RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DO ABANDONO AFETIVO PATERNO-FILIAL


18/03/2019 às 12h28
Por Ianny Lameiras

RESUMO

Este trabalho monográfico versa sobre o questionamento acerca da possibilidade, ou não, de o filho abandonado recorrer ao judiciário a fim de ser indenizado. Sendo assim, analisa-se o conceito de família de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, as principais particularidades da responsabilidade civil, a concepção de abandono afetivo e, por fim, posicionamentos doutrinários e jurisprudências envolvendo a temática.

Palavras-chave: Abandono afetivo. Indenização. Responsabilidade Civil.

ABSTRACT

This monographic study it is about the discussion of the possibility, or not, of the abandoned child to appeal in the judiciary in order to be indemnified. Therefore, is analyzed the concept of family according to the brasilian legal order, the main particularities of the civil liability, the conception of emotional abandonment and, at the end, doctrinal and jurisprudential positions embracing the theme.

Keywords: Emotional abandonment. Indemnity. Civil liability.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO 2. A FAMÍLIA 2.2 CONCEITO DE FAMÍLIA 2.3 IMPORTÂNCIA DA INSTITUIÇÃO FAMILIAR NA FORMAÇÃO DO INDIVÍDUO 2.4 PRINCÍPIOS RELACIONADOS À FAMÍLIA 2.4.1 Princípios previstos na CF/88 2.4.2 Princípios previstos na legislação civil 2.4.3 Princípios previstos no ECA 3. A RESPONSABILIDADE CIVIL 3.1 CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL 3.2 TEORIAS DA RESPONSABILIDADE CIVIL 3.2.1 Teoria da responsabilidade civil subjetiva 3.2.2 Teoria da responsabilidade civil objetiva 3.3 PRESSUPOSTOS DO DEVER DE INDENIZAR 3.3.1 Ação ou omissão 3.3.2 Culpa ou Dolo do agente 3.3.3 Relação de Causalidade 3.3.4 Dano 3.4 RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO DE FAMÍLIA 4. O ABANDONO AFETIVO  4.1 CONCEITO E VALOR DO AFETO NA RELAÇÃO PATERNO-FILIAL 4.2 CONCEITO DE ABANDONO AFETIVO PATERNO-FILIAL 4.3 TRANSTORNOS CAUSADOS PELO ABANDONO AFETIVO  5. O DANO MORAL DECORRENTE DO ABANDONO AFETIVO PATERNO-FILIAL 5.1 DO NÃO-RECONHECIMENTO DE RESPONSABILIDADE CIVIL PATERNO-FILIAL: CORRENTES DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL – ARGUMENTOS 5.2 DO RECONHECIMENTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL PATERNO-FILIAL: CORRENTES DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL – ARGUMENTOS 6. CONCLUSÃO REFERÊNCIAS

 

1. INTRODUÇÃO

Considerando a sociedade atual com toda sua evolução e modernidade, vem-se discutindo muito, no âmbito jurídico, a afetividade na relação entre pais e filhos, questionando-se, dentre outros, o reconhecimento ou não da responsabilidade civil quando ocorrer o abandono afetivo paterno-filial.

Sendo assim, é fato que é função do Direito adequar-se a tal questionamento, almejando alcançar as mais variadas situações e necessidades sócias, procurando sempre garantir os direitos, a paz e a justiça social.

Tendo em vista que a afetividade seria a capacidade individual de experimentar um conjunto de fenômenos afetivos, tais como tendências, emoções, paixões e sentimentos, podemos concluir que é de suma importância que o ser humano tenha conexão direta com a afetividade.

Em relação à criança e ao adolescente, nos deparamos com uma relevância ainda maior, porque é justamente nesta fase que as questões de princípios e valores são gerados; é nesta fase que a criança e o adolescente moldam suas convicções acerca do universo.

Cabe ressaltar que a afetividade não deixa de ser um bem jurídico apreciável, sendo que o mesmo constitui em fator essencial (e não acessório) ao desenvolvimento de qualquer ser humano. Desta maneira, não entraremos, neste estudo, no quesito afetividade, referente somente a questão do amar mas sim, na imposição indireta existente no quesito biológico e legal de cuidar, que é um dever jurídico consequente da paternidade.

Sendo assim, o trabalho aqui apresentado, fundamenta-se em um amplo estudo acerca da responsabilidade civil dos pais, em relação aos prejuízos causados aos seus filhos, tendo em vista o abandono afetivo. O objetivo é debater tais prejuízos, questionar o posicionamento do ordenamento jurídico frente a tal problemática e demonstrar os meios existentes, a fim de sanar e/ou prevenir situações de abandono afetivo paterno-filial.

Desta forma, iniciaremos o trabalho com uma análise jurídica em relação ao conceito de família, procurando elucidar sua importância no tocante da formação do indivíduo e explanar os princípios do Direito de Família. Logo em diante, será realizada uma breve análise a respeito da responsabilidade civil, trazendo consigo o seu conceito, as teorias presentes em nosso ordenamento jurídico, os pressupostos de admissibilidade, as espécies de responsabilidade e a responsabilidade civil no Direito de Família. Adiante, será abordado o tema abandono afetivo, analisando seu conceito, valoração e, principalmente, os transtornos provenientes do mesmo. Por fim, será apresentado as correntes doutrinárias e jurisprudenciais relativas a responsabilidade civil por abandono paterno-filial e, em conclusão, a melhor opção para que sanado a eventual problemática.

 

2. A FAMÍLIA

Embora o conceito de família tenha sofrido muitas modificações ao longo do tempo, sua importância permanece intacta, uma vez que a mesma se encontra diretamente ligada à formação do indivíduo, como ser humano. A família é o alicerce, a base principal, para que a criança e o adolescente cresçam de forma digna.

Tendo em vista que o trabalho aborda a temática do abandono afetivo, proveniente dos pais aos filhos menores, é de suma importância que seja discutido o conceito de família, a importância da instituição familiar na formação do indivíduo e os princípios pertinentes a família, afim de que possamos compreender todo o contexto abordado.

2.1 CONCEITO DE FAMÍLIA

Antigamente, na Babilônia, a definição de família baseava-se simplesmente no casamento monogâmico – embora houvesse esposas secundárias, nos casos onde a primeira esposa não pudesse conceber um filho ou em casos de doenças graves. A cultura nesta época era a de que o casamento existia somente para fins de procriação.

Não muito diferente, na Roma Antiga, o papel da esposa era in loco filiae, ou seja, a instituição familiar fundava-se inteiramente no poder paterno ou poder marital (Venosa, 2012, p.4). A esposa era totalmente dependente e o pater era, ao mesmo tempo, chefe político, sacerdote e juiz.

Fato é que, durante anos, a cultura do casamento e a definição de uma instituição familiar sempre esteve distante de qualquer acepção afetiva. Cultuava-se, em seu princípio, a consanguinidade entre seus membros e não a ideia de carinho, amor, convivência e afeto.

O casamento era assim obrigatório. Não tinha por fim o prazer; o seu objeto principal não estava na união de dois seres mutuamente simpatizantes um com o outro e querendo associarem-se para a felicidade e para as canseiras da vida. (COULANGESS, 1958, v. 1:69 apud VENOSA, 2012, p. 05).

Neste sentido, houve uma evolução na instituição familiar sob o aspecto do afeto. Atualmente, não se tem mais o casamento como ato obrigatório. Não há mais que se falar em poder pater ou mesmo autoridade parental. Hoje em dia é mais um dever de zelar pela família e seus membros do que necessariamente um poder oriundo do pai diante da instituição familiar.

Atualmente, de acordo com Diniz (2008), definimos família como sendo: Família, no sentido amplíssimo, seria aquela em que indivíduos estão ligados pelo vínculo da consanguinidade ou da afinidade. Já a acepção lato sensu do vocábulo refere-se àquela formada além dos cônjuges ou companheiros, e de seus filhos, abrange os parentes da linha reta ou colateral, bem coo os afins (os parentes do outro cônjuge ou companheiro). Por fim, o sentido restrito restringe a família à comunidade formada pelos pais (matrimônio ou união estável) e a da filiação. (DINIZ, 2008, p. 9)

Ou seja, além do aspecto envolvendo o poder pater, a evolução presente na definição de família também correlaciona com os seus membros, podendo ser diferenciados quanto ao vínculo da consanguinidade ou da afinidade, quanto a sua abrangência e quanto a sua formação.

No aspecto jurídico da definição de família, Lobô (2009) afirma que A família é feita de duas estruturas associadas: os vínculos e os grupos. Há três sortes de vínculos, que podem coexistir ou existir separadamente: vínculos de sangue, vínculos de direito e vínculos de afetividade. A partir dos vínculos de família é que se compõem os diversos grupos que a integram: grupo conjugal, grupo parental (pais e filhos), grupos secundários (outros parentes e afins). (LOBO, 2009, p.2)

Sendo assim, é evidente que as transformações ocorridas quanto ao conceito de família estão diretamente ligadas com o desenvolvimento social e cultural.

