuído ao motorista (agente), mas sim, e tão somente, ao suicida (vítima)”.

Logo, frente a tais hipóteses, nada caberia ao Estado fazer em favor daquele que suportou a lesão, pois, mesmo que não tenha praticado a conduta que originou o dano, assumiu os riscos e conseqüências do resultado.

1.5.1.2.2 CULPA CONCORRENTE

Ab initio, se faz válido destacar que diversas dúvidas pairam no que diz respeito a possibilidade ou não de o instituto em análise integrar o rol das excludentes causais do dever indenizatório.

Acontece que, aqui, o dano resulta de uma conjunção de condutas, da vítima e de um terceiro, em regra, de forma que uma só não é o suficiente para causá-lo. Isto é, cada um dos participantes contribui com uma parcela de culpabilidade em prol do resultado danoso e, por via de conseqüência, respondem nas devidas proporções das suas participações.

Logo, temos nesta modalidade, diferentemente do que acontecia quando a culpa era exclusivamente imputada à vítima, a conduta de um terceiro deixa de ser simples instrumento e passa, juntamente com a conduta do indivíduo lesado, a constituir a própria causa para a ocorrência do evento. Seria possível concluir, portanto, que, se consideradas em sua individualidade, as condutas nunca gerariam o resultado obtido ou, ao menos, suas probabilidades seriam assim consideravelmente diminuídas.

Compreende-se, portanto, que a culpa concorrente não constitui causa suficiente para excluir em completo o dever indenizatório. O que acontece, na prática, é que o agente causador somente responderá nas proporções da sua participação, e nada incumbindo a sua pessoa. Vez que o praticante da conduta deve responder somente pelas conseqüências que dela advirem, logo, não seria justo, nem tampouco razoável, que um dos participantes suportasse sozinho toda a carga de responsabilidade se o resultado alcançado não decorreu exclusivamente dos seus atos.

Faticamente, a maior problemática do tema reside no fato de não ser tarefa simples determinar os limites participativos das partes no evento danoso, a fim de apurar o grau de responsabilização de cada um. Para isso, caberá ao magistrado fazer uma análise apurada do caso e, aplicando as normas e os princípios gerais do direito, resolver a causa da forma mais equitativa possível.

1.5.1.2.3 CULPA DE TERCEIRO

No mesmo parâmetro de raciocínio, vale saber se alguma conduta alheia, causada por um terceiro, rompe ou não o nexo de causalidade entre a conduta praticada pelo agente a quem a mesma foi imputada a responsabilidade e o dano suportado pela vítima. Desta forma, constitui assim causa de excludente de responsabilidade o fato de o dano decorrer de uma conduta praticada por algum terceiro, estranho ao objeto da lide originária em questão.

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2008, p.116) ensinam o seguinte: “Desde que haja a atuação causal de um terceiro, sem que se possa imputar participação do autor do dano, o elo de causalidade restaria rompido.”

Destarte, uma vez rompido o elo de causalidade, pressuposto elementar do dever indenizatório, nada caberia à vítima a título de indenização por responsabilidade civil, ao menos em relação àquele que compõe a lide primária, em razão da incidência da excludente em comento.

Vejamos as lições de Silvo de Salvo Venosa acerca do tema (2010, p. 70):

No caso concreto, importa verificar se o terceiro foi o causador exclusivo do prejuízo ou se o agente indigitado também concorreu para o dano. Quando a culpa é exclusiva de terceiro, em princípio não haverá nexo causal. O fato de terceiro somente exclui a indenização quando realmente se constituir em causa estranha à conduta, que elimina o nexo causal. Cabe ao agente defender-se, provando que o fato era inevitável e imprevisível.

Ainda, conclui os mentores dizendo (2010, p.71):

Destarte, se o agente não lograr provar cabalmente que o terceiro foi a causa exclusiva do evento, tendo também o indigitado réu concorrido com culpa, não elide o dever de indenizar.

1.5.1.2.4 CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR

Grande polêmica surge ao se abordar o tema caso fortuito e força maior.

Ocorre que a Doutrina jamais adotou critérios específicos para distinguir os institutos em comento e, até atualmente, sua conceituação não é algo muito pacífico perante a sociedade jurídica.

Os próprios Doutrinadores reconhecem a polêmica. Vejamos o que leciona Sergio Cavaliere Filho (2008, p.65):

Muito já se discutiu sobre a diferença entre o caso fortuito e a força maior, mas até hoje não se chegou a um entendimento uniforme. O que é indiscutível é que tanto um como o outro estão fora dos limites de culpa. Fala-se em caso fortuito ou força maior quando se trata de acontecimento que escapa a toda diligência, inteiramente estranho à vontade do devedor da obrigação.

Em que pese a importância da sua conceituação, pode-se afirmar que os institutos analisados, ao menos dentro dos limites acadêmicos, se confundem ao pondo de serem tratados indistintamente.

Vejamos o que dispõe Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2008, p.111) sobre o tema:

Sem pretender pôr fim à controvérsia, pois seria inadmissível a pretensão, entendemos, como já dissemos alhures, que ‘a característica básica da força maior é a sua inevitabilidade, mesmo sendo a sua causa conhecida (um terremoto, por exemplo, que pode ser previsto pelos cientistas); ao passo que o caso fortuito, por sua vez, tem a sua nota distintiva na sua imprevisibilidade, segundo os parâmetros do homem médio. Nessa última hipótese, portanto, a ocorrência repentina e até então desconhecida do evento atinge a parte incauta, impossibilitando o cumprimento de uma obrigação (um atropelamento, um roubo).

O que se deve ter em mente é que, jamais, as condições humanas poderiam evitar o resultado provocado pelo fortuito ou pela força maior, motivo pelo qual constitui excludente causal de responsabilidade, sendo desproporcional a incidência da indenização nesses casos.

1.5.2 DA ILICITUDE

As excludentes de ilicitude atuam diretamente no dever indenizatório em razão de histórica influência das decisões criminais no âmbito civil. Como se sabe, a decisão proferida no âmbito penal vincula obrigatoriamente a do âmbito cível. Assim, caso o indivíduo seja absolvido criminalmente, em razão da negativa de autoria ou materialidade do crime, nada restará a ser reparado civilmente.

