TERCEIRIZAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


07/11/2018 às 11h28
Por Jessica Lindholn

A TERCEIRIZAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

 

Jessica de Cassia Lindholn [1]

Vanessa Cavalari Calixto [2]

 

Resumo:  O presente trabalho visa a analisar o instituto da terceirização em meio ao serviço público. A abordagem do tema foi realizado através da pesquisa bibliográfica qualitativa, especificamente, no âmbito do direito administrativo, constitucional e trabalhista, bem como do exame da legislação brasileira aplicável ao estudo. Dentre os aspectos examinados, foram discutidos os aspectos atinentes à terceirização no serviço público, com foco na admissibilidade e na atualização da legislação. Assim, analisou-se, o que se entende por terceirização e seu contexto histórico, a fim de esclarecer este mecanismo. Em seguida, foi abordado a temática sobre a Administração Pública e a realização dos serviços públicos, e por fim, foi estudado o instituto da terceirização realizado na Administração Pública. A pesquisa foi baseada nos ensinamentos dos doutrinadores Sergio Pinto Martins (2017), Mauricio Godinho Delgado (2012), Jose dos Santos Carvalho Filho (2015)  e Celso Antônio Bandeira de Mello (2013).

 

Palavras-chave: Terceirização. Administração Pública. Serviços Públicos. Licitação.

 

OUTSOURCING WITHIN THE PUBLIC ADMINISTRATION

Abstract: The present work aims to analyze the outsourcing institute within the public sector. The main subject was approached through a bibliographical/qualitative research, especially regarding the Administrative, Constitutional and labor Law, as well as by way of examining the Brazilian legislation, applicable to the main theme. Within the examined aspects, the study approached those that pertains to the public service, focusing on the admissibility and legislation updates. Thus, the study aimed to conceptualize the outsourcing, and its historical context, for the purpose of clarifying this mechanism. Following, the Public Administration thematic was approached, and the realization of the public services, finally, the study analyzed the outsourcing done within the Public Administration. The research was based on the teachings of doctrinareis such as, Sergio Pinto Martins (2017), Mauricio Godinho Delgado (2012), Jose dos Santos Carvalho Filho (2015) and Celso Antônio Bandeira de Mello (2013).

 

Keywords: Outsourcing, Public Administration, Public Services.

 

1    INTRODUÇÃO

A administração pública frequentemente vêm utilizando o mecanismo da terceirização como forma de gestão, reduzindo a burocracia com essa nova maneira de contratação, em busca de aumentar a eficiência dos serviços públicos.

O tema em questão e encontra-se em voga em virtude das modificações legislativas que ocorreram neste ano, alterações essas que influenciaram e levantaram inúmeras discussões envolvendo a Administração Pública.

Terceirização é um neologismo, proveniente da palavra “terceiro”, entendido como intermediário, interveniente, em síntese, pode-se dizer que é o trespasse de atividades de uma empresa, para execução por outra empresa especializada nesta atividade.

A recente mudança na legislação veio a permitir que todas as atividades possam ser transferidas a terceiros, o que antes era dito como ilícito, e isso deu causa a grandes discussões a cerca desse instituto.

O presente trabalho tem por objetivo principal é analisar o instituto da terceirização de serviços e a sua aplicação no âmbito do serviços público.

Diante deste objetivo, o trabalho foi estruturado em três seções além desta introdução.

Em um primeiro momento, pretende-se analisar o contexto da terceirização no Brasil, seu conceito na visão de alguns doutrinadores, a evolução histórica e legislativa no ordenamento jurídico pátrio.

A segunda seção introduz-se no âmbito da Administração Pública, apontando e diferenciando seus conceitos, e em seguida adentra nos serviços públicos, como eles podem ser realizados direta ou indiretamente pelo poder público, e as formas de delegações permitidas pelo ordenamento.

Por fim, a terceira seção apresenta o estudo sobre o instituto da terceirização aplicado na Administração Pública, e a explana a recente alteração da legislação e seus efeitos.

A abordagem do tema foi realizado através da pesquisa bibliográfica qualitativa e tomou por base principalmente nos autores Sergio Pinto Martins (2017), Mauricio Godinho Delgado (2012), Jose dos Santos Carvalho Filho (2015) e Celso Antônio Bandeira de Mello (2013), renomados nomes da doutrina do direito trabalhista e administrativo brasileiro.

