INTRODUÇÃO
A humanidade tem um progresso monetário contínuo, não retilíneo, desde as primeiras civilizações, passando das sociedades de escambo, para os metais como commodities, chegando às moedas fiduciárias e eletrônicas e, por fim, com o desenvolvimento da tecnologia de blockchain, permitindo a criação da Bitcoin. Em alguns momentos ao longo da história, o direito não conseguiu caminhar de forma simultânea com os novos avanços tecnológicos. A velocidade com que novas ferramentas eram criadas era maior do que o tempo necessário para discutir os novos problemas socialmente e aplicá-los no ordenamento jurídico. Esse desenvolvimento se acentuou no período compreendido entre o fim do século XX e o início do XXI, com a implementação de várias ferramentas que mudaram a forma como as pessoas se comunicam. Essas tecnologias, em sua maioria, foram implantadas em espaços jurídicos não regulamentados, pois essas invenções eram inovadoras, sem qualquer precedente histórico e legal. Dessa forma, surgiram a internet, as redes sociais, os aplicativos de mensagens instantâneas, o telefone sem fio, os talões de cheque, os cartões de débito e crédito, as transações interbancárias e outros.
A Bitcoin é fruto desse rápido desenvolvimento tecnológico acentuado nas últimas décadas. Seu surgimento se deu em um fórum da internet quando Satoshi Nakamoto trouxe a ideia de criar uma moeda que não necessitasse de intermediários financeiros. Nakamoto trabalhou com usuários ativos do fórum durante um período e, no dia 04 de janeiro de 2009, colocou a rede Bitcoin no ar (Ulrich, 2014, p. 42). A Bitcoin nasceu sem muitas expectativas e sem nenhuma regulação do Estado sobre ela, pois o conceito de blockchain era completamente inovador para a época. Esse fato demonstra como o direito, na maioria das vezes, não caminha conjuntamente com o desenvolvimento de novas tecnologias, sendo necessário estudos no campo das ciências humanas e jurídicas para adequar esses novos conceitos criados a regras sociais preexistentes. Apesar de a Bitcoin não se tratar de uma tecnologia tão nova, pois já está prestes a completar 13 anos de operação ininterrupta, o ordenamento jurídico e a ciência jurídica ainda são muito incipientes em relação ao tema. Nesse sentido, me propus a analisar a natureza jurídica da Bitcoin no ordenamento jurídico brasileiro, verificando suas características e confrontando isso com as leis existentes no país.
Desse modo, ainda no ano de 2022, não há leis vigentes que regulem ou alçassem esse tipo de bem. Como não há um consenso jurisprudencial, doutrinário e nem legal sobre a classificação da Bitcoin, os agentes de mercado atuam numa área legal cinzenta, trazendo problemas de insegurança jurídica para os milhares de usuários e para as empresas que comercializam esse tipo de ativo. Não há definição legal no ordenamento jurídico brasileiro que especifique a Bitcoin como ativos já existentes, a exemplo da: commodity, moeda, ação ou qualquer outro ativo financeiro. Dessarte, nenhum órgão pode legalmente supervisionar o mercado, não cabendo nem ao banco central e nem a comissão de valores mobiliário.
Nesse contexto, essa monografia visa trazer luz a dificuldade de se definir a natureza jurídica da Bitcoin na legislação brasileira, comentando e analisando criticamente as definições legais de moeda, commodity, ativos financeiros, as competências da Comissão de valores mobiliários e do banco central do Brasil, e ainda, o conceito de bens no código civil, e por fim, o projeto de lei 4.401/21 recentemente enviado a sanção presidencial. Desse modo, elenca a seguinte formulação do problema de pesquisa: A Bitcoin pode ser classificada por analogia a alguma espécie de ativo já existente e ser regulada por algumas das entidades que controlam o sistema financeiro nacional, ou será que ela é um ativo suis generis?
Dessa maneira a Bitcoin é uma criptomoeda descentralizada que não é emitida por governos soberanos, nem lastreada em nenhum ativo. Ela não é ação, não é commodity em stricto sensu, também não pode ser considerada moeda em virtude da lei de curso forçado, não tem características de títulos públicos e privados e nem de fundos de investimento, não é regulada pelo Banco Central do Brasil, que é quem regula a entrada e saída de moedas estrangeiras, e nem pela Comissão de Valores Mobiliários), que é entidade ligada ao poder executivo que regula os valores mobiliários (títulos, ações, debêntures e outros). O projeto de lei de 4.401/21 estabelece a Bitcoin como um ativo virtual diferente de qualquer ativo financeiro existente. Contudo, algumas de suas características se aproximam do conceito de commodity digital (ativos que não existem no mundo físico, mas são escassas no mundo virtual).
Por sua vez, a principal finalidade desse trabalho consiste em analisar se a Bitcoin tem algum gênero, verificando se ela pode se encaixar por analogia a: categorias de bens, commodity, moeda, ativo financeiro, e se pode ser regulada por um algum órgão ou entidade que compõe o sistema financeiro nacional, ou ainda se ela é um ativo sem paralelos com ativos já existentes conforme preconiza o projeto de lei 4.401/21 enviado a sanção presidencial.
Por outro lado, os objetivos específicos são: comparar a Bitcoin com outros ativos existentes, como: commodity, moeda, títulos e bens; analisar o porquê a Bitcoin não é considerada ativo pela comissão de valores mobiliários e porque não é considerada uma moeda pelo banco central do Brasil; verificar se a Bitcoin pode ser regulada por alguma das normas do sistema financeiro nacional por analogia; verificar a analisar o projeto de lei 4.401/21 enviado a sanção presidencial.
Para alcançar os objetivos descritos acima, se pretende fazer uma abordagem metodológica visando uma análise qualitativa. A análise qualitativa é a aquela que se baseia na interpretação dos fenômenos e de sua atribuição de significado, através da análise de documentos, observações e narrativas (Brasileiro, 2021, p. 83). Nesse aspecto, pretende-se fazer uma análise qualitativa dos textos científicos já existentes utilizando as ideias presentes nesses documentos para embasar uma pesquisa de cunho teórico e em paralelo trazer algumas inovações ao problema de pesquisa.
Pretende-se também utilizar o método de pesquisa descritivo que é aquele em que o pesquisar define e caracteriza um fenômeno, diferente do método exploratório que é aquela em que o pesquisador faz uma abordagem sem tanto conhecimento acumulado daquele local, fazendo levantamento bibliográfico e realizando observações (Brasileiro, 2021, p. 76). Nesse sentido, se pretende fazer uma pesquisa descritiva, expondo e caracterizando o fenômeno Bitcoin, analisando textos, documentos e legislações vigentes que permitam sua definição.
Desse modo, no primeiro capítulo discutimos a história das moedas. Explicando a evolução das sociedades no decorrer dos séculos, demonstrando o papel dos reis da Lídia, da Grécia e de Roma no desenvolvimento moedas e consequentemente das sociedades capitalistas modernas. Posteriormente, explicou-se o papel da moeda nas sociedades feudais na idade média, renascentista e moderna. Após explica-se o surgimento do papel-moeda, da moeda eletrônica, do PIX, até chegar na Bitcoin.
No segundo capítulo, analisou-se a Bitcoin e ativos similares, demonstrando a sua forma de funcionamento. Em paralelo, se explicou os conceitos de Exchange, criptomoeda, criptoativo, blockchain e os demais atributos técnicos da Bitcoin. Posteriormente passou a análise do conceito econômico de moeda e de commodity explicando suas especificidades e características.
No terceiro capítulo, analisa-se a natureza jurídica da Bitcoin. Para isso, divide o capítulo em: “Bitcoin como moeda”, onde se discute o conceito jurídico de moeda; Bitcoin como ativo mobiliário regulada pela CVM”, onde se discute se a Bitcoin poderia ser regulada pela CVM; “Bitcoin como categoria de bem” que compara a Bitcoin com o conceito de bem; e “Bitcoin com base no projeto de lei 4.401/21” que busca verificar a natureza jurídica que o projeto de lei confere a Bitcoin.
Por fim, conclui-se que a Bitcoin não pode ser considera moeda, visto que moeda no Brasil tem que ser de criação estatal, contudo pode ser considerada bem e commodity virtual. Por sua vez, o projeto de lei 4.401/21 prefere dar uma nova definição aos ativos virtuais, optando por não comparar com nenhuma disposição legal já existente.
1. A história do dinheiro
A história do dinheiro e da humanidade se confundem. No início das primeiras civilizações humanas, não havia moeda ou metais como meio de troca, a população permutava o excedente de produção para consumo, num processo conhecido com escambo. Nesse primeiro momento, a diversidade de produtos disponíveis para permutar era pequena, pois isso era necessário para facilitar o encontro dos indivíduos e seus objetos de troca, haja vista que no escambo há uma necessidade de dupla coincidência, ou seja, o sujeito A precisa do que o sujeito B detém e B precisa do que A detém (Lopes e Rossetti, 1992, p. 15).
Com o desenvolvimento das civilizações humanas, a criação das primeiras cidades e a consequente especialização do trabalho, as sociedades foram adotando uma única commodity[1] como meio de troca universal (Lopes e Rossetti, 1992, p. 16). Cada povoado organizava suas permutas de uma forma, na sociedade asteca, por exemplo, era comum a utilização de sementes de cacau para equiparação dos preços nas trocas de mercadorias, sendo assim, quando os preços eram distintos, as sementes de cacau faziam uma aproximação para equilibrar os valores na negociação. (Weatherford, 2005, p. 22).
Na passagem dos séculos, as commodities agrícolas foram substituídas pelas metálicas, dessa forma, as civilizações de maneira geral passaram a utilizar o ouro e a prata como meio de troca, contudo grandes compras ainda eram lentas, visto que pesar todo metal levava tempo. (Weatherford, 2005, p. 36). Com a necessidade de facilitar as negociações no comércio, nasce na Lídia, atual Turquia, no século VII, A.C, o que seria a primeira moeda como meio de troca, composta por um misto de ouro e prata (Viera, 2017, p. 05). Os reis da Lídia criaram uma liga metálica de forma arredondada, constituída de ouro e prata, de fácil transporte, de peso e tamanhos padronizados e com um selo impresso em cada moeda garantindo assim a autenticidade da moeda (Ferguson, 2009, p. 25).
Contudo, apesar do progresso econômico com a adoção de moedas, o reinado da Lídia caiu em uma guerra, e a partir daí os gregos despontaram como grandes utilizadores de moedas metálicas (Viera, 2017, p. 05-06). A civilização grega era baseada no comércio e a moeda dava dinamismo econômico, já que os preços poderiam ser expressos em valores monetários, facilitando as trocas comerciais. Weatherford (2005, p. 40), explica que a cunhagem das moedas forneceu um parâmetro claro em relação a produtos e serviços, se tornando um meio de troca que mantinha valor, era facilmente armazenado e não estragava com o tempo.
Como a moeda se popularizou na Grécia Antiga, Aristóteles tratou sobre ela em vários de seus escritos. Apesar de Aristóteles (apud Zelmanovitz, 2012, p. 08-10) ser crítico da forma como se ganhava dinheiro no comércio, ele entendia que a moeda era um instrumento importante, que servia para muito além das trocas de mercadorias, dizia que havia uma utilidade própria para o dinheiro. Ele (apud Zelmanovitz, 2012, p. 08-10) também entendia que o dinheiro, na concepção da época, trazia liquidez para os mercados facilitando o rápido acesso a bens disponíveis, e ainda, conseguia ter uma menor variação de valor comparada a outros bens.
Os Gregos e os Romanos foram às civilizações antigas que mais desenvolveram o dinheiro, inclusive, em meados do século IV, A.C. Os romanos passaram a adotar um sistema monetário por influência dos Gregos (Viera 2017, p. 08), basicamente eles utilizavam três moedas: a aureus (ouro), o denarius (prata) e o sestercius (bronze), essas três eram usadas ao mesmo tempo, por ordem de importância, de acordo com a escassez do material de produção (Ferguson, 2009, p. 25).
O império Romano era sustentado por meio de grandes exércitos e isso gerava altos custos ao erário público. No início, as invasões de terras inimigas eram lucrativas em virtude dos saques de ouro e da venda de escravos, contudo a partir do momento que as guerras não foram mais rentáveis, o império Romano teve dificuldade de sustentar a máquina pública e teve que elencar cada vez mais os impostos, sufocando a população (Weatherford, 2005, p. 54-65).
A partir de 64, D.C, o imperador Nero diante dos crescentes gastos da máquina pública, ordenou o recolhimento gradual das moedas em circulação para efetuar a diminuição do seu tamanho, fazendo-as conter menos ouro, prata e bronze, o que permitiu aumentar a quantidade de moeda em circulação com a mesma quantidade de metais disponíveis. Essa prática foi reiterada pelos demais imperadores, resultando que no ano 260, D.C, as moedas Romanas tinham apenas de 5% da prata se comparadas as moedas originais (Weatherford, 2005, p. 58).
Essa técnica, utilizada por Nero, é replicada na modernidade com muito mais intensidade. A ideia consiste em aumentar a base monetária, sempre beneficiando os primeiros recebedores, que podem comprar as coisas pelo preço normal, contudo conforme esse novo dinheiro vai percorrendo a economia, as pessoas vão pagando mais caro pelas coisas, pois somente há um aumento da demanda e não da oferta, conforme bem descreve, Cantillon (1755), em seu livro, “ensaio sobre a natureza e o comércio em geral”. O fato de o Estado ter nesse momento histórico o monopólio da cunhagem da moeda metálica, o torna o principal beneficiado do aumento da sua base monetária, através da diminuição dos metais das moedas.
Segundo Melo (2021, p. 15-24), a queda do império Romano se deu por um processo gradual e foi concluído com as invasões Bárbaras[2] simultâneas em várias regiões do império Romano do ocidente[3], evento que dá fim a idade antiga. Os fatores da queda da Roma ocidental foram: a desvalorização da moeda no século III, as crises econômicas, as pestes e as brigas internas (Melo, 2021, p.23-24).
Nesse primeiro período, Grécia e Roma popularizaram o uso da moeda de metal, contudo há grande discussão sobre a forma da implantação do dinheiro. Alguns teóricos defendem que a criação se deu por meio da atuação estatal, já outros defendem que o processo se deu de forma autônoma de acordo com as necessidades sociais e foi cooptada pelo Estado. Friedrich Hayek (2011, p.36), entende que o uso dos metais se deu por um processo autônomo, contudo em determinado momento o Estado tomou esse monopólio para si, com o intuito de certificar as moedas e dar validade para elas.
Essa mesma ideia é defendida em partes por Carl Menger (1892, p. 39), pontuando que o dinheiro tem uma origem social e foi cooptado pelo Estado, ao qual ficou responsável pelo seu desenvolvimento e aperfeiçoamento. Entendendo, que o Estado é reconhecido por ter uma ótima administração da circulação moeda, assegurando sua originalidade e a facilidade em seu transporte.
Após a queda de Roma ocidental, se dá início a idade média. Esse é um período em que há uma queda da sociedade mercantil que havia sido instalada nas sociedades Romanas e Gregas. Le Goff (1924, p. 08), reforça essa ideia ao afirmar que:
A Idade Média, quando se trata de dinheiro, representa na longa duração da história uma fase de regressão. O dinheiro, nela, é menos importante, está menos presente do que no Império Romano, e sobretudo muito menos importante do que viria a ser a partir do século XVI, e particularmente do XVIII.