Nesse sentido, percebida a incidência de uma excludente de ilicitude, da mesma forma que não se poderá falar em penalização do agente, a responsabilização civil sequer será cogitada.

É claro que muita discussão paira sobre o tema.

De fato, a análise do caso concreto é de suma importância para compreensão do assunto, e para que possamos fundamentar com substância qualquer opinião, seja favorável ou não a sua aplicação.

As causas excludentes de ilicitude afetam diretamente a conduta do agente que, diante de uma circunstância do caso concreto, abandona a condição de ilícita e passa a ser aceita socialmente como legítima. É o caso, por exemplo, da legítima defesa, ou do estado de necessidade, além de algumas outras circunstâncias, que passaremos a discutir a seguir.

1.5.2.1 LEGÍTIMA DEFESA

Segundo o Código Penal, age em legítima defesa aquele que repele injusta agressão atual ou iminente, a direito seu ou de outrem, usando moderadamente dos meios necessários.

Nesses casos, o sujeito é ameaçado, ou surpreendido, por uma lesão a um direito que lhe pertence, ou que pertença outro, e acaba tomando as providências necessárias para evitá-lo. Como se percebe, o individuo que recorre à legítima defesa o faz por pura necessidade, sob pena de suportar a agressão injusta que o ameaça.

Dessa forma, percebe-se que o indivíduo acaba por lesionar um bem alheio em razão de uma tentativa, atual ou pendente, de lesão a um bem próprio, ou de outrem que esteja sob seus olhares.

É válido ressaltar que várias ressalvas cabem quanto ao instituto.

Primeiramente, analisando a conceituação trazida pelo próprio Código Penal, percebe-se que o Legislador Ordinário usa do termo “moderadamente” para estabelecer um limite à atuação da vítima. Entende-se por atividade moderada, exigida pelo Legislador, aquela utilizada exclusivamente para repelir a agressão que atormenta o sujeito. O auxílio de terceiros não é vedado pelo Código Penal, que não faz qualquer ressalta quanto ao tema, bem como a utilização de qualquer artifício ou instrumento.

O que se exige, válido frisar, é a moderação, ou seja, que o sujeito se detenha a repelir a agressão, de forma equilibrada e equitativa, nada mais. Em outras palavras, a legítima defesa somente se justifica enquanto a vítima não fulmina a agressão atual ou iminente. Se este objetivo é atingindo precariamente, e o ímpeto de se defender dá lugar à intenção de penalizar o agente, a vítima deverá responder pelos excessos cometidos.

Mais uma observação que merece ser exaltada é quanto ao momento da agressão.

O dispositivo legal fala ainda em uma agressão atual ou iminente sem, conduto, delimitar o alcance da expressão, tarefa reservada aos estudiosos e à própria Jurisprudência.

Entende-se por atual aquela agressão que se faz presente, contemporânea ao momento em que se encontra a vítima, ou seja, sua ocorrência é concomitante ao instante em que a vítima se acha. Seria o caso de um sujeito que, injustificadamente, despende socos e pontapés em outro, de forma aleatória, com o ímpeto exclusivo de lesioná-lo. Ou ainda, um indivíduo que ergue uma arma e a direciona para outro com o intuito de assassiná-lo. Evidente que, nesses casos, caberá à vítima fazer uso dos meios que se encontrem ao seu alcance para repelir a agressão.

Ainda, entende-se por iminente a agressão pendente, ainda não ocorrida, mas tomada por circunstâncias que lhe caracterizem a certeza. Podemos citar o exemplo de um sujeito que constantemente confidencia o desejo de tirar a vida de outro, de forma que se torna de conhecimento geral, e é surpreendido no momento em que adquiria ilicitamente uma arma de fogo. Também nesse caso, a defesa da vítima é acobertada pelo ordenamento jurídico.

Configurada a hipótese de legítima defesa, nada caberá a título de reparação, pois constitui causa de excludente de ilicitude, vinculante para o âmbito cível.

1.5.2.2 ESTADO DE NECESSIDADE

Nos termos do disposto no art. 24 do Código Penal:

considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.

Em outros termos, incide na excludente causal analisada aquele que, por questão de necessariamente, depreda direitos alheios, de forma moderada, para salvaguardar outro seu ou de outrem.

A título meramente exemplificativo, pode-se mencionar a situação em que uma pessoa que vê um bebê na iminência de cair da janela de um apartamento e, por isso, arromba as portas do condomínio em sua direção, almejando salvá-lo da queda.

Nesses casos, entende a Doutrina que não se deve responsabilizar o agente praticante da conduta, em razão da incidência de uma excludente causal de ilicitude. Qualquer ação do Estado no sentido de penalizar o agente se traduziria em uma verdadeira tentativa de desencorajá-lo a defender seus direitos, bem como os de qualquer outro que necessite do seu auxílio. A decisão que eximir de responsabilidade o agente que recai na excludente analisada é medida que coaduna com os padrões éticos e morais formadores da Justiça.

Assim, levando-se em consideração a vinculação da decisão criminal em face do âmbito cível, nada caberia à vítima receber a título de indenização.

1.5.2.3 ESTRITO CUMPRIMENTO DE DEVER LEGAL E EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO

Incidirá em estrito cumprimento de dever legal aquele que comete um dano enquanto materializa a vontade do Estado, pois se encontra acobertado pelo manto do dever legal.

Como se sabe, o Estado necessita dos seus agentes para exteriorizar sua vontade soberana. Para isso, confere poderes e prerrogativas próprias a cada atividade, juridicamente conhecidos como poderem administrativos, justamente para seja possível se sobrepor aos interesses particulares em benefício do bem comum.

Assim, não há que falar em responsabilidade civil, por exemplo, no caso do agente de polícia que arromba uma residência para o cumprimento de uma ordem judicial, ou ainda de um bombeiro que invade um condomínio para conter as chamas de um incêndio.