2.2       IMPORTÂNCIA DA INSTITUIÇÃO FAMILIAR NA FORMAÇÃO DO INDIVÍDUO

A evolução e o desenvolvimento de qualquer ser humano, como pessoa inerente à sociedade, é proveniente da instituição familiar a qual ela pertence. É no convívio – ou na falta dele – que a criança e o adolescente moldam suas convicções acerca do mundo, compreende valores éticos e morais e define sua personalidade. Desta forma, a responsabilidade de transmitir tais valores e ideais morais e éticos, de forma a influenciar positivamente – e/ou negativamente – a criança e o adolescente é inteiramente dos pais.

Apesar de, muitas vezes, o convívio familiar não ser tão presente pela correria do dia-a-dia, ainda assim, é fato que a criança e o adolescente, segundo Gomes (2001, p. 30), citado por Gonçalves (2012, p.396): Ente humano, necessita, durante sua infância, de quem o crie e eduque, ampare e defenda, guarde e cuide de seus interesses, em suma, tenha a regência de sua pessoa e deus bens. As pessoas naturalmente indicadas para o exercício dessa missão são os pais. (GOMES, 2001, p.30 aupd GONÇALVES, 2012, p.396)

É notório que a criança e o adolescente são entes vulneráveis perante a sociedade, justamente porque ainda não possuem seus valores e ideais de forma convicta e estruturada. Então, compete aos pais zelar por eles, a fim de que a criança e o adolescente não se percam com o mundo afora.

Em suma, toda a instituição familiar é o alicerce primordial para o alcance da tão almejada felicidade pessoal, pois todo o processo e desenvolvimento comportamental da criança e do adolescente será voltado para aquilo que vivência em sua casa, essencialmente com os ensinamentos de seus pais.

2.3       PRINCÍPIOS RELACIONADOS A FAMÍLIA

2.3.1        Princípios previstos na Constituição Federal

a) Princípio do Respeito à Dignidade da Pessoa Humana

No que tange o Princípio do Respeito à Dignidade da Pessoa Humana, há de se ressaltar o que, eventualmente, vem a ser a dignidade da pessoa humana. E, a dignidade da pessoa humana, consiste no mínimo substancial existente para que o indivíduo, como ser humano, pertencente a uma sociedade, se sinta respeitado e reconhecido como parte da mesma.

Sendo o Direito de Família um dos ramos do direito mais humanizado, é coeso afirmar que tal princípio consiste, sob este aspecto, no desenvolvimento e aprimoramento da instituição familiar como um todo. Além disso, o referido princípio também está presente na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e na Convenção Americana de Direitos Humanos, assegurando sua devida importância.

Ao tratar, no art. 1º, inciso III da CF/88 que “(...) constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana; (...)”, o legislador acabou intitulando o Princípio do Respeito à Dignidade da Pessoa Humana, como base primordial em relação a constituição familiar, versando principalmente sobre a criança e o adolescente, tendo em vista que os mesmos se encontram em desenvolvimento, como seres humanos sociais e carecem de um cuidado maior.

Cabe ressaltar, que ainda em relação a este princípio, há o disposto no art. 227 da CF/88 que alude: Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, crueldade e opressão. (BRASIL, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988)

Sendo assim, é perceptível que não se trata apenas de um direito/dever somente da sociedade e do Estado, mas, também, de cada membro da família. É um direito/dever de cada membro familiar o de zelar pela dignidade da criança e do adolescente, pois será essa instituição familiar que irá contribuir diretamente para o favorecimento da dignidade da pessoa humana da criança e do adolescente.

b) Princípio da Solidariedade Familiar

Compreende-se em solidariedade familiar aquela família cujos deveres de cada indivíduo sejam, conforme a estruturação de sua personalidade, dentro de seus limites como membro familiar.

A ideia do Princípio da Solidariedade Familiar é a de que haja uma corresponsabilidade entre os membros da família, a fim de que possa haver uma sociedade solidária, que é o que se percebe da redação do art. 3º, inciso I da CF/88, ao afirmar que construir uma sociedade livre, justa e solidária constitui um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.

Ainda dentro do Princípio da Solidariedade Familiar cabe mencionar o art. 229, da CF/88 que afirma que é dever dos pais assistir, criar e educar os filhos menores; os filhos maiores têm o dever de ajudar a amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. Ou seja, reafirma-se a existência de uma solidariedade, de deveres recíprocos entre aqueles pertencentes àquela determinada instituição familiar.

c) Princípio da Igualdade Jurídica dos Cônjuges e dos Companheiros

Com o advento da Emenda Constitucional nº 66/2010, a família passou a ser reconhecida como base da sociedade e, consequentemente, a ter um respaldo especial de proteção do Estado, como previsto no art. 226, da CF/88. O artigo reitera que a família, como base da sociedade, tem especial proteção do estado.

Sendo assim, não seria diferente o tratamento em relação aos cônjuges e seus companheiros, que passam a ter direitos e deveres a serem exercidos igualmente, seja pelo homem, seja pela mulher - conforme o §5º do referente art. 226, da CF/88: “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”.

Desta forma, não há mais distinção em relação as tarefas de casas como, por exemplo, o que antigamente era visto como um dever a ser exercido somente pela mulher, e provento familiar, que era considerado uma responsabilidade do homem.

Isto é, aquela ideia anterior de poder pater, proveniente do Código Civil de 1916, já não se faz mais presente. “O poder-dever de dirigir a família é conjuntamente por ambos os genitores, desaparecendo o poder material e paterno” (Diniz, 2008, p.27).

d) Princípio da Igualdade Jurídica de Todos os Filhos

Materializado no art. 277, §6º da CF/88, este princípio compreende a questão do tratamento dado aos filhos, cujo objetivo principal é o de que não haja diferenciação em relação a este tratamento.

O art. 227, § 6º da CF/88 alude que os filhos, sendo provenientes ou não da relação de casamento, ou por adoção, deverão ter os mesmos direitos e qualificações sendo proibido qualquer tipo de designação que os discriminem em relação a instituição familiar a qual pertencem.

Neste aspecto, cumpre ressaltar que o conceito de instituição familiar se modificou com o passar do tempo, dando uma maior importância para a convivência e, consequentemente, para a afetividade. Tal modificação trouxe para o direito de família um respaldo em relação a filiação, por isso, não se admite mais qualquer tipo de distinção entre os filhos.

De acordo com Carlos Roberto Gonçalves (2012): O princípio ora em estudo não admite distinção entre filhos legítimos, naturais e adotivos, quanto ao nome, poder familiar, alimentos e sucessão; permite o reconhecimento, a qualquer tempo, de filhos havido fora do casamento; proíbe que conste no assento do nascimento qualquer referência à filiação ilegítima; e veda designações discriminatórias relativas à filiação. (GONÇALVES, 2012, p. 24)

Em suma, atualmente, não há o que se falar de distinção entre os filhos. Todos devem ser tratados de forma igualitária, independente de origem, filiação, direitos, qualificações etc.

2.3.2        Princípios previstos na legislação civil

a) Princípio da Comunhão Plena de Vida

Previsto no art. 1.511 do CC/02, o Princípio da Comunhão Plena de Vida é fundamentado no afeto existente entre os cônjuges ou conviventes, a fim de que seja analisado o casamento como uma configuração mais humana, sob um aspecto de companheirismo (o qual deve existir).

Conforme Maria Helena Diniz (2008, p.27), a afeição entre os cônjuges e a necessidade de que perdure completa a comunhão de vida é o fundamento básico do casamento e da vida conjugal.

Ainda em respeito a este princípio, o legislador dispôs no art. 1.513 também do CC/02 “a vedação de qualquer pessoa jurídica, seja ela de direito público ou de direito privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família” (Gonçalves, 2012, p. 25).

b) Princípio da Liberdade

Tendo como base o já mencionado art. 1.513 do CC/02 que diz “É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família”, a forma pela qual será constituída a comunhão de vida familiar é totalmente livre, sem qualquer imposição ou restrição – seja ela de direito público ou privado.

De acordo com Maria Helena Diniz (2008, p.23), cabe ao Estado somente intervir no que for de sua competência, em relação a propiciar recursos educacionais e científicos ao exercício desse direito.

2.4.3 Princípios previstos no ECA

O Estatuto da Criança e do Adolescente, tutelado pela Organização das Nações Unidas, e acolhido pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, vem, desde 1990, procurando meios de proteger a criança e o adolescente, quanto ao abandono afetivo e os efeitos prejudiciais em relação ao desenvolvimento dos mesmos.

Fato é que o Estatuto da Criança e do Adolescente traz consigo um apanhado de direitos e deveres referentes a quase todos os princípios já mencionados.

Logo no início do Estatuto, em seu art. 3º, o legislador alude sobre os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, assegurando a criança e ao adolescente todas as oportunidades e facilidades, afim de lhes promover o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Em seguida, o art. 4º dispõe: É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (BRASIL, ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, 1990)

No que diz respeito ao Princípio do Respeito à Dignidade da Pessoa Humana, vale ressaltar o art. 18 do ECA, que alega ser dever de todos zelar pela dignidade da criança e do adolescente, protegendo-os de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.

Cumpre ressaltar o artigo 5º que afirma que nenhuma criança ou adolescente poderá ser objeto de qualquer forma de negligência, violência, exploração, opressão, crueldade etc., sob pena de punição caso qualquer direito fundamental for atingido.