 

2               O CONTEXTO DA TERCEIRIZAÇÃO NO BRASIL

A terceirização é um modelo de relação jurídica de trabalho bastante utilizado no Brasil e no mundo, em diversos segmentos, pois, é tida como uma solução para a diminuição de custos e para o aumento da eficiência, produtividade e competitividade na prestação de serviços.

De forma geral, pode ser entendida como a transferência de atividades de uma empresa chamada tomadora de serviços que passam a ser exercida por uma empresa distinta e especializada naquela atividade.

Este fenômeno, atualmente, vem sendo amplamente discutido em virtude da recente atualização na sua legislação e da reforma trabalhista brasileira, Lei n. 13.467/2017, a qual trouxe significativas mudanças para seu procedimento.

Neste interim haverá a abordagem da sua aplicação na Administração Pública, mas para isso é necessário compreender um pouco mais sobre o surgimento deste instituto, sua conceituação e sua legalidade no ordenamento jurídico pátrio.

 

2.1           A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA TERCEIRIZAÇÃO

Tem-se historicamente que a origem da terceirização se deu nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial.

Conforme explana o doutrinador Sergio Pinto Martins (2017, p. 22):

 

Tem-se uma ideia de terceirização no período da Segunda Guerra Mundial, quando as empresas produtoras de armas estavam sobrecarregadas com a demanda. Verificaram que poderiam delegar serviços a terceiros, que seriam contratados para dar suporte ao aumento da produção de armas.

 

Em meio ao caos da Segunda Guerra Mundial, as indústrias bélicas enxergaram a necessidade de focar suas forças de trabalho para aumentar a produção de armamentos e utilizar a mão-de-obra terceirizada para realizar as atividades secundárias. Sabe-se que essa técnica foi amplamente utilizada também por países europeus que participaram da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

No Brasil, a figura da terceirização começou a aparecer por volta de 1950, trazida por empresas multinacionais que se interessavam apenas com a essência dos seus negócios. A indústria automobilística foi o exemplo percursor da terceirização ao contratar a prestação de serviços de terceiros, para produzir componentes do automóvel, fazendo somente a montagem final do produto com as peças que foram terceirizadas (MARTINS, 2017, p. 22).

Apesar de esse instituto ter aparecido em 1950 no Brasil com as indústrias automobilísticas, foi somente no ano de 1974 com a Lei n. 6.019, de 03 de janeiro de 1974, que  surgiu a primeira legislação que regulou a prática do trabalho temporário que já estava sendo praticado em larga escala, mesmo antes da sua criação, em diversas atividades como a de limpeza e conservação e serviços de segurança bancária. Posteriormente foram surgindo novas edições de normativas para regulamentação desses serviços.

 

2.2           A CONCEITUAÇÃO DA TERCEIRIZAÇÃO

O conceito de terceirização não possui exatidão na doutrina brasileira. Leone Pereira (2014, p. 113) explica que: “A terceirização é o fenômeno pelo qual uma empresa transfere suas atividades periféricas a outras empresas independentes e especializadas na realização dessas atividades”.

Trata-se do processo pelo qual uma empresa, denominada como empresa contratante ou tomadora de serviços, deixa de executar uma ou mais atividades com seus próprios colaboradores, e as repassa para serem executadas por outra empresa, chamada de empresa contratada ou prestadora de serviços, permitindo assim que essa empresa contratante concentre-se nas tarefas e atividades ligadas essencialmente aos negócios em que atua.

O instituto da terceirização em virtude de uma recente alteração legislativa, passou a permitir a transferência de qualquer atividade, inclusive a atividade principal da empresa, também conhecida como atividade-fim, para ser realizada por um prestador de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução.

A terceirização segundo Mauricio Godinho Delgado (2012, p. 435) “é o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente”. O trabalhador é inserido no processo produtivo do tomador de serviços, mas à ele não fica interligado em uma relação justrabalhista.

Afirma ainda, o citado doutrinador (2012, p. 435), que:

 

A terceirização provoca uma relação trilateral em face da contratação de força de trabalho no mercado capitalista: o obreiro, prestador de serviços, que realiza suas atividades materiais e intelectuais junto à empresa tomadora de serviços; a empresa terceirizante, que contrata este obreiro, firmando com ele os vínculos jurídicos trabalhistas pertinentes; a empresa tomadora de serviços, que recebe a prestação de labor, mas não assume a posição clássica de empregadora desse trabalhador envolvido.

