REQUISITOS PARA CARACTERIZAÇÃO DA RELAÇÃO DE EMPREGO


10/04/2023 às 02h55
Por Gabrielle Guedes Gomes Souza

Para a caracterização de uma relação de emprego, isto é, para que se configure o vínculo empregatício, devem estar presentes alguns requisitos também chamados de pressupostos ou elementos fático-jurídicos, que são: trabalho por pessoa física, pessoalidade, não-eventualidade, onerosidade, subordinação e alteridade.

 

Subordinação jurídica é a vinculação do empregado ao poder empregatício: diretivo, disciplinar, fiscalizatório e regulamentar

Habitualidade o trabalho deve ser exercido de forma habitual, não pode ser exercido de formal eventual ou ocasional.

Onerosidade deverá haver um contraprestação em dinheiro.

Pessoalidade infungibilidade ou “intuitu personae” - o empregado é contratado para prestar os serviços pessoalmente e somente poderá ser substituído por outro com a anuência do empregador e em situações excepcionais.

Pessoa física o trabalho deve se dar obrigatoriamente por pessoa física ou natural.

 

Analisaremos detidamente cada elemento da relação de emprego:

 

PESSOA FÍSICA

Para que seja caracterizada a relação de emprego, o serviço deve ser prestado por uma pessoa física (também chamada de “pessoa natural”). Se o serviço for prestado por uma pessoa jurídica, não há relação de emprego. Os serviços prestados por pessoa jurídica são regulados pelo Direito Civil, e não pelo Direito do Trabalho.

 

E se ficar demonstrado que houve fraude e que a contratação de pessoa jurídica se deu com o intuito de mascarar uma relação de emprego? Neste caso, considerando-se o princípio da primazia da realidade, a fraude será reconhecida, ensejando a nulidade da contratação e o reconhecimento do vínculo empregatício, desde que presentes os demais requisitos.

 

Acerca da nulidade, destaca-se o artigo 9º da CLT: Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.

 

Exemplo: uma empresa contrata Severino para prestar serviços de desenvolvimento de sistemas informatizados. No entanto, para não ter que anotar registro na carteira de trabalho e não ter que conceder os demais direitos trabalhistas, a empresa e Severino combinam que ele abrirá uma empresa (pessoa jurídica) e prestará os serviços por intermédio dessa empresa de “fachada”, inclusive recebendo os pagamentos pela conta bancária da pessoa jurídica. Essa tentativa de mascarar uma relação de emprego é uma fraude conhecida como “pejotização”. Embora haja um contrato de prestação de serviços autônomos, está, sim, presente o requisito do “trabalho por pessoa física” (lembre-se do princípio da primazia da realidade!). Se estiverem presentes os demais requisitos, Severino pode pedir o reconhecimento do vínculo empregatício perante a Justiça do Trabalho.

 

PESSOALIDADE

De acordo com o requisito da pessoalidade, o serviço deve ser prestado pessoalmente pelo empregado, pois ele foi contratado em razão de suas qualidades pessoais.

 

Desse modo, o empregado não pode se fazer substituir por outro, pois deve haver a infungibilidade, ou seja, a impossibilidade de substituição. Dizemos que o contrato de emprego é “intuito personae” ou “personalíssimo” com relação ao empregado.

 

Exemplo: Severino foi contratado para prestar serviços de encanador em uma empresa. Todavia, não é ele quem vai sempre realizar o serviço. Ele costuma enviar, em seu lugar, Godofredo. Nota-se que não há pessoalidade, pois Severino pode se fazer substituir. Portanto, não está presente o requisito da pessoalidade.

 

Exemplo da jurisprudência: em recente decisão, o TST não reconheceu o vínculo de emprego pleiteado por um trabalhador, pois restou demonstrado que não havia o requisito da pessoalidade, já que o trabalhador podia se fazer substituir. Trata-se de um eletricista que realizava a manutenção dos aparelhos de ar condicionado das salas de cinema da empresa ré.