Weatherford (2005, p. 68), entende que a cultura da humanidade na idade média muda consideravelmente. Na visão dele, o campo passa a ser mais importante que a cidade e a autossuficiência dos feudos mais importante que o comércio. As escolas também passam a ser precarizadas e cada vez menos pessoas podiam ler ou calcular, por conseguinte, dificultava a circulação de moedas.
A idade média é dívida em dois períodos: a alta idade média; e a baixa idade média. Le Goff (1924, p. 12), aponta que os primeiros anos da idade média trouxeram um declínio do comércio e uma fragmentação do poder que passou a ser exercido pelos donos de terras e pela igreja. Apesar de nos primeiros anos existir um comércio com moedas, numa imitação da civilização romana, com o passar dos séculos esse uso foi diminuindo na maioria das cidades (Goff, 1924, p. 12).
Com a desfragmentação do poder e a consequente perda do monopólio da cunhagem da moeda pelo Estado na Europa medieval, surge a dificuldade de fazer câmbio entre diferentes moedas e metais, dificultando o comércio (Goff, 1924, p. 14). Nos séculos VI e VII, as moedas passaram a constar o nome dos moedeiros, estima-se que na Galia existiam mais de 1400 moedeiros (Goff, 1924, p. 13).
A partir da época carolíngia, século VI, houve uma tentativa de fazer ressurgir a moeda Estatal. O pai de Carlos Magno, Pepino reiniciou a cunhagem de moedas pelo Estado e deu fim a cunhagem do ouro, trabalhando somente com a prata, contudo, apesar de promissor esse período durou pouco e a Europa mergulhou numa fragmentação monetária nos séculos seguintes (Goff, 1924, p. 14-15).
A partir do século XII, há na Europa um retorno a cunhagem do ouro e do crescimento das cidades. Os reis da época começaram a organizar grandes feiras, ao qual funcionários reais eram destinados para verificar a validade das moedas, esse crescimento urbano e desenvolvimento das feiras propiciaram uma necessidade da circulação do dinheiro (Goff, 1924, p. 17-18). Nos séculos seguintes, esse desenvolvimento continuou com rotas comerciais a partir da Itália, com impostos sendo cobrados em moedas, e cada vez mais pessoas deixando o campo para as cidades (Goff, 1924, p. 19-46).
A primeira companhia que se parece com um banco moderno surge na idade média, por volta do século XII. Weatherford (2005, p. 71), explica que a primeira entidade a construir as bases do sistema bancário moderno foi a ordem dos cavaleiros templários. Assim, explica que eles ficaram ricos após a igreja permitir que administrassem os espólios adquiridos dos mulçumanos durante a guerra santa. Com o passar dos anos, os templários foram armazenando tesouros em suas fortalezas e se tornando temidos por serem grandes guerreiros, a partir disso, eles começaram a prestar serviços bancários, como: empréstimo a reis; transporte de mercadorias de valor; conversibilidade de moedas; depósitos e saques em cidades diferentes e até administração das riquezas de reis e da igreja (Weatherford, 2005, p. 71-73).
Há de se considerar que apesar dos cavaleiros templários praticarem algumas atividades que guardam semelhanças com o sistema bancário moderno, eles não podiam cobrar juros, visto que a igreja condenava a usura aqueles que cobravam ágil, com isso eles sobreviviam apenas das taxas cobradas pelos serviços prestados. Sobre os juros Goff (1947, p. 47), comenta:
O empréstimo fazia-se acompanhar naturalmente do pagamento de um juro por parte do devedor. Ora, a Igreja proibia que um credor cristão cobrasse esse juro de um devedor cristão. Os textos mais frequentemente invocados são “Mutuum date, nihil inde sperantes” (emprestar sem nada esperar de volta) (Luc 6, 35), e “Não emprestarás a juros a teu irmão, quer se trate de um empréstimo em dinheiro ou em víveres ou qualquer que seja em que se exija juro” (Levítico XXV, 36), “Ao estrangeiro poderás emprestar a juros, mas emprestarás sem juros a teu irmão” (Deuteronômio 23, 20). O decreto de Graciano, que é no século XII o fundamento do direito canônico, declara: “Tudo aquilo que se exige acima do capital é usura” (“Quicquid ultra sortem exigitur usura est”).
Nesse sentido, como os cristãos não podiam emprestar a juros para outros cristãos, essa prática passou a ser executada pelos Judeus, haja vista que na prática a igreja permitia o empréstimo entre judeus e cristãos (Goff,1924, p. 47).
Apesar da proibição da igreja, os cristãos passaram a emprestar dinheiro uns aos outros, através de letra de cambio que foi uma forma de fugir as regras religiosas. (Goff, 1924, p. 71-72). Com isso, surge na Itália nos séculos XIV e XV, entidades que não advinham da nobreza e nem da igreja e que prestavam serviços financeiros, através da letra de câmbio, ao qual eram remunerados pelas taxas desse serviço, garantindo, assim, o seu lucro (Weatherford, 2005, p. 77-80).
A letra de câmbio nasceu com intuito de facilitar a negociação e a intermediação de moedas em diferentes cidades autônomas, dessa forma, um banco da cidade do usuário (sacador), dava ordem para outro banco (sacado), comumente de outra cidade, pagar o beneficiário (tomador), quando esse viajasse. Nesse sentido Negrão (2019), p. comenta:
[...] facilitar a troca de diferentes moedas utilizadas no vasto comércio internacional, formado por cidades autônomas que cunhavam sua própria moeda. É corrente que seu nascimento se dá graças à necessidade de um meio prático para resolver o problema do transporte de numerário e, ao mesmo tempo, servir como instrumento de crédito internacional e de câmbio.
Com o crescimento desses empreendimentos, em pouco tempo eles passaram a fornecer empréstimos para a aristocracia, por tanto, os reis se tornaram devedores das intuições bancárias (Weatherford, 2005, p. 84). Apesar da letra de cambio ser utilizada até os dias de hoje, os grandes bancos italianos acabaram ainda no século XIV, quando apoiaram o rei Eduardo III na guerra e esse deixou de pagar seus empréstimos, o que fez ruir todo sistema bancário que atuava por meio da emissão de letra de cambio (Ferguson, 2009, p. 25).
Com o enfraquecimento do período feudal, a Europa passa por um longo período de transformações. O movimento renascentista, iniciado na Itália no século XIV, foi marcado pela inspiração na idade clássica, retomando os conceitos das cidades gregas e romanas. Azzi (2011, p. 08) explica que no período renascentista há uma intensificação do espírito científico, juntamente com uma maior concepção de fronteira e de patrimônio mais delimitadas, ocorrendo ainda uma quebra no modo ver e pensar a arte.
As famílias mais bem sucedidas da Itália podiam pagar seus próprios estudos e consumir sua própria arte sem depender da igreja para aprendizagem. Na visão de Weatherford (2005), fora aberto um espaço para o humanismo, uma vez que o homem passa a ser o centro e não Deus, ademais, essas famílias abastadas consumiam arte, o que possibilitou o financiamento para o desenvolvimento artístico e cultural ocorrido na época.
Conforme verificamos, o período renascentista foi marcado pela continua diminuição do poder da igreja nas relações interpessoais e esse processo continua com a idade moderna. No século XV, com a descoberta das américas, os Espanhóis iniciam o processo de retirada da prata da américa espanhola, transformando o metal retirado em moedas na Europa (Weatherford, 2005, p. 90-95). Weatherford (2005, p. 104), estima que: “De 1500 até 1800, as minas das Américas forneceram 70% da produção mundial total de ouro e 85% da de prata.”, segundo ele, nesse mesmo período, cerca de: “131,5 mil e 149,6 mil toneladas de prata e 2.4 a 2.1 de ouro foram embarcadas”
Conforme pontuado em parágrafo anterior, quanto maior a quantidade de dinheiro circulando numa economia, mais os preços tendem a aumentar. Sendo assim, foi o que aconteceu na Europa, Ferguson (2009, p. 26), explica o fenômeno de rápida expansão de moedas de prata na Espanha:
O que os espanhóis não conseguiram compreender foi que o valor do metal precioso não é absoluto. O dinheiro somente tem valor quando alguém está disposto a dar-lhe algo por ele. Um crescimento no seu abastecimento não tornará a sociedade mais rica, embora possa enriquecer o governo que monopoliza a produção do dinheiro. As outras coisas permanecendo iguais, a expansão monetária meramente elevará os preços.
Além da descoberta do ouro e da prata das américas na idade moderna, houve também um contínuo aperfeiçoamento das organizações bancárias que já vinham se formando na idade média. Uma das mais importantes foi o wisselbank, em tradução literal significa “banco de cambio”, que nasceu em Amsterdã na Holanda em 1609, e tinha um dever o uniformizar as moedas que circulavam na província. Sobre o Wisselbank Ferguson (2009, p. 45), explica que:
O Wisselbank [Banco de Câmbio], de Amsterdã, foi instituído em 1609, para resolver os problemas práticos criados para os mercadores por causa da circulação de moedas múltiplas nas Províncias Unidas, onde havia não menos do que quatorze moedas locais diferentes e copiosas quantidades de moedas estrangeiras. Ao permitir que os mercadores abrissem contas denominadas numa moeda padronizada, o Banco de Câmbio foi pioneiro no sistema de cheques e de débitos diretos, ou transferências, cuja importância atualmente sequer entra nas nossas cogitações. Isso permitiu que um número progressivamente maior de transações comerciais ocorresse, sem a necessidade de materializar os montantes envolvidos em moedas reais. Um mercador podia fazer um pagamento a outro simplesmente ordenando que sua conta fosse debitada, e a conta da sua correspondente fosse creditada, na mesma importância.
O wisselbank era um banco muito seguro, pois tinha quase 100% dos valores em reservas entre os depósitos e o seu patrimônio, ou seja, para cada cem moedas emprestadas ele tinha quase cem moedas que existiam disponíveis no banco (Ferguson, 2009, p. 45). Com reservas tão altas era quase impossível que uma corrida aos bancos o quebrasse, por outro lado, essas reservas tão altas limitam o montante de empréstimo que o banco poderia fazer (Ferguson, 2009, p. 45).
Um século depois foi criado o Estocolmo Riksbank, sendo o primeiro banco a atuar com reservas fracionárias[4], dessa forma, ele emprestava o dinheiro que estava em deposito, porém, como é difícil que ocorra todos os saques ao mesmo tempo ele conseguia se manter funcionando (Ferguson, 2009, p. 45).
Outra instituição bancária de importância no período da idade moderna, foi a criação do banco da Inglaterra, criado em 1694. Nasceu com intuito de socorrer o governo inglês das dívidas e fazia isso ao converter ações do banco em títulos de dívida estatais (Ferguson, 2009, p. 46). Essa instituição foi o primeiro grande embrião dos bancos centrais modernos, seu proposito explicito era o financiamento do governo inglês, sendo um monopólio legal em forma de sociedade anônima (Freitas ,2000, p. 05).
Logo, o banco da Inglaterra não nasceu incumbido de ser o banco central, ao contrário, ele era um banco privado, organizado através de uma sociedade anônima. Contudo, com o passar dos séculos ele foi assumindo funções públicas, Ferguson (2009, p. 49), acredita que isso se deu em um processo de tentativa e erro. Freitas (2000, p. 05), explica que como o banco da Inglaterra detinha uma posição dominante no mercado como banco emissor, acabou assumindo o papel de depositário das reservas metálicas do país e de outros bancos.
Ferguson (2009, p. 48), afirma que existe até hoje dúvidas entre os historiadores sobre o impacto do mercado financeiro no desenvolvimento humano, contudo ele pontua que não há dúvida de que a revolução financeira precedeu a revolução industrial apesar de ambas se desenvolverem num sistema simbiótico.
Nos séculos seguintes, na idade contemporânea, o banco da Inglaterra continuou angariando funções, passando a ser administrador da dívida pública, a assumir o papel de depositário das reservas metálicas do país e de outros bancos (Freitas, 2000, p. 05).
No século XVIII, os bancos ingleses começaram a guardar as moedas de ouro e a emitiram certificados de deposito (bilhetes bancários) que valiam como a moeda, pois gozavam de confiança da população (Freitas, 2000, p. 06). Essa emissão de papel moeda casa perfeitamente com a definição de dinheiro preconizada por Ferguson (2009, p. 24), que afirma que:
É costume dizer que o dinheiro é um meio de troca, que tem a vantagem de eliminar as ineficiências do escambo; uma unidade de valor, que facilita a avaliação e o cálculo; e um recipiente de valor, que permite que as transações econômicas sejam conduzidas durante longos períodos e também a despeito das distâncias geográficas. Para desempenhar todas essas funções da melhor maneira, o dinheiro tem que estar disponível, e ser durável, fungível, portátil e confiável.
É notório que o dinheiro precisa ter todas as características apontadas por Ferguson (2009), o maior benefício do papel-moeda é a portabilidade, levar consigo um pedaço de papel é muito mais prático que carregar um saco de moedas de metal. Contudo, a substituição do metal pelo papel-moeda, faz que o dinheiro perca seu preço próprio, pois a moeda de metal, caso fosse derretida ainda teria valor. Ao comentar sobre isso, Requião (p. 03), afirma:
A moeda tem valor metálico ou intrínseco quando é cunhada com metal precioso, já que em tais casos possui não somente o valor oficialmente estabelecido, mas também um valor decorrente do próprio material que a compõe. Em contraste, temos a situação do papel-moeda, que é dotado de valor intrínseco desprezível, servindo como meio de pagamento somente graças à atribuição de valor nominal que lhe é realizada.
Em 1844, foi conferido ao banco da Inglaterra o monopólio da emissão de papel moeda, com isso dividiu o banco em dois departamentos um monetário e outro bancário (Freitas, 2000, p. 06). A partir disso o banco central assumiu de vez a função de ser o banco dos bancos e passou administrar as reservas das demais intuições financeiras (Freitas, 2000, p. 06). Nesse mesmo período o banco da Inglaterra foi dividido, sendo proibido de emitir mais papel-moeda do que tinha em ouro em seu balanço. Ferguson (2009, p. 50), aponta que esse sistema causou as crises de 1847, 1857 e 1866, causando uma desconfiança no sistema bancário e provocando a quebra do banco Overend Gurney. Essas crises levaram o banco da Inglaterra e aos demais bancos a criarem um mercado interbancário de empréstimos para ajustar seus coeficientes de liquidez, segundo Freitas (2000, p. 09), esse foi um dos motivos que levaram ao banco da Inglaterra ser o emprestador de última instancia.
Em 1808, o banco da França foi fundado, nasceu com intuito de ser um banco lucrativo, privado e prestador de serviços direto a população (Freitas, 2000, p. 09). Contudo, segundo Freitas (2000, p. 10), ele tinha uma característica que o diferenciava do banco da Inglaterra na época de sua criação, pois tinha a função de estabilizar o sistema financeiro, função que precedeu a troca de ativos no mercado interbancário.
Os demais bancos centrais criados a partir do século XIX, tinham uma função de controlar a emissão papel moeda e organizar o sistema financeiro, conforme ocorreu na Alemanha e no Japão, visando mais o cunho organizacional que o lucro (Freitas, 2000, p. 10).
Nos Estados Unidos o processo se deu de forma diferente do modelo inglês e brasileiro. O Federal Reserve dos Estados Unidos só foi surgir em 1913, pois até essa data os Estados Unidos da América tinham uma política de liberdade bancária guardada pela lei do banco nacional. Ferguson (2009, p. 52) estima que por conta dessa plataforma de governo a quantidade bancos mais do que dobrou entre o final do século XIX e início do século XX.