 

3.  A RESPONSABILIDADE CIVIL

Tendo em vista que ao tratarmos sobre os danos causados pelo abandono afetivo paterno-filial, nos deparamos com a responsabilidade civil, é de suma relevância que sejam feitos breves apontamentos sobre o tema, como seu conceito, as teorias encontradas no ordenamento jurídico, os pressupostos de admissibilidade, as espécies de responsabilidade civil e, principalmente, a responsabilidade civil dentro do Direito de Família.

3.1 CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL

São várias as acepções acerca do conceito de responsabilidade civil, mas, em suma, Gonçalves (2012, p. 01) afirma que a responsabilidade civil seria um aspecto da realidade social. Segundo o autor, diz que “toda atividade que acarreta prejuízo, traz em seu bojo, como fato social, o problema da responsabilidade”.

Já Maria Helena Diniz (2009) define responsabilidade civil como sendo: A aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda ou, ainda, de simples imposição legal. (DINIZ, 2009, p.34)

Outros autores como Pirson e Villé, citado por Maria Helena Diniz (2009, p.33), definem a responsabilidade como uma obrigação imposta, com o objetivo de que as pessoas respondam pelas consequências prejudiciais de suas ações. Josserand, também citado por Maria Helena Diniz (2009, p.34), analisa a responsabilidade sob uma ótica mais genérica, procurando focar nas questões do equilíbrio entre direitos e interesses, trazendo uma responsabilidade civil comportando dois polos diferentes: o objetivo, que procura analisar o risco criado; e o subjetivo, que analisa somente a culpa.

Sendo assim, pode-se falar em inúmeras espécies de responsabilidade, presentes em todas as áreas do direito – e algumas que até extrapolam essa esfera jurídica, podendo ligar-se a todas as questões da vida social.

Tendo em vista essas inúmeras espécies de responsabilidade, Gonçalves (2012, p. 02), faz uma distinção entre responsabilidade moral e responsabilidade jurídica (que será a responsabilidade abordada neste trabalho), ressaltando que “a responsabilidade pode resultar da violação tanto de normas morais como jurídicas, separada ou concomitantemente”.

Nesta distinção entre responsabilidade moral e jurídica, Rosenvald (2017, p.35) afirma: Trata-se de uma transferência de objeto da responsabilidade: no plano moral, a responsabilidade é por outro ser humano, outrem. Tornando-se fonte de moralidade, o outro é promovido a posição de objeto do cuidado. O impacto desse deslocamento do objeto no plano moral é sentido no plano jurídico da responsabilidade: alguém se torna responsável pelo dano, porque, de início, é responsável por outrem. (ROSENVALD, 2017, P.35)

Sob o aspecto explanado pelos doutrinadores citados, Gonçalves (2012, p. 02) e Rosenvald (2017, p. 35), em síntese, conceitua-se responsabilidade moral como aquela pertinente a consciência individual, com livre arbítrio da obrigação e sem nenhuma preocupação em relação ao prejuízo de terceiros. Totalmente diverso da responsabilidade jurídica, que é definida justamente quando há um prejuízo, uma lesão, um dano coletivo ou individual. Neste caso, o autor da lesão é inteiramente obrigado a recompor o direito que foi atingido.

Ainda neste sentido de distinções entre responsabilidades, Gonçalves (2012, p. 03), analisa a diferenciação entre obrigação e responsabilidade que, aparentemente, soam como se fossem sinônimos. Segundo ele, a obrigação surge de fontes diversificadas e deve ser cumprida de forma livre e espontânea. Ela é um dever jurídico denominado originário. Quando essa obrigação não é cumprida é que nasce a responsabilidade, isto é, um dever jurídico sucessivo - consequência do não cumprimento da obrigação. Ou seja, a responsabilidade só surge se, por exemplo, o devedor não cumprir espontaneamente com sua obrigação de pagar. Desta forma, Gonçalves (2012, p. 03), afirma que “em toda obrigação há um dever jurídico originário, enquanto na responsabilidade há um dever jurídico sucessivo”.

Nesta perspectiva, segundo Sílvio de Salvo Venosa (2012): O estudo da responsabilidade civil é parte integrante do direito obrigacional, sendo a reparação dos danos algo sucessivo a transgressão de uma obrigação, dever jurídico ou direito. Sob esse prisma, pode-se divisar um dever jurídico primário ou originário, “cuja violão acarreta um dever jurídico sucessivo ou secundário, que é o de indenizar o prejuízo” (VENOSA, 2012, p.02).

Sendo assim, Gonçalves (2012, p.06), versa sob o conceito de responsabilidade civil como sendo aquele responsável por recompor o dano recorrente de uma violação de um dever jurídico originário. Ressaltando que toda conduta humana, que viola dever jurídico originário e consequentemente causa algum prejuízo a outrem, é considerada uma fonte geradora da responsabilidade civil.

3.2       TEORIAS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Inerente a responsabilidade civil há o elemento culpa que deve ser analisado em relação a obrigação de reparar o dano ocorrido, embora sua análise vem tornando-se cada vez mais desnecessária, tendo em vista as inúmeras situações legais decorrentes da teoria da responsabilidade objetiva, aquela que não exige prova de culpa do agente do dano.

Rosenvald (2017, p.35) diferencia ambas as teorias como sendo a teoria da responsabilidade civil subjetiva aquela que possuí como mantra “onde há culpa, há reparação”; e a teoria da responsabilidade civil objetiva “onde já lesão, há reparação”. Ou seja, para se distinguir as teorias basta que seja analisado o pressuposto da culpa.

3.2.1        Teoria da responsabilidade civil subjetiva

A teoria da responsabilidade civil subjetiva, também conhecida como teoria da culpa ou teoria clássica, é aquela cuja culpa é considerada fundamento da responsabilidade, ou seja, sem culpa não há o que se falar de responsabilidade.

De acordo com Gonçalves (2012, p. 30), “diz-se, pois “subjetiva” a responsabilidade quando se esteia na ideia de culpa”. Sendo assim, é um pressuposto imprescindível para o dano indenizável a prova da culpa pelo agente, no referido dano.

Conforme afirma Rosenvald (2017, p. 452), a teoria da responsabilidade subjetiva consiste na reparação dos prejuízos causados pela violação de um dever de cuidado, onde os pressupostos são extremamente delimitados e, residirá sempre na ocorrência de um ilícito derivado de um erro da conduta do agente, que deverá ser provada.

Em síntese, a responsabilidade do causador do dano somente se configura se agiu com dolo ou culpa (Gonçalves, 2012, p. 30), ideia totalmente divergente da teoria da responsabilidade civil objetiva.

3.2.2        Teoria da responsabilidade civil objetiva

Embora a teoria da responsabilidade civil subjetiva seja a regra geral tratando-se de responsabilidade civil, o âmbito da teoria da responsabilidade civil objetiva ou também denominada sem culpa ou teoria do risco, vem aumentando de forma significante, em várias esferas sociais.

Tendo em vista a teoria do risco, que se atende a questão da potencialidade de ocasionar danos e a conduta do agente que resulta por si só na exposição a um perigo, a teoria da responsabilidade civil objetiva utiliza como pressuposto a culpa presumida proveniente do risco assumido.

De acordo com Silvio de Salvo Venosa (2012), a responsabilidade civil objetiva: Somente pode ser aplicada quando existe lei expressa que a autorize ou no julgamento do caso concreto, na forma facultada pelo parágrafo único do art. 927. Portanto, na ausência de lei expressa, a responsabilidade pelo ato ilícito será subjetiva, pois está ainda é a regra geral do direito brasileiro. (VENOSA, 2012, p.13)

Ou seja, a teoria da responsabilidade civil objetiva, ou sem culpa, não pode ser admitida como regra geral, pois o princípio originário fundamental da responsabilidade era exclusivamente subjetivo, analisando-se a culpa.

O que modifica a ideia de analisar a culpa como regra geral é, justamente, o parágrafo único do art. 927 do Código Civil de 2002, que alude o fato de que haverá obrigação de reparar o prejuízo causado, totalmente independente de culpa, nas situações onde a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do prejuízo implicar, por si só, um risco presumido para terceiros, ou quando a situação vier em casos especificados em lei.

Segundo Caio Mário da Silva Pereira, citado por Gonçalves (2012): A regra geral, que deve presidir à responsabilidade civil, é a sua fundamentação na ideia de culpa; mas, sendo insuficiente está para atender às imposições do progresso, cumpre o legislador fixar especialmente os casos em que deverá ocorrer a obrigação de reparar, independentemente daquela noção. (GONÇALVES, 2012, p. 32)

Como exemplos de teoria da responsabilidade civil objetiva, onde não há a análise da culpa, temos os artigos 936, 937 e 938 do Código Civil, que trazem a ideia da responsabilidade do dono do animal, do dono do prédio em ruina e do habitante da casa da qual caírem coisas, respectivamente, onde, se bem observados, há um risco assumido pelos autores do prejuízo, pois já é presumido que possivelmente algum dano poderá ocorrer.

3.3       PRESSUPOSTOS DO DEVER DE INDENIZAR

Embora haja essa análise controversa em relação a culpa nos casos de responsabilidade civil, o art. 186 do Código Civil de 2002 impõe uma regra universalmente aceita: a de que todo aquele que causa dano a outrem é obrigado a repará-lo.