 

Tradicionalmente no direito do trabalho a relação jurídica de emprego é bilateral, compreendendo apenas o empregado e o empregador, mas o fenômeno da terceirização transforma essa relação para um modelo trilateral, sendo os sujeitos o empregado, a empresa terceirizada e a empresa tomadora de serviços. O vínculo trabalhista do obreiro que realiza a atividade terceirizada se dá tão somente com a empresa prestadora de serviços, ficando a empresa tomadora de serviços com a responsabilidade subsidiária.

No mesmo caminho estão os pensamentos de Neto e Cavalcante ao afirmar que:

                       

A relação jurídica empregatícia é bilateral, equiparando-se a uma moeda na qual se tem de um lado o poder diretivo (empregador) e de outro a subordinação (empregado).

Com a terceirização, há a intermediação de mão-de-obra pelas empresas prestadoras de serviços.

De um lado, tem-se a empresa tomadora e, de outro, a prestadora. Os trabalhadores são subordinados diretamente à empresa prestadora e não à tomadora. A relação jurídica é triangular, existindo entra e empresa tomadora e a prestadora um contrato regido pelas leis do Direito Civil, de evidente prestação de serviços. Entre a empresa prestadora e o trabalhador há um contrato de trabalho. (NETO E CAVALCANTE, 2008, p. 1416, apud FREITAS, 2012, p. 17).

 

            Da relação trilateral formada pela terceirização surgem dois contratos com naturezas diferentes, uma civil entre a empresa prestadora e a empresa tomadora de serviços; e outra trabalhista entre o obreiro e a empresa prestadora de serviços. Assim, a empresa tomadora de serviços não possui vinculo direto com o obreiro que realiza suas atividades, não podendo haver uma relação de subordinação entre eles, sob pena de se tornar uma terceirização ilícita.

A doutrinadora Alice Monteiro de Barros dispõe que:

 

Teoricamente, o objetivo da terceirização é diminuir os custos e melhorar a qualidade do produto ou do serviço, alguns especialistas denominam esse processo de “especialização flexível”, ou seja, aparecem empresas, com acentuado grau de especialização em determinado tipo de produção, mas com capacidade para atender a mudanças de pedidos dos seus clientes. (BARROS, 2011, p. 357)

 

Quando algumas atividades são transferidas para uma empresa prestadora de serviços através da terceirização, as empresas tomadoras de serviços podem focar nas suas atividades principais gerando a melhoria na qualidade de seus produtos, e também há a redução de custos, pois com a empresa tomadora de serviços economizará com os gastos com contratações, treinamentos e encargos sociais e trabalhistas.

 

2.3           A LEGALIDADE DA TERCEIRIZAÇÃO

Ratificando, em 1974 surgiu a primeira norma que efetivamente tratou sobre a terceirização, porém não com essa nomenclatura. Ela veio regulamentar a prática que já estava sendo utilizada em grande escala no mercado brasileiro mesmo sem qualquer normatização.

Posteriormente surge a Lei n. 6.019 de 1974 (norma que foi inspirada na lei francesa n. 72-1) regulamentada pelo Decreto n. 73.841, de março de 1974. (MARTINS, 2017, p. 24)

O objetivo inicial desta norma foi regular os trabalhos temporários de forma geral a distingui-los da modalidade de trabalho permanente.

Passados quase dez anos da criação desta norma, surge a Lei n. 7.102, de 20 de junho de 1983, que trouxe a normatização da atividade de segurança de estabelecimentos financeiros, permitindo assim a prestação de serviços de vigilância e de transporte de valores no setor bancário.

Conforme o doutrinador Sergio Pinto Martins (2017, p. 24), foi a partir dessas duas leis que surgiu a relação jurídica triangular (empregado, empregador e tomador de serviços), deixando de ser apenas bilateral (empregado e empregador).

Mais adiante o Tribunal Superior do Trabalho redigiu súmula 331, a qual é hoje um dos principais elementos normativos do instituto da terceirização trabalhista, e que aborda questões importantes à respeito da contratação e da responsabilidade quanto as obrigações face aos trabalhadores temporários pela administração privada e também pela administração pública.

 

3               ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA

Administração Pública é o termo utilizado para se referir aos entes, instituições e órgãos que realizam as atividades administrativas do Estado, ou seja, é todo o instrumento do estado que se destina a realização dos seus serviços que visam sempre à satisfação das necessidades coletivas.

