Prescrição Penal Virtual: Análise entre seus benefícios práticos e a ausência de previsão legal


24/07/2017 às 12h32
Por José Carvalho Jr

RESUMO: O presente estudo destina-se a examinar o instituto da prescrição penal em sua modalidade virtual ou em perspectiva, confrontando-a com os pensamentos favoráveis e contrários à sua aplicação, bem como aos princípios constitucionais da duração razoável do processo, legalidade, economia processual, obrigatoriedade da ação penal e presunção de inocência.

 

Introdução

 

         O transcurso do tempo acarreta diversas implicações no ordenamento jurídico, desde o nascimento à extinção de direitos. Na seara penal não é diferente, pois nela, com a ocorrência de uma violação ao preceito primário do tipo penal, nasce para o Estado o direito de punir o agente transgressor da norma. A este direito público subjetivo dá-se o nome de pretensão punitiva.


            Este jus puniendi, deve, em regra, ser exercido em determinado lapso de tempo previamente estabelecido em lei, caso contrário, acarretará na ocorrência de um fenômeno denominado prescrição, gerando a impossibilidade de se aplicar a sanção inicialmente proposta. Destarte, entende-se, em suma, por prescrição penal a perda do direito de punir do Estado em razão do seu não exercício por determinado lapso de tempo previamente fixado em lei.          
           

            O instituto da prescrição tem previsão no nosso ordenamento jurídico no Código Penal em seu Título VIII – Da extinção da Punibilidade, especificamente no artigo 107, inciso IV e vem disciplinado nos artigos 109 e seguintes. Divide-se basicamente em prescrição da pretensão punitiva e prescrição da pretensão executória. A primeira modalidade ainda se subdivide em prescrição da pretensão punitiva abstrata, superveniente, retroativa e virtual ou em perspectiva, sendo esta última, objeto do presente estudo.


            Tem como principal fundamento garantir a efetividade de princípios como segurança jurídica, proporcionalidade, duração razoável do processo e dignidade da pessoa humana, visto que se exige do Estado que ao investigar ou processar um indivíduo criminalmente, tenha-se celeridade e eficiência, postulados estes previstos na Constituição Federal nos seus artigos 5º, inciso LXXVIII e 37, caput.

 

            Ocorre que, com o passar dos anos surgiram constantes discursos no sentido de tratar o instituto, que a priori fora concebido como garantia do indivíduo, como instrumento de impunidade, ao ser extinta a punibilidade de diversos agentes que vieram a praticar ilícitos e não foram investigados/processados no prazo previsto em lei.

 

            Diante deste cenário, ocorreram variadas tentativas de extinguir a prescrição ou suas modalidades, corroborando com a criação da Lei n.º 12.234/2010, que trouxe intensas modificações e supressões no instituto.

 

            Dentre as modificações, a de maior impacto foi a expressa extinção da prescrição retroativa no período entre a data do fato e o recebimento da denúncia/queixa-crime. Com isso, o legislador colocou em risco a segurança jurídica dando poderes à polícia e ministério público de procederem suas investigações criminais sem se preocupar em cumpri-las em prazos razoáveis, visto que com a nova lei não há mais sanção para tal inércia.

 

            Noutro giro, os tribunais superiores abominam a aplicação do reconhecimento antecipado da prescrição penal retroativa, o que levou, inclusive, ao Superior Tribunal de Justiça a editar a Súmula n.º 438 vedando-a expressamente.

 

            Contudo, não obstante tal resistência no que tange à chamada prescrição virtual ou em perspectiva, boa parte da doutrina entende viável a sua aplicabilidade por razões de política criminal, visto que seria manifestamente prejudicial ao indivíduo, à máquina do Judiciário e a toda a sociedade, dar continuidade num processo que visivelmente teria um resultado certo, qual seja, a extinção da punibilidade do agente em razão da prescrição penal retroativa, prevista no Código Penal.

 

            Diante deste cenário, indaga-se: por que deixar de aplicar a modalidade de prescrição supramencionada sabendo-se que levar a cabo um processo fadado à declaração de sua extinção trará grandes prejuízos para todos nele envolvidos?

 

            Portanto, o presente trabalho visa estudar as consequências do instituto da prescrição penal, especificamente na sua modalidade virtual ou em perspectiva, além de buscar compreender sua real finalidade, confrontando os argumentos contrários e favoráveis, bem como sua relação com os princípios penais constitucionais.

 

            Diante do exposto, esta pesquisa justifica-se pelo grande número de investigações e processos criminais que se perduram no tempo e ficam a par da discricionariedade do Estado, já que o posicionamento dos tribunais superiores prejudica o pragmatismo e a celeridade processual, o que acarreta em diversos problemas, como a eternização da persecução penal e o desenrolar de todo um processo que certamente acarretará no mesmo fim que o da aplicação do instituto em análise.

 

            Sendo assim, este trabalho utilizará a metodologia bibliográfica e histórica através de livros, artigos e dissertações publicadas no meio acadêmico, abordando o instituto da prescrição penal e suas características, posteriormente analisando os argumentos doutrinários e, por fim, sua conformidade com os princípios penais constitucionais.

 

1.    Origem, conceito e espécies da Prescrição Penal

 

            É de suma importância averiguar os dados históricos do instituto objeto de estudo, uma vez que através disso se poderá avaliar sua evolução no decorrer do tempo, bem como os resultados alcançados de forma positiva na sociedade.

 

            A prescrição, antes de ter previsão legal, era regulada a partir dos costumes de cada povo que decidia se aceitava ou não a liberação de um criminoso pelo simples passar do tempo (BITENCOURT, 2014 p. 888).

 

            Segundo Galdino Siqueira (apud MOSSIN, H e MOSSIN, J, 2015, p. 13), com esta denominação, o instituto da prescrição teve origem no direito romano primeiramente com a praxe judiciária. O primeiro texto legal a tratar do tema foi a Lex Julia de Adulteriis, datada do ano 18 a.C, que regulava o crime de adultério, fixando o prazo prescricional de 5 anos, tendo posteriormente se estendido para os crimes de estupro, lenocínio, incesto e demais delitos (MOSSIN, H e MOSSIN, J, 2015, pp. 13-14).