O aludido dispositivo legal afirma o seguinte, em ipsis litteris: “Art. 186 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (BRASIL, CÓDIGO CIVIL, 2002).

Sendo assim, observando o que dispõe no artigo supracitado, podemos citar como pressupostos do dever de indenizar: a ação ou omissão, a culpa ou dolo do agente, a relação de causalidade e o dano.

3.3.1        Ação ou Omissão

Preliminarmente, ao trata-se de ação ou omissão, o dispositivo não especifica quem age ou omite. Ou seja, inicialmente, refere-se a qualquer pessoa, de forma genérica, que venha causar dano a outrem.

Conforme, Gonçalves (2012, p. 34), “a responsabilidade pode derivar de ato próprio, de ato de terceiro que esteja sob a guarda do agente e ainda de danos causados por coisas e animais que lhe pertençam”.

Nesta seara, Maria Helena Diniz (2003, p.37) define ação ou omissão, dentro da conduta humana, como sendo "o ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, (...) que cause danos a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado”.

Os casos onde a responsabilidade deriva de uma ação, sendo ela um ato próprio, Gonçalves (2012, p.34) afirma que são aqueles onde ocorre a calúnia, difamação, injúria. Já em relação as ações provenientes de atos de terceiros, que estejam sob a guarda do agente, temos situações-exemplos onde o agente do prejuízo são os filhos menores, tutelados e curatelados, onde os responsáveis acabam por ser seus representantes legais. Já a responsabilidade por danos causados por coisas e animais, que pertençam ao agente do dano é, em regra, a teoria da responsabilidade civil objetiva: independe de culpa.

No tocante da omissão, Maria Helena Diniz (2003, p.37) afirma a mesma é “a não-observância de um dever de agir ou da prática de certo ato que deveria realizar-se.” Ou seja, não é analisado somente os casos onde há uma ação, o fato de não agir quando deveria agir também é um pressuposto para análise da responsabilidade civil.

3.3.2        Culpa ou Dolo do agente

Segundo Gonçalves (2012, p. 35), dolo se resume na vontade consciente e intencional de violar um dever jurídico e, a culpa, resume-se na falta de diligência - que seria a negligência e imprudência.

Nelson Roselvand (2017) dentro do aspecto da culpa, afirma que: Ao contrário do que ocorre na seara penal, no direito civil o vocábulo culpa é invariavelmente utilizado para exprimir uma ideia de culpa lata, considerada como qualquer comportamento que intencionalmente, ou por falta de cautela, viola um dever jurídico. (ROSENVALD, 2017, p. 200).

Fato é que, geralmente, para que a vítima possa requerer a reparação de algum prejuízo que lhe ocorreu, a mesma deve provar a culpa ou o dolo do agente perante o ocorrido. Tal ideia inicial enquadra-se na teoria da responsabilidade subjetiva, que é adotada como regra geral.

Em relação a análise do pressuposto da culpa, há hipóteses especificas e já mencionadas, onde há a responsabilidade sem culpa, também denominada teoria da responsabilidade civil objetiva, onde abrange situações de culpa presumida pelo agente causador do dano. E, neste sentido, Rosenvald (2017, p.200) conceitua a culpa presumida “como uma técnica processual de inversão do ônus da prova”.

Sendo assim, embora haja tal pressuposto para que se configure o dever de indenizar, deve-se atentar as exceções previstas na teoria da responsabilidade civil objetiva.

3.3.3        Relação de causalidade

A relação de causalidade, também chamada de nexo de causalidade entre o dano e a ação, é considerada o pressuposto mais relevante para que haja a obrigação e, consequentemente, o dever de indenizar. Roselvand (2017, p. 403) afirma que “o nexo causal é a ‘esfinge’ da responsabilidade civil”.

De acordo com Maria Helena Diniz (2009, p. 38), este pressuposto seria o fato gerador da responsabilidade, pois sem ela inexiste a obrigação. Ou seja, caso haja realmente um prejuízo, um dano, mas sua causa foi comprovada não está relacionada com os atos do possível agente, não há de se falar em dever de indenizar, pois não existe causalidade.

Neste sentido, Maria Helena Diniz (2009, p. 38) afirma que a “reponsabilidade civil não poderá existir sem o vínculo entre a ação o dano. Se o lesado experimentar um dano, mas este não resultou da conduta do réu, o pedido de indenização será improcedente”.

Portanto, fica cristalina a necessidade de que inexista uma causa de excludente de responsabilidade, para que seja procedente e viável o dever de indenizar. Em casos de força maior, caso fortuito ou culpa exclusiva da vítima, por exemplo, já demonstra que o pedido em relação ao dever de indenizar é improcedente, pois há excludente de responsabilidade.

3.3.4        Dano

Para que todos esses pressupostos sejam analisados e, para que possa existir um dever de indenizar, é necessário que tenha ocorrido um dano. Sem a prova do dano, ninguém poderá ser responsabilizado civilmente (Gonçalves, 2012, p.34).

Fato é que o Código Civil brasileiro não conceitua o dano, nem tampouco delimita quais seriam as lesões tuteladas pelo ordenamento jurídico (Rosenvald (2017, p. 238). Ou seja, não há como especificar, juridicamente, o que porventura venha a ser o dono.

Para Roselvand (2017) o dano vem a ser um fato jurídico stricto sensu, e afirma que: Todo fato jurídico em que na composição de seu suporte fático, entram apenas fatos da natureza, independentes de ato humano como dado essencial, recebe esta denominação. Pode acontecer que o evento suporte fático do dano esteja ligado a um ato humano, intencional ou não, lícito ou não. Todavia isso não altera a natureza do fato jurídico dano, que continua sendo evento da natureza, mesmo quando provocado por ato humano. Afinal, este ato humano não é elemento necessário para a composição do suporte fático suficiente ao dano, quer dizer, não constitui um dado essencial a existência do fato, mas dele participa indireta ou acidentalmente. (ROSENVALD, 2017, p.238).

De acordo com Maria Helena Diniz (2009, p.37), a ocorrência do dano pode ser moral e/ou patrimonial, causado à vítima por ato comissivo ou omissivo do agente ou de terceiros, por quem o imputado responde, ou por um fato de animal ou coisa a ele vinculada - como já visto anteriormente.

Em síntese, o dever de indenizar só existe se ocorrer a violação de um direito e, consequentemente, um dano. Não há de se falar em responsabilidade civil sem a ocorrência de um prejuízo.

3.4. RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO DE FAMÍLIA

Há muitas discussões acerca dos danos morais nas relações familiares. Analisando o dano moral como sendo aquele que atinge diretamente o ofendido como indivíduo, não havendo nenhuma lesão em relação a seu patrimônio, há correntes que entendem ser cabível a aplicação do mesmo, ao tratarmos de abandono afetivo, pois é uma lesão que integra diretamente os direitos da personalidade.

Assim, a reparação do dano moral na relação do abandono afetivo, para alguns, não possuí como objetivo a vantagem patrimonial, mas, sim, a compensação das consequências que aquele dano moral propiciou ao filho menor.

Outros doutrinadores já trazem correntes diferentes em relação ao tema, mencionando que não tem porquê se falar de nenhum dos pressupostos, uma vez que não há responsabilidade civil e, consequentemente, indenização. É o que discutiremos neste trabalho: se é possível, ao analisarmos todos os pressupostos da responsabilidade civil, compelir o pai, ausente afetivamente, a indenizar o filho por conta dessa omissão.

 

4. O ABANDONO AFETIVO

É de substancial importância que seja explanado, por completo, todas as questões que envolvem o abandono afetivo, tendo em vista que o mesmo possui maior mérito em relação aos capítulos e temas abordados anteriormente pois, como questionar a existência ou não da responsabilidade civil, decorrente do abandono afetivo paterno-filial, sem compreender o conceito de abandono afetivo e suas consequências na instituição familiar? Fato é que todo o entendimento levantado neste capítulo será levado em consideração para que possamos compreender melhor a visão geral deste assunto.

4.1 CONCEITO E VALOR DO AFETO NA RELAÇÃO FAMILIAR

Antes de adentrar no que concerne ser o valor, a importância e a essencialidade do afeto na relação familiar, é interessante que seja elucidado o que realmente seria esse afeto.

Considera-se afeto, segundo o dicionário Michaelis (2008), o sentimento de afeição ou inclinação para alguém; amizade, paixão, simpatia. Porém, não é necessário grande estudo científico, doutrinário ou psicológico para compreendermos que a esfera do afeto está intrinsecamente interligada com o sentimento do amor.

De acordo com Guilherme Assis de Almeida (2001), citado por Cleber Affonso Angeluci (2006): O amor deve ser a mais estimada de todas as coisas existentes. Esclareça-se que o amor, assim como os outros valores, é uma coisa, mas não algo concreto, palpável. Por sua própria natureza é inexaurível, jamais se esgota, sempre podemos amar mais e melhor. (ALMEIDA, 2001, p. 15, apud ANGELUCI, 2006, p.48)

Sendo assim, há de enaltecer o fato inquestionável de que o afeto, já definido como sentimento proveniente do amor, é extremamente importante para as questões familiares. E, embora o afeto possa transcender a própria família, é relevante observar que haja o mínimo de afetividade entre os membros de uma instituição familiar, pois será conforme esse sentimento de amor, este afeto, que os filhos menores crescerão, conforme o que rege o âmbito jurídico a respeito do tema qual seja o princípio máximo dentro da Constituição de 1988: o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

Dentro desta seara, de acordo com Maria Berenice Dias (2005, p.3) “é de tal ordem a relevância que se empresta ao afeto que se pode dizer agora que a filiação se define não pela verdade biológica, nem a verdade legal ou a verdade jurídica, mas pela verdade do coração”.