Segundo Alexandre de Moraes:

 

A Administração Pública pode ser definida objetivamente como a atividade concreta e imediata que o Estado desenvolve para a consecução dos interesses coletivos e subjetivamente como o conjunto de órgãos e de pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função administrativa do Estado. (MORAES, 2009, p.323 apud FREITAS, 2012, p. 19)

 

Grande parte dos doutrinadores possui um entendimento no sentido de que a expressão “Administração Pública” exprime dois sentidos: o objetivo e o subjetivo.

Neste sentido, José Cretella Júnior (1966, p.24) leciona:

 

Adotando-se o critério subjetivo ou orgânico, administração é o complexo de órgãos aos quais se confiam funções administrativas, é a soma das ações e manifestações da vontade do Estado, submetidas à direção do chefe do Estado.

Os autores que se decidem pelo critério objetivo consideram a administração como a atividade concreta do Estado dirigida à consecução das necessidades coletivas de modo direto e imediato.

 

Um dos motivos para essa divisão de sentidos é a enorme quantidade de tarefas e atividades que compõem o objetivo do Estado, e outro motivo é também o número de órgãos e agentes públicos incumbidos da sua execução. Sendo assim para melhor precisar o sentido dessa expressão é preciso dividi-la: de um lado no sentido subjetivo o qual exprime o conjunto de agentes, órgãos e pessoas jurídicas que são os executores das atividades administrativas públicas, e de outro lado o sentido objetivo que consiste na própria atividade administrativa exercida pelo Estado através de seus órgãos e agentes através da prestação dos serviços públicos. (CARVALHO FILHO, 2015, p. 11-12)

Portanto, o sentido objetivo trata-se da atividade administrativa em si, já o sentido subjetivo exprime os órgãos, entes e pessoas que as desempenham, do qual será foco de estudo para analisar o cabimento da terceirização na Administração Pública.

Por sua vez, a doutrinadora Odete Medauar (2014), conceitua a Administração pública de uma forma diferente:

 

A Administração Pública, como objeto precípuo do direito administrativo, encontra-se no Poder Executivo. Pode ser considerada sob o ângulo funcional e sob o ângulo organizacional.

No aspecto funcional, Administração Pública significa um conjunto de atividades do Estado que auxiliam as instituições politicas de cúpula no exercício de funções do governo, que organizam a realização das finalidades públicas postas por tais instituições e que produzem serviços, bens e utilidades para a população.

Sob o ângulo organizacional, Administração Pública representa o conjunto de órgãos e entes estatais que produzem serviços, bens e utilidades para a população, coadjuvando as instituições políticas de cúpula no exercício das funções de governo.

 

            Para Odete, o aspecto funcional da Administração equivale às atividades que ela deve desempenhar em prol da comunidade, como por exemplo ensino público, coleta de lixo, etc. E  o aspecto organizacional corresponde aos entes e órgãos que desempenham essas atividades, ou seja, a estrutura ou aparelhamento estatal destinado à realização dessas atividades, por exemplo, os ministérios, secretarias, departamentos, etc.

A organização da Administração Pública brasileira também divide-se em Administração direta e indireta.

Como expõe Carvalho Filho (2015, p. 475), “Administração Pública direta é o conjunto de órgãos que integram as pessoas federativas, aos quais foi atribuída a competência para o exercício, de forma centralizada, das atividades administrativas do Estado”. Compreende a Administração direta os Entes federativos (União, Estados, DF e Município) e seus órgãos, ou seja, além de titular o Estado é também o executor dos serviços públicos, pois se trata de organização administrativa centralizada..

Já a Administração Pública indireta do Estado, ainda conforme Carvalho Filho (2015, p. 479), “é o conjunto de pessoas administrativas que, vinculadas à respectiva Administração Direta, têm o objetivo de desempenhar as atividades administrativas de forma descentralizada”.

A Administração Pública indireta é de forma descentralizada, ou seja, os serviços públicos são delegados para outras entidades realizarem. Na forma do art. 37, XIX da Constituição Federa/1988 e do art. 4o , II do Decreto-Lei n. 200, de 25 de fevereiro de 1967, são entidades integrantes da Administração Pública indireta: as autarquias; as empresas públicas; as sociedades de economia mista e as fundações públicas.

 

3.1           O SERVIÇO PÚBLICO

A doutrina traz que a expressão serviço público admite vários sentidos e conceitos.