Freitas (2000, p. 11) afirma que os congressistas tiveram receio de o Federal Reserve interferir na autonomia das 12 colônias e por isso criaram um sistema descentralizado de bancos centrais com 12 bancos regionais que compartilhavam poder numa junta de coordenação central.
No Brasil, diferente do mundo, o processo se deu de uma forma única. Tudo começou quando o banco do Brasil foi fundado em 1808, com intuito de ser um banco comercial, banqueiro do governo e um banco emissor, contudo foi extinto e recriado com o mesmo nome várias vezes (Teixeira, 2011, p. 69). Franco (2017, p. 277) considera que há três períodos de formação dos bancos emissores do país no século XIX, são eles: o primeiro banco do Brasil nascido e 1808 e indo à falência em 1829; o momento da pluralidade das emissões, fase que houve a liquidação de dois bancos do Brasil; e as reformas bancárias no final do império e no começo da república que causou mais uma liquidação do banco do Brasil.
A partir de 1920, o Banco do Brasil passou a ser algo próximo do que é um banco central, contudo ele tinha que cumprir um longo processo burocrático até alcançar os empréstimos necessários para manutenção do sistema. Teixeira (2011, p. 69-70) explica que o banco do Brasil quando necessitava financiar seu próprio caixa ou de outro banco, ele tinha que encaminhar à Carteira de Emissão e Redesconto do Banco do Brasil títulos ou notas promissórias de suas operações, por sua vez, a Carteira de Emissão e Redesconto do Banco do Brasil solicitava ao tesouro a emissão de papel moeda para cobrir a liquidez do sistema.
Nos anos seguintes houve diversas transformações na estrutura financeira do país, com alterações no Carteira de Emissão e Redesconto do Banco do Brasil[5], criação da caixa de Mobilização Bancária do Banco do Brasil[6] e da superintendência da Moeda e do Crédito [7] e outras repartições que cuidavam da organização financeira do país (Teixeira, 2011, p. 69-76). Contudo, o Banco central do Brasil só foi criado em 1964, pela lei 4.595, após um sofrido processo legislativo que durou mais de duas décadas (Franco, 2017, p. 367). A lei que instituiu o banco central é em que pese a lei que estrutura o sistema financeiro nacional, sendo o banco central parte dessa estrutura, conforme observa no parágrafo primeiro da lei 4.595/64[8].
Nesse período também foi criada a lei de curso forçado por meio do decreto-lei 857/69 [9], ele determinava que os contratos firmados no Brasil seriam todos feitos em moeda nacional, impedindo que qualquer obrigação contratual se tornasse exigível caso fosse paga em ouro ou em moeda estrangeira. Essa lei ficou em vigor no ordenamento jurídico pátrio até ser revogada pela 14.286/21.
Por sua vez, na Inglaterra, berço da revolução industrial, usava o lastro do ouro em sua moeda desde o século XIX, como o comércio inglês era bem desenvolvido, isso influenciou os demais países a seguirem o mesmo lastro (Silva, 2010, p. 22). Silva (2010, p. 22), explica que nesse sistema a base monetária era calculada de acordo com: o preço do ouro em relação a moeda do país; pela quantidade de ouro em reserva soberana do governo; e pelo controle da quantidade de moeda que circulava pela economia.
No início do século XX os governos ainda atuavam no padrão ouro, ou seja, os papéis-moedas emitidos pelos bancos centrais, governos, ou até bancos privados eram lastreadas no ouro. Esse valor era fixo e trazia estabilidade para o sistema, na visão de Ferguson (2009, p. 52), o padrão ouro reduzia os custos de transação, impedia inflações altas ocasionadas por rápidas expansões da base monetária, e ainda forçava os Estados a manterem suas dívidas em patamares mais baixos. Por outro lado, aponta que os efeitos negativos eram: ausência do sistema de câmbio flutuante; altas taxas de juros a curto prazo; deflação em caso de haver diminuição da circulação da moeda; e que pode fazer com que ocorra graves crises como a de 1929.
Por conta primeira guerra mundial, o padrão ouro foi suspenso, com isso os países tiveram que suspender a conversão do papel moeda em ouro, nesse período as taxas ficaram flutuantes no mercado (Silva, 2010, p. 22). Os Estados Unidos foram um dos únicos países a manter a sua moeda pareada ao ouro (Silva, 2010, p. 22). Com o fim da primeira guerra houve um esforço para que se retornasse a esse sistema, contudo, Silva (2010, p. 27), entende que as moedas estavam sobrevalorizadas e que isso causou problemas de inflação nos preços.
Como a década compreendia entre 1930 e 1940 foi de várias crises, com desemprego em massa e dificuldades de se conter a inflação, 1944 houve um acordo para reorganizar o sistema financeiro mundial (Silva, 2010, p. 31-33). O acordo de Bretton Woods estabeleceu que haveria uma taxa fixa do dólar em relação ao ouro, e que as demais moedas usariam o dólar como lastro. Previu ainda que o FMI (fundo monetário internacional) forneceria empréstimos aos países que perdessem seu lastro e que a margem do valor da onça em relação ao dólar poderia variar em 1% (Dathein, 2003, p. 06). Dathen (2003, p. 06), afirma que essa primeira fase, que durou até 1960, deu muito certo e que foi extremamente benéfica para economia Norte-Americana. Além disso, Silva (2010, p. 36), explica que os países aderentes poderiam manter dólares em suas reservas internacionais e caso precisassem podiam trocar os dólares pelo ouro a qualquer momento numa operação junto ao Federal Reserve.
Conforme explica, Dathen (2003, p. 06), a crise do sistema se dá quando os Estados Unidos da América param de ter uma balança comercial positiva, o que gera uma continua diminuição de dólares em seu balanço, resultando numa queda de 10% dos estoques de ouro entre os anos de 1959 e 1960. Segundo pontua Silva (2010, p. 72), isso se deu por conta da queda da produtividade, que estava atrelada a um maior poder dos sindicatos que passaram a exigir mais direitos, por sua vez, isso elevou o custo de produção do Estados Unidos da América e as empresas começaram a mudar suas produções para Europa já recuperada da guerra e para alguns países da américa latina. Com esses problemas o Estados Unidos respondeu criando fundo comum do ouro, fecharam o acordo da Basileia, e aumentaram o capital do FMI (Dathein, 2003, p. 07).
A partir de 1970 o sistema começa sua ruína, com um maior volume de capitais saindo do Estados Unidos, muito por conta da sua balança comercial extremante negativa (Dathein, 2003, p. 08). Em 1971, com as reservas de ouro abaixo do crítico, Nixon ordena a suspenção da conversibilidade do dólar em ouro e logo depois em 1973 libera os mercados para atuem no regime de câmbio flutuante (Dathein, 2003, p. 08).
Com o fim do sistema lastrado no ouro, inicia no mundo a era das moedas fiduciárias, ou seja, moedas que não tem lastro financeiro e o seu uso é com base no curso forçado e na confiança do Estado de que aquele papel será aceito. Requião (p. 06), pontua que o dinheiro moderno funciona apenas com o suporte governamental, mantendo seu valor por conta das determinações legais do Estado, o professor traz como exemplo as moedas que passaram pelos vários sistemas monetários anteriores e que hoje já não tem mais validade, servindo apenas como item de colecionador.
Após a mudança do sistema financeiro global, com a adoção das moedas fiduciárias, várias crises e bolhas especulativas ocorreram no mundo inteiro, Silva (2010, p. 82), explica que essas crises ocorreram após a abertura de capital e desregulamentação financeira dos países e que foram marcadas pelo alto grau de especulação nos mercados. O autor explicita nominalmente algumas dessas crises e foram elas: crash da bolsa Norte-americana em 1987; bolha imobiliária dos Estados Unidos de 1989; crise do México em 1995; crise asiática em 1997; crises cambiais no Brasil, Rússia e Argentina 1998; a bolha ponto.com da bolsa Norte-americana de 2001.
Em 2008, ocorreu no Estados Unidos a uma das maiores crises da história do capitalismo, o estouro da bolha das hipotecas subprime[10]. Isso deu após o governo Norte-Americano, na década de 1990, criar subsídios para pessoas de baixa renda financiar e adquirir imóveis, nesses acordos eram feitos contratos de mútuo feneratício, onde as instituições financiadoras podiam ficar com a casa hipotecada caso não houvesse pagamento, e em caso de inadimplemento essas hipotecas poderiam ser refinanciadas numa quantidade de vezes eterna (Silva, 2010, p. 98-99). Ainda, o mercado financeiro começou a pegar esses mútuos e colocar em uma cesta com vários ativos dentro, como era altamente improvável que todas as pessoas da cesta não pagassem, elas ganharam grau de segurança de investimento elevado. Isso se somou a política de estímulo do crédito adotado pelo banco central americano até 2004 (Silva, 2010, p. 100).
Com a valorização dos imóveis e alto índice de empregabilidade, em 2004 o banco central americano começa a elevar os juros, e com a política de contração econômica, bancos reduziram os créditos para capital de giro, que por sua vez reduziu os investimentos das empresas, o que causou desemprego e o não pagamento desses empréstimos (Silva, 2010, p. 101). Esse ciclo seguiu até a quebra do Lehman Brothers em 2008, que se seguiu uma corrida de vendas de ativos atrelados a hipotecas subprime que já tinha contaminado toda a economia (Silva, 2010, p. 101).
Nesse contexto de crise, em 2008, um programador de pseudônimo Satoshi Nakamoto, publicou num fórum da web um paper com a ideia de fazer uma moeda digital, descentralizada, por meio de criptografia. (Ulrich, 2014, p. 41). Sua ideia era ser uma alternativa viável ao sistema monetário moderno, criando uma válvula de escape a intervenções questionáveis dos bancos centrais. Sobre essas intervenções dos bancos centrais, Ulrich (2014, p. 40), explica que o cidadão não tem qualquer participação ou controle sobre o seu dinheiro, ficando à mercê das políticas adotadas pelos bancos centrais que muitas das vezes são arbitrárias, pouco criteriosas, autoritárias e não dotadas da publicidade necessária.
Posteriormente, após trabalhar no projeto por meses juntamente com a comunidade, no dia 03 de janeiro de 2009 o primeiro bloco da Bitcoin foi minerado, trazendo a mensagem: “Chancellor on brink of second bailout for banks”, frase que estampava a capa da revista times naquele dia (Ulrich, 2014, p. 42). Na visão de Ulrich (2014, p. 43), essa frase no primeiro bloco minerado é um indicativo das razões da criação da Bitcoin que veio para se contrapor com ao sistema financeiro moderno cooptado pelo Estado.
O funcionamento da Bitcoin se dá através do sistema blockchain[11] e por isso não depende de intermediários financeiros e nem de autoridades monetárias centralizadas, suas transações se dão por meio de um sistema descentralizado. Maffini (2020, p. 35) afirma que sua emissão não é decidida por leis e nem pela comunidade e sim por aspectos técnicos e de software que já foram predefinidos.
Com o sucesso da Bitcoin diversas criptomoedas surgiram, algumas delas com ideias parecidas a Bitcoin e outras bem inovadoras para o ramo. Conforme infere-se do COINMARKETCAP (2022), hoje existem vinte e uma mil e oitenta e duas criptomoedas e tokens disponíveis. Entre as mais dez populares hoje estão: Bitcoin, Ether, USDT, USDC, BNB, XRP, BUSD, ADA, SOL e DOGE (COINMARKETCAP, 2022).
A facilidade de se fazer transações por meio da Blockchain fez com que os bancos centrais mundiais corressem para criar meios de pagamentos digitais e centralizados tão rápidos e baratos como as criptomoedas. No Brasil o BACEN criou o PIX, que é um sistema de pagamento instantâneo, instituído pela resolução BCB nº 01, de 12 de agosto de 2020, que na prática permite transferir dinheiro 24 horas por dia e sete dias por semana.
O banco central do Brasil seguiu atento as inovações tecnológicas trazidas pelas criptomoedas e no ano de 2020 lançou um grupo para trabalhar no projeto piloto do Real digital, através da portaria de nº 108.092/20. Em 2022, lançou as diretrizes dessa nova moeda estatal que se dividem em três categorias, sendo: funcionamento, garantias legais e premissas tecnológicas (BANCEN, 2022).
O desenvolvimento monetário humano passou por várias fases. Iniciou com a troca dos excedentes de produção nas civilizações primitivas, posteriormente passou para o uso de commodities de metais preciosos, até chegar no uso do papel-moeda e por último na moeda fiduciária. Conforme foi demonstrado, a evolução dos mercadores financeiros não foi retilínea e a progressão continua até hoje. Desse modo, a Bitcoin é uma forma nova de resolver problemas financeiros antigos, assim como foram a cunhagem de metais precioso, a impressão do papel-moeda e o acordo Bretton Woods. Apesar de poder representar uma revolução na forma como a humanidade se relaciona a Bitcoin ainda é um ativo pouco estudado e pouco compreendido pelas ciências jurídicas, não havendo muitas pesquisas buscando identificar a sua real natureza jurídica e o seu enquadramento no sistema financeiro global e nacional.
3. Definição da Bitcoin e de ativos similares
Como vimos no tópico anterior, após a Bitcoin ser criada, várias outras criptomoedas nasceram nela inspiradas, criando uma classe de ativo. Essa nova classe de ativo se multiplicou e segundo dados do COINMARKETCAP (2022), site especializado em ativos criptográficos, já são listados mais de vinte e um mil ativos virtuais.
Consoante explanado, após a criação da Bitcoin, várias outras criptomoedas surgiram, criando uma classe de ativo, denominada criptoativo. Os criptoativos na visão de Mafinni, (2020, p. 48) são: “[...] ativos digitalizados, criptografados e registrados em uma rede Blockchain”, ou seja, por esse ponto de vista criptoativo é todo ativo que utiliza criptografia para seu funcionamento com registro realizados através da rede blockchain. De modo parecido, a Receita Federal em seu artigo 5º, inciso I, da instrução normativa 1888/19, define criptoativo como sendo:
a representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços, e que não constitui moeda de curso legal
Nesse sentido, a Receita Federal entende que criptoativos são todos aqueles ativos que podem ser usados como investimento, transferência de valores ou como forma de acesso a serviços. E ainda, utilizam a tecnologia de registro distribuído (blockchain) e criptografia para efetivação das transações, não constituindo moeda de curso legal.
Por outro lado, o conceito de criptomoeda é menos amplo. Stella (2017, p.03), por exemplo, aduz que criptomoeda é uma subespécie derivada do gênero criptoativo, definindo criptomoedas como:
[...] um ativo digital denominado na própria unidade de conta que é emitido e transacionado de modo descentralizado, independente de registro ou validação por parte de intermediários centrais, com validade e integridade de dados assegurada por tecnologia criptográfica e de consenso em rede.
Essa diferenciação entre criptoativos e criptomoedas é importante, pois após a criação da Bitcoin surgiram uma infinidade de tokens que tem características peculiares, pouco similares a Bitcoin.