 

Com relação ao empregador, todavia, o contrato de emprego não é intuito personae, pois ele pode ser substituído sem que isso afete a relação de emprego. Há, portanto, a “despersonalização” com relação ao empregador, que pode se fazer substituir ao longo da relação de emprego. É o que ocorre quando há sucessão de empregadores, por exemplo. 

 

Nesse sentido, destacam-se os artigos 10 e 448 da CLT:

Art. 10 - Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados. Art. 448 - A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados.

 

NÃO- EVENTUALIDADE

Para compreender o que significa o requisito da não-eventualidade, é preciso definir o que é um trabalho não-eventual. A CLT não apresenta esse conceito. Por isso, a doutrina desenvolveu algumas teorias para explicá-lo.

 

1) Teoria do Evento

Segundo esta teoria, o trabalho é eventual quando o trabalhador é contratado em razão de uma situação, um evento específico, transitório, de curta duração.

Exemplo: Severino trabalha na produção de uma peça teatral durante a temporada de três meses no teatro municipal, com ajuste de pagamento por apresentação. Nesse caso, Severino é um trabalhador eventual. Desse modo, não está presente o requisito da não-eventualidade e, consequentemente, não há relação de emprego.

 

2) Teoria da fixação jurídica ao tomador de serviços

De acordo com esta teoria, o trabalhador eventual é aquele que presta serviço a vários tomadores, ao passo que o “não-eventual” se fixa a um único empregador, isto é, a uma única fonte de trabalho. Esta teoria não é aceita pela doutrina majoritária, pois é possível que um empregado tenha vínculo de emprego com vários tomadores ao mesmo tempo, não sendo “exclusivo” a apenas um empregador. Aliás, isso é muito comum em algumas profissões, tais como médicos e professores.

 

3) Teoria da Descontinuidade

Segundo esta teoria, o trabalho “não-eventual” corresponde à prestação de serviços com ânimo permanente.

“Permanente” é sinônimo de “todos os dias”? Não!

 

De acordo com o requisito da “não-eventualidade”, não é o número de dias de trabalho na semana que faz com que o empregado seja eventual ou não (exceto para os domésticos, que só terão o vínculo empregatício reconhecido se prestarem serviços mais de 2 dias por semana ). Quando a lei fixa um número de dias para caracterizar o vínculo de emprego, como é o caso dos domésticos,trata-se de outro conceito: a “continuidade”.

 

Atenção! Embora, tecnicamente, “não-eventualidade” e “continuidade” sejam conceitos distintos, alguns doutrinadores e algumas bancas de concursos consideram-nos sinônimos. Portanto, há questões de concursos que mencionam a “continuidade” com requisito da relação de emprego, no lugar de “nãoeventualidade”. A “habitualidade” também é citada como sinônimo de “não-eventualidade”. Então, lembre-se: para provas de concurso, podem ser citadas como sinônimos do requisito “não-eventualidade” as expressões “continuidade” e “habitualidade”, principalmente em questões mais antiga

 

Para os trabalhadores em geral, o que faz com que o trabalhador seja considerado eventual é a descontinuidade, isto é, um trabalho que se fraciona no tempo, sem expectativa da próxima prestação laboral.

 

A não-eventualidade corresponde a um trabalho realizado com previsão de repetibilidade futura, um padrão de repetição, mesmo que não ocorra diariamente. Isso é muito comum com garçons, por exemplo, escalados previamente para trabalhar todos os fins de semana. Esses garçons não são trabalhadores eventuais, pois a prestação tem o ânimo de ser permanente, embora não seja contínua.

 

Exemplo: Severino foi contratado para trabalhar como garçom no restaurante “Prato Cheio”. O combinado é que ele deve ir todas as sextas-feiras e sábados, que são os dias em que há maior movimento. Pode-se dizer que Severino é um trabalhador eventual? Não! Há expectativa de permanência, isto é, o trabalho não é esporádico. Então, está presente o requisito da não-eventualidade.

 

4) Teoria dos fins do empreendimento

Do ponto de vista do empregador, é possível classificar um trabalho como não-eventual quando a atividade se insere nos fins normais da empresa, ou seja, é necessária à atividade normal do empregador.