Do mesmo modo, não se poderia falar em responsabilidade civil se a atitude do praticante da conduta é permitida pelo próprio ordenamento jurídico, o que criaria um verdadeiro contra-senso, como é o caso, por exemplo, de um jogador de futebol ou de um boxeador. Segundo Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2008, p.106), “se alguém atua escudado pelo Direito, não poderá estar atuando contra esse mesmo Direito”.

A excludente em análise merece especial atenção, principalmente em razão dos limites de atuação exigidos pelo Legislador Ordinário. Percebe-se no próprio título a presença do termo “regular” para se referir ao limite do exercício do direito pela parte.

Em outras palavras, pretendeu o Legislador limitar a atuação daquele que exerce um direito reconhecido por lei, de forma que não cometa excessos, sob pena de recair em abuso de direito, passível de punição.

O próprio Código Penal é claro ao abordar o tema, nomeando a hipótese de excesso punível, vejamos:

Exclusão de ilicitude

Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:
I - em estado de necessidade;
II - em legítima defesa;
III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Excesso punível

Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.

Ainda, completa Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2008, p.107) afirmando: “Por outro lado, se o sujeito extrapola os limites racionais do lídimo exercício do seu direito, fala-se em abuso de direito, situação desautorizada pela ordem jurídica, que poderá repercutir inclusive na seara criminal (excesso punível).”

Logo, desde que acobertado pela norma, pode-se concluir que não caberá qualquer responsabilidade sobre a conduta do agente estatal, assim considerado qualquer servidor público que cumpre seu mister. De igual modo, nenhuma condenação caberá em face daquele que exerce regularmente um direito seu.

2 A ATIVIDADE ADVOCATÍCIA

2.1 NOÇÕES GERAIS

Faz-se mister, antes de aprofundarmos no tema propriamente dito do presente trabalho monográfico, fundamental se faz uma análise preliminar no que tange a atividade executada pelo profissional da advocacia. Para tanto, passamos agora a abordar um ponto a cerca dessa nobre atividade, delineando seus conceitos, levantando seu histórico e especificando a espécie de responsabilidade que incidirá sobre cada atividade em particular.

A priori, sob titulo de curiosidade, compete mencionar que a nascente do vocábulo é latina, a mesma sendo derivada da expressão “ad vocatus”, a qual significa “o que foi chamado”. Nos tempos remotos, a expressão sujeitava à idéia de uma terceira pessoa, esta vindo ser chamada pelo litigante com o propósito de defendê-lo perante o juízo.

Pode-se perceber desta maneira, que a ótica central da expressão se manteve até os dias de hoje. Certamente que, na atualidade, os advogados continuam a responder um terceiro interessado à lide, que intercede a fim de proteger um direito da parte que o mesmo assiste.

Com isto, a mais elevada característica que diferencia-se as épocas é que atualmente, tendo em vista a sua relevância para o direito, a advocacia é tratada como um encargo público, ou um múnus público, não obstante seja exercitada por um agente estatal, compõe-se assim, um dos componentes da administração democrática do Poder Judiciário, o que anteriormente não se percebia.

Desde os seus primeiros passos na história, a atividade da advocacia era praticada de forma livre e autônoma por profissionais liberais, sem que houvesse qualquer tipo de subordinação. Um estudo do tema levou com que o Doutrinador Sérgio Cavalieri Filho (2005, p.518), a reservar um parágrafo inteiro em definição ao assunto em tela:

Profissional liberal, como o próprio nome indica, é aquele que exerce uma profissão livremente, com autonomia, sem subordinação. Em outras palavras, presta serviço pessoalmente, por conta própria, independentemente do grau de escolaridade. Não só o medico, o advogado, o engenheiro, o psicólogo, o dentista etc. podem ser profissionais liberais, mas também o sapateiro, o carpinteiro, o marceneiro, o eletricista, o pintor, a costureira, desde que prestem serviço com autonomia, sem subordinação – enfim, por conta própria. Pela ótica do Código, o melhor caminho é definir o profissional liberal pelas características de sua prestação de serviços, e não pelo seu grau de escolaridade, ou pelo enquadramento na regulamentação legal.

Neste sentido, a Constituição Federal de 1988 alicerçou a essencialidade do serviço advocatício ao inscrever o artigo 133, compreendendo a Advocacia Privada no rol de funções estritamente fundamentais ao funcionamento da justiça.

Empregando-se do preceito constitucional, o legislador constituinte enfatiza que “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo invioláveis os seus atos e manifestações no exercício da sua profissão, nos limites da lei”. Além do mais, o ordenamento jurídico pátrio, mais precisamente a lei 8.906/94, dispõe serem atividades privativas de advocacia a postulação a órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais, bem como as atividades de consultoria, acessória e direção jurídica.

Tem-se que, a advocacia fundamenta-se como função efetiva do Estado de Direito. A despeito da Constituição Federal ter garantido aos seus tutelados direitos fundamentais, direitos sociais, direitos políticos, direitos de nacionalidade, etc., apenas aos bacharéis em direito habilitados na Ordem dos Advogados do Brasil é permitida a capacidade de postular em Juízo, tornando por demais compulsória em qualquer intervenção jurisdicional do Estado.

2.2 A ATIVIDADE ADVOCATICIA NA HISTÓRIA

Podemos afirmar que a atividade de advocacia coloca-se como sendo uma das mais antigas profissões reconhecidas pela humanidade.

Os rudimentares relatos a cerca do exercício dessa nobre profissão são advindos do Egito Antigo, aproximadamente a 2.000 a.C., momento em que Moisés, indignado com a maneira em que seu povo vivia, em regime de escravidão, interveio perante o seu irmão, o Faraó Ramsés II, pleiteando a libertação de todo o seu povo. Também, a Bíblia, em diversas passagens, nos remonta a uma noção basilar do exercício da atividade, como, por ensinamento, a determinada ocasião em que Jesus Cristo conseguiu deter que o povo apedrejasse Maria Madalena, essa por ser tida na sociedade da época como uma mulher adultera, assim invocando a Lei Mosaica.