 

            Após isto, a prescrição penal passou a ser incorporada em diversos ordenamentos jurídicos. Porém, havia no Direito Romano alguns crimes que não incidia prazo prescricional, pois considerados horrendos e com grande reprovabilidade social, como o parricídio, lesa-majestade e moeda falsa.

 

            Cesare Beccaria (2012, p. 40), a seu tempo manifestava-se a favor da imprescritibilidade dos crimes mais graves:

 

Quando se trata de crimes horrendos, cuja lembrança perdura por muito tempo na memória dos homens, se eles forem provados não deve ocorrer qualquer prescrição em favor do culpado que se subtrai ao castigo pela fuga. Tal não é, contudo, o caso dos crimes ignorados e pouco importantes: é necessário determinar um prazo após o qual o criminoso, bastante punido pelo exílio voluntário, possa retornar sem temer novos castigos.

 

            No que se refere ao Direito bárbaro, o instituto da prescrição foi ignorado, posto que seus diplomas legais só tratavam da prescrição civil. Já no Direito Penal canônico não havia a prescrição da pena em razão do caráter prevalentemente espiritual e efeito automático daquela sanção. Porém, no que se refere a prescrição da pretensão punitiva, a previsão constava do Codex Bened. XV de 1917 em seus arts. 1702 e seguintes (MOSSIN, H e MOSSIN, J, 2015, p. 15).

 

             No Brasil colonial, as Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas não trataram do tema, levando-se a entender que todos os delitos eram imprescritíveis. O Código Criminal do Império do ano de 1830 em seu artigo 65 tratou da imprescritibilidade de todos os crimes dispondo que “as penas impostas aos réus não prescreverão em tempo algum” (PIERANGELI, 2001 p. 243).

 

            Na época da República, o Código de Processo Criminal de 1841 regulou o instituto em seus artigos 32 e seguintes, dispondo que os delitos afiançáveis prescreviam em 20 anos estando o réu dentro do império ou em lugar não sabido, enquanto que nos delitos inafiançáveis se o indivíduo estivesse fora do império não prescreveria em tempo algum (MOSSIN, H e MOSSIN, J, 2015, p. 17).

 

            O Código Penal de 1940, a exemplo do que que acontece com o diploma vigente com as modificações introduzidas pela reforma de 1984, abarca o instituto da prescrição no seu artigo 107, IV, primeira parte.

 

            Praticado o crime, surge para o Estado o direito de punir. Este direito denomina-se pretensão punitiva, que Damásio E. de Jesus (2014, p. 691) conceitua como “a exigência de subordinação do direito de liberdade do cidadão ao direito de punir concreto do Estado”.

            Numa abordagem semelhante, (CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, 2014 p. 276) aduzem que “da violação efetiva ou aparente da norma penal nasce a pretensão punitiva do Estado, que se opõe à pretensão do indigitado infrator à liberdade.

 

            Contudo, este direito não pode perdurar indefinidamente no tempo e, por isso, a lei estabelece prazos para o seu exercício. Assim, ultrapassado este prazo previamente fixado ocorrerá o que chamamos de Prescrição.

 

            A origem da palavra prescrição vem do latim praescriptio que significa prescrever, escrever antes.

 

            Prescrever significa ordenar, regular, preceituar, fixar, limitar. Nesse sentido, Damásio E. de Jesus (2014, p. 690) afirma que:

 

            A palavra “prescrição”, no sentido comum, significa preceito, ordem expressa; no sentido jurídico, significa perda de um direito em face de seu não exercício dentro de certo prazo. Prescrição penal, num conceito preliminar, é a extinção do direito de punir do Estado pelo decurso do tempo. Preferimos dizer que a prescrição penal é a perda da pretensão punitiva ou executória do Estado pelo decurso do tempo sem o seu exercício.

 

            Diante disto, percebe-se que a própria origem da palavra prescrição remete a algo que delimita, regula e fixa algo, que na hipótese em análise é o prazo, fixado legalmente, que o Estado tem para exercer as suas pretensões (punitiva e executória).

 

            Este prazo que a própria lei estabelece, possui causas modificadoras, (suspensivas e interruptivas) e, decorrido, prescreve o direito estatal à punição do infrator. Assim, pode-se definir prescrição como a perda do direito de punir do Estado, pelo decurso do tempo, em razão do seu não exercício, dentro do prazo previamente fixado (BITENCOURT, 2014 p. 887).

 

            Heráclito Mossin e Júlio Mossin (2015, p. 24) lecionam que a prescrição como forma extintiva da punibilidade, sintoniza-se sob dois aspectos, tempo e inércia:

 

[...] o legislador estabeleceu que o Estado, na qualidade de titular exclusivo do ius puniendi in concreto, tem que exercer esse seu poder dentro de determinado lapso temporal. Mantendo-se inerte no âmbito do tempo previamente assinalado, perde ele o seu poder de aplicar a sanção penal àquele que violou o tipo penal.

 

            Sob o mesmo ponto de vista, Rogério Greco (2015, p. 803) conceitua a prescrição como “o instituto jurídico mediante o qual o Estado, por não ter tido capacidade de fazer valer o seu direito de punir em determinado espaço de tempo previsto em lei, faz com que ocorra a extinção da punibilidade”.

 

            Para Guilherme de Souza Nucci (2014, p. 576) a prescrição é a perda do direito de punir do Estado pelo não exercício em determinado lapso de tempo, pois não há mais interesse estatal na repressão do crime, tendo em vista o decurso do tempo e porque o infrator não reincide, readaptando-se à vida social. Percebe-se que a definição do autor é pautada nos fundamentos de aplicabilidade da mesma.

 

            Abordados origem e conceito, cumpre examinar as duas espécies de prescrição previstas no Código Penal, a saber: prescrição da pretensão punitiva e prescrição da pretensão executória. Na primeira, que ocorre sempre antes de transitar em julgado a sentença penal condenatória, há a perda por parte do Estado, da possibilidade de formar seu título executivo de natureza judicial (GRECO, 2015 p.  804). Tem como efeitos da sua ocorrência o a extinção de todos os efeitos do delito, tais como primariedade, antecedentes e impossibilidade de gerar título executivo judicial.