Ou seja, a inserção das questões afetivas no âmbito do Direito de Família, demonstra, ainda mais, o fato de que o direito está sendo cada dia mais humanizado, de alguma forma. Ao falarmos da afetividade, estamos analisando o amor, emanado de cada membro dentro de cada instituição familiar.

Retornando a ideia do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, Cleber Affonso Angeluci (2006, p.48) afirma que “o amor representa elemento indispensável para a formação, o desenvolvimento e o aperfeiçoamento do princípio da dignidade da pessoa humana”. E, como visto anteriormente, o amor estaria sendo representado justamente pela afetividade, dentro da esfera familiar.

É real, notório e incontestável o fato de que o leito familiar é mais do que responsável pela formação do indivíduo, como pessoa. É justamente neste meio que a criança e/ou adolescente absorve todos os valores e princípios os quais irão utilizar durante toda a sua vida. É neste meio que eles irão observar os exemplos que lhes são apresentados e, consequentemente, levarão adiante.

Desta forma, há uma associação muito grande em relação a importância do afeto e a compreensão do indivíduo quanto sua própria pessoa humana, ainda mais quando tratamos de criança e/ou adolescente, que são os membros mais tendentes de formação de personalidade, dentro da instituição familiar.

Neste tocante, Patrícia Matos Rodrigues (2009, p. 02) afirma que “a entidade familiar está vocacionada, efetivamente, a promover a dignidade e a realização da personalidade de seus membros, integrando sentimentos, esperanças, valores, sendo alicerce primordial para o alcance da felicidade”.

Ainda sob essa óptica, Maria Berenice Dias (2009, p.388) questiona o rol do artigo 1634 do Código Civil de 2002 tendo em vista que este não menciona o que seria mais importante em relação a “missão constitucional dos pais” qual seja, o dever de lhes dar amor, afeto e carinho.

Ademais, Dias (2009, p. 388) afirma que os poderes-deveres não devem limitar-se somente as vertentes patrimoniais. Afirma também que “a essência existencial do poder parental é a mais importante, que coloca em relevo a afetividade responsável que liga pais e filhos, propiciada pelo encontro, pelo desvelo, enfim, pela convivência familiar”.

Assim, a instituição familiar e o afeto, são duas figuras de extrema e igual relevância neste cenário jurídico o qual se questiona a obrigatoriedade ou não da afetividade em seu meio e, atualmente, é evidente que o afeito se encontra fortalecido na instituição familiar, sendo que esta é concomitantemente a expressão de união entre seus membros e o motivo principal para que seus membros busquem a realização pessoal.

4.2       CONCEITO DE ABANDONO AFETIVO PATERNO-FILIAL

Segundo Lôbo (2008, p. 285), o abandono afetivo nada mais é do que uma questão referente ao inadimplemento dos poderes-deveres jurídicos da paternidade. Ou seja, denomina-se abandono afetivo a omissão do pai no cumprimento de um poder-dever decorrente de seu poder familiar, dentre os quais destacam-se os deveres de prestar educação, carinho, assistência moral, afeto etc.

Embora cada caso tenha sua peculiaridade e, por isso mesmo, deve ser analisado de forma particular, no geral, para que possa haver verdadeiramente o abandono afetivo paterno-filial, é necessário que o ato seja considerado ilícito e, de certa forma, voluntário.

Por exemplo, não há de se falar em abandono afetivo paterno-filial em casos onde a situação ocorreu por circunstâncias alheias a vontade do pai. Neste sentido, podemos citar casos onde haja alguma doença contagiosa ou, ainda mais corriqueiro, em casos onde o pai, não possuidor da guarda de seu filho, carece de recursos para visitá-lo quando reside em localidade extremamente distante como, por exemplo, em outro país. Em casos como esses, não há de se falar em abandono afetivo, justamente por não haver dolo ou culpa por parte do pai em se ausentar, de certa forma, da criação de seu filho. Nesta vertente, também não há de se falar em abandono afetivo se não existe ciência de paternidade, ou seja, até que seja realizado o teste de DNA e seja comprovada a paternidade, não há de se falar em abandono afetivo paterno-filial.

Contudo, o abandono afetivo não ocorre somente nos casos onde há ausência física e moral do pai, na formação individual da personalidade do filho. Há ocorrência de abandono afetivo em instituições familiares, onde há a coabitação entre seus membros, porém o pai dispensa qualquer tipo de cuidado e zelo para com seu filho.

Cumpre ressaltar que, embora o conceito de afeto esteja relacionado ao sentimento de amor, sob o enfoque jurídico, essa concepção deve ser um pouco mais ampla, abrangendo os poderes-deveres impostos aos pais, independentemente de afetividade. Ou seja, mesmo que haja desamor entre os membros da instituição familiar, as relações jurídicas referentes aos poderes-deveres permanecem, pois, todo o suporte que os filhos necessitam, são provenientes dos pais.

Por isso, o abandono afetivo é pior do que o abandono material, porque o abandono afetivo não pode ser suprido por outros, diferente daquele. Tratando-se de abandono material, a carência do mesmo pode ser substituída por terceiros interessados, como amigos, parentes distantes e até mesmo o Estado, em alguns casos. No abandono afetivo a falta de carinho, zelo, afeto etc., não há uma figura que o possa supri-los, da melhor forma possível, senão a do pai.

4.3       TRANSTORNOS CAUSADOS PELO ABANDONO AFETIVO

Tendo em vista as elucidações apresentadas anteriormente, referente ao valor do afeto e ao conceito do abandono afetivo, torna-se evidente que a falta de afetividade, em uma instituição familiar, é causa direta de alguns transtornos.

Fato é que quanto maior a intensidade do envolvimento, do sentimento de amor, da afeição, da afetividade, maiores serão as evoluções em relação a personalidade, a vida privada, aos valores e princípios norteadores individuais da criança e/ou adolescente, daquela determinada instituição familiar.

E, ao tratarmos da evolução, da construção da personalidade etc., estamos levando em consideração ambos os caminhos: positivo e negativo. Se o envolvimento e a intensidade forem da maneira correta, de forma a fortalecer, enaltecer, engrandecer a criança e/o adolescente, a mesma sentirá parte de algo (da família); os membros irão se unir pelo sentimento recíproco e, consequentemente, os laços serão definidos. Entretanto, se a falta dessa afetividade se fizer presente, a criança e/o adolescente se sentirá desamparado pela figura mais importante em sua vida: seus pais.

No âmbito da psicologia, a figura dos pais é de suma importância para a criança e/ou adolescente e, afim de que sua formação como indivíduo seja plena, requer que estejam presentes nessa fase tão delicada afetos permanentes.

Nesta seara, Hironaka (2011) afirma que: O dano causado pelo abandono afetivo é antes de tudo um dano à personalidade do indivíduo. Macula o ser humano enquanto pessoa, dotada de personalidade, sendo certo que esta personalidade existe e se manifesta por meio do grupo familiar, responsável que é por incutir na criança o sentimento de responsabilidade social, por meio do cumprimento das prescrições, de forma a que ela possa, no futuro, assumir a sua plena capacidade de forma juridicamente aceita e socialmente aprovada. (HIRONAKA, 2011, p.7)

Sendo assim, fica notoriamente claro o quanto a falta da afetividade, no seio familiar, é fator crucial em alguns transtornos na vida da criança e/ou adolescente, tendo em vista a sua importância no desenvolvimento da personalidade do indivíduo.

Dentre os muitos transtornos que uma criança e/ou adolescente pode apresentar, os mais comuns são os sintomas de rejeição: se sentem incompreensíveis por todos; possuem baixa autoestima; acreditam que ninguém é capaz de entende-los e, consequentemente, ama-los. A intensidade é relativa a cada caso, mas é certo que os transtornos chegam a prejudicar o rendimento escolar, em casos mais graves.

Em alguns casos, o abandono afetivo paterno-filial pode ocasionar transtornos alimentares, depressão, ansiedade aguda - causada justamente pela insegurança que a falta de uma base familiar ocasionou - e até mesmo reflexos negativos diretamente à instituição familiar, quando a criança/adolescente desenvolve um temperamento agressivo em relação aos pais.

Logicamente, os transtornos podem vir a apresentar somente após o período da adolescência, assim como também podem cessar conforme o crescimento da criança/adolescente. Cada caso tem sua singularidade, sua particularidade, ou seja, há muitos fatores a serem analisados e questionados em relação a consequência do abandono afetivo paterno-filial.

 

5. O DANO MORAL DECORRENTE DO ABANDONO AFETIVO PATERNO-FILIAL

De acordo com o que foi discutido no capítulo anterior, é possível perceber que o abandono afetivo paterno-filial provoca danos, de forma direta, na criança e no adolescente, uma vez que a instituição familiar é de suma importância para o desenvolvimento pessoal do indivíduo.

