Democracia e cidadania: votar é preciso


26/07/2018 às 19h05
Por Gisele Nascimento

 

 

 

O regime democrático no Brasil precisa ser comemorado, porque conquistado a duras penas, após duas décadas de governos militares, os quais, para não nos estendermos demasiadamente no assunto, não costumam ser preparados para a elevada missão de administrar a coisa pública, haja vista que sua vocação é bem distinta, como a garantia da lei e da ordem, por exemplo.

Daí porque o regime democrático precisa também ser constantemente rememorado, especialmente para aqueles que não viveram as dificuldades e as angústias daqueles tempos possam tomar conhecimento da grande conquista, do importantíssimo passo histórico que a nação brasileira deu, e que precisa consolidar a cada dia.

E como se consolida um regime democrático? Com mais e mais democracia!

Mas o que é democracia? Em poucas palavras, pode-se definir democracia como o regime de governo no qual o povo exerce a soberania, ou seja, participa como cidadão, de forma direta ou indireta, do governo. Por isso que desde a Constituição de 1988 o povo exerce o poder por meio de representantes eleitos ou diretamente. Pelo menos, é o que está estampado expressamente no art. 1º, parágrafo único, da CF/88.

Porém, a pergunta que não quer calar é a seguinte: será que o povo exerce mesmo esse poder, ou ele só está escrito no papel, sem efetividade na vida real?

Primeiramente, devo lembrar que pelos idos de 1864 essa questão foi muito bem colocada por Ferdinand Lassale, e está imortalizada na obra “Que é uma constituição?”, em que o autor afirma, em apertada síntese, que a constituição não passará de uma mera folha de papel, se o que estiver nela escrito não corresponder ao que é feito, de fato, na sociedade por ela regida.

E o que isso tem a ver com a questão posta no título deste artigo? Simplesmente tudo a ver!

Cidadania e voto são termos que se equivalem em muitos aspectos, estando ambos diretamente vinculados ao conceito de democracia. E a concretização do regime democrático previsto na Constituição depende de cada um de nós, desde que não neguemos nossa posição privilegiada de cidadãos.  

No site da Câmara dos Deputados pode-se ler um breve histórico do voto no Brasil. Nele se vê que o voto pôde ser exercido já em 1532, apenas trinta e dois anos após a “descoberta” do Brasil. Só que as inúmeras restrições ao exercício do voto desde então, comparadas ao atual significado desta atividade de cunho popular, conferem àquele ato a característica de mera formalidade, destituída do aspecto democrático que hoje ele tem. Basta lembrar que até 1932, no plano nacional, as mulheres não tinham direito ao voto no Brasil.

Essa breve síntese serve para demonstrar mais um motivo pelo qual devemos rememorar, para comemorar, a grande conquista do regime democrático, e dentro dele, como aspecto mais relevante, talvez, a extrema importância do voto, o direito ao exercício do sufrágio.

O voto deve servir para legitimar o exercício do poder político. Pelo menos é isso que se espera num regime satisfatoriamente democrático, em que devem prevalecer os aspectos republicanos das condutas de todos, autoridades e cidadãos em geral.

Poder escolher quem vai governar nossas vidas, nos contextos econômico, político, social etc, transmite a ideia (ainda que imperfeita) de que estamos participando do governo, mesmo que não concordemos, naturalmente, com todas as decisões tomadas pelos governantes e legisladores.

Só que a ideia de participar (ser parte) não contempla toda a amplitude do conceito de cidadania, porque os súditos do rei também são partes do império, mas não podem ser minimamente chamados de cidadãos.  

Dessa diferença surge a importância extrema de ser cidadão e de se fazer respeitar como tal.

E como se pode fazer respeitar como cidadão? Comportando-se como um legítimo cidadão, ou seja, aquele componente da sociedade que dela participa para fazer valer seus direitos, cumprindo seus deveres, por outro lado. Dando efetividade e cobrando efetividade em suas prerrogativas. Exercitando seus direitos e cobrando das autoridades (e dos demais cidadãos) o cumprimento da lei e, especialmente, da Constituição.

E o início dessas prerrogativas está no exercício do voto, que deve ser desempenhado com responsabilidade e discernimento, com escolhas bem fundamentadas, a partir do estudo crítico dos candidatos que colocam seus nomes à escolha popular.    

O voto constitui o mais importante instrumento de mudança política e social. Todos os que não estejam satisfeitos com as políticas sociais implementadas pelos atuais governantes e legisladores (ou com a omissão no dever de as implementar) devem aplicar seus esforços para mudar o que não esteja correspondendo às necessidades da população, especialmente a parcela da população menos favorecida por essas políticas. E isso exige, até mesmo, o envolvimento direto de cada cidadão na ajuda aos menos esclarecidos, de forma que possam ter o discernimento necessário à análise crítica da situação atual, bem ainda, do que precisa ser feito para alcançar aquela situação possível, de forma a um dia alcançar a posição ideal, ainda que isso seja uma utopia, pois o governo realmente democrático vive em função do povo. Devo lembrar que utopia não significa somente o que não pode ser alcançado, mas também aquilo que ainda não possa sê-lo.

Atribui-se ao presidente norte-americano Abraham Lincoln a célebre frase: “A democracia é o governo do povo, pelo povo, para o povo”, de onde se pode concluir pela inviabilidade (moral e legal) da existência de representantes corruptos e que se utilizam dos cargos públicos para enriquecimento ilícito próprio. E a porta de acesso dos políticos ao poder é o voto, razão pela qual amplia-se a responsabilidade dos eleitores cidadãos na escolha dos que vão governar nossas vidas pelos próximos anos.  

Em todo esse contexto, quero me solidarizar com os eleitores que, como eu, têm a consciência cívica da elevada importância de votar com esclarecimento, com segurança. Mesmo sabendo que esta é uma tarefa complicada, a escolha de candidatos honestos e comprometidos com a “coisa pública”, não podemos nos furtar ao cumprimento deste dever de cidadão, que está bem ao lado deste magnífico direito que alcançamos depois de muita luta e de cansativas reivindicações, como o movimento “Diretas-Já”, por exemplo, de tão louvável memória. Voto é direito-dever do cidadão.

Finalizo rememorando uma vez mais: o voto consciente é somente o primeiro passo rumo à efetividade e consolidação da cidadania e, consequentemente, da democracia. Depois de eleitos, temos de continuar nosso processo de cobrança e participação ativa nos diversos procedimentos administrativos e legislativos que nossos representantes irão tomar. 

Afinal, parafraseando a letra da música do grupo Titãs, no que diz respeito à cidadania: “a gente quer inteiro e não pela metade”.

 

Sobre a autora:

Gisele Nascimento é Advogada em Mato Grosso.

  • Voto; democracia; cidadania; direito de todos;

Gisele Nascimento

Advogado - Cuiabá, MT


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