Como criptoativos é um gênero de várias espécies, existe uma infinidade desses ativos que atuam de formas diferentes. Apesar da imensa maioria trabalhar com sistema criptográfico em blockchain suas concepções de utilização prática são muito distintas entre si. Explico, a rede da Bitcoin funciona pelo sistema proof of work (prova de trabalho), conceito que será aprofundado posteriormente, por outro lado, a rede do ethereum[12] passou por mudanças na sua blockchain onde o mecanismo de consenso foi transferido para o Proof of Stake[13]. Além disso, essas redes costumam hospedar tokens dos mais variados tipos, indo de moedas de jogos online na modalidade play-to-earn[14] até as stablecoins[15] que são lastreados nas moedas soberanas. Esses tokens tem finalidades e características diferentes da Bitcoin, conceitualmente muitas vezes se aproximando de outras classes de ativos. Isto posto, não há como analisar numa mesma monografia ativos com característica tão distintas, por isso, apesar da importância dos demais criptoativos o foco será a análise no funcionamento da Bitcoin e na sua natureza jurídica.
Após destrinchar os conceitos anteriores, vamos nos aprofundar sobre a definição dos locais que esses ativos são comercializados. Após a criação da Bitcoin e a explosão de novas ativos criptográficos surgiram as Exchanges, locais na internet responsáveis por custodiar e intermediar a compra e venda de criptoativos, esse mercado de compra e venda ficou tão intenso que criou um sistema paralelo a bolsa de valores convencional, sendo definidas por Mafinni (2020, p. 62) como:
a pessoa jurídica que oferece serviços referentes a operações realizadas com criptoativos em plataforma eletrônica, por meio de intermediação, negociação ou custódia. Incluindo como conceito de intermediação a disponibilização de ambiente e interface para a realização das operações de compra e venda entre os próprios usuários de seus serviços.
Nesse sentido, as Exchanges são plataformas que atuam como custodiantes ou intermediadoras em negociações entre usuários, fornecendo recursos de análise gráfica para facilitar as operações.
Por outro lado, a Receita Federal através da instrução normativa 1888/19, em seu artigo 5º, inciso II, definiu Exchange como:
a pessoa jurídica, ainda que não financeira, que oferece serviços referentes a operações realizadas com criptoativos, inclusive intermediação, negociação ou custódia, e que pode aceitar quaisquer meios de pagamento, inclusive outros criptoativos.
Dessa forma, podemos inferir que tanto no aspecto econômico, quanto sob o prisma legal, Exchange é uma espécie de corretora ou casa de câmbio de ativos criptografados, onde os negociadores se encontram na plataforma para executar ordens de compra, venda ou permuta desses ativos. É razoável destacar que essas corretoras também são responsáveis por atuar na intermediação de contratos futuros[16], ou seja, vendem criptoativos com preços fixados no presente com entrega realizada a ser realizada no futuro, assim como a bolsa de valores (Kriscinski, 2022, p. 26-28). O objetivo da utilização de mercados futuros com a Bitcoin é possibilitar um aumento de liquidez e maior previsibilidade no preço no longo prazo, estima-se que seja comercializados mais bitcoins por meio de mercados futuros do que por meio do mercado a vista (Kriscinski, 2022, p. 26-28).
O Banco Central do Brasil estabeleceu comunicados a respeito das criptomoedas e da Exchanges assim que sua popularização começou. No dia 19 de fevereiro de 2014 o BACEN divulgou o comunicado de nº 25.306, que trazia algumas posições no que diz respeito as criptomoedas, afirmando em síntese que: as moedas virtuais[17] não se confundem com o conceito de moeda eletrônica[18] regulada pela lei 12.865/13; afirma com veemência que as moedas virtuais não são garantidas por nenhum banco central, não havendo garantias de convertibilidade estando o valor do ativo baseado unicamente na credibilidade do ativo; diz que as intuições que comercializam esses ativos, Exchanges, não são reguladas pelo Estado, por não haver leis sobre o tema; alerta sobre a volatilidade dos preços por conta da baixa aceitação; explica que há riscos de autoridades monetárias de outro países do mundo proibirem essas moedas o que desvalorizaria seu valor; aponta que essas moedas podem ser utilizadas para fins ilícitos e levar usuários de boa-fé a serem investigados como participes; diz que o armazenamento dessas moedas é perigoso e que pode ensejar em perdas de valores ;e por fim, conclui dizendo que não vê risco a atividade do sistema financeiro nacional[19], haja visto que a maioria das transações cripto são operações de varejo.
Em outro comunicado, o de 16 de novembro de 2017, de nº 31.379, o banco central do Brasil reafirma o que já foi exposto em comunicado anterior com as adições de que: as Exchanges não são reguladas pelo banco central e nem pelo governo; ressalta que a utilização dessas moedas para o envio de remessas internacionais não afeta as leis referentes a cambio internacional dispostas pelo Banco Central; e que o banco central ainda não vê riscos dessas criptomoedas e que seguirá atento ao desenvolvimento do mercado. Esses comunicados demonstram de antemão que o banco central não tinha qualquer posição sobre a natureza das criptomoedas, apenas se restringindo a taxá-las como ativos não regulados pelo sistema financeiro nacional e pura especulação.
Conforme já definimos, as criptomoedas são ativos criptografados que operam numa rede peer-to-peer [20], descentralizada, a partir da internet. Antes da invenção de Nakamoto, toda transação pela internet necessitava de um intermediário financeiro responsável para verificar a autenticidade daquela transferência e confirmá-la, em regra, esses agentes financeiros eram os bancos, contudo esse sistema tem problemas por conta das altas taxas de envio (Santos, 2016, p. 10). A ideia da Bitcoin foi eliminar esse intermediário para que a transação pudesse ser executada de usuário para usuário, e tudo isso só é possível através da Blockchain (Santos, 2016, p. 10).
Conforme explanado por Stella (2017, p. 02), a Blockchain é: “um livro razão distribuído, com integridade protegida por consenso de algoritmos criptográficos, para efetuar suas emissões e demais transações.”. Em tradução literal Blockchain significa, corrente de blocos (Stella, 2017, p. 05).
As criptomoedas anteriores a Bitcoin, que usavam Blockchain, tinham problemas de serem passiveis de gasto duplo, ou seja, poderia um usuário transferir recursos para mais de uma conta e essas transferências serem mineradas em blocos distintos, criando moeda que não existia anteriormente (Martins, 2016, p. 141). Nakamoto (2008), criador da Bitcoin, resolveu isso de duas formas: através de uma chave pública (similar a uma chave pix) que possibilita o acompanhamento em tempo real das contas dos blocos minerados na rede e seus respectivos saldos, isso traz alta publicidade ao sistema blockchain permitindo que se verifique todas as transferências já realizadas na rede (Martins, 2016, p. 142); e a segunda forma foi a ligação de um bloco a outro, dessa forma um bloco anteriormente minerado passa linhas de código para o outro que veio depois dele, criando uma espécie de corrente que liga os blocos, ou seja, o bloco mais recente minerado pela blockchain da Bitcoin tem informações das primeiras transações ocorridas em 2009, isso resolveu de vez o problema do gasto duplo (Stella, 2017, p. 05).
O mecanismo que atua na rede do Blockchain da Bitcoin é o Proof-Of-Work, mecanismo que foi introduzido pela primeira vez na criptomoeda Bitgold[21] com intuito de dar segurança e sustentabilidade a rede (Martins, 2016, p. 141). Esse mecanismo inaugurou o conceito dos mineradores, que seriam as pessoas que utilizam suas máquinas para fazer a validação criptográfica das transações ocorridas na rede, sendo beneficiados com recompensas de novos tokens gerados a partir dessas validações e com as taxas cobradas sobre os usuários para a confirmação da transação na rede (Martins, 2016, p. 141).
Na blockchain da Bitcoin que é operada pelo modo de validação chamado de proof-of-work, os validadores/mineradores competem entre si para resolver a equação matemática complexa, aquele que se consagra vencedor recebe uma taxa paga pelos usuários para realizar a transação e o direito de emitir novos tokens em quantidade predeterminada no código da blockchain (Stella, 2017, p. 06). Conforme os computadores que entram na rede para fazer os cálculos vão ficando mais poderosos essas equações matemáticas vão ficando mais difíceis de serem resolvidas, isso ocorre para que haja um balanceamento da rede a tornando mais segura, permitindo também que sempre se tenha um período de dez minutos entre um bloco minerado e outro (Santos, 2016, p. 14-15). No início da Bitcoin dava para efetuar essa mineração pelos computadores de casa, contudo, conforme o ativo foi ganhando importância pessoas começaram a se profissionalizar e ganhar dinheiro com isso, fazendo da mineração um negócio (Santos, 2016, p. 15). O processo de mineração demora em média 10 minutos, contudo em momentos de instabilidade na rede esse tempo pode variar, pois caso os mineradores encontrem muita dificuldade de achar as respostas matemáticas para os blocos esse tempo é ajustado para baixo, e o contrário também é verdadeiro, conforme programado em algoritmo da rede (Caldas, 2016, p36-37).
Diferente do sistema bancário tradicional que usa servidores centralizados, a Bitcoin usa o sistema da blockchain, com uma força computacional distribuída, permitindo a transferência de dados sem a necessidade de um órgão central (Ulrich, 2014, p. 44). Nesse sentido, a rede é descentralizada, pois qualquer pessoa com uma máquina pode exercer a atividade de mineração e quanto mais mineradores concorrerem mais descentraliza é a rede, desse modo a concorrência força a utilização de maior poder de processamento, o que contribui para uma rede mais segura e estável.
Dessarte, a segurança da rede se dá justamente com a adição de poder computacional, haja visto que quanto mais poder investido para mineração mais difícil é para que usuários fraudadores consigam perturbar a rede (Camacho e Silva, 2018, p. 12). Nakamoto (2008, p. 4), explica que a rede incentiva os mineradores a utilizarem seu poder computacional para o bem, isso se faz ao distribuir recompensas para a máquina que decodificar primeiro as equações matemáticas, esse estímulo serve para aqueles que adquirirem computadores usem seu poder a favor da rede e não contra ela, aumentando também rapidamente a hashingpower[22] da rede e a tornando mais segura.
Apesar de haver um incentivo para mineração, conforme demostrado acima, a Bitcoin foi desenhada para ter um limite máximo de unidades criadas, cerca de 21 milhões de bitcoins, com o último incentivo ocorrendo por volta de 2140, que será pago no valor de 0,00000001 BTC (Santos, 2016, p. 16). A limitação de criação de unidades é feita pelo halving[23] que garante a inflação predeterminada da Bitcoin no tempo, controlando a quantidade de moedas novas criadas por bloco minerado, segundo dados do COINMARKETCAP (2022), já foram criados mais 91% de todos as unidades de Bitcoin.
A Bitcoin é divisível por natureza, podendo ser transferidas ou comercializadas frações da moeda para outros usuários, ou seja, não é necessário que sempre haja a transferência de uma fração inteira da Bitcoin. A bitcoin pode ser dívida em cem milhões de partes iguais, ou seja, sua divisão mínima é o equivalente 0,00000001 Bitcoin (Fontenele, 2017, p. 28).
Consoante já mencionado a Bitcoin tem endereços que são as identificações das pessoas na rede. Nesse sentido, existem dois tipos de endereço: o privado que é responsável por autenticar transações na rede, disponível somente para o usuário; e o endereço de chave pública que seria parecido como o número da conta corrente no banco, é através dessas chaves que os usuários transferem valores entre si (Caldas, 2016, p. 27-28). Dentro da rede podem ser criados inúmeras chaves públicas para uma mesma conta, a depender da vontade do usuário (Caldas, 2016, p. 27-28).
Por outro lado, as carteiras de Bitcoin são os locais onde se armazena esses ativos transferidos através das chaves públicas e privadas. Nas carteiras se armazenam: as chaves privadas, públicas e os valores constante na respectiva conta do usuário (Caldas, 2016, p. 27-28). Há basicamente dois tipos de carteira Bitcoin, a on-line que é uma carteira cujo a chave privada fica ligada à internet todo o tempo, e uma carteira off-line, também chamada de cold-wallet onde a chave privada fica sem acesso à internet, nunca vindo a ficar on-line, sendo considerada o tipo de carteira mais segura para armazenar os fundos (Caldas, 2016, p. 27-28).
A rede da Bitcoin tem a publicidade dos seus atos como maneira de auditoria pública sobre as transações, evitando assim o problema do gasto duplo e possíveis fraudes. É necessário salientar que diferente dos bancos tradicionais que omitem as informações de saldo e valores enviados, a rede da Bitcoin tem todas as chaves públicas visíveis a comunidade, no sistema de blockchain as pessoas não sabem quem é o proprietário da conta, contudo o endereço público tem os registros de recebimentos e envios disponíveis para acesso a qualquer usuário (Nakamoto, 2008, p. 15).
Conforme verificamos em parágrafo anterior, as transações da rede da Bitcoin só são concluídas uma vez a cada 10 minutos, período médio correspondente a mineração de um bloco, isso dificulta a sua utilização como moeda, haja visto que a sociedade necessita que os meios de troca ocorram com velocidade (Poon e Drvja, 2016, p. 01, tradução nossa). Nesse sentido, foi criado um protocolo de segunda camada[24], conhecido como Lightning network, ou em tradução nossa, rede relâmpago, esse protocolo permite a blockchain da Bitcoin características não pensadas anteriormente para rede, sendo eles: o pagamento instantâneo, permitindo que as transações realizadas nessa segunda camada não necessitam passar imediatamente pelo bloco; os micro pagamentos que permite o envio de menores unidades da Bitcoin; e a escalabilidade que faz com que o sistema tenha um maior poder de processamento de pagamentos, fazendo mais operações por segundo ( Poon e Drvja, 2016, p. 01-59, tradução nossa). Esse funcionamento se dá com a criação de canais de micro pagamentos dentro da rede relâmpago, as transferências são validadas entre usuários sem a necessidade autenticação na Blockchain (Poon e Drvja, 2016, p. 05-06, tradução nossa). O que ocorre é que os dois usuários assinam a transação com a chave privada e o saldo é enviado e salvo, demonstrando que ambos concordam com os atos ali praticados, quando os usuários desejam sair do canal de pagamento e retornar ao Blockchain comum, esses dados são registrados e distribuídos a comunidade (Poon e Drvja, 2016, p. 05-06, tradução nossa).
A rede relampo traz inovações técnicas que podem ampliar o escopo de atuação da Bitcoin lhe trazendo um atributo técnico essencial a uso no dia a dia das grandes metrópoles, notadamente a velocidade nas transações. Um ótimo exemplo dessa utilização como moeda foi o caso de El Salvador que em 31 de agosto 2021, promulgou a lei Bitcoin que estabeleceu a Bitcoin como moeda oficial do país juntamente ao dólar, atribuindo o protocolo da Lightning Network como de uso oficial do governo.
Passaremos agora a análise do conceito de moeda no plano econômico, definindo e analisando seus aspectos essenciais. Antes de iniciarmos, devemos retomar a discursão no capítulo dois, que versa sobre as fases das moedas e sua formação. Dessa forma, Costa (2020, p.74), entende que a moeda teve cinco fases, sendo elas: a moeda mercadoria (primeira fase da moeda onde se buscava em regra comodities como meio de troca), os metais cunhados (na segunda fase passou a utilizar metais preciosos que detinham certa raridade), o papel-moeda lastreado (nessa terceira fase os Estados passaram a emitir papel e armazenar o ouro, mantendo na moeda um lastro), a moeda fiduciária ( na quarta fase após a o fim do acordo de Brenton Woods todas as moedas perderam lastro no ouro e passaram a ser baseadas puramente na confiança dos agentes econômicos), e a moeda bancaria (a quinta e última fase refere-se ao poder dos bancos de criar moeda). Posteriormente, tivemos o desenvolvimento da moeda eletrônica retirando de circulação grande parte papel-moeda, haja visto o desenvolvimento de cartões de débito e cheques (Costa, 2020, p.75).