Em tempos remotos, a maneira de se defender do interesse alheio perante a sociedade consistia propriamente dito em exercer uma atividade profissional. Tal necessidade era reservada apenas aqueles que a parte depositava confiança, podendo este até mesmo ser um parente ou um amigo, sem que este tivesse qualquer tipo de conhecimento técnico ou estudo sobre a determinada matéria.

Com o decorrer do tempo, a necessidade profissionalização de atividade passou a ser cogente, especialmente em razão da formalidade que passou a regular o exercício da atividade jurisdicional, reservada esta apenas ao Estado de Direito logo após a sua institucionalização.

Logo que, a jurisdição passou a ser monopolizada pelo Estado, o exercício da atividade de advocacia compor função elementar à materialização da Justiça, deixando de lado o status de simples profissão e vindo a ocupar dessa maneira o múnus público.

A aplicabilidade ao Judiciário passou assim a exigir, então, a participação do advogado, pois apenas e tão somente ele teria o devido conhecimento necessário para que se fosse garantido a observância dos direitos da parte, assim como os meios e recursos imprescindíveis a sua defesa. A profissionalização da atividade, concedeu assim, à classe, a capacidade exclusiva de postular em Juízo, ou o jus postulandi.

A partir desse determinado momento, teve-se então, que a sociedade como um todo, passou a perceber a tamanha importância da escolha do causídico, uma vez que a sua atuação exerceria uma influência direta no julgamento da causa. A boa reputação do profissional passou a ser indispensável e de maior preocupação para aqueles que teriam que recorrer ao mercado, situação esta que atualmente não se diferenciou muito da antiguidade.

2.3 OBRIGAÇÃO DE MEIO OU DE RESULTADO DA ATIVIDADE DA ADVOCACIA

Já se encontra pacificado na doutrina especializada que os profissionais liberais, em face do presente ordenamento jurídico vigente, se inserem na categoria dos prestadores de serviços, estando estes subordinados aos princípios e normas elencados no Código de Defesa do Consumidor.

Corrobora neste sentido o próprio CDC, pois trata por enfatizar uma ressalva importantíssima a esse ramo da atividade comercial, quando tratando-se da modalidade de responsabilidade civil que incide sobre os fornecedores de serviços em geral, assim, vejamos o artigo 14, §4:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
I - o modo de seu fornecimento;

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III - a época em que foi fornecido.
§ 2o O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas. § 3°O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.
Art.15.(Vetado).
Art.16.(Vetado).
Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.

Segundo anota o ilustríssimo doutrinador Sérgio Cavalieri Filho (2005, p.518), que se foi necessário que o Legislador Ordinário estabelecesse tal exceção aos profissionais liberais é porque então os demais preceitos do CDC devem ser aplicados à atividade, vejamos:

A atividade dos profissionais liberais é exercida pessoalmente, a determinadas pessoas (clientes), intuito personae, na maioria das vezes com base na confiança recíproca. Trata-se, portanto, de serviços negociados, e não contratos por adesão. Sendo assim, não seria razoável submeter os profissionais liberais à mesma responsabilidade dos prestadores de serviço em massa, empresarialmente, mediante planejamento e fornecimento em série. Em suma, não se fazem presentes na atividade do profissional liberal os motivos que justificam a responsabilidade objetiva dos prestadores de serviços em massa.

Ocorre desta maneira que o profissional da área de advocacia não esta apenas voltado as atividades de meio. Em algumas ocasiões, assumem obrigações relacionadas à prática de uma determinada, ou ainda em alguns casos destinadas à obtenção de um resultado certo como, por exemplo a ser dado, a hipótese em que um determinado contrato deve ser elaborado, ou uma minuta de escritura pública.

Diante destes casos, o advogado estará exercendo assim uma atividade de resultado, acarretando, podendo-se dizer assim, uma alteração no que diz respeito a natureza jurídica da responsabilidade civil incidente.

Neste sentido, vejamos as lições de Sérgio Cavalieri Filho (2005, p.518):

O Código não criou para os profissionais liberais nenhum regime especial, privilegiado, limitando-se a afirmar que a apuração de suas responsabilidades continuaria a ser feita de acordo com o sistema tradicional, baseado na culpa. Logo, continuam a ser-lhes aplicáveis as regras da responsabilidade subjetiva com culpa provada nos casos em que assumem obrigação de meio, e as regras da responsabilidade subjetiva com culpa presumida nos casos em que assumem obrigação de resultado.

Pode-se concluir dos ensinamentos expostos que, de conformidade com a natureza jurídica da atividade executada, haverá ou não uma inversão do ônus probatório para as partes. Enquanto firmada for uma obrigação de meio pelo profissional, sendo assim, cabendo ao autor a demonstração da culpabilidade, uma vez que são aplicáveis as regras de responsabilidade subjetiva com culpa comprovada. Por outro lado, se for de resultado a obrigação assumida, o ônus probatório deixará de estar com o autor e passará a pertencer ao próprio profissional, dessa maneira sendo aplicáveis as regras de responsabilidade subjetiva com culpa presumida.

Por fim, cumpre destacar ainda que a exceção elencada no artigo 14, §4 do CDC é aplicável tão somente ao profissional liberal pessoa física, não se podendo falar em pessoas jurídicas de quem façam parte, conforme disposto nos ensinamentos de Carlos Roberto Gonçalves (2009, p.256): “Como já se afirmou, a exceção ao princípio da responsabilidade objetiva consagrado no Código de Defesa do Consumidor aplica-se apenas ao próprio profissional liberal, não se estendendo às pessoas jurídicas que integre ou para as quais preste serviços.”

Tal vedação se dá pelo fato de as pessoas jurídicas não se localizarem no mesmo patamar de igualdade que os consumidores, tendo assim uma condição econômica infinitamente superior, esta que por sua vez, não se aplica aos profissionais liberais.