O nobre doutrinador Alexandre Santos de Aragão definiu quatro acepções para o termo serviço público. Em uma visão amplíssima significa todas as atividades desempenhadas pelo Estado, incluindo as atividades legislativas, a segurança e a própria jurisdição. Já numa acepção ampla, o termo equivale às atividades de natureza prestacional individual ou coletivo, abrangendo os serviços econômicos, sociais e uti universi. O sentido restrito por sua vez, abrange as atividades prestacionais de utilidades econômicas ligadas a indivíduos determinados, instituídos pela Constituição ou por lei a cargo do Estado, com vistas ao bem-estar da coletividade. Por fim na acepção restritíssima, o doutrinador considera que os serviços públicos seriam as atividades do Estado remuneradas por taxas ou tarifas (ARAGÃO, 2008, p. 157, apud MACERA, 2016).

No mesmo sentido pensa o autor Rafael Carvalho Rezende de Oliveira (2014, p. 213), ele defende que no Brasil o que tem prevalecido é a concepção ampla, e que a definição de  serviço público é  que trata-se de uma atividade prestacional, titularizada, com ou sem exclusividade do Estado, criada por lei, com o objetivo certo de atender todas as necessidades coletivas, e submetida ao regime predominantemente público.

Mas, conforme aponta à doutrinadora Di Pietro (2008, p. 94) “não se pode dizer, dentre os conceitos mais amplos ou mais restritos, que um seja mais correto que outro”.

Conforme os ensinamentos de Irene Patrícia Nohara (2013, p. 153):

 

A noção de serviço público relaciona-se com a atuação positiva do Estado. Da passagem do estado liberal para o Estado social houve um acréscimo das atividades estatais. A administração, que antes era vista da perspectiva de detentora de poderes públicos (prerrogativas ou potestades), passa a ser também a prestadora de serviços à coletividade.

O emprego da noção de serviço público acentuou ainda mais a ideia de que a Administração Pública foi feita para os administrados.

 

Neste ínterim pode-se verificar que a expressão serviços públicos, de forma geral, compreende aos serviços ou atividades prestadas pela Administração para satisfazer as necessidades básicas do bem-estar da sociedade, atividades cuja titularidade são Estado e que podem ser executadas pelos próprios entes federativos ou delegadas a terceiros como dispõe o art. 175 da Constituição Federal/1988.

 

3.2           A DELEGAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO

O serviço público, conforme anteriormente explanado, pode ser realizado diretamente pelos entes da Administração Pública, tratando-se da administração direta, ou podem ser delegados, constituindo a administração indireta.

No Brasil existem três formas de delegação de serviços públicos que estão previstos na Constituição Federal/1988, sendo elas: a concessão, a permissão e a autorização.

Concessão, segundo o ilustre doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello é:

 

o instituto através do qual o Estado atribui o exercício de um serviço público a alguém que aceite prestá-lo em nome próprio, por sua conta e risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, mas sob garantia contratual de um equilíbrio econômico-financeiro, remunerando-se pela própria exploração do serviço, em geral e basicamente mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço”. (MELLO, 2013, p. 717-718)

 

O instituto concessão está disposto no art. 175 da Constituição Federal/1988:

 

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Parágrafo único. A lei disporá sobre:

I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;

II - os direitos dos usuários;

III - política tarifária;

IV - a obrigação de manter serviço adequado.

 

Sua regulamentação está positivada no inciso II do art. 2o da Lei nº 8.987, de 1995.

 

Art. 2o Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se:

[...]

II - concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado;

 

Essa modalidade de delegação é feita através de contrato administrativo realizado mediante licitação, na modalidade de concorrência, entre a Administração Pública e pessoa jurídica ou consórcio de empresas, na qual a administração realiza a transferência da execução do serviço.

Sendo assim, a Administração Pública delega a execução de um serviço, obra publica, ou cede o uso de um bem público, para que o exequente realize por sua conta e risco, dentro de prazo determinado e condições estabelecidas em contrato, mediante tarifa paga por usuário ou outra forma de remuneração estabelecida no contrato. (MARTINS, 2017, p. 208)

Na esfera federal o exemplo de concessão pode se dar no campo das telecomunicações como as operadoras de telefonia Oi, Sercomtel e Telefônica. Já no âmbito estadual, no Paraná pode-se citar as concessionarias água SANEPAR, de energia COPEL, e de manutenção de rodovias CCR - RodoNorte. Por fim, no contexto municipal, em Ponta Grossa o transporte público municipal foi concedido a empresa Viação Campos Gerais (VCG).