Dessa forma, é necessário verificar o ponto atinente a formação da moeda, conforme pudemos depreender do capítulo dois da presente monografia, existem duas correntes da forma da criação da moeda: uma delas afirma a moeda é criação social, nascendo das mãos do povo para facilitar os meios de troca, como já mencionado essa tese é defendida por Friedrich Hayek (2011, p.36) e por Carl Menger (1892, p. 39), por outro lado, há uma corrente doutrinaria que entende que a moeda é um instrumento de criação do próprio Estado, dentre os defensores dessa tese está Knapp (Apud Aggio, 2009) e Costa (2020).
O conceito moeda varia pouco entre os autores, para Mises dinheiro é essencialmente um meio de troca, que serve para facilitar o comércio entre as pessoas, considerando dinheiro como meio de troca universal (Mises, 2010, p.7-9). Por outro lado, numa concepção mais moderna, Barata (2005, p. 03), define moeda como: “todo o activo que constitua forma imediata de solver débitos, com aceitabilidade geral e disponibilidade imediata, cuja posse confere ao seu titular um direito de saque sobre o produto social.”, ou seja, para o referido autor moeda é tudo aqui que dá poder ao individuo de consumir algo produzido pela sociedade.
Isto posto, Barata (2005, p.28) divide os aspectos atinentes as funções da moeda que são três: meio de troca, ou seja, um moeda deve servir como meio intermediário de permuta de bens e mercadores, visando ser um meio indireto de troca e facilitador do comércio; unidade de conta, característica imposta pelos Estados nacionais que obrigam os preços das mercadorias sejam expressos no valores daquela unidade monetária, dentro do território, com o intuito de facilitar a localização e dar uma maior agilidade no comércio; reserva de valor, quer dizer que uma moeda precisa ser útil no futuro não se deteriorando e mantendo poder compra mesmo com decurso do tempo. Além dos requisitos clássicos demonstrados por Barata (2005), Costa (2020, p.78) indica mais três sendo eles: poder liberatório que é poder do cidadão pagar suas dívidas; padrão de pagamentos diferido que é quando o cidadão promete pagamento futuro; instrumento de poder econômico, significa que o poder de escolher o que adquirir está nas mãos do possuidor do dinheiro.
Desse modo, no sentido econômico a Bitcoin poderia ser definida como moeda, visto que tem as funções necessárias. Destarte, ela pode ser usada como meio de troca universal, sendo dotada de aceitabilidade geral, se encaixando assim nos conceitos apresentados por Mises (2010) e Barata (2005). Também se encaixa nos conceitos de: meio de troca, visto que pode servir como instrumento de troca indireta; reserva de valor, visto que mantem valor com decurso do tempo, já que te limite de criação de unidades; poder liberatório e instrumento econômico, poderia ter esses dois atributos caso fosse socialmente aceita pela maioria das pessoas; instrumento de poder econômico, poderia ser base para pagamento de contratos com vencimento no futuro.
As moedas precisam de determinadas características para funcionarem bem na sociedade. A primeira característica é a escassez, ou seja, não pode haver moeda infinita circulando por uma economia, sob pena de problemas sociais graves como a hiperinflação; a segunda são as indestrutibilidade e inalterabilidade, permitem que a moeda não seja destruída mesmo após passar por milhares de mãos e que seja difícil de falsificar ou de alterar; a terceira é a divisibilidade, ou seja, uma moeda tem que ser divisível para que a sua circulação seja feita com mais facilidade pela economia; a quarta característica diz que uma moeda tem que ser transferível e fácil de manusear, diz respeito ao quão fácil é a tradição daquela moeda para outro pessoa e a dificuldade de leva-la para os lugares, ou seja, uma moeda tem que ser fácil de transportar e de se transferir para outra pessoa (Fontenele, 2017, p. 30-35).
A Bitcoin também teria as características necessárias para ser entendida como moeda. Nesse sentido, a Bitcoin é: escassa, visto que o número de unidades criadas é limitado por aspectos de software; é indestrutível e inalterável, já que a rede Bitcoin tende a perpetuidade, sendo imutável, não estando sujeita a quedas; é divisível, conforme vimos a Bitcoin pode ser dívida até o limite de cem milhões de vezes; é transferível, visto que pode ser transferida para qualquer usuário em qualquer horário e de fácil transporte, pois pode ser transferida com uso do celular.
Ainda dentro do conceito de moedas é importante definir o que é uma moeda escritural. Esse tipo de moeda é criado a partir das reservas fracionarias dos bancos, ou seja, quando um banco recebe um deposito ele não deixa esses valores ociosos, emprestando esse dinheiro para terceiros (Mankiw, 2014, p. 310-315). Ocorre que, ao emprestar esse dinheiro o banco criou moeda, visto que o depositante ainda tem o seu dinheiro guardado e o tomador do empréstimo pode pegar o dinheiro para adquirir outros bens e serviços, aumentado a base monetária (Mankiw, 2014, p. 310-315). Apesar dessa moeda ser criada pelos bancos, ela não interfere na autonomia estatal sobre sua moeda, haja visto que quem controla o quanto é que cada banco deve manter em reserva é o próprio Estado.
Nos parágrafos anteriores analisamos as características da Bitcoin e entendemos seu funcionamento, posteriormente passamos para análise do conceito de moeda, verificando suas características. Com isso, passaremos agora para a definição do que é ativo financeiro e suas espécies. Ativos financeiros é o gênero de duas espécies; ativos de renda variável e ativos de renda fixa. Os ativos de renda variável se dividem em: ações, derivativos, criptomoedas, ETFs, por outro lado, os ativos de renda fixa são: LCI, LCA, CDB e títulos pré-fixados.
Nesse sentido, títulos de renda fixa, são uma promessa de pagamento de um empréstimo que a entidade emissora do título faz ao comprador do título (Meira e Costal, 2019, p. 65-67). Esses empréstimos podem ser feitos com taxas indexadas no futuro, denominados pós-fixados, ou, podem ser pré-fixados no momento da emissão dos títulos, esses títulos podem ser emitidos por instituições privadas ou pelo próprio governo (Meira e Costal, 2019, p. 65-67). As intuições bancárias captam esses recursos por meio dos: depósitos a prazo (CDB), letras financeiras, letras de crédito imobiliário (LCI), letras de crédito agrícola (LCA), todos negociados por meio da bolsa de valores (Meira e Costal, 2019, p. 65-67).
Nesse sentido, a Bitcoin não tem qualquer característica de títulos de renda fixa, visto que não é emitida por nenhuma instituição, não constitui promessa de pagamento a longo prazo ao detentor do título e seu valor não é indexado a nenhum índice da economia.
Por outro lado, os títulos de renda variável tendem a ter variações maiores em seus preços não havendo garantia de rentabilidade prevista em contrato, inclusive podendo ocasionar prejuízos ao investidor (Meira e Costal, 2019, p. 67-69). Dentro os títulos de renda variável encontram-se: as ações, as commodities, derivativos, ETFs[25] e outros. As ações são títulos que representam uma fração da propriedade de uma sociedade anônima, como essas ações são comerciadas na bolsa de valores elas dão liquidez ao patrimônio dos proprietários dessas empresas (Meira e Costal, 2019, p. 67-69). Essas ações podem pagar dividendos que são parte dos lucros auferidos por essas empresas no ramo de atividade econômica que ela atua. Por sua vez, os derivativos são uma espécie de ativo de mercado futuro, nesse mercado há contratos que dizem o valor de determinado objeto no futuro, contudo é importante salientar que esse contrato deve ter um ativo financeiro ou ativo real que dê lastro ao investimento (Meira e Costal, 2019, p. 70).
Dessa forma, a Bitcoin tem maior semelhança com ativos de renda variável, pois seu preço flutua de acordo com a vontade dos agentes de mercado. Entretanto a Bitcoin não tem características de: ações, visto que não é parte de uma sociedade anônima e nem distribui dividendos; ETFs, pois não tem característica de cesta de ativos negociadas na bolsa; derivativos que são contratos comercializados no futuro, por sua vez, a Bitcoin pode ser comercializada no mercado à vista ou futuro.
Dentro da classe de ativos ainda existe a commodity. Se extrai do dicionário que commodity é um substantivo feminino, oriundo do inglês, designado para nomear alguns produtos da economia (Dicio, 2022). Desse modo, commodities são produtos comercializados em estado primário ou pouco industrializados, que são oriundos da natureza, negociados e produzidos em larga escala, podendo ser minerais (são produzidas por meio da extração de minério da terra), financeiro (são aquelas que tem origem em ativos financeiros como as moedas), agrícola (são os produtos ligados a agropecuária) e/ou ambientais (são os produtos ligados a natureza como a água e a madeira) (Branco, 2008, p. 12). Entre as commodities mais famosas no mundo, temos: ouro, prata, cobre, café, milho, petróleo, Dólar, Euro e a energia elétrica (Branco, 2008, p. 12). Podemos dividir também em commodity manufaturada e semimanufaturada que são as que derivam de produtos naturais (Azevedo, 2004, p. 10).
As commodities tiveram papel decisivo na história, conforme verificamos no capítulo dois, servindo como moeda propriamente dita ou como lastro do papel-moeda. Durante a revolução industrial houve a necessidade cada vez maior da compra de algodão que era necessário para a fabricação de roupas nas indústrias que surgiram na Grã-Bretanha (Azevedo, 2004, p. 16-18). Contudo, os Estados Unidos Da América principal vendedor de algodão para os ingleses, tinham muitas dificuldades de plantio e de envio desse algodão, o que fazia com que o fluxo de matéria prima ficasse intermitente (Azevedo, 2004, p. 16-18). Depois de um tempo os importadores de algodão começaram a estabelecer valores no preço do algodão antes que ele chegasse a Grã-Bretanha, comercializando assim produtos que ainda não detinham e criando os contratos futuros (Azevedo, 2004, p. 16-18).
As commodities podem ser comercializadas no mercado à vista ou por meio de contratos futuros pela bolsa de valores (Branco, 2008, p. 13-15). No mercado a vista o comprador e o vendedor negociam um preço no momento da compra, contudo, no mercado futuro há uma negociação no presente para um produto que só será entregue no futuro, ou seja, um vendedor negocia com um comprador a quantidade que será entregue num prazo determinado por um valor determinado (Azevedo, 2004, p. 09-13). Em caso de no fim do contrato a commodity negociada estiver com o valor menor que o acertado a época o comprador tomará prejuízo, contudo caso o valor seja maior que o negociado o vendedor tomará prejuízo (Azevedo, 2004, p. 09-13). Esse mercado existe para a proteção dos agentes econômicos em relação a variação do preço da matéria prima, contudo existem também especuladores que atuam na bolsa de valores com intuito de obter lucro ao apontar a direção do preço daquele ativo (Branco, 2008, p. 13-15). Há ainda a possibilidade desses contratos comercializados na bolsa serem finalizados antes do seu vencimento, o que ocorre quando a pessoa física ou jurídica decide se desfazer daquele título o transferindo para outro agente econômico interessado (Azevedo, 2004, p. 09-13).
Há, ainda, um novo conceito de commodity que é a “digital commodity”, ou, “commodity digital” que seriam ativos financeiros comercializáveis, eletrônicos, escassos, intangíveis e com algum valor de mercado (Arzov, 2018, p. 3-4, tradução nossa). Essa é uma reinvenção do conceito commodity, haja visto que elas nasceram no mundo físico, contudo a Bitcoin tem características de commodity apesar de ser digital. Caso se optasse por considerar a Bitcoin uma commodity, ela estaria subordinada a comissão de valores mobiliários que é o órgão responsável por regular esse tipo de ativo.
Uma commodity atualmente muito famosa é o ouro, foi por muito tempo uma moeda global utilizada várias nações em períodos históricos distintos, contudo após as moedas se transformarem em fiduciárias ele passou a ser visto como uma commodity (Wanderley, 2015, p. 20-38). Atualmente, o ouro é uma commodity amplamente utilizada pelas pessoas e pelo mercado financeiro como ativo de proteção e uma reserva de valor contra a inflação das moedas estatais (Wanderley, 2015, p. 43). Por ser um ativo com quantidade de criação limitada e não sujeita ingerências governamentais a Bitcoin é vista como um ouro 2.0, já que tende a manter mais valor com o decurso do tempo do que as moedas governamentais (Fontenele, 2017, p. 32-34).
4. Natureza jurídica da Bitcoin
Nesse tópico buscaremos analisar a Natureza jurídica da Bitcoin, verificando se ela pode ser enquadrada: no conceito jurídico de moeda, na categoria de bens do código civil, se pode ser regulada pela comissão de valores mobiliários como valor mobiliário, e qual é a sua natureza jurídica para o projeto de lei 4.401/21.
4.1Bitcoin como moeda
Conforme verificamos em capítulo anterior, há muita discussão de como a moeda foi criada, alguns defendem que ela é uma criação estatal, contudo outros afirmam que ela foi criada de forma orgânica pela sociedade. Certo é que as moedas soberanas começaram a ganhar impulso após o teórico alemão, Knapp (1905), que em seu livro The State Theory of Money, criar a teoria de que a moeda nasce da lei, afirmando que os Estados nacionais deveriam ter suas próprias moedas como instrumento de representação da sua soberania (Apud Aggio, 2009) isso influenciou vários países do mundo a adotaram ao longo do século XX moedas nacionais, conferindo a elas características como unidade conta e o curso forçado.
Nesse sentido, a primeira legislação do Brasil República sobre o tema foi o decreto 5.108 de 18 de dezembro de 1926, que estabeleceu em seu artigo 1º:
Fica adoptado para o Brasil, como padrão monetario, o ouro, pesado em grammas, cuhado em moedas, ao titulo de 900 millesimos de metal fino e 100 millesimos de liga adequada.
§ 1º A moeda será denominada cruzeiro e será dividida em centesimos.
§ 2º Para a moeda divisionaria ficam adoptadas a prata, nickel e cobre, na proporção respectiva.
Art. 2º Todo o papel-moeda, actualmente em circulação, na importancia de 2.569.304:350$500, será convertido em ouro, na base de 0,gr. 200 (duzentos milligrammas) por mil réis.
Esse decreto estabeleceu que a moeda deveria ser cunhada com partes de ouro, sendo considerada, portanto, uma moeda-mercadoria, tendo em vista que o valor da moeda era intrínseco nela própria. Esse decreto durou até Vargas tomar o poder e imprimir novas medidas no sistema financeiro nacional.
O decreto nº 23.501[26] de 27 de novembro de 1933 tornou proibida as obrigações exigíveis em moeda estrangeira ou em ouro no Brasil, transformando a moeda-mercadoria em papel-moeda de valor fiduciário e de curso forçado, lhe conferindo também poder libertário.
Posteriormente, já na ditadura militar, veio o decreto-lei nº 857, promulgado em 11 de setembro de 1969, que regula o curso forçado até o presente momento, trazendo em seu artigo primeiro que:
São nulos de pleno direito os contratos, títulos e quaisquer documentos, bem como as obrigações que exeqüíveis no Brasil, estipulem pagamento em ouro, em moeda estrangeira, ou, por alguma forma, restrinjam ou recusem, nos seus efeitos, o curso legal do cruzeiro.