2.4 LIMITES DE ATUAÇÃO DO ADVOGADO

Como se sabe, a atividade de um profissional liberal, seja ele um médico, um engenheiro, um advogado, etc., este encontra limites no que é disposto nos contratos convencionados juntamente à parte em favor daquele a quem o trabalho é prestado.

Até uma questão de lógica!

Com isso, se um determinado serviço é prestado me favor de uma pessoa, apenas e tão somente esta seria competente para o delineamento de seus limites.

Ou seja, apenas será legitimo o serviço se o mesmo atender com rigor às determinações que foram acordadas previamente, sob pena da parte ser responsabilizada por inadimplência pela falta que vier a cometer, seja esta por razão do descumprimento do seu dever , ou seja em decorrência do abuso praticado na conduta das suas atividades.

Temos na advocacia algo que não é diferente!

O advogado, apenas terá a sua atuação mediante o que reza os limites estipulados no instrumento de mandato conferido a ele pela parte. O contrato por via de mandato é um instrumento hábil e planejado para toda a atividade que tenha a necessidade de ser executada, de maneira que seja possível comprovar a conduta oposta às intenções das partes.

Assim como anota o grande mestre Silvio de Salvo Venosa (2007, p. 250) “pelo contrato de mandato, alguém, denominado mandatário, recebe poderes de outrem, denominado mandante, para em nome deste praticar atos ou interesses.” Acrescenta ainda Venosa (2007, p.250) que, “o mandato contém a idéia principal de um sujeito confiar a outro a realização de um ato”.

Desta forma o contrato de mandato consagra a posição da parte pela qual o advogado recebe os devidos poderes legais para que sejam defendidos os direitos perante o Juízo. Tem-se, então, a procuração como o instrumento pelo qual o contrato de mandato se exterioriza, podendo este ser público, quando assim ficar definido por lei ou por livre convenção das partes, ou mesmo particular, quando a vontade das partes assim o desejar.

Assim, o liame obrigacional, ocorre de forma a não constituir a única ferramenta pela qual a atividade da advocacia reserva atenção. Outros mandamentos legais, tais como o Código de Ética e Disciplina da OAB, e o próprio Estatuto da OAB impõem limites à atuação desse profissional.

Conforme se depreende, o próprio Código de Defesa do Consumidor consagra os princípios e normas de observância compulsória para os determinados indivíduos que prestam serviços, incluindo nesta também os profissionais liberais. Nesse mesmo diapasão, consagra a lei Lei 8.906/94, conhecida como o Estatuto da OAB, exalta a forma como deve proceder o advogado em determinadas situações, de modo a preservar a ética ínsita à atividade que exerce, bem como ressalta o caráter subjetivo da responsabilidade incidente sob a atividade em seu artigo 32, vejamos:

Art. 31. O advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia.
§ 1º O advogado, no exercício da profissão, deve manter independência em qualquer circunstância.

§ 2º Nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado no exercício da profissão.
Art. 32. O advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa.

Parágrafo único. Em caso de lide temerária, o advogado será solidariamente responsável com seu cliente, desde que coligado com este para lesar a parte contrária, o que será apurado em ação própria.
Art. 33. O advogado obriga-se a cumprir rigorosamente os deveres consignados no Código de Ética e Disciplina.

Parágrafo único. O Código de Ética e Disciplina regula os deveres do advogado para com a comunidade, o cliente, o outro profissional e, ainda, a publicidade, a recusa do patrocínio, o dever de assistência jurídica, o dever geral de urbanidade e os respectivos procedimentos disciplinares.

Por fim, a própria OAB, traça deveres a serem a serem cumpridos e seguidos por seus respectivos membros, tudo isso com vistas a preservação da ética e nobreza da profissão. Podemos exemplificar depreendendo do que preceitua o artigo 2º do Código de Ética e Disciplina da OAB:

Art. 2º O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade do seu Ministério Privado à elevada função pública que exerce.

Parágrafo único. São deveres do advogado:
I preservar, em sua conduta, a honra, a nobreza e a dignidade da profissão, zelando pelo seu caráter de essencialidade e indispensabilidade; II – atuar com destemor, independência, honestidade, decoro, veracidade, lealdade, dignidade e boa-fé;
III – velar por sua reputação pessoal e profissional;
IV – empenhar-se, permanentemente, em seu aperfeiçoamento pessoal e profissional;
V – contribuir para o aprimoramento das instituições, do Direito e das leis;
VI – estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios;
VII – aconselhar o cliente a não ingressar em aventura judicial;
VIII – abster-se de:
a) utilizar de influência indevida, em seu benefício ou do cliente;
b) patrocinar interesses ligados a outras atividades estranhas à advocacia, em que também atue;
c) vincular o seu nome a empreendimentos de cunho manifestamente duvidoso;

d) emprestar concurso aos que atentem contra a ética, a moral, a honestidade e a dignidade da pessoa humana;
e) entender-se diretamente com a parte adversa que tenha patrono constituído, sem o assentimento deste.

IX – pugnar pela solução dos problemas da cidadania e pela efetivação dos seus direitos individuais, coletivos e difusos, no âmbito da comunidade.

Ante o exposto, pode-se chegar a conclusão de que a atuação do profissional em advocacia encontra certos limites não apenas no liame obrigacional, mas também no próprio arcabouço jurídico.

Por essa razão de natureza essencial da atividade, o Legislador ordinário tratou de intervir em seu exercício, ainda mais por ser desempenhada maciçamente pela partícula, a quem é atribuída a liberdade de fazer ou deixar de fazer qualquer coisa, salvo estipulação legal em contraditório.

3 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO PELA PERDA DE UMA CHANCE

3.1 TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE

Neste último capítulo passarei a analisar, de maneira específica, a responsabilidade civil em sua modalidade “perda de uma chance”. Ainda, abordarei a dinamicidade ínsita ao instituto, bem como seu ciclo evolutivo e as circunstâncias que cominaram com o surgimento da teoria da perda de uma chance.

Finalmente, cuidarei em avaliar a terminologia empregada à teoria, bem como os critérios para dosimetria da indenização reparatória. Por último, veremos os casos em que se aplica a teoria da Perda de uma Chance na atividade advocatícia, enaltecendo seus pontos mais controversos.