 

Exemplo: Severino foi contratado para trocar lâmpadas e resolver problemas elétricos em uma escola. A escola o contratou duas vezes neste ano. Note que a atividade desempenhada por Severino não se insere nos fins normais da escola (ministrar aulas). Logo, por ser esporádico e não integrar a dinâmica normal da empresa, não está presente o requisito da não-eventualidade. Trata-se, portanto, de um trabalhador eventual. Por outro lado, a mesma escola contratou o Professor Arthur Lima para lecionar Matemática em uma turma. A atividade de Arthur se insere nos fins normais da empresa, que é uma escola. Sendo assim, o serviço desenvolvido por Arthur não é eventual.

 

A Desembargadora Vólia Cassar explica a teoria dos fins do empreendimento da seguinte forma:

“A necessidade daquele tipo de serviço pode ser permanente (de forma contínua ou intermitente) ou acidental, fortuita, rara. Assim, o vocábulo não eventual caracteriza-se quando o tipo de trabalho desenvolvido pelo obreiro, em relação ao seu tomador, é de necessidade permanente para o empreendimento”.

 

São exemplos de trabalhadores eventuais: boia-fria, chapa, diarista – este último seria o trabalhador doméstico que presta serviços até dois dias na semana. Segundo a doutrina, para se definir se o trabalho é eventual ou não, é necessário averiguar, conjuntamente, a aplicação dessas teorias no caso concreto

 

Por fim, é preciso ressaltar que o trabalho intermitente, novidade introduzida pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), não é o mesmo que trabalho eventual. No trabalho intermitente, diferentemente do eventual, há vínculo de emprego, embora a prestação de serviços não seja contínua.

 

ONEROSIDADE

A onerosidade refere-se ao pagamento a que o empregado tem direito de receber como contraprestação pelos serviços prestados. Caracteriza-se pelo ajuste da troca da força de trabalho por salário.

 

Veja a definição de Gustavo Garcia:

“A onerosidade significa que os serviços prestados têm como contraprestação o recebimento da remuneração, não se tratando, assim, de trabalho gratuito. O empregado trabalha com o fim de receber salário, sendo este seu objetivo ao firmar o pacto laboral”.

 

Mesmo que o empregador não cumpra sua obrigação, isto é, mesmo que ele não pague os salários devidos, essa situação não afasta o caráter oneroso da relação de emprego. É preciso analisar se havia o animus contrahendi, ou seja, se o trabalhador disponibilizou sua força de trabalho com interesse econômico, objetivando receber o pagamento como contraprestação. Portanto, o que importa não é o quantum a ser pago, mas sim o pacto, a promessa de prestação de serviço de um lado e a promessa de pagamento de salário do outro lado.

 

A onerosidade deve ser vista sob dois ângulos:

▪ Objetivo = há o pagamento feito pelo empregador para remunerar os serviços prestados pelo empregado.

▪ Subjetivo = há intenção contraprestativa, principalmente do empregado, que presta os serviços esperando uma contrapartida pecuniária do empregador.

 

Se não houver onerosidade, isto é, se o trabalho for prestado gratuitamente, será trabalho voluntário, que é uma das espécies de relação de trabalho que estudaremos nos próximos capítulos desta aula.

 

SUBORDINAÇÃO JURÍDICA

A subordinação é o elemento mais importante para a caracterização do vínculo de emprego. O empregado presta os serviços de maneira subordinada ao empregador.

 

Algumas questões de concursos apresentam esse requisito como “dependência”, pois é a forma como consta no artigo 3º da CLT.

 

Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário

 

A subordinação técnica e a econômica nem sempre estão presentes na relação de emprego. Afinal, é possível que o empregado tenha mais conhecimento técnico que o empregador e que tenha condição financeira superior, até porque ele pode ter mais de um emprego, tendo várias fontes de renda.

 

É, portanto, a subordinação jurídica que caracteriza a relação de emprego. Significa que o empregado se subordina ao poder diretivo do empregador, acatando ordens, cumprindo determinações, metas e estando sujeito a receber punições, tais como advertência, suspensão ou dispensa por justa causa.