 

            Vale ressaltar que esta espécie se subdivide em prescrição abstrata, intercorrente, retroativa e virtual, esta última, objeto do presente trabalho.

 

             A prescrição da pretensão punitiva abstrata verifica-se antes de transitar em julgado a sentença penal condenatória e calcula-se a partir dos prazos estabelecidos no artigo 109 do Código Penal, in verbis:

 

Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:(Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).

I – em vinte anos, se o máximo da pena é superior a 12;

II – em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze;

III – em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito;

IV – em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois e não excede a quatro;

V – em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois;

VI – em três anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano. (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).

 

            Percebe-se que o legislador determinou o prazo prescricional de acordo com a gravidade do crime, visto que se regula pelo máximo da pena imposta ao delito. Merece destaque, também, a alteração introduzida pela Lei n.º 12.234/2010 que aumentou o prazo prescricional de dois para três anos nos crimes cuja pena máxima for menor que um ano. Ressalte-se que esta alteração só poderá ser aplicada aos fatos posteriores a vigência da citada lei, em respeito ao princípio da irretroatividade da lei penal.

 

            Sobre a espécie de prescrição em análise, Damásio E. de Jesus (2014, p. 691) postula que:

 

[...] a prescrição da pretensão punitiva é regulada pela pena abstrata cominada na lei penal incriminadora, seja simples, seja qualificado o delito. O prazo prescricional varia de acordo com o máximo da sanção abstrata privativa de liberdade, com desprezo da pena de multa, quando cominada cumulativa ou alternativamente. Para saber qual o prazo de prescrição da pretensão punitiva devemos verificar o limite máximo da pena imposta in abstracto no preceito sancionador e enquadrá-lo em um dos incisos do art. 109 do CP [...]

 

            Sobre a incidência de causas que modificam a pena base, deve-se considerar a possibilidade de sua ocorrência, quais sejam, as majorantes ou minorantes, excluindo-se, é claro, as agravantes e atenuantes. Como em matéria de prescrição deve-se priorizar o interesse público, em se tratando de majorante, deve-se considerar o fator que mais aumente e, em se tratando de minorante, o fator que menos diminua a pena (BITENCOURT, 2014, p. 891).

 

            Diversamente da prescrição abstrata, a prescrição intercorrente, também chamada de superveniente, é calculada a partir da pena in concreto imposta na sentença e do trânsito em julgado para a acusação, pois, este último, torna a pena estável, sendo impossível agravá-la em respeito ao princípio da proibição da reformatio in pejus, e calcula-se a partir dos prazos do fixados no art. 109, sempre verificando a ocorrência das causas do art. 115 do Código Penal, ocorrendo quando decorre o lapso temporal entre a sentença e o trânsito em julgado para a acusação e defesa. Sobre o tema, dispõe o artigo 110, parágrafo 1º do Código Penal:

 

Art. 110, § 1º. A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa. (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).

 

            Apesar do artigo supramencionado fazer menção apenas a sentença condenatória, deve-se interpretá-lo de modo a abarcar, além das decisões monocráticas (sentenças), as decisões condenatórias coletivas ou acórdãos (GRECO, 2015, p. 810).

 

            Rogério Greco (2015, p. 810) traz como pressuposto de sua ocorrência a presença de alguns requisitos:

 

[...] a) deve existir uma sentença ou acórdão condenatório recorrível, fixando uma determinada quantidade de pena, que será utilizada para efeito de cálculo, de acordo com o art. 109 do Código Penal; b) deverá ter ocorrido o trânsito em julgado para  a acusação (Ministério Público ou querelante); c) não pode ter ocorrido a prescrição retroativa, contada a partir da data do recebimento da denúncia, até a publicação da sentença ou do acórdão condenatório recorrível; d) será calculada para frente, ou seja, a partir da sentença ou do acórdão condenatório recorrível

 

            A prescrição retroativa, assim como a superveniente, tem como fundamento a “pena justa” (JESUS, 2014, p. 701), significando que a pena aplicada na sentença era, desde a prática do fato, a necessária e suficiente para aquele caso concreto (BITENCOUT 2014 p. 892).

 

            Trata-se de espécie de prescrição da pretensão punitiva, regulando-se, contudo, pela pena concreta aplicada na sentença penal condenatória com trânsito em julgado para o Ministério Público ou para o querelante. Em decorrência da ausência de recurso da acusação, a pena aplicada ao sentenciado jamais poderá ser modificada pelo Tribunal em seu prejuízo, em razão do princípio da proibição da reformatio in pejus.

 

            Para se aplicar a prescrição penal em sua modalidade retroativa, deve-se observar a ocorrência de sentença penal condenatória, com trânsito em julgado para a acusação ou improvido seu recurso e inocorrência da prescrição abstrata. Em seguida, chega-se ao prazo prescricional a partir dos postulados do artigo 109 do Código Penal.

          
            O prazo prescricional computa-se da data da publicação da sentença condenatória para trás, até a data do recebimento da denúncia ou queixa e não mais entre esta e a data da consumação do crime, devido a modificação feita pela Lei nº 12.234/2010 que excluiu expressamente esta possibilidade. Portanto, se excedido o lapso prescricional entre tais marcos terá ocorrida a prescrição retroativa.

 

            A prescrição da pretensão executória ocorre após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, logo, o decurso do tempo faz com que o Estado perca o direito de executar a sanção concreta imposta na sentença. Apresentando uma abordagem semelhante, Luiz Regis Prado (2015, p. 602) aduz que:

 

Com a prescrição da pretensão executória (ou da condenação), desaparece o direito de execução da sanção penal imposta. Transitada em julgado a sentença condenatória, a prescrição regula-se pela pena in concreto, observado o disposto no artigo 109 do Código Penal. Ou seja, irrecorrível a sentença condenatória, o curso do lapso prescricional terá por base a pena aplicada, segundo os prazos fixados naquele diploma, os quais aumentam de um terço se o condenado é reincidente (art. 110, caput, CP).

 

            Ao contrário dos efeitos da declaração da prescrição da pretensão punitiva, a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão executória, acarretará na impossibilidade de execução da pena e da medida de segurança, subsistindo as consequências de ordem secundária da sentença condenatória, como o lançamento do nome do réu no rol dos culpados, pagamento de custas processuais, reincidência e possibilidade de execução civil para efeito de reparação do dano (JESUS, 2008 p. 96).