Há várias discussões doutrinárias e jurídicas acerca do reconhecimento ou não da responsabilidade civil, pelo abandono afetivo paterno-filial, pelo fato de existir um manto de proteção sob a filiação, tendo em vista que sempre houve um limite quanto a intervenção do Estado nessas relações.

Vale ressaltar, que as várias discussões e seus posicionamentos trazem consigo uma questão bem subjetiva e particular, de cada caso em análise. O reconhecimento ou não da responsabilidade civil demanda um estudo e uma investigação, não podendo ocorrer de forma desenfreada, em qualquer caso. Adiante será explanado ambas correntes (do reconhecimento e do não-reconhecimento) além de decisões referente ao assunto.

5.1 DO NÃO-RECONHECIMENTO DE RESPONSABILIDADE CIVIL NO ABANDONO AFETIVO PATERNO-FILIAL: CORRENTES DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL - ARGUMENTOS

Embora haja vários doutrinadores e julgados que reconheçam a responsabilidade civil no abandono afetivo paterno-filial, há uma vertente que nega essa responsabilidade, argumentando que não se pode exigir juridicamente o amor de alguém.

Neste diapasão, Cristiano Chaves de Farias (2012), afirma que a falta de afeto proveniente do pai em relação ao seu filho não acarreta indenização, tendo em vista que: Faltando afeto entre pai e filho (e demais parentes), poder-se-ia imaginar, a depender do caso, a decorrência de outros afetos jurídicos, como a destituição do poder familiar ou a imposição da obrigação alimentícia, mas não a obrigação de reparar um pretenso dano moral. Enfim, em hipóteses de negativa de afeto, os remédios postos à disposição pelo próprio direito das famílias deverão ser ministrados para a solução do problema. Até porque a indenização pecuniária nesse caso não resolveria o problema central da controvérsia que seria obrigar o pai a dedicar amor ao seu filho – e, muito pelo contrário, por certo, agravaria a situação. (FARIAS, 2012, p.164)

Ou seja, o posicionamento quanto ao não reconhecimento da responsabilidade civil encontra respaldo quanto ao fato de não configurar ato ilícito, uma vez que não se pode quantificar o amor, muito menos, punir alguém pela falta deste.

Esta corrente também alega que a reparação do dano sofrido pelo abandono afetivo, de forma pecuniária, traria uma ideia de monetarização do sentimento amor. Lizete Schuh (2006, p.67-68), citada por Gabriela Soares Linhares Machado (2012, p. 8) em seu artigo “Análise doutrinária e jurisprudencial acerca do abandono afeito na filiação e sua reparação” afirma que “(...) a simples indenização poderá representar um caráter meramente punitivo, reafirmando cada vez mais o quadro de mercantilização nas relações familiares”.

Ainda neste artigo, sob a ótica da obrigação de um pai amar um filho, Gabriela Soares Linhares Machado (2012, p. 8) cita Lizete Schuh (2006, p.67-68) mais uma vez, a qual afirma: É dificultoso cogitar-se a possibilidade de determinada pessoa postular amor em juízo, visto que a capacidade de dar e de receber carinho faz parte do íntimo do ser humano, necessitando apenas de oportunidades para que aflore um sentimento que já lhe faz parte, não podendo o amor, em que pese tais conceitos, sofrer alterações histórico-culturais, ser criado ou concedido pelo Poder Judiciário. (SCHUH, 2006, p.67-68 apud MACHADO, 2012, p.8).

Neste sentido, há vários julgados que afirmam que a atitude omissa do pai em relação ao afeto não encontra respaldo jurídico e, por isso, não há de se falar em obrigação quanto ao afeto. Alegam também que o afeto está inteiramente ligado ao amor, sentimento cuja obrigação inexiste.

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANOS MORAIS - ABANDONO AFETIVO - ATO ILÍCITO - INEXISTÊNCIA - DEVER DE INDENIZAR - AUSÊNCIA. A omissão do pai quanto à assistência afetiva pretendida pelo filho não se reveste de ato ilícito por absoluta falta de previsão legal, porquanto ninguém é obrigado a amar ou a dedicar amor. Inexistindo a possibilidade de reparação a que alude o art. 186 do Código Civil, eis que ausente o ato ilícito, não há como reconhecer o abandono afetivo como passível de indenização. (TJMG - Ap. Cível nº 1.0024.07.790961-2/001, Rel. Des. Alvimar de Ávila, DJ 11/02/2009).

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. ALIMENTOS E INDENIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO. OBRIGAÇÃO AVOENGA. CARÁTER EXCEPCIONAL E SUBSIDIÁRIO. AUSÊNCIA DE PROVA DA IMPOSSIBILIDADE DOS GENITORES. A obrigação alimentar dos avós só tem cabimento quando esgotadas as possibilidades de prestação alimentar pelos pais. No caso, diante da ausência de tal prova, deve ser reformada a decisão recorrida. REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS DECORRENTES DE ABANDONO. INOCORRÊNCIA. Sendo subjetiva a responsabilidade civil no Direito de Família, o dever de indenizar pressupõe o ato ilícito. Ausente a prova do ato ilícito e, mais do que isso, comprovado nos autos que o recorrente contou com a figura de pai, que inclusive contribuiu financeiramente com a criação do filho, sequer há indícios de dano moral efetivo. Portanto, deve ser confirmada a sentença de improcedência. DERAM PROVIMENTO AO APELO DO RÉU E NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO DO AUTOR. (Apelação Cível Nº 70030142285, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alzir Felippe Schmitz, Julgado em 30/07/2009)

E, ainda afirma o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

Ementa: ALIMENTOS. FILHO MAIOR E CAPAZ. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. ABALO EMOCIONAL PELA AUSÊNCIA DO PAI. 1. Sendo o filho maior, capaz, apto ao trabalho e com receita própria, com plenas condições de prover seu próprio sustento, descabe impor ao genitor encargo alimentar ou mesmo a obrigação de custear-lhe os estudos ou visando, ainda, o pagamento de prestações pretéritas da sua faculdade. 2. O pedido de reparação por dano moral no Direito de Família exige a apuração criteriosa dos fatos e o mero distanciamento afetivo entre pais e filhos não constitui situação capaz de gerar dano moral, nem implica ofensa ao (já vulgarizado) princípio da dignidade da pessoa humana, sendo mero fato da vida. 3. Embora se viva num mundo materialista, nem tudo pode ser resolvido pela solução simplista da indenização, pois afeto não tem preço, e valor econômico nenhum poderá restituir o valor de um abraço, de um beijo, enfim de um vínculo amoroso saudável entre pai e filho, sendo essa perda experimentada tanto por um quanto pelo outro. Recurso desprovido. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70032449662, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 26/05/2010).

Outra decisão que trouxe bastante discussão foi a proferida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que mais uma vez argumentou quanto ao fato de o afeto não se tratar de um dever inerente ao pai, ou seja, não há a presença dos requisitos para a responsabilidade civil e, consequentemente, não há de falar em dever de indenizar.

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PAI. ABANDONO AFETIVO. ATO ILÍCITO. DANO INJUSTO. INEXISTENTE. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. MEDIDA QUE SE IMPÕE.O afeto não se trata de um dever do pai, mas decorre de uma opção inconsciente de verdadeira adoção, de modo que o abandono afetivo deste para com o filho não implica ato ilícito nem dano injusto, e, assim o sendo, não há falar em dever de indenizar, por ausência desses requisitos da responsabilidade civil. (TJMG, AC 0063791-20.2007.8.13.499, 17ª C. Cível, Rel. Des Luciano Pinto, julg. 27.11.2008, pub. 09.01.09). (SICUTO, 2016, p. 24).

Sendo assim, apura-se o entendimento do julgado no sentido de que o descumprimento do pai para com o filho, em relação ao afeto, se não enquadra como ato ilícito, pois o mesmo sequer pode ser analisado como um dever do pai.

Nesta perspectiva, o Superior Tribunal de Justiça, em matéria proferida no Recurso Especial nº 757.411 – MG, em relação ao não-reconhecimento da responsabilidade civil nos casos de abandono afetivo, o Ministro Relator afirmou que, para o descumprimento dos deveres jurídicos, referentes ao poder familiar, encontra-se punição em seu próprio ordenamento jurídico, qual seja, o direito de família. Previsto no artigo 1.638, inciso II do Código Civil, onde, para o descumprimento dos deveres jurídicos do pai, a punição é a perda do poder familiar:

No caso de abandono ou do descumprimento injustificado do dever de sustento, guarda e educação dos filhos, porém, a legislação prevê como punição a perda do poder familiar, antigo pátrio-poder, tanto no Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 24, quanto no Código Civil, art. 1638, inciso II. Assim, o ordenamento jurídico, com a determinação da perda do poder familiar, a mais grave pena civil a ser imputada a um pai, já se encarrega da função punitiva e, principalmente, dissuasória, mostrando eficientemente aos indivíduos que o Direito e a sociedade não se compadecem com a conduta do abandono, com o que cai por terra a justificativa mais pungente dos que defendem a indenização pelo abandono moral. Por outro lado, é preciso levar em conta que, muitas vezes, aquele que fica com a guarda isolada da criança transfere a ela os sentimentos de ódio e vingança nutridos contra o ex-companheiro, sem olvidar ainda a questão de que a indenização pode não atender exatamente o sofrimento do menor, mas também a ambição financeira daquele que foi preterido no relacionamento amoroso. (MINISTRO FERNANDO GONÇALVES, 2005)

Quanto ao REsp nº 757.411 – MG referente ao voto do Ministro Relator Fernando Gonçalves:

RESPONSABILIDADE CIVIL. ABANDONO MORAL. REPARAÇÃO. DANOS MORAIS. IMPOSSIBILIDADE. 1. A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária. 2. Recurso especial conhecido e provido. (STJ, REsp n.º 757.411 – MG, 4ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julg. 29/11/05, DJ 27/03/06, p. 299).