3.1.1BREVE HISTÓRICO

Conforme ressaltado anteriormente, é cogente que o instituto da responsabilidade civil acompanhe as tendências sociais, mais ainda, que a satisfação integral do dano seja o parâmetro utilizado pelo julgador por ocasião da condenação em reparar a lesão.

A conjugação desses fatores, juntamente com a necessidade de regulamentar as hipóteses que se mostravam alheias à incidência dos preceitos legais, levaram a sociedade jurídica a desenvolverem uma teoria baseada na mera perda de uma chance, circunstância que passou a ser caracterizada como uma lesão às expectativas.

Sobre o início da teoria da perda de uma chance, enfatiza Savi, (2012, p.3, 4):

Na França, houve dedicação maior ao tema por parte da doutrina e da jurisprudência. Em razão dos estudos desenvolvidos naquele país, ao invés de se admitir a indenização pela perda da vantagem esperada, passou-se a defender a existência de um dano diverso do resultado final, qual seja, o da perda da chance. Teve início, então, o desenvolvimento de uma teoria específica para estes casos, que defendia a concessão de indenização pela perda da possibilidade de conseguir uma vantagem e não pela perda da própria vantagem perdida. Isto é, fez-se uma distinção entre o resultado perdido e a possibilidade de conseguí-lo. Foi assim que teve início a teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance. [...] Na França, o tema despertou acirradas discussões doutrinárias, influenciando a Corte de Cassação, que passou a conceder indenizações a este título e, conseqüentemente, a contribuir para a evolução da teoria [...] Os julgados franceses e a discussão doutrinária neste país fomentaram questionamentos acerca da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance em outros países da Europa.

A teoria da perda de uma chance se aplica aos casos em que a parte se vê impossibilitada de obter certo resultado ou evitar determinado prejuízo em razão de uma conduta, em regra omissiva, praticada por um terceiro. Ressalta o mestre Carlos Roberto Gonçalves (2009, p.256), ao analisar a Responsabilidade Civil do Advogado, que a perda de uma chance simboliza “a perda, pela parte, da oportunidade de obter, no Judiciário, o reconhecimento e a satisfação íntegra ou completa de seus direitos”.

Ocorre que o tema é relativamente novo. Seus primeiros relatos apareceram ainda na década de 40, na França, e muitos estudiosos continuam a desvendar sua aplicação.

De início, a teoria justificava a responsabilização da classe médica ante uma eventual falha em procedimento médico de urgência. Após, percebeu-se que qualquer profissional liberal estava a mercê do instituto, constituindo ônus de quem almeja exercer atividade profissional livremente, longe de qualquer subordinação.

Essa idéia perdura até os tempos atuais.

Hoje, qualquer que seja a natureza da atividade exercida pelo profissional liberal, a incidência da Perda de uma Chance se fará presente. Mais ainda, qualquer indivíduo que, por meio de sua conduta, ocasione a impossibilite que outrem obtenha certo resultado sofrerá os efeitos da teoria analisada.

3.1.2 A “PERDA DE UMA CHANCE” E SUA INCIDÊNCIA NA ATIVIDADE ADVOCATÍCIA

De início, pede-se vênia para expor os ensinamentos dos mestres Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2008, p.267) sobre a matéria:

Na busca do diagnóstico da conduta do advogado que perpetrou um dano ao seu cliente, inevitável é a ocorrência de situações em que a lesão ao patrimônio jurídico do cliente tenha se dado por uma conduta omissiva do profissional.

A atividade advocatícia, por si só, submete seus executores a um grau de responsabilidade extrema. Ocorre que o advogado, além de conduzir com cautela e prudência os interesses que lhe são confiados, lida com circunstâncias externas capazes de comprometer todo o seu labor, caso não sejam devidamente observadas. Tais situações acabam por tornar a responsabilização do advogado objeto de estudo de diversos Doutrinadores, especialmente aqueles que se debruçam sob o instituto da responsabilidade civil de forma genérica.

A teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance possui aplicação inconteste sob a atividade advocatícia. A necessidade de observância dos prazos processuais, sob pena de se materializar a preclusão, constitui o melhor exemplo de aplicação da tese analisada. Contudo, são diversas as hipóteses que gerariam a responsabilização do profissional sob esse aspecto, como bem ressalta Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2008, p.268) ao citar os seguintes exemplos: “Falta de propositura de ação judicial; recurso ou ação rescisória; não formulação de pedido; omissão na produção de provas; extravio de autos, ausência de contra-razões ou sustentação oral; falta de defesa etc.”

Carlos Roberto Gonçalves (2009, p.256-257), citando os ensinamentos de Ênio Zuliani ressalta que seguinte:

Não perde uma causa certa; perde um jogo sem que lhe permitisse disputá- lo, e essa incerteza cria um fato danoso. Portanto, na ação de responsabilidade ajuizada pelo profissional do direito, o juiz deverá́, em caso de reconhecer que realmente ocorreu a perda dessa chance, criar um segundo raciocínio dentro da sentença condenatória, ou seja, auscultar a probabilidade ou o grau de perspectiva favorável dessa chance.

A cautela, prudência e extrema vigilância devem necessariamente reger o labor prestado por aquele que escolhe ingressar na advocacia. Ainda, é de bom alvitre ressaltar que a qualidade do serviço prestado deve prevalecer sob qualquer outro interesse. Jamais o profissional deve optar em patrocinar um número de causas maior do que sua capacidade de vigilância, sob pena de arcar com os ônus pela sua ambição.

Vários autores ressaltam as maneiras pelas quais os advogados podem se eximir ou, ao menos, abrandar uma eventual responsabilização, elencado uma série de condutas a serem praticadas, como é o caso, por exemplo, de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2008, p.268-269), vejamos:

Cuidado especial devem ter os advogados, por exemplo, quanto ao levantamento de valores de clientes e, também, ao manuseio de seus documentos. Quanto aos valores, é interessante observar que os profissionais devem, para prevenir responsabilidade, evitar procurações de cunho genérico e com poderes amplíssimos.