 

            Verifica-se que a Prescrição da Pretensão Punitiva se rege pela pena abstrata cominada ao delito, salvo em suas modalidades retroativa e intercorrente, enquanto a Prescrição da Pretensão Executória, pela pena concreta aplicada na sentença e calcula-se a partir dos prazos fixados no artigo 109 do Código Penal.

 

2.    Fundamentos políticos, natureza jurídica e imprescritibilidade

 

            Dentre os motivos pelos quais os vários ordenamentos jurídicos consagram o instituto da prescrição, o decurso do tempo é o mais citado pela doutrina em geral. Nessa perspectiva, Giuseppe Bettiol (apud MOSSIN, H e MOSSIN, J, 2015, p. 40) assevera que “o poder punitivo do Estado (e, portanto, o crime) pode extinguir-se mediante o decurso do tempo”.

 

            A prescrição possui diversos fundamentos, que dentre os quais destacam-se: a teoria do esquecimento do fato, pela qual o decurso do tempo sem nenhuma ação do Estado acaba acarretando a deslembrança do delito. Assim, Giulio Battaglini (apud BITTENCOURT, 2014, p. 889) aduz que “a prescrição cessa a exigência de uma reação contra o delito, presumindo a lei que, se o tempo não cancela a memória dos acontecimentos humanos pelo menos atenua ou o enfraquece”.

 

            Sobre o tema, Damásio E. de Jesus (2008, p. 19) afirma que:

 

            Pelo transcurso do tempo, considera-se a inexistência do interesse estatal em apurar um fato ocorrido há muitos anos, ou de ser punido seu autor. A prevenção genérica e específica advindas da resposta penal, pelo passar dos anos, perdem a sua eficácia.

 

            Com isso, o longo transcurso do tempo, variando segundo a gravidade do delito praticado, gera menos interesse social em punir, desaparecendo o dano imediato, diminuindo a razão política da pena, sendo que o esquecimento subverte o delito, do qual não mais resta nenhuma memória ou consequência pública (FLORIAN, apud MOSSIN, H e MOSSIN, J, 2015, p. 43).

 

            Nesta linha de pensamento, Heráclito Mossin e Júlio Mossin (2015, p. 44-45) afirmam que:

 

            O direito de punir do Estado (jus puniendi em concreto) de forma ampla deve se aperfeiçoar da maneira mais rápida possível. Assim, com certa imediatidade deve ser proposta a ação penal, bem como deve também de maneira rápida ser julgado o pedido nela contido, acolhendo ou não a pretensão punitiva. A demora, tanto na efetivação da persecução criminal ou na execução da sanctio legis, faz perder o caráter inflitivo e corretivo da sanção penal (caráter social); além do que o autor do fato punível não pode ficar à disposição da Justiça por tempo indeterminado, já que isso abala a sua situação psicológica, uma vez que tem ele ansiedade em ver solucionada a lide em que se encontra envolvido.

 

            O segundo fundamento é a recuperação do agente que cometeu o ilícito (teoria da emenda do delinquente), segundo a qual o decurso do tempo sem que o réu tenha reincidido, indica que alcançou a ressocialização, desaparecendo a necessidade da pena tendo em vista o alcance de sua finalidade. Em contrapartida, se o indivíduo volta a delinquir, demonstra-se que não houve ressocialização e, por este motivo o código penal em seu artigo 117, VI, traz como causa interruptiva da prescrição da pretensão executória a reincidência. Assim, o transcurso do tempo sem a reincidência criminosa faz presumir a recuperação do agente, desaparecendo, assim, a razão para se punir o indivíduo pelo cometimento daquela infração penal (JESUS, 2008, p. 19).

 

            Nesse sentido, Anibal Bruno (apud MOSSIN, H e MOSSIN, J, 2015, p. 42) leciona que:

 

[...] assim também, com o tempo, vai-se mudando o réu em outro homem, esquece ou deforma a imagem do seu crime e a pena, já não mais encontrará o mesmo sujeito, como saiu, com sua culpa, da prática do delito, para nele aplica-se com eficácia a justiça. Perde a pena o seu fundamento e seus fins, e assim se esgotam os motivos que tinha o Estado para a punição [...].

 

            O terceiro fundamento baseia-se na teoria da dispersão das provas, onde o decurso do tempo provoca o perecimento das provas, gerando a impossibilidade de realizar um julgamento justo tanto tempo após a consumação do delito e, caso haja o julgamento, haverá maior probabilidade de ocorrer erro judiciário (NUCCI, 2014, p. 577). Vale ressaltar que para Bitencourt (2014, p. 890) “este fundamento, pode-se dizer, é de direito processual. O longo hiato temporal faz surgir uma dificuldade em coligir provas que possibilitem uma justa apreciação do delito. A apuração do fato delituoso torna-se mais incerta, e a defesa do acusado mais precária”.

 

            Anibal Bruno (apud MOSSIN, H e MOSSIN, J, 2015, p. 42) ressalta a consequência do decurso do tempo em relação ao perecimento das provas, lecionando que:

 

[...] o fato cometido foi-se perdendo no passado, apagando-se os seus sinais físicos e as suas circunstâncias na memória dos homens, escasseiam e se tornam incertas as provas materiais e os testemunhos e assim crescem os riscos de que o juízo que venha e emitir sobre ele se extravie, com grave perigo para segurança do Direito [...].

 

            Quanto a natureza jurídica do instituto, a doutrina diverge acerca de sua natureza processual, material (penal) ou até mesmo mista, inclinando-se sua maioria à segunda corrente, como Cezar Roberto Bitencourt e Rogério Greco que sustentam a natureza material em virtude de estar regulada no código penal e, nessas circunstâncias conta-se o dia do seu início.

 

            Entretanto, os que defendem seu aspecto processual, como Oppenhoff, Dorendorf e Binding aduzem que a prescrição constitui obstáculo ao início ou prosseguimento da persecução criminal, de modo que os seus efeitos de ordem material são unicamente reflexos e secundários (MOSSIN, H e MOSSIN, J, 2015, p. 35).