Permissão, por sua vez, regulamentado no art. 2o, IV da Lei nº 8.987, de 1995.

 

Art. 2o Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se:

[...]

 IV - permissão de serviço público: a delegação, a título precário, mediante licitação, da prestação de serviços públicos, feita pelo poder concedente à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco.

 

            Trata-se da delegação da prestação de serviços públicos, por tempo certo, realizada mediante licitação, à pessoa física ou jurídica.

            Para Martins (2017, p. 209), essa modalidade indireta de prestação de serviços públicos constitui um ato administrativo unilateral, discricionário, precário, gratuito ou oneroso e precário, através do qual o Poder Público transfere ao particular o desempenho de um serviço de sua alçada ou a utilização de um bem público, sendo esta última hipótese a permissão de uso.

Este instituto, da mesma forma que o da concessão, está disposto na Constituição Federal/1988, em seu art. 175,  e também deve ser realizado por meio de licitação.

            Por fim, o instituto de autorização segundo Carvalho Filho (2015, p. 465), trata-se de um ato administrativo unilateral, discricionário e precário, através do qual a administração consente com o uso de um bem público ou viabiliza a prática de uma atividade para um particular.

            A autorização, por sua vez, apresenta controvérsias entre os doutrinadores do direito administrativo, acerca de ser considerada uma modalidade de delegação ao lado de concessão e permissão.

Conforme o autor Rafael Carvalho Rezende Oliveira (2014, p. 183-184), essa controvérsia se justifica pela falta de clareza no texto constitucional que ao tratar da delegação dos serviços públicos no art. 175 da Constituição Federal/1988, menciona apenas concessão e permissão, mas que em outros dispositivos faz referencia à autorização ao lado da concessão e permissão, como por exemplo no art. 21, XI e XII da Constituição Federal/1988.  Contudo, a corrente majoritária entende que apesar de estar prevista em artigo diferentes, a autorização pode sim ser considerada como instrumento de delegação de serviços públicos. Neste sentido pensam os autores: Hely Lopes Meirelles, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Diogo de Figueiredo Moreira Neto e Marcos Juruena Villela Souto.

            Dessa forma, a formas de delegação admitidas no âmbito da Administração Pública, permitem transferir as atividades inerentes ao poder público em três modalidades que podem ser atribuídas de formas diferentes para que entres particulares executem, respeitando a qualidade dos serviços bem como levando em consideração o bem comum, para que os particulares recebam de forma satisfatória os serviços dos quais possuem direito, sendo necessariamente respeitados os princípios que regem gestão pública.

 

4               A TERCEIRIZAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

O fenômeno da terceirização surgiu, primeiramente, na iniciativa privada, com o intuito de reduzir os custos da produção e melhorar a eficiência e a qualidade da atividade produtiva desempenhada.

A terceirização na Administração Pública é um tema atual e amplamente discutido face às dificuldades de contratação de mão-de-obra pelo poder público, em função das exigências, previstas no art. 37 da Constituição Federal/1988, que determina a efetivação de concurso público para preenchimento de cargos.

Num primeiro momento, a terceirização no serviço público gera certo receio ante a possibilidade de fraude e corrupção em seu processo tendo em vista a falta do concurso público. Porém, o Estado beneficia-se com a terceirização ao destinar as atividades que não lhes são essenciais ao prestadores de serviços que poderão faze-las com um custo menos, sendo assim benéfico à Administração Pública que diminui seu déficit estatal e racionaliza sua estrutura. Ao realizar a terceirização,  a burocracia estatal é reduzida o que proporciona maior eficiência à administração com suas atividades secundarias sendo transferidas ao particular. (MARTINS, 2017, p. 193-192)

O preceito que autoriza a contratação de empresas de prestação de serviços pela Administração Pública encontra-se no art. 10, § 7o  do Decreto-Lei n. 200, de 25 de fevereiro de 1967, o qual permite que:

 

Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução.

         

            Sergio Pinto Martins (2017, p. 194-196) esclarece que a Administração Pública não pode terceirizar serviços que lhes são peculiares, como os de justiça, segurança pública, fiscalização e diplomacia, bem como não é possível terceirizar mão de obra, pois estaria ferindo a exigência de concurso público e favorecendo o nepotismo e nomeações políticas.  Para ele, o instituto da terceirização foi feito para evitar o crescimento significativo da contratação de servidores públicos, e que apesar de o governo gastar mais com o terceirizado do que com o servidor público, o terceirizado não tem o mesmo comprometimento que o funcionário publico tem com o serviço público.