Ou seja, essa lei obriga que contratos exigíveis no Brasil sejam cumpridos em moeda nacional. O artigo 2º da referida lei traz algumas exceções, sendo elas: contratos e títulos referentes a importação ou exportação de mercadorias; contratos de financiamento ou de prestação de garantias relativos às operações de exportação de bens e serviços vendidos a crédito para o exterior; contratos de compra e venda de câmbio em geral; empréstimos e outras obrigações cujo credor ou devedor seja pessoa residente e domiciliada no exterior.
Dessarte, o Brasil adota até os dias de hoje o conceito da moeda fiduciária de curso forçado, ou seja, ela é fiduciária pois não é lastreada em metais e de curso forçado pois o Estado impõe que as transações ocorridas aqui sejam feitas na moeda soberana.
Desse modo, além das disposições legais estudadas, a Constituição Federal em seu artigo 21, inciso IV, dá a união monopólio da emissão de moeda, e em seu artigo 164 distribui ao Banco Central do Brasil a função privativa de emissão da moeda, com isso extrai-se que o Brasil adota a teoria de que a moeda é uma criação do Estado como fruto de sua soberania.
Nesse mesmo sentido, temos as leis instituidoras do plano real, notadamente a URV criada pela lei 8.880/94 e o Real criado por meio da lei 9.069/95, que instituíram a nova moeda na sociedade por força de lei, ou seja, obrigando seu uso em todo território nacional e lhe conferindo o poder libertário.
Dessa forma, a Constituição Federal dá ao Banco Central o controle da: emissão de moeda[27], consoante exposto no artigo 10, inciso I, da lei 4.595/64; taxa Selic[28], conforme circular 2.698/96; e dos agregados monetários [29], artigo 10, inciso II, da lei 4.595/64. Esse controle dá autonomia para que o banco central alcance seus objetivos: de pleno emprego, estabilidade econômica, financeira e controle da inflação, conforme lei complementar nº 179/21.
É valido constatar ainda que apesar da moeda nascer da soberania dos países, sendo fruto da ingerência estatal no domínio econômico, a criação de moeda escrituraria pelos bancos privados por meio de reserva fracionadas não configura qualquer delegação do poder Estatal aos bancos, haja visto que os limites dessas reservas, bem como as regras de gestão de risco são impostos pelo Banco Central do Brasil através de métricas dos indicadores de LCR (liquidez de Curto prazo) [30] devendo os bancos privados manterem o indicador sempre acima do mínimo exigido pelo Bacen, conforme se extrai da resolução nº 4.401/15.
O Banco Central também é parte do CMN (Conselho monetário nacional), entidade que rege o sistema financeiro e monetário Brasileiro, que é composta pelo: presidente do Banco Central, o ministro da economia e o secretário especial de fazenda, consoante se extrai das leis 8.880/94 e 9.069/95.
Isto posto, diferentemente da Bitcoin, o controle sobre a expansão da base monteira está na mão dos agentes do Banco Central e do Conselho Monetário Nacional. E por isso, as moedas soberanas têm características inflacionarias, haja visto que os bancos centrais controlam o fluxo crescente de moeda circulante na economia (Mankiw, 2014, p. 333-363). Quanto maior a taxa injeção de novas moedas na sociedade, maior tende a ser os valores das coisas, pois se mais pessoas tem maior poder de compra e a produção daquele bem ou serviço se mantem estável há um aumento dos preços, ou seja, se a demanda aumenta e a oferta continua a mesma há um efeito de inflação de preços na economia (Mankiw, 2014, p. 333-363).
Do mesmo modo, a Bitcoin não pode ser considera moeda, pois para o ordenamento jurídico brasileiro moeda é uma criação tipicamente estatal. Isso se torna obvio ao analisar a Constituição Federal que delegou o poder de emissão de moeda ao banco central do Brasil e o monopólio dessa emissão para a união Federal. Nesta senda, apesar da Bitcoin se encaixar na maioria das funções e das características do dinheiro, anteriormente estudadas, juridicamente ela não pode ser considera moeda, pois para o Brasil moeda é somente criada pelo Estado.
4.2 Bitcoin como valor mobiliário regulado pela CVM
Outra importante entidade dentro do Conselho monetário nacional, além do Banco Central do Brasil é a comissão de valores mobiliários. Ela é uma autarquia, de direito público, criada em regime especial por meio da lei 6.385/76. Suas atribuições são definidas pelo artigo 8º, que consistem basicamente em: regulamentar as matérias previstas na lei 6.385/76 e administrar seus registros; fiscalizar as atividades do mercado de valores mobiliário, bem como as pessoas pessoa que dele participam e o valores negociados; recomendar ao Conselho monetário nacional a eventual fixação de limites máximos de preço de comissões, emolumentos e outras vantagens cobradas por parte dos agentes; e fiscalizar as companhias de capital social aberto em bolsa de valores.
A comissão de valores mobiliários é o órgão que tem a competência para regular e fiscalizar os valores mobiliários comercializados nas bolsas de valores brasileiras. Desse modo, o artigo 2º, da lei 6.385/76, dispõe o que seriam legalmente considerados valores mobiliários: as ações, debêntures e bônus de subscrição; os cupons, direitos, recibos de subscrição e certificados de desdobramento relativos aos valores mobiliários; os certificados de depósito de valores mobiliários; as cédulas de debêntures; as cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou de clubes de investimento em quaisquer ativos; as notas comerciais; os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores mobiliários; outros contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes; quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.
A principal atribuição da CVM é regular e fiscalizar os ativos comercializados nas bolsas de valores. Desse modo, a bolsa de valores de valores é o local onde são realizadas transações de compra e venda de produtos agrícolas, matérias primas e/ou valores mobiliários (Gomes, 1997, p. 189). Existem no mundo basicamente dois tipos de bolsa, a de mercadorias que serve para o comércio de produtos em geral e a bolsa de valores ou financeira que é onde há comércio dos valores mobiliários (Gomes, 1997, p. 189).
Nesse sentido, fica perceptível que a Bitcoin não é compatível com nenhum dos ativos regulados pela comissão de valores mobiliários, visto que não tem características de ações, deludires, derivativos e nem é comercializada por meio da bolsa de valores.
Por outro lado, apesar da Bitcoin não ser regulada pela comissão de valores mobiliários por não ser ativo mobiliário, os ETFs de ativos virtuais são controlados pela CVM e negociados em bolsa. Nesse sentido, no ano 2021 a comissão de valores mobiliários liberou o funcionamento do primeiro ETF de criptomoedas no Brasil, sob o domínio da gestora HashDex, esse ETF busca replicar as variações da Nasdaq Crypto Index – NCI que é um índice da bolsa Norte Americana que monitora as varrições de uma cesta de criptomoedas (Bitcoin, Ether, litecoin...) (Hashdex, 2021). Esses fatos demonstram o amadurecimento institucional que a Bitcoin e os demais criptoativos estão alcançados com o decorrer do tempo e a sua popularização como reservas de valores ou até como ativos de especulação financeira.
Por fim, a Bitcoin não pode ser regulada pela comissão de valores mobiliários por não se tratar de ativo mobiliário, contudo os ETFs de ativos virtuais devem ser sim matéria de regulamentação da CVM, pois constam no rol do artigo 2º da lei 6.385/76.
4.3 Bitcoin como bens
Nos tópicos anteriores comparamos a Bitcoin com: moeda e com ativos mobiliários. Agora passaremos a análise da Bitcoin sobre o prisma da categoria de bens. Nesse sentido, é fundamental a análise das categorias bens, trazidas pelo código civil e pela doutrina.
Tartuce (2018, p. 450-451) traz a diferenciação entre coisa e bem, para ele coisa é tudo aquilo que não é humano e bem é tudo aquilo que tem algum valor seja ele econômico ou jurídico. Nessa concepção de Tartuce, a Bitcoin seria considerada um bem, pois tem valor econômico conferido pelos agentes de mercado. Na mesma concepção, o patrimônio jurídico pode ser entendido como representação econômica de tudo que uma pessoa detém, sejam elas relações de crédito ou de débito (Gagliano e Filho, 2019, p. 383-385).
Dessarte, a Bitcoin se encaixaria perfeitamente no conceito de bem e na categoria de patrimônio, pois tem valor econômico e representação econômica conferida pela confiança que os agentes de mercado detêm no valor da Bitcoin e por isso poderia ser passível de execução e de sucessão.
Os bens podem ser divididos em diversas classificações, sendo elas: quanto a sua tangibilidade, quanto a sua mobilidade, quanto a sua fungibilidade, quanto a sua consuntibilidade, quanto a sua divisibilidade, quanto a sua individualidade e quanto à dependência em relação a outro bem.
A classificação quanto a tangibilidade não consta no código civil, contudo é mencionada pela doutrina e se divide em dois blocos os bens corpóreos/matérias e os incorpóreos/imateriais. Os bens corpóreos são aqueles que existem no mundo fático e que são vistos e tocados, por sua vez, os incorpóreos são aqueles que vivem na imaginação do ser humano e existem por conta de uma raiz econômica ou jurídica, não podem ser tocados e nem visto pelo ser humano, existem apenas no plano da imaginação (Tartuce, 2018, p. 454). Os bens imateriais não são suscetíveis a contratos de compra e venda, visto que não há como ser realizada a entrega da coisa, somente sendo possível a sua transferência por cessão (Gagliano e Filho, 2019, p. 388). Nesse sentido, a Bitcoin tem valor econômico podendo se encaixar no conceito de bem incorpóreo/imaterial, haja vista que não existe representação física da Bitcoin, apenas digital e seu valor é atribuído pela confiança depositada pelos agentes de mercado de valorização futura do ativo virtual.
Por sua vez, a classificação quanto a mobilidade divide os bens em móveis e imóveis, estando previstos nos artigos 79 a 84 do Código Civil. Os bens imóveis são aqueles que não conseguem ser transportados sem que haja sua deterioração e podem ser divididos em: bens imóveis por essência que são aqueles bens que nascem naturalmente naquele lugar e não são transportáveis naturalmente, por conseguinte, bens imóveis por acessão física industrial são aqueles que são feitos de forma artificial pelo homem, não podendo mais ser removidos dos lugares sem que haja a sua deterioração, ainda há os bens imóveis por acessão física intelectual são os que não são originariamente imóveis, mas participam de algum imóvel de maneira permanente (Tartuce, 2018, p. 455-456). Os bens móveis são aqueles que podem ser transferidos de local por qualquer pessoa sem que haja sua destruição, se divide em: bens móveis por natureza que são aqueles bens móveis que podem ser transportados por força exercida sobre ele, já os bens móveis por antecipação são os bens que eram imóveis e que por algum motivo foram mobilizados; Bens móveis por determinação legal são os bens que a lei determina que são móveis, estando presente em rol taxativo no artigo 83, incisos I,II e III, sendo, energia, ações e propriedade sobre imóvel (Tartuce, 2018, p. 456-457). Nesse sentido, a Bitcoin pode ser classificada como bem móvel, pois pode ser transportada com facilidade, mas somente no tocante ao bem móvel por natureza, haja visto que não ser considerada bem móveis por antecipação, pois não existiu no mundo físico e nem bem móvel por determinação legal, pois ainda não há lei que instituiu a Bitcoin no ordenamento jurídico brasileiro.
Outra classificação de bens são os fungíveis e infungíveis, que se encontram previstos no artigo 85 do código civil. Os bens fungíveis são aqueles que podem ser substituídos por outro da mesma espécie, qualidade e quantidade, de forma a não importar qual é exatamente aquele bem, são bens fungíveis: o dinheiro, bens de consumo, carvão, soja e outros. Por outro lado, os bens infungíveis são aqueles que não podem ser substituídos por outro de mesma espécie, de modo que não há outro igual (Gagliano e Filho, 2019, p. 394-395).
Teixeira e Deotoni (2020, p.150), entendem que como a rede da Bitcoin tem características únicas, sendo elas: inalterabilidade, número máximo de unidades que podem ser criadas e registro do percurso de todas os ativos virtuais na Blockchain ela poderia ser considerada infungível, pois isso lhe traz características únicas. Contudo, há de se considerar que, para fins práticos não importa qual unidade da Bitcoin você recebeu, uma unidade de Bitcoin sempre será igual, independentemente da sua data de criação. A pessoa que detém Bitcoin em sua posse dificilmente se importará com a unidade em específico, mas sim com a criptomoeda que detém (espécie), a quantidade que detém e a qualidade do bem que é auferida por meio da blockchain.
O artigo 86 do código civil versa sobre a classificação de bens consumíveis e inconsumíveis que doutrinariamente são divididos em consuntibilidade física e jurídica (Tartuce, 2018, p. 460). Os consumíveis fisicamente são aqueles que acabam após o primeiro uso, e os inconsumíveis aqueles que demoram anos para serem consumidos completamente (Tartuce, 2018, p. 460). Os consumíveis juridicamente são os bens alienáveis e os inconsumíveis são os bens inalienáveis (Tartuce, 2018, p. 460). Nesse sentido, a Bitcoin seria um bem alienável juridicamente, visto que permite a transmissão de propriedade para outra pessoa e é inconsumível fisicamente, pois não tem o condão de se desgastar com o tempo ou com o uso.
O artigo 87 e 88 do código civil tratam sobre a divisibilidade do bem. Desse modo, o artigo 87 aduz que bens divisíveis são: “{...} os que se podem fracionar sem alteração na sua substância, diminuição considerável de valor, ou prejuízo do uso a que se destinam.”, ou seja, são divisíveis os bens que podem ser repartidos em porções iguais ou distintas, sem alterar sua destinação. Por sua vez, os indivisíveis são os que não podem ser fracionados sem alterar a destinação, se dividem em: indivisíveis por determinação legal que são situações que a lei proíbe a divisão, como no caso, da hipoteca, da servidão e da herança até a partilha; indivisíveis por convenção é quando proprietários concordam em não dividir aquele bem naquele momento, indivisíveis por sua própria natureza quando o bem não pode dividir sem que perca seu valor (Gagliano e Filho, 2019, p. 398). Apesar da Bitcoin ser naturalmente divisível e manter a sua destinação em caso de divisão, ela não pode se enquadrar na categoria de bem divisível, visto que não pode ser dividida sem a perda substancial do seu valor, todas as vezes que se divide uma unidade de Bitcoin por dois, seu valor cai pela metade.
A classificação dos bens quanto à individualidade se reparte em: individuais e universais, estando presentes nos artigos 89 até 91 do código civil. Os bens individuais são aqueles representados por uma unidade autônoma, podem ser simples ou compostos, os simples têm origem natural, enquanto os compostos têm natureza artificial e são montadas através do engenho humano (Gagliano e Filho, 2019, p. 399). Os bens universais são compostos de várias pequenas coisas que formam um conjunto de algo maior, como uma biblioteca por exemplo e podem ser divididos em universais de fato e de direito (Gagliano e Filho, 2019, p. 399). Os universais de fato, estão presentes no artigo 90, do código civil, que afirma: “Constitui universalidade de fato a pluralidade de bens singulares que, pertinentes à mesma pessoa, tenham destinação unitária”. Por sua vez, os universais de direito, está presente no artigo 91, do código civil, que aduz: “Constitui universalidade de direito o complexo de relações jurídicas, de uma pessoa, dotadas de valor econômico”.