 

            Damásio E. de Jesus (2014, p. 690) põe fim a divergência afirmando que, “O impedimento à persecução penal que dela decorre configura simples efeito de natureza processual penal, como acontece com outras causas, como anistia, a renúncia ao direito de queixa, a reparação do dano no peculato culposo etc”. Ademais, o próprio sistema penal que a inclui entre as causas extintivas de punibilidade, disciplinando-a em vários dispositivos do Código Penal, como os artigos 107, IV, primeira parte e artigos 108 a 118 (JESUS, 2008, p. 18).

 

            Apesar de todos os fundamentos que legitimam o instituto da prescrição penal como uma garantia constitucional da pessoa humana, existem dois crimes no ordenamento jurídico brasileiro que não prescrevem por expressa disposição constitucional.

 

            Segundo os incisos XLII e XLIV do artigo 5º da Constituição Federal, são imprescritíveis a prática do racismo e a ação de grupos armados, civis e militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.

 

            Nas lições de Heráclito Mossin e Júlio Mossin (2015, p. 47) “a razão que levou o legislador constituinte a prever a imprescritibilidade nas hipóteses apontadas reside no alto interesse que tem o Estado na repressão dessas práticas delitivas, independente do espaço temporal que for necessário para efetivá-la”.

 

            Feitas estas considerações acerca do instituto da prescrição em geral, cabe analisar a prescrição virtual, objeto deste trabalho.

 

3.    Prescrição da Pretensão Punitiva Virtual ou Antecipada

 

            A prescrição virtual, projetada, em perspectiva ou retroativa antecipada é uma espécie de prescrição criada pelos tribunais e por parte da doutrina.

 

            Esta prescrição ocorre sempre que o magistrado, ao analisar o caso concreto, verificando as circunstâncias do fato típico e as condições pessoais do acusado (primariedade, bons antecedentes, boa conduta social), pudesse vislumbrar que a pena que seria imposta em caso de condenação fosse idônea a ensejar a prescrição retroativa, devendo, portanto, reconhece-la, antecipadamente, extinguindo-se a punibilidade (TELES, 2006, p. 523).

 

            No magistério de Paulo Queiroz (2008, p. 428):

 

A prescrição retroativa antecipada – ou simplesmente prescrição antecipada ou em perspectiva – consiste, assim, no reconhecimento da prescrição antes do oferecimento da denúncia ou da queixa e, no curso do processo, anteriormente à prolação da sentença, sob o argumento de que eventual pena a ser aplicada em caso de condenação ensejaria, inevitavelmente, ou com grande margem de probabilidade, a prescrição retroativa da pretensão punitiva.

 

            A prescrição da pretensão punitiva antecipada é uma espécie de prescrição da pretensão punitiva retroativa que consiste no reconhecimento antecipado deste tipo de prescrição com base na pena que poderá ser imposta ao acusado na sentença condenatória ou na probabilidade de que o condenado tenha reduzida sua pena através de recurso (GOMES NETO, 2010 p. 86).

 

            Conforme Guilherme de Souza Nucci (apud MOSSIN, H e MOSSIN, J, 2015, p. 110):

 

            Prescrição antecipada ou virtual é a constatação da prescrição, antecipadamente, levando-se em consideração a pena a ser virtualmente aplicada ao réu, ou seja, a pena que seria, em tese, cabível ao acusado. Quando o juiz recebe a denúncia por uma lesão corporal dolosa, por exemplo, pode vislumbrar a possibilidade de, em caso de condenação, aplicar a pena mínima, ou seja, três meses de detenção. Nesse caso, estaria prescrita a pretensão punitiva do Estado, porque já teria decorrido entre a data do fato e a do recebimento da denúncia um prazo superior a dois anos.

 

            Ressalte-se que este exemplo proferido pelo autor há de ser ponderado devido ao advento da Lei n.º 12.234 de 5 de maio de 2010, uma vez que o novo diploma excluiu a possibilidade de ocorrência da prescrição retroativa entre a data do delito e o recebimento da denúncia, o que gerou reflexos diretos na prescrição virtual. Além disso, a supracitada lei aumentou o prazo prescricional para delitos cuja pena máxima seja igual ou inferior a 01 (um) ano, para 03 (três) anos.

 

            Osvaldo Palotti Júnior (apud TELES, 2006 p. 522) define a prescrição virtual como “o reconhecimento da prescrição retroativa, tomando-se por base a pena que possivelmente seria imposta ao réu no caso de condenação”.

 

            Apresentando uma abordagem semelhante, Heráclito Mossin e Júlio Mossin (2015, p. 110) afirmam que:

 

            Deduz-se, portanto, que a denominada prescrição virtual é o reconhecimento antecipado pelo magistrado da extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva. Portanto, partindo-se de um mero critério de perspectiva em torno da sanção penal que será concretamente aplicada, conclui-se que o Estado perdeu seu ius puniendi, não havendo, por conseguinte, a necessidade de dar continuidade ao procedimento criminal. Sob outra ótica, o juiz antejulga qual será o resultado na composição da lide, estimando qual seria o quantum da pena imposta, prejudicando o meritum causae, e com isso afastando eventual pretensão da defesa quanto ao improvimento do pedido contido na exordial pública ou privada.

 

            Exemplificando o instituto, suponha-se que um indivíduo, primário e com bons antecedentes, praticou o crime de furto simples no dia 10 de março de 2004. Conforme art. 155 do Código Penal, a pena prevista para o delito é de 01 (um) a 04 (quatro) anos de reclusão.

 

            Com as investigações, colhe-se o lastro probatório suficiente para o início da ação penal que é oferecida em 10 de abril do mesmo ano. Recebida a denúncia no dia 10 de maio de 2004 o processo fica paralisado até dezembro de 2011, quando então o acusado é citado para responder à acusação. Veja que se passaram 7 (sete) anos desde o último marco interruptivo do prazo prescricional.

 

            O juiz, ao analisar as circunstâncias do fato e as condições do réu, fazendo um raciocínio lógico e pautado na razoabilidade percebe que o crime em comento será atingido pela prescrição retroativa após eventual sentença condenatória, uma vez que, na pior das hipóteses, que seria condená-lo à pena máxima, a prescrição retroativa seria decretada, por força do art. 109, IV do Código Penal que prevê o prazo prescricional de 8 (oito) anos para este crime.

