Nas minhas viagens, conheço de tudo um pouco: coisas pitorescas, histórias de terror etc. Porém, não são as fábulas que me surpreendem, e sim, as pessoas. Suas particularidades, seus costumes e crenças despertam minha atenção com aspectos intrínsecos que, impreterivelmente, revelam nos seus comportamentos muito de sua personalidade. Ações habituais com intensidade tamanha que é impossível não ser percebida até mesmo pelo menos sensível dos espectadores.
Dia desses almocei uma bela ala minuta, numa “lancheria” como se diz aqui no sul, em uma cidade aqui perto de Passo Fundo, no interior; após me deliciar, fui pagar a conta: “Dezoito e cinquenta,” disse a atendente.
Entreguei-lhe o dinheiro e pedi um recibo. Para a minha surpresa, a moça, com um cordial sorriso e um ar prestativo, perguntou: “De que valor o senhor quer a nota?”
Estupefato com a naturalidade com que ela me atirou aquela indagação, respondi meio bobo, tentando demonstrar a mesma singeleza: “Ah! Sim, quero no valor da refeição, por favor”. Então ela preencheu o papel, meio atrapalhada.
Essa experiência me fez refletir sobre um aspecto imundo que estamos vivenciando na sociedade e que infelizmente está encardindo nos costumes de muitos brasileiros: o borrão da corrupção. Mediante esse fato, passo a indagar a respeito de quantos moldes de corrupção ativa e passiva encontramos no cotidiano entre as pessoas comuns, trabalhadores “honestos”, pais e mães de família, “doutores”. Ou será que corrupção é somente aquela feita por políticos?
Mario Sérgio Cortela, brilhante filósofo brasileiro, escritor com mais de trinta títulos, professor da PUC – SP por mais de trinta anos, certamente um dos nomes mais influentes na filosofia deste país, tem uma frase que traduz nitidamente a situação do Brasil em relação à corrupção: “A ocasião não faz o ladrão, ela apenas o revela”.
Portanto, se a ocasião não faz o ladrão, apenas o revelando, significa dizer que quando a oportunidade de ser corrupto ou de corromper alguém nos é apresentada, a atitude a ser tomada ali, apenas revela uma escolha ética que já tomamos.
Etimologicamente, a palavra corrupção significa deterioração, quebra de um estado funcional e organizado, ou seja, rompimento do comportamento que se espera do chamado homem médio, e manifesta-se por meio do suborno, intimidação, extorsão, ou abuso de poder, entre outros.
Muito já foi debatido, soluções falidas foram apontadas de todos os lados, afinal, é fácil apontar, meter o dedo na cara dos outros e dizer poucas e boas. Entretanto, onde começa a corrupção? Na Câmara, no Congresso, nos gabinetes? Ou no caixa do restaurante?
Se tivesse aceitado a proposta de adulterar o recibo da “ala minuta” (por mais saborosa que estivesse), isso não seria uma forma de corrupção? Oferecer um “extra” para o agente de trânsito, aliviar na multa – por que realmente você nunca mais vai parar em mão dupla na frente da escola do seu filho – seria corrupção? Okey, são só vinte reais? E é para o café? Afinal de contas você não gosta de corrupção, não é?
Fatalmente, é esse tipo de pensamento, de costume, que ocorre entre as pessoas “honestas” desse país. E a opinião pública grita a quatro ventos e lamenta sobre a corrupção dos políticos, de parlamentares envolvidos com “bicheiros”, de CPIs que se acumulam. Todavia, pela manhã depois do café na ida para o trabalho, você passa ali para apostar na cobra, vaca, porco, que apareceu no sonho da noite passada, afinal, dá sorte sonhar com bicho.
Aliás, esses políticos não são representantes do povo? Então, devem reproduzir o que o povo quer, e realmente estão fazendo isso, nos representando, até mesmo na forma de corromper, é claro que em escalas maiores, porque eles não são “bobos”, são lobos, ou melhor, leões, que daí dá para apostar no jogo do bicho!
Vejam bem, para os que ainda não entenderam, é necessário ressaltar que esse mal realmente se corta pela raiz, porém ela é profunda e possui muitas ramificações de modo, que serão necessárias muitas tesouras e muito esforço para poder eliminá-las ou ao menos impedir o seu crescimento desenfreado.
Contudo se nosso comportamento não é exemplar como podemos exigir o mesmo de alguém? Precisamos refletir sobre isso, do contrário estaremos enforcando bruxas pelos tornozelos. Carecemos de semear a boa fé em nossas relações, do adverso os frutos que colheremos dessa árvore não terão um sabor tão agradável e a digestão não será nada fácil.