No que se refere aos documentos, devem exigir recibo do seu cliente, ao devolvê-los, para evitar alegação de extravio.

A relação cliente/advogado deve sempre ser pautada pelo respeito e confiança, embora um pouco de cautela não faça mal a ninguém.

Ainda, Carlos Roberto Gonçalves, com a maestria que lhe é peculiar, dispõe o seguinte:

O advogado, como todo prestador de serviços zeloso e prudente, não deve sonegar informações ao cliente, devendo mantê-lo atualizado sobre o andamento da lide (CDC, art. 6º, III). Pode, por isso, ser responsabilizado se, em virtude de sua omissão, o cliente desistir da ação ou fizer um mau acordo.

O que parece constituir opinião dominante entre os estudiosos, é que o profissional em advocacia deve conduzir os interesses que lhe são confiados com ética e disciplina, além de extrema prudência e cautela, em estrita conformidade com os princípios e normas consagrados no Código de Defesa do Consumidor, sob pena de recair em uma das hipóteses de responsabilidade civil como, por exemplo, pela perda de uma chance.

3.1.3 INDENIZAÇÃO

Tema bastante controverso, e que, não raramente, confunde a cabeça dos julgadores, é o que consiste na valoração da indenização reparatória nos casos de responsabilidade civil pela perda de uma chance, haja vista que o Legislador Ordinário deixou de estabeleceu qualquer critério que servisse para sua fixação.

A dúvida persiste, ainda, se aplicarmos a teoria na atividade advocatícia.

Visando sanar a problemática exaltada, a Doutrina trouxe vários argumentos merecedores de destaque. De início, vejamos o que dispõem as lições de Carlos Roberto Gonçalves (2009, p.257) sobre o assunto:

A quantificação do dano será feita por arbitramento (CC, art. 946) de modo equitativo pelo magistrado, que deverá partir do resultado útil esperado e fazer incidir sobre ele o percentual de probabilidade de obtenção da vantagem esperada. Desse modo, se o juiz competente para julgar a ação de indenização movida pelo cliente contra seu advogado desidioso entender, depois de uma análise cuidadosa das probabilidade de sucesso da ação em que este perdeu o prazo para a interposição do recurso adequado, que a chance de obter o resultado útil esperado era, por exemplo, de 70%, fará incidir essa porcentagem sobre tal resultado. Assim, a indenização pela perda da chance será fixada em 70% do valor pretendido na ação tornada infrutífera em razão da negligencia do advogado.

O grande cerne da questão, conforme exalta Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2008, p.268), reside no fato de que jamais se poderá saber qual seria o resultado do julgamento se o ato houvesse sido validamente realizado, pois se trata da perda de uma mera chance.

Em outras palavras, o fato de não haver dano concreto ou, ao menos, probabilidade real e concreta de se obter determinado resultado, é o que mais dificulta a análise do julgador. Efeito disso é que o magistrado acabará envolvendo critérios subjetivos por ocasião da quantificação da reparação, favorecendo a promoção de insegurança jurídica e disseminando sentenças divergentes de casos semelhantes.

Conforme bem ensina Sérgio Savi, se fosse possível afirmar, com certeza, que o recurso acaso interposto seria provido, a hipótese seria de indenização dos lucros cessantes e não da perda da chance, entendida, repita-se, como dano material emergente.

Carlos Roberto Gonçalves (2009, p.257), citando Ênio Zuliani, afirma que o único parâmetro confiável para o arbitramento da indenização, por perda de uma chance, continua sendo a prudência do Juiz. Ainda, continua acrescentando que a hipótese de culpa do advogado que, por omissão, não ingressa com a ação rescisória no prazo decadencial (art. 495 do CPC), não produz, de imediato ou de forma automática, o fato ‘perda de uma chance’, porquanto a probabilidade de sucesso de uma ação rescisória é sempre menor, por envolver ‘vício’ de julgamento ou ‘erro de fato ou de direito’, pressupostos difíceis de serem reunidos para apresentação.

Por último, continua Carlos Roberto Gonçalves (2009, p.258) afirmando que a “mera possibilidade não é passível de indenização, pois a chance deve ser séria e real para ingressar no domínio do dano ressarcível”.

O que se percebe, por fim, é que caberá ao Juiz analisar profundamente cada caso concreto, incumbindo-lhe a missão de valorar a probabilidade de sucesso, bem como quantificar a condenação em proporcionalidade direta, julgando-os segundo os padrões éticos e morais formadores do Direito e da Justiça.

3.2 SITUAÇÕES DE INCIDÊNCIA DA PERDA DE UMA CHANCE

A perda de uma chance se materializa em diversas situações do cotidiano. Não é nada raro um sujeito se ver privado de uma oportunidade em razão de uma conduta, omissiva ou comissiva, praticada por um terceiro. Contudo, por se tratar de um instituto relativamente novo, além de pouco conhecido pela sociedade, acabamos por desperceber sua presença.

Diversos casos podem ser citados a fim de exemplificar a materialização da teoria em comento, tanto na atividade advocatícia como fora dela.

Convém, a seguir, ressaltar um interessantíssimo Acórdão do STJ, proferido em sede de Recurso Especial, inscrito sob o número 788.459, em que litigavam BF Utilidades Domesticas LTDA. e Ana Lúcia Serbeto de Freitas Matos, vejamos:

RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. IMPROPRIEDADE DE PERGUNTA FORMULADA EM PROGRAMA DE TELEVISÃO. PERDA DA OPORTUNIDADE.
1. O questionamento, em programa de perguntas e respostas, pela televisão, sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não indica percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como decidido pelas instâncias ordinárias, a impossibilidade da prestação por culpa do devedor, impondo o dever de ressarcir o participante pelo que razoavelmente haja deixado de lucrar, pela perda da oportunidade.