 

            Com efeito, neste caso, na eventual sentença do juiz terá ocorrido a prescrição retroativa, pois entre a data do recebimento da inicial acusatória até a sentença, certamente já decorreria mais de oito anos, uma vez que a instrução sequer tinha se iniciado. Ante o exposto, por que levar a diante um processo fadado ao insucesso causando constrangimento desnecessário ao acusado e movimentando inutilmente a máquina do judiciário?

 

            Nas precisas palavras de Luiz Vicente Cernicchiaro (1998, p. 195), reconhecer antecipadamente a prescrição penal retroativa: “é a solução ideal, desafoga as pautas de julgamento, evita a perda de tempo útil para outros processos. A celeridade da justiça é colocada como pano de fundo”.

 

            O tema em estudo está longe de ser pacificado uniformemente no direito brasileiro devido principalmente à resistência de parte dos tribunais superiores (REsp 812177-RS; REsp 1167681-PR; AgRg no AREsp 62191-PI; Súmula n.º 438 do Superior Tribunal de Justiça), bem como de parcela da doutrina, como Cezar Roberto Bitencourt, Heráclito e Júlio Mossin, Eugenio Raúl Zaffaroni, Damásio Evangelista de Jesus, Luiz Regis Prado, dentre outros.

 

            Em contrapartida, há considerável corrente que defende a aplicação do instituto, como Rogério Greco, Ney Moura Teles, Fernando Capez, Paulo Queiroz, Rogério Sanchez, Luiz Sérgio Fernandes de Souza, dentre outros. Há também, diversos julgados de tribunais que aceitam a modalidade antecipada de prescrição (STF - AP: 379; TJ-TO RSE 50066725820138270000; RT 668/315; RSE 200705100593 – TJRJ; Enunciado Criminal n.º 75 do FONAJE).

 

            A matéria é extremamente polêmica, havendo ponderáveis razões de ambos os lados. Tratar-se-á, doravante, dos fundamentos da corrente favorável, seguido da posição contrária à aplicabilidade do instituto.

 

3.1.        Corrente favorável

            O fundamento para seu reconhecimento, segundo seus defensores, é que declarar antecipadamente a futura e provável prescrição retroativa evitaria um provimento jurisdicional inútil, consubstanciando numa maior economia processual, uma vez que não há sentido em movimentar a máquina Estatal desnecessariamente, gerando, em suma, uma carência superveniente de ação em razão da ausência de interesse de agir (FERREIRA, 2013, p. 34).

 

            Além disso, o processo pode ser considerado uma pena diante das restrições de direitos fundamentais e estigmatizarão que sofre o acusado. Assim, alegam o constrangimento desnecessário aos envolvidos, bem como perda de tempo e dinheiro quando se insiste em um processo sabendo-se que futuramente será extinto pela prescrição, gerando descrédito dos cidadãos para com a justiça pública.

 

            Nas palavras do professor Romulo de Andrade Moreira (2012):

 

Parece-nos inconcebível que, à vista da prescrição iminente (art. 110, § 1º, do Código Penal) e em nome da indisponibilidade da ação penal (art. 42, do Código de Processo Penal), o Estado-Juiz admita a continuidade de um processo penal, sabendo-se de antemão tratar-se de atividade absolutamente inócua, contrariando a própria razão de ser da jurisdição, deslembrando-se, ademais, da grande quantidade de processos criminais referentes a fatos delituosos efetivamente graves.

 

            Por fim, seus defensores invocam princípios como razoável duração do processo, dignidade da pessoa humana, instrumentalidade e proporcionalidade para defender o instituto.

 

3.1.1.   Prescrição virtual e Interesse de agir

 

            O interesse de agir baseia-se na premissa de que o Estado não pode acionar o aparato judiciário sem que dessa atividade se possa extrair algum resultado útil. No processo penal, a falta de interesse de agir é exemplificada pela ausência de justa causa (CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, 2014, p. 279).

 

            Segundo esse raciocínio, o julgador deverá extinguir o processo sem julgamento do mérito, uma vez que, naquele exato instante, pode constatar a ausência de uma das condições necessárias ao regular exercício do direito de ação, vale dizer, o chamado interesse-utilidade da medida (GRECO, 2015, p. 834).

 

            Nesse sentido, Júlio Cezar Lemos Travessa (apud PIEDADE, 2013) aduz que:

 

[...] o fundamento dogmático dessa tese está na segunda figura do inciso III, do artigo 43 do Código de Processo Penal, que prevê a falta de interesse de agir, baseada no binômio inadequação e inutilidade, que torna o autor da ação penal carecedor de ação, toda vez que propuser ou mantiver uma demanda penal, sabendo de antemão que, em razão das condições pessoais e legais do suposto agente (...), a pena definitiva será fixada no mínimo previsto em lei, o que levaria à ocorrência da prescrição penal retroativa.

 

            Ressalte-se que com a revogação do artigo 43 pela Lei n.º 11.719/2008, a previsão legal passou para o inciso II do novo art. 395 do Código de Processo Penal que dispõe que a denúncia ou queixa será rejeitada quando faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal.

 

            Sobre o interesse-utilidade da medida, Rogério Greco (2015, p. 768) esclarece que:

 

[...] embora sempre haja o interesse-necessidade, às vezes pode faltar ao legitimado ativo o chamado interesse-utilidade da medida. Embora a jurisdição penal seja sempre necessária à aplicação de uma pena, pode acontecer que, no caso concreto, sua intervenção já não seja mais útil, como acontece na hipótese em que, durante o curso da ação penal, embora não tenha ainda ocorrido a prescrição, levando-se em consideração a pena máxima cominada em abstrato, tiver ocorrido período suficiente para que, ao final, após a aplicação da pena em concreto, haja o reconhecimento da prescrição.

 

            Esta espécie de prescrição baseia-se na inutilidade da prestação jurisdicional buscada perante o caso concreto e que a eventual pena aplicada será inevitavelmente atingida pela prescrição da pretensão punitiva retroativa (GOMES NETO, 2010, p. 86).