Como a universalidade de direito é entendida como o complexo de relações jurídicas, de uma pessoa, dotada de valor econômico, a Bitcoin poderia sim ser parte dessa universalidade, pois ela tem valor econômico. De outra forma, a Bitcoin não pode ser considera como universalidade de fato, pois pela definição de Tartuce (2018, p. 460) os bens que compõe a universalidade de fato devem corpóreos, característica não aplicável à Bitcoin que só existe no mundo virtual.
Temos a classificação de bens quanto a sua dependência em relação a outro bem, existem os bens principais que existem sobre si, ou seja, funcionam sem a necessidade de nenhum outro bem e podem ser abstratos ou concretos (Tartuce, 2018, p. 465). Os bens acessórios são os que necessitam de um bem principal para existir, a regra é que quem é proprietário do bem principal também é do bem acessório (Tartuce, 2018, p. 465).
Os bens acessórios são divididos em: frutos, produtos, pertenças, partes integrantes e benfeitorias. Os frutos são bens acessórios que tem nascem junto ao bem principal, se dividem em: frutos naturais são que os nascem decorrentes do ativo principal de origem natural; frutos industriais são decorrentes da atividade humana na produção de algo; frutos civis são os que nascem de relações jurídicas ou econômica gerando rendimentos ao seu proprietário (Gagliano e Filho, 2019, p. 400). Os produtos são bens acessórios que deixam de integrar a coisa principal e por isso tiram quantidade do ativo do bem principal (Gagliano e Filho, 2019, p. 402). As partes integrantes são os bens que são partes integrantes de algo maior, ao qual o objeto sozinho tem identidade, mas precisa dos demais objetos para se formar o todo (Tartuce, 2018, p. 471). As benfeitorias são bens acessórios incluídos ao bem principal visando seu aprimoramento, conservação ou reforma, podem ser necessárias (evitam a deterioração do bem principal), uteis (tornam o bem mais útil) ou voluptuárias (são as que torna o bem principal mais luxuoso, mas não necessariamente o tornam mais útil (Tartuce, 2018, p. 472). As pertenças são bens que são feitos para servir ao bem principal (Tartuce, 2018, p. 468).
4.4 Projeto de lei 4.401/21
Com a popularidade que os ativos virtuais tomaram nos últimos anos, surgiu interesse dos Estados Nacionais de regulá-los, através de leis, a fim de que se definisse o que seriam os ativos virtuais para o ordenamento jurídico.
No ano de 2015, foi protocolado no congresso nacional o primeiro projeto de lei que visava dispor sobre o tema. O projeto de lei nº 2.303/15 visava alterar o artigo 9º, inciso I, da lei 12.865/13, para que se incluísse as moedas virtuais e os programas de ponto de fidelidade como parte regulamentada pelo banco central do Brasil, e alterava o artigo 11, da 9.613/98 que permitia a comunicação de atividades suspeitas desses ativos para órgãos de controle. Na justificativa dada pelo deputado Aureo há apresentação de que ele já entendia que a Bitcoin já poderia ser regulado e fiscalizado pelo banco central do Brasil e pelo conselho monetário nacional, contudo fez o projeto de lei com a finalidade de deixar o ordenamento jurídico mais claro.
Nos anos seguintes o projeto tramitou por diversas comissões dentro do congresso nacional, ao qual em 2021 foi convertida no projeto de lei de nº 4.401, ao sendo aprovado pela câmara dos deputados ainda em 2021. Após passar por mais algumas alterações no senado, foi devolvido a câmara que aprovou as alterações postas pelo senado federal e enviada o projeto a sanção presidencial no dia 01 de dezembro de 2022.
O preambulo do projeto de lei traz a indicação do que a lei regulamentará em seu período de vigência. Desse modo, se extrai do presente preambulo que a lei irá regular a: “{...} prestação de serviços de ativos virtuais e na regulamentação das prestadoras de serviços de ativos virtuais {...}”, além da regulação das relações nesse campo, também é criado tipos penais e combate a crimes como a lavagem de dinheiro, conforme se extrai:
{...}altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para prever o crime de fraude com a utilização de ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros; e altera a Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986, que define crimes contra o sistema financeiro nacional, e a Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, que dispõe sobre lavagem de dinheiro, para incluir as prestadoras de serviços de ativos virtuais no rol de suas disposições.
Apesar da inegável importância da criação de novos tipos penais visando coibir fraudes cada vez mais comuns com criptomoedas, a parte legal referente a ser analisada na presente monografia será a referente a parte cível, notadamente ao que for relacionado com a natureza desses ativos.
Desse modo, o artigo 1º do referido projeto de lei define as diretrizes a serem adotadas e observadas, in verbis: {...} dispõe sobre diretrizes a serem observadas na prestação de serviços de ativos virtuais e na regulamentação das prestadoras de serviços de ativos virtuais.
Parágrafo único. O disposto nesta Lei não se aplica aos ativos representativos de valores mobiliários sujeitos ao regime da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, e não altera nenhuma competência da Comissão de Valores Mobiliários.
É notável ao observar o parágrafo único do artigo primeiro da lei que ele determina que as disposições legais não serão aplicadas a valores mobiliários e nem alterarão a competência da Comissão de valores mobiliários. Isto posto, nota-se que o legislador optou por não enquadrar a Bitcoin e demais criptoativos como ativos mobiliários que, conforme explica em capítulo anterior, são regulados pela comissão de valores mobiliários. Essa opção legislativa vai de encontro ao entendimento da do presidente da comissão de valores mobiliários Norte-Americana e o entendimento da Commodity Futures Trading Commission, comissão responsável pelo controle e fiscalização das commodities em mercados futuros.
Por sua vez, o artigo 2º define que as prestadoras de serviço de comercialização de ativos virtuais devem passar por autorização de órgão ou entidade da administração pública federal.
Art. 2º As prestadoras de serviços de ativos virtuais somente poderão funcionar no País mediante prévia autorização de órgão ou entidade da Administração Pública federal.
Parágrafo único. Ato do órgão ou da entidade da Administração Pública federal a que se refere o caput estabelecerá as hipóteses e os parâmetros em que a autorização de que trata o caput deste artigo poderá ser concedida mediante procedimento simplificado.
Apesar de definir que para o funcionamento das Exchanges será necessitário obter licença previa, o projeto de lei não define qual seria a entidade do governo federal responsável por conceder essa licença. Por isso, ficará a cargo do poder executivo definir quem terá essa competência por meio de decreto.
O artigo 3º, caput, trata sobre a definição de ativo virtual.
Art. 3º Para os efeitos desta Lei, considera-se ativo virtual a representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósito de investimento, não incluídos:
A lei traz uma definição pouca ampla do que seriam ativos virtuais, fazendo mais uma discriminação negativa do que positiva. O legislador fez uma opção por aplicar um conceito mais restrito até do que o do apontado pela receita federal na instrução normativa 1888/19, se restringindo a dizer apenas que a ativos virtuais são uma representação digital que pode ser negociada ou transferida pela internet e utilizada para realizar pagamentos ou como investimento.
Os incisos do referido artigo fazem uma enumeração do que não seriam regulados pela lei, conforme se extrai:
I – moeda nacional e moedas estrangeiras;
II – moeda eletrônica, nos termos da Lei nº 12.865, de 9 de outubro de 2013;
III - instrumentos que provejam ao seu titular acesso a produtos ou serviços especificados ou a benefício proveniente desses produtos ou serviços, a exemplo de pontos e recompensas de programas de fidelidade; e
IV - representações de ativos cuja emissão, escrituração, negociação ou liquidação esteja prevista em lei ou regulamento, a exemplo de valores mobiliários e de ativos financeiros.
Parágrafo único. Competirá a órgão ou entidade da Administração Pública federal definido em ato do Poder Executivo estabelecer quais serão os ativos financeiros regulados, para fins desta Lei.
Um problema de ordem lógica a ser enfrentado pela doutrina e jurisprudência nos próximos anos é o fato de que no inciso 1º diz que não se considera ativos virtuais as moedas estrangeiras. Contudo, o legislador se esqueceu de que a Bitcoin já é moeda oficial de alguns países, como o caso mais notável de El Salvador, que através da lei Bitcoin instituiu a criptomoeda como moeda de curso forçado. Desse modo, haverá questionamentos se empresas habilitadas para operar câmbio, regidas pela lei, também poderão comercializar Bitcoin, haja visto que o artigo 14 do referido diploma afirma que o ingresso no país e a saída do país de moeda estrangeira deve ser dar exclusivamente por meio de instituição autorizada a operar no mercado de câmbio.
Nesse mesmo sentido, outra implicação é sobre o tratamento que a Bitcoin terá no ordenamento jurídico brasileiro, se será regulado pelo projeto de lei 4.401/21, ou como moeda estrangeira, pela lei 14.286/21, haja visto que moeda estrangeira é definido como moeda utilizada em outro país ao qual se submetem ao regime de câmbio, podendo variar conforme os fatores macroeconômicos.
Outra implicação lógica seria a possibilidade de pagamentos com uso da Bitcoin em contratos internacionais, haja visto que apesar de a lei definir que ativos virtuais não são moeda estrangeira, a Bitcoin é uma moeda oficial de alguns países, como caso de El Salvador. Desse modo, seria completamente possível o pagamento de contratos internacionais com uso da Bitcoin, nos casos previstos no artigo 13, da lei 14.286/21, caso houvesse a opção por considerá-la moeda estrangeira.
Muito certamente esses problemas serão resolvidos por atos normativos do banco central do Brasil que deverá ser a autoridade incumbida pelo poder executivo de fiscalizar e regular o mercado de ativos virtuais, contudo seria mais seguro se essas implicações já fossem resolvidas pela própria fonte normativa primária.
O inciso II, traz a informação de criptomoedas ou ativos virtuais não são moedas eletrônicas. Aqui verifica-se que o legislador incluiu esse artigo na lei afim de que se pudesse dar uma maior segurança jurídica, haja visto que o banco central do Brasil nos comunicados nº 25.306/14 e nº 31.379/17 já tinha estabelecido que moedas eletrônicas não tinham qualquer relação com moedas virtuais, já que moedas eletrônicas são reguladas pela Lei nº 12.865/13 e são representações eletrônicas da moeda soberana do Estado brasileiro.
No projeto inicial, conforme comentado a ideia era colocar a Bitcoin e o sistema de pontos de fidelidade no rol do artigo 9º, da lei nº 12.865, sob supervisão do banco central do Brasil que seria responsável por fiscalizar o mercado. Contudo, o inciso III da versão aprovada pelas casas legislativas resolveu por separar ativos virtuais de qualquer sistema de pontos e recompensas de programas de fidelidade que deve ter lei própria posteriormente.
O inciso IV, trata de diferenciar a Bitcoin de qualquer valor mobiliário ou ativos financeiros que são regulados pelas leis nº 6.385 (lei instituidora da CVM e definidora de ativos mobiliários), 8.668/93 (lei de fundos imobiliários), 6.404/76 (lei de sociedade por ações) e outras. Desse modo, a opção legislativa foi por não utilizar as leis e regulamentações já existentes para os ativos virtuais, considerando que são ativos novos e sem gênero definido.
Por fim, o parágrafo único dispõe que será competência de órgão do poder executivo federal, destinado para tal, definir por decreto quais serão os ativos regulados por essa lei. Nesse sentido, o legislador optou por dar um amplo espaço de criação de regulamentação para o órgão ou entidade incumbida de fazer a fiscalização do mercado de criptomoedas, lhe conferindo amplo espaço de discricionariedade, dando como único parâmetro da normatização o artigo 4 analisado a seguir.
Dessa forma, ainda antes da sanção presidencial, esse artigo 3º já se torna problemático, visto que não resolve na própria lei qual o regime legal da Bitcoin. Desse modo, essa obscuridade normativa abre margem para uma maior insegurança jurídica visto que esses buracos normativos terão de ser supridos por atos normativos do órgão ou entidade que ficar responsável por fiscalizar o mercado. A lei optou ainda por confirmar que Bitcoin é um ativo sem gênero totalmente novo, optando por não o relacionar como ativo que já existe.
O artigo 4º da lei traz as diretrizes que órgão ou entidade que for controlar o mercado de ativos virtuais deve seguir, nesse sentido dispõe;
Art. 4º A prestação de serviço de ativos virtuais deve observar as seguintes diretrizes, segundo parâmetros a serem estabelecidos pelo órgão ou pela entidade da Administração Pública federal definido em ato do Poder Executivo:
I – livre iniciativa e livre concorrência;
II – boas práticas de governança, transparência nas operações e abordagem baseada em riscos;
III – segurança da informação e proteção de dados pessoais;
IV – proteção e defesa de consumidores e usuários;
V – proteção à poupança popular;
VI – solidez e eficiência das operações; e
VII - prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo e da proliferação de armas de destruição em massa, em alinhamento com os padrões internacionais.
Como o projeto de lei foi desenhado para que pudesse dar o máximo de discricionariedade ao órgão/ente que vai fiscalizar os ativos virtuais era necessário que a lei trouxe pelo menos diretrizes a serem seguidas. Destarte, o artigo 4º traz instruções as normas que serão criadas pelo órgão regulador das criptomoedas, com destaque que os atos normativos futuros devem observar preceitos já existentes no ordenamento jurídico, sendo eles: a livre iniciativa e a livre concorrência preceitos encontrados na Constituição Federal em seus artigos 170, IV, a defesa do consumidor e presenta na lei 8.078/90, a proteção de dados pela lei 13.709/18.
O artigo 5º, fala sobre as Exchanges que comercializam criptoativos. A lei entende como prestadora de serviço virtual toda pessoa jurídica que executa atividades como: a troca entre ativos virtuais e moeda nacional ou estrangeira; a troca entre ativos virtuais; a transferência de ativos virtuais para outros locais distintos da corretora; a custódia ou administração dos ativos virtuais; ou a participação em serviços financeiros e prestação de serviços relacionados à oferta inicial, por um emissor, de ativos virtuais. No mesmo sentido, o parágrafo único do referido artigo aduz que esse rol não será taxativo, podendo a entidade da administração pública federal autorizar a realização de outros serviços que não necessariamente os elencados nesse rol.
Por sua vez, o artigo 6, determina que o governo federal poderá delegar as atribuições para supervisionar e regular a mais de um órgão ou entidade da administração pública federal, sendo, portanto, ato de o presidente da república atribuir essas competências a entidade que lhe convier.
Do mesmo modo, o artigo 7 trata sobre os poderes conferidos ao órgão ou entidades designados pelo presidente da república para regular o mercado de ativos digitais, sendo eles: o de autorizar o funcionamento das Exchanges, o de poder transferir, fundir e cindir o controle das corretoras de criptoativos; o de estabelecer condições para o exercício de cargos em órgãos estatutários e contratuais em prestadora de serviços de ativos virtuais, autorizando a posse e o exercício para cargos de administração; o de supervisionar as Exchanges, aplicando as sanções dispostas na Lei nº 13.506 (lei do processo administrativo sancionador nas esferas de atuação do Banco Central do Brasil e da Comissão de Valores Mobiliários); o de cancelar de ofício ou até mesmo a pedido as autorizações e a posse de pessoas para cargos de administração; e o de dizer as hipóteses em que algum ativo virtual tenha que se submeter ao mercado de câmbio ou em que tenha que se submeter à regulamentação de capitais brasileiros no exterior e capitais estrangeiros no País. Por fim, o parágrafo único prevê que o órgão ou a entidade escolhida pelo presidente da república definirá as hipóteses que poderão provocar o cancelamento da autorização das corretoras constituídas no país.