 

Exemplo: Severino foi contratado por uma empresa para prestar serviços como autônomo (relação de trabalho sem vínculo empregatício). Porém, todo o modo de produção era determinado pela empresa. Além disso, Severino tinha controle de horário e, quando precisava faltar, a empresa exigia a apresentação de atestado médico. Se ele não apresentasse atestado, seria punido com desconto em seu pagamento. A determinação do modo de produção e a aplicação de punições caracterizam a subordinação jurídica. Sendo assim, estando presentes os demais requisitos, Severino pode pleitear perante o Poder Judiciário a nulidade do contrato de prestação de serviços autônomos, bem como pedir o reconhecimento do vínculo de emprego, com anotação na carteira de trabalho e todos os direitos trabalhistas.

 

A expressão “subordinação jurídica” consta expressamente no artigo 6º da CLT. É muito importante memorizar este artigo e seu parágrafo, que se referem à possibilidade de subordinação jurídica e caracterização do vínculo empregatício mesmo que o empregado trabalhe a distância, pois os meios telemáticos e informatizados (e-mail e telefone, por exemplo), possibilitam o controle.

 

Artigo 6º, CLT - Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego. Parágrafo único – Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.

 

De acordo com esse dispositivo, não importa se o empregado está dentro ou fora da empresa. Se houver controle, ainda que por meios “telemáticos e informatizados”, haverá subordinação.

 

Note, ainda, que o caput do artigo informa que não há distinção entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e o executado no domicílio do empregado (home office).

 

ALTERIDADE

A palavra alteridade tem origem no latim, em que “alter” significa “outro”. Este requisito informa que os riscos da atividade econômica não pertencem ao empregado, mas sim à outra parte da relação, que é o empregador. Segundo este requisito, portanto, o empregado deve “prestar serviços por conta alheia e não por conta própria”.

 

Sendo assim, o empregado não assume os riscos da atividade empresarial desenvolvida. É por isso que, independentemente de a empresa ter auferido lucro ou prejuízo, o empregado deverá receber seu salário normalmente, afinal, o risco da atividade pertence exclusivamente ao empregador e é ele quem deve suportar eventuais resultados negativos.

 

Quando há resultado positivo, parte do lucro pode ser compartilhada com os trabalhadores, caso haja programa de PLR – Participação nos Lucros e Resultados. Porém, se houver resultados negativos (prejuízo), estes devem ser suportados exclusivamente pelo empregador e o empregado não sofrerá qualquer desconto correspondente.

 

Então, esses foram os requisitos da relação de emprego: trabalho por pessoa física, pessoalidade, nãoeventualidade, onerosidade, subordinação jurídica e alteridade (“PP NOSA”).

 

Se esses requisitos estiverem presentes, haverá relação de emprego! Não importa se o empregador é, por exemplo, uma instituição sem fins lucrativos. Se admitiu um trabalhador com esses requisitos, existe aí uma relação de emprego!

 

Art. 2º, § 1º, CLT - Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.

 

Destaca-se a Súmula 386 do TST, acerca da possibilidade de reconhecimento de vínculo empregatício entre policial militar e empresa privada, apesar de o policial militar ser proibido, por seu Estatuto, de prestar serviços a empresas:

 

Súmula 386, TST - Preenchidos os requisitos do art. 3º da CLT, é legítimo o reconhecimento de relação de emprego entre policial militar e empresa privada, independentemente do eventual cabimento de penalidade disciplinar prevista no Estatuto do Policial Militar.

 

 

 

  • direito do trabalho

Referências

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. – 29. ed. – São Paulo: Atlas, 2013, p. 108.

CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. – 13. ed. – São Paulo: Método, 2017, p. 259.

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. – 13. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 128.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. – 17. ed. – São Paulo: LTr, 2018, p. 340.

MAGANO, Octavio Bueno. Apud BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho. – 11. ed., atual. por Jessé Cláudio Franco de Alencar – São Paulo: LTr, 2017, p. 174.

Direção concursos.


Gabrielle Guedes Gomes Souza

Advogado - Ipatinga, MG


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