2. Recurso conhecido e, em parte, provido.
(REsp 788459, Relator: Min. Hélio Quaglia Barbosa, Data do Julgamento: 08/11/2005, Quarta turma de Direito Civil, Data da Publicação: 13/03/2006) >> acesso em 22 de agosto de 2013

O caso mencionado é bastante curioso, vejamos.

Trata-se de uma ação de indenização proposta por Ana Lúcia Serbeto de Freitas Matos, em face da empresa BF Utilidades Domésticas Ltda., empresa do grupo econômico "Sílvio Santos", em que pleiteia o ressarcimento de danos materiais e morais, em decorrência de incidente havido quando de sua participação no programa "Show do Milhão".

Segundo o Acórdão mencionado, a autora dispôs que participou de uma das edições daquele programa, logrando êxito nas respostas às questões formuladas, salvo quanto à última indagação, conhecida como "pergunta do milhão". Pondera haver a empresa BF Utilidades Domésticas Ltda incorrido em procedimento de má- fé, elaborado pergunta sem resposta, o que justificaria sua condenação em um quantitativo equivalente ao valor correspondente ao prêmio máximo, além de danos morais pela frustração de sonho acalentado por longo tempo.

Em primeira Instância, o pedido foi acolhido quanto ao dano material, sob o fundamento de que a pergunta nos termos em que formulada não tem resposta, e a empresa ré foi condenada ao pagamento do valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) com acréscimo de juros legais, contados do ato lesivo e verba de patrocínio de 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação.

Houve apelação por parte da BF Utilidades Domésticas Ltda, que teve provimento negado pela Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia.

Em sede de Recurso Especial, o STJ voltou a analisar o tema, reduzindo a indenização para R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais). Aduziu, o Colendo Tribunal, que tal valor corresponde a um quarto do valor pretendido, se tratando de uma probabilidade matemática de acerto de uma questão de múltipla escolha com quatro itens, refletindo as reais probabilidades de êxito.

Ainda, na Advocacia, a teoria não passa despercebida, incidindo em diversas ocasiões, como bem ressalta Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2008, p. 268) ao citar os seguintes exemplos: “falta de propositura de ação judicial; recurso ou ação rescisória; não formulação de pedido; omissão na produção de provas; extravio de autos, ausência de contrarrazões ou sustentação oral; falta de defesa etc”.

Imaginemos a hipótese de um advogado que, por pura negligência, deixa decorrer o biênio legal para ajuizamento de uma reclamação trabalhista. Ou ainda a hipótese em que o advogado perde o prazo para recorrer de uma decisão, mesmo a parte se mostrando a favor de tal procedimento.

Nessas situações, mesmo que não seja concreto o dano causado, é inegável que a oportunidade de modificação do julgado, ou de procedência da ação, foi perdida por culpa do causídico, que deverá sofrer os efeitos de sua omissão.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho possibilitou a análise detalhada da responsabilidade civil, bem como seus primeiros relatos históricos e sua evolução junto à sociedade.

A responsabilidade civil constitui instituto vastamente estudado pela Doutrina moderna, principalmente em razão da necessidade de adequação do instituto às diversas situações do dia a dia.

Percebemos que, em regra, para imputar ao agente as conseqüências dos seus atos, o ordenamento jurídico pátrio adotou a responsabilidade civil sob a modalidade subjetiva, cuja configuração exige a presença simultânea do elemento culpa, além da conduta humana, o dano e do nexo de causalidade.

Vimos, também, a possibilidade de incidir a responsabilidade civil na espécie objetiva, que prescinde da comprovação da culpabilidade do agente, haja vista que os riscos da própria da atividade executada se mostravam suficientes para caracterizar sua responsabilidade. Contudo, sua materialização fica adstrita aos casos especificados em lei.

Nesse contexto, foi ressalto que os profissionais liberais exercem uma atividade regulada pelos princípios e normas insculpidas no Código de Defesa do Consumidor, que prevê a incidência da modalidade subjetiva de responsabilidade em seu art. 14, §4. Percebemos que tal afirmativa constitui exceção às disposições do CDC, pois a regra é que os fornecedores de serviços respondam objetivamente pelos prejuízos causados àqueles que os consomem.

Sob esse prisma, verificamos que os advogados exercem atividade de forma liberal, e que a natureza jurídica da sua responsabilidade civil é subjetiva, com inversão do ônus da prova em conformidade com a espécie da conduta praticada. Enquanto executam atividade de meio, a responsabilidade civil é subjetiva com culpa provada pela vítima. De modo diverso, se de resultado é a atividade, a responsabilidade se conversa subjetiva, mas a culpa será presumidamente do profissional, a quem cabe se desincumbir do encargo probatório.

Após, ingressamos no estudo da teoria da perda de uma chance, delineando seus contornos históricos e avaliando sua terminologia.

Conforme exposto alhures, na França, a perda de uma chance surgiu a fim de responsabilizar a classe médica pelos eventuais erros cometidos em procedimento cirúrgico. Após, percebeu-se que sua incidência se fazia presente em qualquer modalidade de atividade liberal, inclusive na atividade advocatícia.

O advogado, então, estaria submetido à incidência da mencionada teoria, motivo pelo qual deveria conduzir com extrema cautela e precaução seu mister.

Foi ressaltado também que o arbitramento da indenização deve usar como parâmetro a prudência do Juiz, que deve realizar um Juízo de valor em cada caso, pois a falta de dano concreto ou, ao menos, possibilidade real de lesão constitui a principal problemática no momento da quantificação da pena. Ainda, verificamos que a Doutrina especializada somente admite a reparação da perda de uma chance quando a possibilidade de obtenção do resultado for real e concreta.

Por fim, percebemos que a sociedade jurídica, movida pelos anseios de Justiça social, busca adaptar a responsabilidade civil de acordo com as tendências sociais, modificando-o de forma que abarque todas as relações imagináveis. Assim, a teoria da perda de uma chance constitui uma das variações do instituto reparatório, aplicável às situações em que um indivíduo é privado de obter certo resultado em razão de uma conduta praticada por terceiro.

5 REFERÊNCIAS

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Esdras Carvalho

Advogado - João Pessoa, PB


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