 

            Exemplificando o interesse-utilidade com a prescrição virtual, Fernando Capez (apud FERREIRA, 2013, p. 35) assevera que:

 

A utilidade do processo traduz-se na eficácia da atividade jurisdicional para satisfazer o interesse do autor. Se, de plano, for possível perceber a inutilidade da persecução penal aos fins que se presta, dir-se-á que inexiste interesse de agir. É p caso, e.g., de se oferecer denúncia quando, pela análise da pena for possível de ser imposta ao final, se eventualmente comprovada a culpabilidade do réu, já se pode antever a ocorrência da prescrição retroativa. Nesse caso, toda a atividade jurisdicional será inútil; falta, portanto, interesse de agir.

 

            Como a condição da ação é considerada matéria de ordem pública, a sua ausência deve ser declarada de ofício e em qualquer grau de jurisdição, assim, no curso da ação penal, se o magistrado verificar a futura ocorrência da prescrição retroativa a partir da eventual pena em concreto, deve declará-la em razão da superveniente carência de ação penal.

 

3.1.2.   Constrangimento causado pelo processo penal

 

            Faz-se necessário mencionar o argumento segundo o qual o processo penal acarreta um grande constrangimento ilegal ao acusado.

 

            O curso dos processos criminais supera o limite razoável de duração fazendo com que o Estado se aposse ilegalmente do tempo do particular de forma dolorosa e irreversível. Esse apossamento ilegal ocorre ainda que não exista uma prisão cautelar, “pois o processo em si mesmo é uma pena” (LOPES JR, 2016, p. 76).

 

            Por este motivo existem mecanismos com o objetivo de se evitar ao máximo que alguém seja processado ou julgado injustamente, sendo necessário, para tanto, que haja justa causa para ação penal, é dizer, indícios de autoria e materialidade do delito, o fumus commissi delicti. É indiscutível, portanto, a necessidade de um processo útil, com a possível concretização de sua finalidade, que é alcançar eventual condenação daquele que violou o tipo penal e, caso o processo não siga essas diretrizes, inevitavelmente será um injusto constrangimento ilegal ao acusado (FERREIRA, 2013, p. 39).

 

            Nesse sentido, Rômulo de Andrade Moreira (2012) assevera que deve-se “preservar a dignidade do indivíduo, evitando-se a perniciosa continuidade da sujeição a um processo penal inútil e, ao mesmo tempo, acumulando-se força e energia para casos criminais de efetivo relevo”.

 

            Assim, Aury Lopes Jr (2016, p. 76) afirma:

 

            É inegável que a submissão ao processo penal autoriza a ingerência estatal sobre toda uma série de direitos fundamentais, para além da liberdade de locomoção, pois autoriza restrições sobre livre disposição de bens, a privacidade das comunicações, a inviolabilidade do domicílio e a própria dignidade do réu.

 

            Desta forma, resta patente a violação ao princípio da presunção de inocência no seu âmbito externo, uma vez que com o processo há uma publicidade abusiva e uma estigmatização do acusado diante da supressão de sua liberdade e intimidade, sobretudo através da desnecessária exploração midiática do fato criminoso (LOPES JR, 2016, p. 97).

 

            Expressivos são os ensinamentos do mestre Antonio Scarance Fernandes (apud FERREIRA, 2013, p. 39):

 

            Submeter alguém aos dissabores de um processo penal, tendo a certeza que será inútil, constitui constrangimento ilegal, uma vez que a mesma injustiça, decorrente da acusação posta sem que seja possível antever a condenação do réu, existe quando não há possibilidade de cumprimento da sentença condenatória por que será alcançada pela prescrição.

 

            A persecução penal enseja várias limitações aos direitos individuais, como obrigação de comparecer aos atos sob pena de condução, dever de comunicar ao juiz a mudança de endereço, restrição a sua locomoção, indisponibilidade de seus bens, sem falar nas frequentes prisões cautelares (BITENCOURT, 2014, p. 905).

 

            Percebe-se que é inegável a interferência do processo penal nos direitos fundamentais do acusado, devendo, pois, a dilação indevida do processo ser reconhecida pelo juiz, decretando a extinção da punibilidade em razão da prescrição retroativa antecipada, ainda que não haja previsão legal para tanto.

 

3.1.3.   Princípio da razoável duração do processo e da economia processual

 

            A garantia da Razoável Duração do Processo antes de sua inserção no artigo 5º, inciso LXXVIII pela Emenda Constitucional n.º 45, de 30 de dezembro de 2004, já era objeto de relevantes discussões, além de ter previsão em variados documentos internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Convenção Europeia para Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais e da Convenção Americana de Direitos Humanos.

 

            A introdução no ordenamento jurídico brasileiro foi influenciada pela Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de São José de Costa Rica o qual o Brasil é signatário, dispondo no seu artigo 8, I:

 

Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

 

            Sobre a importância do princípio da razoável duração do processo, Cezar Roberto Bitencourt (2014, p. 904) afirma:

 

Não se pode ignorar que a excessiva demora (além do prazo razoável) da prestação jurisdicional efetiva deve-se exclusivamente à inoperância do Estado, que, com frequência, não cumpre suas funções institucionais em tempo razoável. O ônus da inoperância do Estado não pode mais recair sobre os ombros do cidadão acusado, preso ou solto.

 

            É imprescindível num Estado democrático, a efetividade do princípio em comento, pois a duração infindável do processo só postergará o constrangimento do acusado e seus direitos fundamentais anteriormente citados.

 

            Tratando-se de processo penal, estão em jogo os bem jurídicos mais importantes do cidadão, como a vida, a liberdade e o patrimônio, desta forma, viola claramente a dignidade da pessoa humana a ineficácia deste princípio.

 

            Ressalte-se que não se quer aqui, um processo penal rápido e superficial, o que afrontaria a todas as garantias constitucionais, como contraditório, ampla defesa, juiz natural, motivação das decisões judiciais, dentre outras.

 

            Nesse sentido, Alexandre Morais da Rosa e Sylvio Lourenço da Silveira Filho (apud LECHENAKOSKI, 2016) afirmam que:

 

O tempo razoável para o processo, concebido como convergência de garantias, não é necessariamente o tempo mais curto, mas justamente o tempo adequado para que o processo cumpra suas funções. A aceleração processual, não raro, pode retirar a razoabilidade de sua duração. Processo “instantâneo” ou “quase instantâneo” não é razoável e representa, inclusive, verdadeira contradição, pois – conforme já salientado – a própria noção de processo implica transcurso de tempo, lapso razoável para que possa ser decidido.

