O Acesso à Justiça


03/11/2023 às 22h14
Por Frederico G. Suzarte

 Por Frederico Gomes Suzarte Magalhães

     Nas palavras do Professor Nelson Nery Júnior, não pode o legislador e ninguém mais impedir que o jurisdicionado vá a juízo deduzir pretensão, isso porque o direito ao acesso à justiça está vinculado a ideia de direito de ação, ou seja, trata-se de direito público subjetivo daquele sujeito que deseja ingressar com uma ação judicial fundada em norma de direito público. (NERY, 2004, p. 130)

     O conceito de acesso à justiça tem sofrido uma transformação importante [...]. Nos Estados “burgueses” do século dezoito e dezenove, os procedimentos adotados para a solução dos litígios civis refletiam a filosofia essencialmente individualista dos direitos, então vigorantes. Direito ao acesso à proteção judicial significava essencialmente o direito formal do indivíduo agravado de propor ou contestar uma ação. (CAPPELLETTI, 1988, P. 9)

     A questão do acesso à justiça no século XVIII e XIX, em pleno surgimento e aperfeiçoamento do liberalismo, significava apenas a possibilidade de acesso aos órgãos judiciais. Na realidade, sabemos que o acesso à justiça se estende muito mais do que o individualismo com raízes no liberalismo dispunha na época. O acesso à justiça era compreendido como direito natural, não havendo assim interferência do Estado para a promoção desse direito.

     Assim, a evolução do conceito teórico de acesso à justiça, revela em um primeiro momento que tal direito representava apernas igualdade formal de direitos, uma vez que só propunham ações judiciais aqueles que possuíam condições financeiras de arcar com seus custos. Ainda durante o liberalismo, podia se ver que a preocupação do sistema de justiça e dos estudiosos do direito encontrava-se afastada dos reais problemas da população.

     Contudo, na primeira metade do século XX, nota-se um movimento dos Estados sociais buscando reconhecer os direitos e deveres sociais, estão entre eles, os direitos ao trabalho, saúde e educação, estampados nas constituições modernas. Portanto, na perspectiva das dimensões dos direitos humanos e na sua evolução, reputo importante trazer o simples e objetivo conceito:

“O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos.” (CAPPELLETTI, 1988, P. 12)

     O que se quer dizer aqui é que os direitos humanos estampados nas constituições devem se revestir de garantias fundamentais, ou seja, devem estar além do direito formal como era comummente as declarações de direito dos séculos XVIII e XIX, isto é, direitos efetivos e não apenas proclamados. Vale refletir acerca das “ondas renovatórias” do qual Cappelletti e Garth se referem, sendo a primeira a “assistência judiciária”, do qual trataremos ainda nesse tópico, a segunda onda renovatória seria a “representação jurídica para os interesses difusos” e por fim o chamado “enfoque de acesso à justiça”.

     O acesso à justiça é um tema complexo e multifacetado, e ao longo do tempo têm surgido diversas ondas de pensamento sobre como promovê-lo. As ondas do acesso à justiça podem ser entendidas como diferentes abordagens que se sucederam no tempo, cada uma enfatizando diferentes aspectos do problema. A primeira onda do acesso à justiça, que surgiu nos anos 60 e 70, focava principalmente na necessidade de ampliar o acesso formal à justiça, ou seja, o acesso aos tribunais e demais órgãos do sistema judicial. Essa abordagem enfatizava a importância de garantir a todos os cidadãos o direito a um julgamento justo e igualitário, independentemente de sua condição social, econômica ou cultural. (CAPPELLETTI, 1988, P. 33)

     A segunda onda do acesso à justiça, que surgiu nos anos 80 e 90, expandiu o conceito de acesso à justiça além do acesso formal aos tribunais. Essa abordagem reconhecia que muitas vezes as barreiras ao acesso à justiça não estão apenas no sistema judicial, mas também em fatores sociais, econômicos e culturais que dificultam ou impedem a participação efetiva das pessoas na resolução de conflitos. A segunda onda enfatizou a importância de se adotar mecanismos alternativos de solução de conflitos, como a mediação e a conciliação, bem como políticas públicas voltadas para a promoção da igualdade e da justiça social.

     A terceira onda do acesso à justiça, que surgiu nos anos 2000, enfatiza a importância da participação cidadã na busca por justiça e na construção de um sistema de justiça mais inclusivo e democrático. Essa abordagem reconhece que o acesso à justiça não pode ser garantido apenas por meio de reformas institucionais ou políticas públicas, mas também depende da participação ativa da sociedade civil na defesa de seus direitos e na construção de um sistema de justiça mais acessível e eficiente.

     Essas ondas do acesso à justiça são apenas uma forma de categorizar as diferentes abordagens que têm sido propostas ao longo do tempo. É importante ressaltar que não se trata de uma evolução linear, em que uma onda substitui a outra de forma hierárquica. Cada abordagem tem suas próprias contribuições e limitações, e o debate sobre o acesso à justiça continua sendo uma questão fundamental para a promoção da justiça e da igualdade em todo o mundo. As três ondas em questão já estão presentes no ordenamento jurídico brasileiro. A primeira onda representa a assistência judiciária gratuita, que se caracteriza pela atuação dos advogados dativos e pela Defensoria Pública. Há de salientar também a importância da atuação dos núcleos de práticas jurídicas das faculdades de direito por todo o Brasil.

     A segunda onda visualiza-se na representação dos direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos. Já a terceira está presente na inserção de Juizados Especiais e no estímulo ao uso de métodos alternativos de resoluções de conflitos. O acesso à justiça significa em larga escala o direito do cidadão em ser ouvido em juízo e provocando-o para a proteção de seus direitos, mas além disso, é a efetivação de direitos individuais, coletivos, sociais. É a possibilidade de resolução de conflitos através de uma forma justa e adequada. A finalidade deste direito fundamental elementar é, nada mais, do que a pura realização da justiça.

  • Justiça do trabalho
  • Acesso à Justiça
  • Justiça Gratuita
  • Justiça Social

Referências

CAPPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988.

MAGALHÃES, Frederico Gomes Suzarte Magalhães. Análise da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 5.766 no Acesso à Justiça do Trabalho. Trabalho de Conclusão de Curso. 2023. UFG. Goiás/GO.


Frederico G. Suzarte

Bacharel em Direito - Goiânia, GO


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