1. Introdução
A propriedade intelectual vem ganhando destaque crescente no cenário jurídico e econômico contemporâneo, sobretudo em sociedades orientadas pelo conhecimento e pela inovação. Conforme definição da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), trata-se do conjunto de direitos relativos às criações do intelecto humano, abrangendo diversas áreas e modalidades que demandam proteção específica para assegurar a justa remuneração dos autores e estimular o progresso tecnológico e cultural.
No ordenamento brasileiro, além da regulamentação específica que disciplina as diversas modalidades de propriedade intelectual, o tema está intrinsecamente ligado a instrumentos de política comercial e de defesa dos interesses nacionais no comércio exterior. A título exemplificativo, destaca-se a Lei da Reciprocidade Econômica (Lei nº 15.122, de 11 de abril de 2025), que estabelece critérios para suspensão de concessões comerciais, de investimentos e de obrigações relativas a direitos de propriedade intelectual em resposta a medidas unilaterais adotadas por país ou bloco econômico que impactem negativamente a competitividade internacional brasileira. Este mecanismo estratégico ganhou relevância especialmente em razão das medidas tarifárias impostas a múltiplas nações pelo governo norte-americano na gestão do presidente Donald Trump. A referida lei incide quando tais medidas interferem nas escolhas legítimas e soberanas do Brasil; violam ou são incompatíveis com acordos comerciais internacionais; anulam ou prejudicam benefícios ao país em tratados vigentes; ou impõem requisitos ambientais excessivamente onerosos em comparação aos padrões nacionais. Dessa forma, reforça-se a utilização da propriedade intelectual como importante instrumento de política econômica e comercial, alinhado à proteção dos interesses nacionais no cenário global.
Outro avanço relevante no campo da política nacional de propriedade intelectual é a recente aprovação, pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), do Plano de Ação 2025-2027 da Estratégia Nacional de Propriedade Intelectual (ENPI), instituído pela Resolução GIPI/MDIC nº 14, de 1º de agosto de 2025. O plano, elaborado de forma colaborativa com 13 órgãos do governo e 24 organizações da sociedade civil, além de uma série de outros parceiros públicos e privados, tem como objetivo principal promover o uso da PI e incentivar a inovação no Brasil. Com vigência até julho de 2027, o documento prioriza 64 ações e 140 entregas distribuídas por sete eixos de atuação, que destacam agendas locais de desenvolvimento econômico-social, a importância da propriedade intelectual (PI) para o incentivo às soluções sustentáveis e o fomento à transferência de tecnologia entre Institutos de Ciência e Tecnologia e indústrias, seguindo um ciclo anterior que já demonstrou resultados positivos, como o avanço do Brasil da 10ª posição para a 6ª posição em número de Marcas registradas, enquanto manteve a 11ª posição em depósito de Patentes e a 12ª posição no depósito de Cultivares - conforme o último ranking da Organização Mundial de Propriedade Intelectual.
2. Conceito de Propriedade Intelectual
A Convenção que instituiu a Organização Mundial da Propriedade Intelectual, assinada em Estocolmo em 14 de julho de 1967 e modificada em 28 de setembro de 1979, estabelece que a propriedade intelectual compreende os direitos relativos às obras literárias, artísticas e científicas; às interpretações e execuções dos artistas; aos fonogramas e transmissões de radiodifusão; às invenções em todos os domínios da atividade humana; às descobertas científicas; aos desenhos e modelos industriais; às marcas comerciais, industriais e de serviço, assim como às firmas e denominações comerciais; à proteção contra a concorrência desleal; e a quaisquer outros direitos inerentes à atividade intelectual nos campos industrial, científico, literário e artístico.
Esta definição evidencia a amplitude do conceito, que abarca desde a tutela das criações culturais até a proteção de sinais distintivos e inovações tecnológicas.
3. Divisões da Propriedade Intelectual
De forma geral, a propriedade intelectual divide-se em dois grandes grupos: a propriedade industrial e o direito autoral.
3.1 Propriedade Industrial
Abrange a proteção de criações com aplicação prática nas áreas industrial, comercial e tecnológica, incluindo:
Patentes, que conferem exclusividade temporária para invenções e modelos de utilidade;
Marcas, que protegem sinais distintivos que identificam produtos e serviços;
Desenhos industriais, que tutelam a forma plástica ornamental de um objeto ou o conjunto ornamental de linhas e cores que possa ser aplicado a um produto, proporcionando resultado visual novo e original na sua configuração externa e que possa servir de tipo de fabricação industrial;
Indicações geográficas, que protegem a indicação de procedência ou a denominação de origem;
Proteção contra concorrência desleal, que combate práticas comerciais injustas, inclusive a tutela de segredos de negócio.
No Brasil, a matéria é regulada pela Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996 (Lei da Propriedade Industrial - LPI).
3.2 Direito Autoral e Direitos Conexos
Destina-se à proteção das obras literárias, artísticas e científicas, garantindo aos autores direitos morais e patrimoniais sobre suas criações. Abrange:
Direitos autorais, conforme a Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998 (Lei de Direitos Autorais), que protege os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou;
Direitos conexos, que tutelam as interpretações artísticas e execuções, fonogramas e transmissões de radiodifusão;
Programas de computador, protegidos pela Lei nº 9.609, de 19 de fevereiro de 1998 (Lei de Software).
3.3 Regimes Especiais
Além dos ramos principais, o ordenamento jurídico brasileiro prevê regimes especiais para determinados ativos intelectuais, tais como:
Cultivares, protegidas pela Lei nº 9.456, de 25 de abril de 1997;
Conhecimentos tradicionais e recursos genéticos, regulados pela Lei nº 13.123, de 20 de maio de 2015;
Topografia de circuitos integrados, disciplinada pela Lei nº 11.484, de 31 de maio de 2007.
4. Considerações Finais
A propriedade intelectual configura-se como um instrumento indispensável para o estímulo à inovação, à criatividade e ao desenvolvimento econômico sustentável. A compreensão aprofundada de suas diversas modalidades e do arcabouço normativo que as rege é fundamental para que autores, inventores e empreendedores possam proteger suas criações, promovendo não apenas a segurança jurídica, mas também a geração de valor econômico e social.
No contexto brasileiro, a consolidação de um sistema regulatório sólido, aliado à integração em tratados internacionais, favorece a valorização do capital intelectual e fortalece a competitividade do país em um mercado cada vez mais globalizado e baseado no conhecimento. Assim, a propriedade intelectual transcende sua função tradicional de mera proteção legal, assumindo um papel estratégico crucial para o desenvolvimento sustentável, a inovação contínua e a inserção qualificada do Brasil na economia mundial do conhecimento.