Em suma, para a corrente que não reconhece a responsabilidade civil nos casos de abandono afetivo, a punição estaria diretamente relacionada com a perda do poder familiar, já previsto no Código Civil como punição para o descumprimento dos deveres jurídicos dos pais. Ou seja, não há que se falar em indenização quanto ao afeto, tendo em vista que não há possibilidade de quantificar o amor o qual aquele filho perdeu, ao ser abandonado afetivamente, muito menos compelir o pai a amar sua prole.

5.2       DO RECONHECIMENTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL PELO ABANDONO AFETIVO PATERNO-FILIAL: CORRENTES DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL - ARGUMENTOS

Para aqueles que defendem a possibilidade que seja reconhecida a responsabilidade civil, pelo abandono afetivo paterno-filial é necessário a verificação de alguns requisitos causadores dessa responsabilidade, quais sejam: um dano comprovado, uma conduta ilícita e um nexo causal entre ambos.

Neste sentido, para esta corrente, é fundamental que haja uma comprovação do dano ocorrido, quanto à personalidade do filho e que este dano, tenha ocorrido pelo abandono afetivo paterno-filial. Esta comprovação é realizada através de laudos e perícias técnicas e objetiva-se o reconhecimento da responsabilidade civil frente ao dano causado.

Assim, afirma Rui Stoco (2007): Cada caso deverá merecer detido um estudo e atenção dobrada, só reconhecendo o dano moral em caráter excepcional e quando os pressupostos da reparação se apresentarem estreme de dúvida e ictu oculi, através de estudos sociais e laudos técnicos de equipe interdisciplinar. (STOCO, 2007, p. 946)

Conforme já ressaltado, cabe aos pais o dever de cuidar, zelar e dar afeto aos seus filhos. Quem o faz de maneira correta está agindo em conformidade com o ordenamento jurídico e não haveria o que ser discutido em juízo.

Entretanto, há algumas relações familiares - mais precisamente em relação ao pai com o filho – que se encontram bastante deturbadas e que, por inúmeros motivos distintos, acabam por enquadrar no caso em tela: dano na personalidade do filho, em decorrência do abandono afetivo do pai.

Cláudia Maria da Silvia (2005), em seu artigo, alude, de forma bastante ampla, a questão do reconhecimento civil nestas questões e, consequentemente, sua reparação: Trata-se, em suma, da recusa de uma das funções paternas, sem qualquer motivação, que agride e violenta o menor, comprometendo seriamente seu desenvolvimento e sua formação psíquica, afetiva e moral, trazendo-lhe dor imensurável, além de impor-lhe ao vexame, sofrimento, humilhação social, que, ainda, interfere intensamente em seu comportamento, causa-lhe angústia, aflições e desequilíbrio em seu bem-estar. Mesmo sendo menor, já estão tuteladas a honra e moral, posto ser um sujeito de direito e, como tal, não pode existir como cidadão sem uma estrutura familiar na qual não há a assunção do verdadeiro “papel de pai”. (SILVA, 2005, p.7)

Neste diapasão, quanto ao dano referente à personalidade do filho menor e todas as consequências que o abandono afetivo paterno-filial causa, Bernardo Castelo Branco (2006) afirma que, a reparação por dano moral atua como agente do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana: Havendo violação dos direitos da personalidade, mesmo no âmbito da família, não se pode negar ao ofendido a possibilidade de reparação por dano moral, não atuando esta como fator desagregador daquela instituição, mas de proteção da dignidade dos seus membros. A reparação, embora expressa em pecúnia, não busca, nesse caso, qualquer vantagem patrimonial em benefício da vítima, revelando-se na verdade como forma de compensação diante da ofensa recebida, que em sua essência é de fato irreparável, atuando ao mesmo tempo em seu sentido educativo, na medida em que representa uma sanção aplicada ao ofensor, irradiando daí seu efeito preventivo. (BRANCO, 2006, p. 116)

Ou seja, o dano moral aqui discutido e o reconhecimento da reparação civil estão intrinsecamente ligados ao ofendido como indivíduo, como uma pessoa detentora de uma personalidade. Não há que se falar em lesão de patrimônio ou qualquer bem. É uma lesão relativa aos direitos da personalidade, tais como a imagem, o nome, a dignidade, a honra, a intimidade, entre outros.

De acordo com Maria Berenice Dias (2009, p. 37), caso seja realmente comprovado que a ausência do convívio paterno pode gerar danos a ponto de comprometer o desenvolvimento saudável do filho menor, a omissão do pai em relação ao seu dever de cuidar e zelar pelo filho gera um dano afetivo suscetível de ser indenizado.

E, com este mesmo posicionamento jurídico referente ao reconhecimento da responsabilidade civil, tem-se Rui Stoco (2007): O que se põe em relevo e exsurge como causa de responsabilidade por dano moral é o abandono afeito, decorrente do distanciamento físico e da omissão sentimental, ou seja, a negação de carinho, de atenção, de amor e de consideração, através do afastamento, do desinteresse, do desprezo e falta de apoio e, às vezes, da completa ausência de relacionamento entre pai e filho. (STOCO, 2007, p. 946)

Desta forma, considerando principalmente o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, é mais do que evidente que quando há uma violação quanto aos direitos da personalidade e, sendo ele violado em qualquer esfera jurídica, pode-se falar em reparação por dano moral.

A respeito do tema, o Juiz Mario Romano Maggioni, em 2003, na Comarca de Capão da Canoa no Rio Grande do Sul, condenou um pai ao pagamento de 200 salários mínimos fundamentando no fato de que ele não desempenhava seu dever primordial, na convivência familiar.

Nesta decisão, proferida na Ação de Indenização nº 141/1030012032-0, o magistrado alegou que: A educação abrange não somente a escolaridade, mas também a convivência familiar, o afeto, amor, carinho, ir ao parque, jogar futebol, brincar, passear, visitar, estabelecer paradigmas, criar condições para que a criança se autoafirme. Desnecessário discorrer acerca da presença do pai no desenvolvimento da criança. A ausência, o descaso e a rejeição do pai em relação ao filho recém-nascido ou em desenvolvimento violam a sua honra e a sua imagem. Basta atentar para os jovens drogados e ver-se-á que grande parte deles deriva de pais que não lhe dedicaram amor e carinho; assim também em relação aos criminosos. (...)Quando o legislador atribui aos pais a função de educar os filhos, resta evidente que aos pais incumbe amar os filhos. Pai que não ama filho está não apenas desrespeitando função de ordem moral, mas, principalmente, de ordem legal, pois não está bem educando seu filho. (CONRADO PAULINO ROSA, 2012. p. 108)

Sendo assim, há que se falar no destaque dado pelo magistrado em relação a função do pai em zelar e amar seus filhos. Ou seja, não basta o pagamento de pensão alimentícia ou ser pai biológico.

Ainda sob o aspecto da aplicabilidade da indenização por abandono afetivo, no caso em tela, o magistrado, ao proferir a sentença, evidenciou o fato de que ser pai é facultado ao homem tendo em vista que há inúmeros recursos para que se possa evitar a paternidade como preservativos, vasectomia, entre outros. Melhor dizendo, aquele que não quer ser pai basta procurar prevenir.

Outra decisão proferida com esse cunho foi a de Luiz Fernando Cirillo, em 2004, no processo de nº 01.036747-0. O mesmo legitimou a aplicabilidade da indenização contra um pai que não deu o respectivo afeto a seu filho “a paternidade não gera apenas deveres de assistência material, e que além da guarda, portanto independente dela, existe um dever, a cargo do pai, de ter o filho em sua companhia”.

Ao final, afirma que, embora não tenha sentido sustentar que a vida de um ente querido, a honra e a imagem e a dignidade de um ser humano tenham preço, não há por que negar o direito a obtenção de um benefício econômico em relação a uma ofensa que foi praticada.

Ou seja, a aplicação da indenização não se trata de compensar a dor, ou aplicar um valor em relação ao amor, pois é claro que nenhum valor compensará a falta de zelo, a ausência e o desprezo de um pai para com um filho. Trata-se de um caráter punitivo, pedagógico e dissuasório, afim de que conscientize os pais, de que se trata de uma conduta reprovável e grave, que deve ser punida.

Neste sentido, há a decisão proferida pela Sétima Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais (TAMG), que reformou a sentença proferida pela 19ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte/MG, a fim de condenar o pai ao pagamento de 44 mil reais. O argumento foi o de que nos autos houve provas suficientes quanto ao dano à dignidade do menor, provocado pela conduta ilícita do pai, que não cumpriu com seus deveres.