Como em todos os procedimentos realizados a fim de prestar qualquer tipo de ação ou serviço que esteja ligado aos atos da Administração Pública, tais mecanismos devem respeitar a legislação que o regulamenta a sua atuação. A terceirização na Administração Pública , pode ser feita através dos mecanismos de concessão ou permissão, devendo então observar a Lei n. 8.666 de 21 de junho de 1993, instituiu normas para os procedimentos de contratação direta com a Administração Pública, regulando portanto, as ações referentes a licitações e contratos.

 

4.1           AS ALTERAÇÕES DA CONSOLIDAÇAO DAS LEIS TRABALHISTAS (CLT)

A Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, que ficou popularmente conhecida como a lei da “reforma trabalhista”, em seu art. 2o, trouxe algumas mudanças para a Lei n. 6.019 de 1974, lei que dispõe sobre o Trabalho Temporário nas Empresas Urbana.

Dentre as mudanças, a principal se encontra no art. 4o A:

 

Art. 4o-A.  Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução.   (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)

 

A alteração portanto, trouxe a permissão da terceirização de qualquer atividade seja ela atividade-meio ou atividade-fim. Logo, fica superada essa distinção que antes era importante para classificar a terceirização como lícita ou ilícita.

Sendo assim, diante desta alteração, fica permitido também à Administração Pública realização da terceirização de atividades-fim. Porém, deve ser observado somente a limitação quanto à delegação dos serviços que são inerentes à Administração Pública, em que ela é a titular e executora pois tratam-se de funções estatais típicas.

Funções são típicas da Administração Pública decorrem em razão dos poderes administrativos da Administração, que são: poder normativo ou regulamentar, poder de polícia, poder hierárquico e poder disciplinar. (OLIVEIRA, 2014, p.62)

Portanto, não é possível realizar a terceirização por exemplo de juízes, fiscais, policiais, etc.

 

5               CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho foi realizado com o intuito de analisar o instituto da terceirização na esfera da Administração Pública.

Pode-se concluir que, no âmbito do direito privado, a terceirização é tida como um processo de gestão empresarial de extrema importância na qual uma empresa denominada tomadora de serviços realiza a transferência de uma atividade, podendo ser atividade-meio, ou agora de acordo com a reforma trabalhista atividade-fim, para outra empresa chamada prestadora de serviços realizar a execução através de seu funcionário. Nessa relação não há o estabelecimento de vínculos diretos trabalhistas do trabalhador que realiza a atividade com a empresa tomadora do serviço.

Essa concepção também foi adotada pela Administração Pública, mas com as devidas ressalvas que o Direito Público impõe ao citado instituto.

Sabe-se que a Administração Pública sempre esteve adstrita ao princípio da legalidade (art. 37 da Constituição Federal/1988), devendo realizar sempre aquilo que a lei determina, e também deve sempre priorizar o interesse público e executar suas atividades com máxima eficiência, cumprindo assim com os outros princípios que à rege.

Portanto, o instituto da terceirização é cabível no âmbito Administração Pública, e constitui uma espécie de parceria do setor público com o setor privado, na qual é realizado a delegação de suas atividades por meio de mecanismos como concessão, permissão ou autorização. Esses mecanismos, como de praxe, decorrem de licitação nos moldes da Lei n. 8.666 de 21 de junho de 1993.

O desfecho que se pode obter com o presente estudo é que o instituto da terceirização para a Administração Pública tem uma grande importância, pois, quando o Estado realiza a delegação algumas de suas atividades para a execução através de entes privados especializados,  ele consegue desempenhar de melhor forma suas competências institucionais, alcançando com isso uma maior eficiência na prestação dos serviços públicos.

 

[1] Graduanda do curso de Direito da Faculdade Secal - PR  jessica.lindholn@yahoo.com.br;

[2] Professora orientadora do curso de Direito da Faculdade Secal – PR vccalixto@gmail.com.

  • Tercerização
  • Administração Pública
  • Serviço Público
  • Licitação

Referências

BARROS, Alice Monteiro de.  Curso de direito do trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr. 2011.

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Jessica Lindholn

Advogado - Ponta Grossa, PR


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