Esse artigo traz possibilidades de controles bem rígidos pela administração federal em relação aos criptoativos. O próprio inciso I e IV, que é o poder de autorizar e de cancelar de ofício essas autorizações de ofício vão completamente de encontro ao princípio da livre iniciativa preconizado no próprio projeto de lei, o que escara o problema de a lei dar muito poder para esses órgãos haja com discricionariedade sem precisar seguir parâmetros legais previamente constituídos.
O artigo 8, afirma que instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil poderão prestar exclusivamente o serviço de ativos virtuais, mas também poderão acumular com outras atividades. Desse modo, a maioria das instituições de pagamentos ou de bancos poderão ser bancos e Exchanges de criptoativos aos mesmos tempos, podendo cumular as funções desde que tenha autorização previa do banco central do Brasil.
O artigo 9, trata sobre o tempo que a lei vai levar para ser aplicada as Exchanges, estabelecendo que o prazo mínimo para adequação das corretoras de criptoativos será de 6 meses.
CONCLUSÃO
Conforme verificamos no capítulo um, nas primeiras civilizações era comum a permuta dos excedentes de produção. Com o passar dos séculos e o desenvolvimento das cidades, as permutas entre produtos de espécie diferentes foram substituídas por um metal de uso comum por toda a sociedade, esse metal em regra era o ouro, a prata, ou cobre. Posteriormente, a Lídia foi a primeira civilização moderna a utilizar uma moeda metálica cunhada por seu rei e que tinha validade em todo território Lídio, influenciando as cidades Gregas e Romanas a também cunharem suas moedas.
Com a queda do império romano do ocidente e o início do período feudal na Europa houve uma regressão no uso da moeda, visto que o sistema baseado em feudo não influenciava o comércio (Le Goff, 1924, p. 08), os bens produzidos ali eram somente para a subsistência do reino. Ao fim da idade média começou a ocorrer um maior comércio entre os feudos, e foi nesse período que nasceram os primeiros bancos, responsáveis por criar as primeiras letras de câmbio. Nessa época elas tinham o intuito de facilitar a negociação e a intermediação de moedas em diferentes cidades, dessa forma, um banco da cidade do usuário (sacador), dava ordem para outro banco (sacado), comumente de outra cidade, pagar o beneficiário (tomador), quando esse viajasse.
Após o fim da idade média, nasceram os primeiros grandes bancos patrocinados pelo Estado, sendo o mais importante deles o Banco da Inglaterra. Foi criado em 1694, incumbido de socorrer o governo inglês das dívidas (Ferguson, 2009, p. 46). O banco inglês foi o primeiro grande embrião dos bancos centrais modernos. Ferguson (2009, p. 48) afirma que até hoje existe dúvida se a revolução monetária com o banco da Inglaterra não foi o que permitiu a revolução industrial ocorrer.
Na idade moderna os bancos centrais começaram a ganhar destaque junto aos Estados nacionais fortalecidos, isso possibilitou que os governos tomassem o ouro para si e criassem o papel-moeda, guardando o ouro em seus estoques. A moeda lastreada durou até o fim do acordo de Bretton Woods, a partir desse fato todas as moedas passaram a ser fiduciárias, ou seja, passaram a ser medidas de acordo com a confiança nos Estados nacionais.
O fim do lastro das moedas nacionais possibilitou aos Estados o poder de emitir quantas cédulas lhe fossem necessárias para fornecer liquidez aos mercados, contudo isso detém efeito inflacionário, conforme bem preconiza Mankiw (2014, p. 333-363).
A crise da bolsa de valores norte-americana de 2008 influenciou Satoshi Nakamoto a criar a Bitcoin, pensado nela para que seu funcionamento não dependesse de governos soberanos ou de grandes bancos. A Bitcoin permitiu a criação de um sistema totalmente paralelo às moedas estatais e as casas de câmbio convencionais, haja visto que influenciou para que fossem criadas as Exchanges.
Knapp, foi o fundador da teoria estatal da moeda. Ele entende que moeda é parte da soberania de um país, desse modo a moeda não seria somente um meio para o comércio, mas um meio de expressão de soberania de um país.
Desse modo, apesar da Bitcoin ter as características econômicas de moeda, o ordenamento jurídico brasileiro entende que para ser moeda tem que ser do Estado. Isso se torna evidente quando a Constituição Federal dá o poder de criação de moeda para a união federal, conforme artigo 21, inciso IV, função que é executada por mandamento constitucional pelo banco central do Brasil. Desse modo, não há como se falar que Bitcoin possa ser uma moeda, visto que para o ordenamento jurídico brasileiro moeda só pode ser criada pelo Estado.
Com relação a commodity, a Bitcoin até poderia ser enquadrada no conceito de (Arzov, 2018, p. 3-4) de commodity virtual, pois verdadeiramente tem característica de ser escassa, assim como as commodities tradicionais. Dessa forma, caso o congresso nacional optasse por equiparar a Bitcoin a commodities não seria nenhuma surpresa. Dentre todos os ativos existentes, commodity é a que mais se parece com a Bitcoin, podendo funcionar como ativo de reserva de valor frente à recorrente desvalorização das moedas fiduciárias e assim como o ouro ser tornar um ativo de segurança para os agentes de mercado.
A Bitcoin não pode ser considera ativo mobiliário, pois não está em nenhuma hipótese previstas no artigo segundo da lei 6.385/76. Contudo, os ETFs de ativos virtuais são sim subordinados ao controle da comissão de valores mobiliários.
Tartuce, 2018, (p. 450-451) entende que bem é tudo que detém de valor, seja econômico ou jurídico e que não seja uma pessoa. Nesse sentido, a Bitcoin se encaixaria perfeitamente no conceito de bem, visto que apesar de não ter valor jurídico ela tem valor econômico. Do mesmo modo, ela também pode ser considerada parte integrante do patrimônio, visto que patrimônio é o complexo de direitos obrigacionais e reais que uma pessoa detém (Gagliano e Filho, 2019, p. 383-385). Isto posto a Bitcoin pode ser considerada um bem e consequentemente parte integrante do patrimônio.
Quanto a classificação dos bens a Bitcoin pode ser classificada como: bem incorpóreo/imaterial, haja vista que não existe representação física da Bitcoin; bem móvel por natureza, pois pode ser transportada com facilidade e de forma natural; bem fungível, assim como o dinheiro, não importando qual unidade da Bitcoin a pessoa recebeu ou enviou; bem inconsumível no plano físico e consumível no plano jurídico, visto que é alienável; bem indivisível, pois não pode ser dividida sem a perda substancial do seu valor; bem universal de direito, visto que tem valor econômico e pode ser entendida como o complexo de relações jurídicas, de uma pessoa; não pode ser bem universal de fato, pois não existe no mundo físico.
Por fim, o projeto de lei enviado à sanção presidencial no dia 01 de dezembro de 2022, define alguns conceitos importantes sobre o que são criptomoedas. O projeto tenta abarcar as diretrizes que irão ser seguidas pelo órgão ou entidade que ficará responsável pela fiscalização e regulação do mercado de criptoativos. O projeto visa dar autonomia para o governo federal determinar o órgão ou entidade, permitindo que esse órgão ou entidade atue com natureza discricionária, seguindo as diretrizes explícitas no artigo quatro.
Do mesmo modo o projeto de lei visa afirmar que a Bitcoin não é nenhum ativo conhecido, sendo algo totalmente novo, não encontrando paralelos no ordenamento jurídico brasileiro. Estabelece que o poder executivo indicará os órgãos ou entidades fiscalizadoras que terão o poder de criar normas regulamentadoras que devem ser seguidas pelo setor de ativos virtuais.
[1] Segundo Azevedo (2004), p. 10, commodities são: ‘itens genéricos e transportáveis que são comprados e vendidos sob regras determinadas, que incluem descrição, quantidade e data de entrega. O preço é o único item não pré-determinado, sendo estabelecido pelas regras básicas da oferta e demanda.”
[2] Os Romanos nomeavam como Bárbaros tudo aquilo que não era Romano, para Melo (2021), p. 21, eram cidadãos comuns que muito se pareciam com os Romanos.
[3] Melo (2021), p.15, explica que no século IV, com a morte do imperador Romano Teodósio dividiu-se o império Romano em dois pedaços, um no oriente e outro no ocidente.
[4] Monteiro (2016), p. 43, define reserva fracionaria como: “a utilização por parte dos bancos, sem garantir a disponibilidade para os depositantes, dos montantes depositados.”
[5] CARED era a Carteira de Emissão e Redesconto do Banco do Brasil, servia basicamente para controlar as emissões e emprestar aos bancos em última instância.
[6] CAMOB era a Caixa de Mobilização Bancária do Banco do Brasil, servia para garantir a mobilidade de ativos do banco e regulamentava os depósitos compulsórios.
[7] SUMOC era a Superintendência da Moeda e do Crédito, foi criada para controlar o sistema e a inflação de preços após o acordo de Bretton Woods e dar início a preparação para a criação do banco central.
[8]Art. 1º O sistema Financeiro Nacional, estruturado e regulado pela presente Lei, será constituído: I - do Conselho Monetário Nacional; II - do Banco Central do Brasil; III - do Banco do Brasil S. A.; IV - do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico; V - das demais instituições financeiras públicas e privadas.
[9] Art. 1º São nulos de pleno direito os contratos, títulos e quaisquer documentos, bem como as obrigações que exeqüíveis no Brasil, estipulem pagamento em ouro, em moeda estrangeira, ou, por alguma forma, restrinjam ou recusem, nos seus efeitos, o curso legal do cruzeiro.
[10] Subprime é como é chamado títulos destinados a pessoas de baixa renda (Silva, 2010, p.100).
[11] Ulrich (2014), p.17, explica que todas as transações que ocorrem na economia Bitcoin são registradas em uma espécie de livro-razão público e distribuído chamado de blockchain (corrente de blocos, ou simplesmente um registro público de transações), o que nada mais é do que um grande banco de dados público, contendo o histórico de todas as transações realizadas.
[12] Conforme se extrai do blog da Nu Bank, ethereum é uma rede de blockchain criada em 2014, inspirada na Bitcoin, cujo grande trunfo foi a execução de contratos inteligentes, essa rede hospeda uma infinidade de tokens que operam por meio da rede do ethereum.
[13] Conforme se extrai do portal da Coinnext, Proof of Stake em português significa prova de participação, resumidamente, é um tipo de mineração onde os usuários que detém determinado número mínimo de tokens na rede são os responsáveis por validar as transações.
[14] Consoante se aduz do site da Canaltech, Play-to-earn que em português significa jogue para ganhar, são jogos que usam tokens registrados na blockchain que podem ser comercializados no mundo real, dessa forma o usuário que ganhar os tokens no jogo pode trocá-los por moedas convencionais.
[15] Segundo a XP investimentos, Stablecoins são tokens criados em blockchain que são lastrados em um ativo financeiro real, podendo ser uma ação, comodity ou moeda soberana, estão menos suscetíveis a variação de preços pois sua cotação acompanha a cotação do ativo que é lastrado.
[16] Kriscinski (2022, p. 26-28) entende que são um tipo de contrato a longo prazo, onde as partes acordam, por meio de um contrato a entrega de determinado bem, seja física ou eletronicamente na posteridade.
[17] O comunicado de nº 25.306, do Bacen, estabelece que moeda virtual tem: “[...]forma própria de denominação, ou seja, são denominadas em unidade de conta distinta das moedas emitidas por governos soberanos, e não se caracterizam dispositivo ou sistema eletrônico para armazenamento em reais.”, ou seja, como não é unidade de conta para o Bacen moeda virtual não é moeda.
[18] A lei 12.865/13 define moeda eletrônica como: “recursos armazenados em dispositivo ou sistema eletrônico que permitem ao usuário final efetuar transação de pagamento.”, ou seja, a moeda eletrônica é a representação da moeda soberana em meio digital.
[19] Conforme a lei 4.595/65, constituem o SFN: o Banco Central, Banco do Brasil, Conselho Monetário Nacional, Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e as demais instituições financeiras.
[20] Santos (2016, p. 13), explica que: “é uma arquitetura de rede (online, portanto) onde cada um dos usuários da rede funciona tanto como clientes (receber conteúdo) quanto como servidores (prover conteúdo)”
[21] Martins (2016, p. 141), explica que a Bitgold, criada em 2005, foi uma a primeira criptomoeda a utilizar blockchain com sistema de recompensas criptográficas, inovando no conceito de mineradores e nas diminuições percentuais dessas recompensas.
[22] Definido por Camacho e Silva (2018, p. 16) como o esforço de mineração do bloco da rede
[23] Segundo o site infomoney define, halving é o corte de recompensas pela metade da mineração de blocos, que ocorrem em média a cada quatro anos.
[24] Segundo artigo extraído da XP investimentos, protocolo de segunda camada são projetados para trabalhar separadamente da rede principal (primeira camada).
[25] Consoante se extrai do Blog da Nu Bank, ETF é a abreviação de Exchange Traded Fund, em português significa fundo negociado em bolsa, os ETFs são fundos com uma cesta de ativos dentro administrados por uma gestora especializada que vende cotas de participação do fundo.
[26] Esse decreto juntamente com o decreto 23.258/33 praticamente deu o monopólio de câmbio ao banco do Brasil, impedindo que as pessoas utilizassem moeda estrangeira até mesmo como unidade de conta.
[27] A emissão de moeda é o poder de criar papéis-moedas, função conferida ao Banco Central por meio de comando constitucional, presente no artigo 164.
[28] Segundo Costa (2020), p. 288, taxa Selic é: “taxa de juros pela qual o Banco Central negocia títulos do Tesouro Nacional (LTN, NTN) junto aos bancos, por meio de sua mesa de operações de mercado aberto.”
[29] Conforme explica o senado federal: “[...] O Banco Central do Brasil (BC) divulga a base monetária em dois conceitos: um conceito restrito e um conceito amplo [...] [...] O conceito restrito, por convenção, corresponde ao total de papel-moeda em circulação adicionado às reservas bancárias[...] O conceito amplo, portanto, corresponde ao total da base no conceito restrito, adicionado aos depósitos compulsórios em espécie monetária e em títulos federais externamente ao Banco Central. Os economistas dividem os meios de pagamento em quatro grupos: M1, M2, M3 e M4 [...] [...] M1 refere-se à base monetária (conceito restrito): a soma das cédulas e moedas em poder do público e em depósitos à vista no sistema bancário. M2 refere-se à base monetária, M1, adicionada ao total de depósitos a prazo no sistema bancário, incluindo os Certificados de Depósito Bancário e Interbancário (CDB e CDI) e a parte dos títulos públicos (inclui apenas aqueles títulos que não estão em poder de bancos e de fundos de investimento). M3 refere-se à base monetária mais o M2, adicionada ao total de depósitos em caderneta de poupança. M4 refere-se à base monetária mais M2 e M3, adicionada ao restante dos títulos públicos em poder de bancos e de fundos de investimento, além de alguns títulos privados, como letras hipotecárias e letras de câmbio.”
[30] O LCR é um indicador criado pela Conselho Monetário Nacional para aferir a liquidez do sistema de reservas bancárias, criando regras mínimas de segurança de liquidez ao sistema financeiro, consoante exposto na resolução nº 4.401/15.