A redação da ementa:

INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS – RELAÇÃO PATERNO-FILIAL- PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE.A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana. (TAMG, AC 4085505-54.2000.8.13.0000, 7ª C. Cível, Rel. Juiz Unias Silva, julg. 01.04.2004, pub. 29.04.04). (SICUTO, 2016. p. 24).

Sob o mesmo entendimento há o julgado da Ilustríssima Ministra Nancy Andrighi em que o abandono afetivo do genitor que gerou danos à filha menor:

AFETIVIDADE, AMOR, MÁGOA, TEORIA DA RESPONSABILIDADE, RELAÇÕES INTRAFAMILIARES, INTERPRETAÇÃO TÉCNICA E SISTEMÁTICA DO DIREITO, DEVER DE ASSISTÊNCIA PSICÓLOGICA, PERSONALIDADE DO INFANTE, HIGIDEZ PSICOLÓGICA, NECESSARIUM VITAE. É possível a fixação de indenização por dano moral na hipótese em que o pai não cumpre o dever legal de cuidar da filha, sobretudo em relação ao aspecto afetivo, pois, nos casos em que os pais se omitem do dever de dirigir a criação e educação aos filho, a perda do pátrio poder não suprime, nem afasta, a possibilidade de indenizações, porque tem como objetivo primário resguardar a integridade do filho, ofertando-lhes, por outros meios, a criação e educação negada pelos genitores, e nunca compensar os prejuízos advindos do malcuidado recebido pelos filhos. [...] (STJ, REsp 1159242/ SP RECURSO ESPECIAL 2009/0193701-9, Relator (a) Ministra NANCY ANDRIGHI (1118), Órgão Julgador T3 - TERCEIRA TURMA, 24/04/2012)

Sob relatoria do Desembargador Unias Silva, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais deu sequência a um recurso interposto pelo filho (MINAS GERAIS. 2004), concedendo indenização, pautada no princípio da dignidade da pessoa humana:

INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS - RELAÇÃO PATERNO - FILIAL - PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE. A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana. Deram provimento. (TJMG, Apelação Civil 408.550.54, Rel. Des. Unias Silva).

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) também aderiu a aplicabilidade da indenização por abandono afetivo sob a mesma ótica dos julgados anteriores já citados. In verbis:

Responsabilidade civil. Ação de indenização por dano moral que a Autora teria sofrido em razão do abandono material e afetivo por seu pai que somente reconheceu a paternidade em ação judicial proposta em 2003, quando ela já completara 40 anos. Procedência do pedido, arbitrada a indenização em R$ 209.160,00. Provas oral e documental. Apelante que tinha conhecimento da existência da filha desde que ela era criança, nada fazendo para assisti-la, diferentemente do tratamento dispensado aos seus outros filhos. Dano moral configurado. Quantum da indenização que adotou como parâmetro o valor mensal de 2 salários mínimos mensais que a Apelada deixou de receber até atingir a maioridade. Indenização que observou critérios de razoabilidade e de proporcionalidade. Desprovimento da apelação. (TJRJ, AC 0007035-34.2006.8.19.0054, 8ª C. Cível, Rel. Des. Ana Maria Oliveira, julg. 20.10.2009).

O dever de zelar, cuidar, demonstrar afetividade e amor, não devem ser tratados de forma desnecessária ou como acessórios de um convívio familiar. Uma vez sendo de extrema importância para o crescimento e desenvolvimento da criança/adolescente, deve-se ser levado em consideração e elencado como essenciais. Dessarte, esta corrente, não discute o amor, pois este é uma faculdade; discute-se a imposição do dever de cuidar, inerente àqueles que um dia se propuseram a ser pais.

Há o reconhecimento do dano moral frente ao abandono paterno-filial quando existe uma atitude omissiva do pai, configurando-se um ato ilícito, acarretando assim uma responsabilidade civil, no qual o dano deve ser reparado.

Cumpre ressaltar, que o reconhecimento da responsabilidade civil no abandono afetivo paterno-filial, para esta corrente, não ocorre em todo e qualquer caso. Stoco (2007, p. 946) citado por Sicuto (2016, p. 24) reafirma, neste sentido, que cada caso deverá ser analisado e estudado, a fim de que, em caráter excepcional, e quando presente os pressupostos do dever de indenizar, possa falar em reparação. Ou seja, é extremamente necessário que haja uma perícia como intuito de comprovar os danos psicológicos, gerados pela omissão do pai, frente ao abandono da criança e/ou adolescente.

Inclusive, é o que afirma Sicuto (2016, p. 24), “é preciso provar que o alijamento do filho do convívio familiar foi causador dos danos em sua personalidade. Tal comprovação é feita a partir da realização de laudos psicossociais e periciais técnicas”. Sendo assim, caso não haja dano comprovado, inexiste o reconhecimento da responsabilidade civil e, consequentemente, a indenização.

 

6. CONCLUSÃO

Por intermédio da produção deste trabalho monográfico, procurou-se averiguar a possibilidade de se conceder indenização por danos morais, contra os pais que abandonaram afetivamente seus filhos menores. Vimos que há divergências acerca dessa temática, dividindo opiniões de doutrinadores e Tribunais, sobre a possibilidade ou não de requerer a indenização, proveniente do abandono paterno-filial.

Ficou evidente que, parte da doutrina e da jurisprudência que não reconhecem tal possibilidade, afirmam que a condenação ao pagamento não fará com que a criança ou o adolescente abandonado passe a ter seus transtornos psicológicos e sociais anulados.

Neste mesmo sentido, argumentam também sobre a inefetividade da indenização, pois ela não assegura que o abandonado afetivamente recupere o real valor do afeto. Por fim, acrescentam que o reconhecimento à indenização acaba por “monetarizar” o próprio afeto, trazendo consigo uma ideia de compensação material, pela ausência do amor paternal.

Do lado oposto, uma vertente doutrinária e jurisprudencial, compreende a possibilidade de se requerer indenização, in casu, tendo em vista o poder familiar e as responsabilidades dos pais em relação aos filhos, presentes no nosso ordenamento jurídico, além do fato de que o abandono afetivo paterno-filial fere o princípio da dignidade da pessoa humana, um dos pilares da Constituição Federal.

Para essa parcela da comunidade jurídica existe, em tal situação, um descumprimento dos deveres jurídicos dos pais, frente aos princípios norteadores da Constituição Federal, do Direito de Família e do Estatuto da Criança e do Adolescente. E, embora não haja previsão legal expressa, é notório que há um dano moral e, consequentemente, uma responsabilidade civil (já que verificados todos os seus pressupostos), conforme já se depreende do entendimento de alguns tribunais.

Atualmente, percebemos que, com o avanço farmacológico e consequente diversidade dos meios contraceptivos, tornam-se pais aqueles que realmente tomam (ou deveriam tomar) para si, a responsabilidade e a consciência de seus atos. Pode-se afirmar que a obrigação da afetividade passa a ser inerente ao pai, a partir do momento em que ele não preocupou em se prevenir, “assumindo o risco” da concepção.

Frise-se que a corrente favorável à indenização, pelo abandono afetivo paterno-filial, analisa os casos de forma diferenciada, tendo em vista que cada um possui suas particularidades. Assim, pelo estudo apresentado, vimos que é necessária a comprovação do dano psíquico, causado pela atitude omissa do pai, ao abandonar emocionalmente a criança ou adolescente. Ou seja, não afirmam fielmente que em todo e qualquer caso será reconhecido direito à indenização, mas, apenas naqueles em que seus pressupostos são verificados.

Neste sentido, é inegável que a corrente que não reconhece a possibilidade de concessão de indenização analisa e julga os casos como um todo, sem observar suas peculiaridades; diferentemente da corrente que a reconhece, uma vez que coloca como pressuposto essencial a questão da comprovação de que realmente houve um dano psicológico na criança ou no adolescente, na hipótese em concreto.

Feitas essas considerações, entendemos pela possibilidade do reconhecimento da responsabilidade civil, uma vez que não se trata de concessão de indenização de forma indiscriminada. Cuida-se somente de casos específicos, cujos danos psíquicos, referentes à personalidade da criança e do adolescente, estão estritamente ligados com o abandono afetivo paterno-filial e, desde que, devidamente comprovados.

Cumpre ressaltar que, atualmente, a paternidade é uma faculdade do indivíduo, visto que há inúmeras formas de prevenir que a mesma ocorra. Ou seja, ao se tornar pai, o dever de amor para com sua prole é inerente à (in)consequência da sua atitude, não podendo o homem dela se esquivar, responsabilizando somente a mulher pela gravidez indesejada, já que ele também poderia tê-la evitado.

Em suma, o presente trabalho não objetivou esgotar todo o estudo referente a matéria, uma vez que os tribunais, bem como, os estudos doutrinários não possuem um posicionamento definitivo acerca do assunto.

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  • direito de família
  • direito civil
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  • ECA
  • amor no direito
  • abandono paterno
  • abandono material
  • constituição federal
  • responsabilidade civil

Referências

REFERÊNCIAS

 

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Ianny Lameiras

Advogado - Teófilo Otoni, MG


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