 

            Assim, valendo-se das próprias teorias que fundamentam a prescrição, impõe-se seu reconhecimento diante das consequências que a duração interminável de um processo criminal gera no indivíduo, afinal, muitas vezes não é mais a mesma pessoa que cometeu o fato delituoso, pois o longo passar do tempo fez com que o fato se apague da memória dos envolvidos ou até se tenha ressocializado, constituindo família e laborando licitamente, por exemplo.

 

            Nas precisas palavras de Vinícius Rodrigues Arouck Ferreira (2013, p. 44):

 

A prescrição penal antecipada pode ser tratada como um instituto, não contrário ao direito, com fundamento e amparo constitucional, que tem como um dos seus objetivos garantir a razoável duração do processo à luz da dignidade da pessoa humana.

 

            Princípio da simplificação, princípio econômico, princípio segundo o qual o processo deve obter o maior resultado com o mínimo de esforço possível, o princípio da economia processual, consiste em buscar maior efetividade dos atos processuais, porém da forma menos dispendiosa possível. É usado como fundamento da prescrição virtual, pois, esta, é tratada como uma forma de desafogar o judiciário. Busca-se com o referido princípio, o máximo de resultado na atuação do direito com o mínimo possível de despesas e prejuízo às partes com atos processuais inúteis.

 

            Fernando Capez (apud SOUSA, 2009) trata a prescrição virtual como um instrumento de economia processual afirmando que ela:

 

Fundamenta-se no princípio da economia processual, uma vez que de nada adianta movimentar inutilmente a máquina jurisdicional com processos que já nascem fadados ao insucesso nos quais após condenar ao réu, reconhece-se que o Estado não tinha mais o direito de puni-lo devido à prescrição.

 

            Nas palavras de Antônio Lopes Baltazar (apud FERREIRA, 2013, p. 42), a prescrição virtual “outra coisa não é senão uma economia processual extraordinária, que beneficia o réu e o Estado”.

 

            Nesse sentido, Rômulo de Andrade Moreira (2012) afirma que:

 

A presteza jurisdicional (observando-se, evidentemente, o devido processo legal) é corolário do moderno Direito Processual Penal; a sentença final deve guardar com o fato delituoso certa e tolerável proximidade, sob pena de se tornarem ineficazes as providências jurídicas advindas da condenação, em flagrante prejuízo para a credibilidade da Justiça Criminal.

 

            Assim, é patente a importância do reconhecimento do instituto, que antecipa a extinção de um processo fadado ao insucesso, evitando o desrespeito aos direitos individuais do acusado, o desnecessário constrangimento aos envolvidos, economizando custos, tempo e gerando, contudo, eficiência.

 

            Destarte, conforme se verá adiante, os princípios em comento quando em conflito com outros da corrente contrária à prescrição virtual, tendem a prevalecer.

 

3.2.        Corrente contrária

            Apesar da inegável relevância dos argumentos trazidos anteriormente, a maioria da doutrina inclina-se à corrente contrária à aplicação do instituto, o que corroborou, inclusive, com a edição da Súmula n.º 438 do Superior Tribunal de Justiça. 

 

            Os que repudiam a prescrição antecipada, fundamentam-se, sobretudo, em princípios que norteiam o ordenamento jurídico, como presunção de inocência, obrigatoriedade da ação penal pública e princípio da legalidade.

 

3.2.1.    Princípio da presunção de inocência

 

            O princípio da presunção de inocência está expressamente consagrado no artigo 5 º, LVII, da Constituição Federal de 1988, dispondo que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Trata-se de princípio basilar do processo penal, podendo se verificar a qualidade de um sistema processual penal a partir do seu nível de eficácia (LOPES JR, 2016, p. 96).

 

            Os juristas que são contrários a espécie de prescrição objeto de estudo, sustentam que esta violaria o princípio da presunção de inocência, uma vez que a prescrição antecipada teria como pressuposto a existência de condenação e o réu teria direito a uma sentença de mérito na qual poderia eventualmente obter sua absolvição.

 

            Nesse sentido, Cezar Roberto Bitencourt (2014, p. 894) refuta o instituto:

 

Não há suporte jurídico para o reconhecimento antecipado da prescrição retroativa, como se está começando a apregoar, com base numa pena hipotética. Ademais, o réu tem direito a receber uma decisão de mérito, onde espera ver reconhecida a sua inocência. Decretar a prescrição retroativa, com base em uma hipotética pena concretizada, encerra uma presunção de condenação, consequentemente de culpa, violando o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 52, LVII, da CF).

 

            Em nível pretoriano faz-se oportuno colacionar julgado do Tribunal de Justiça do Paraná:

Em face dos dispositivos que regem o instituto da prescrição, não é possível reconhecer a ocorrência da prescrição retroativa, baseada na pena a ser hipoteticamente fixada, sem que haja uma sentença condenatória, sob pena de ofensa aos princípios constitucionais da ampla defesa e da presunção de inocência. A decretação antecipada, ainda que sob a justificativa da agilização da Justiça, pressupõe a existência de condenação e o réu tem direito a uma decisão de mérito na qual eventualmente poderá obter sua absolvição ou recorrer da sentença condenatória (2ª Câmara Criminal – RSE 26012-0 – Rel. Des. Plínio Cachuba – Acórdão de 01.04.1993 – RT 701/306).

 

            Contudo, data vênia o entendimento contrário, tais argumentos não devem prosperar, vejamos.

 

            A prescrição em perspectiva, ao extinguir a punibilidade através da hipotética pena in concreto, não faz com que o juiz condene o acusado. Ressalte-se que, por se tratar de uma espécie da prescrição da pretensão punitiva, não haverá nenhum efeito prejudicial ao réu, leia-se, é como se nunca houvesse sido praticado o crime.

 

            Com posicionamento semelhante, Renee de Ó Souza (apud FERREIRA, 2013), aduz que:

 

A sentença que virtualmente se trabalha para reconhecer-se a prescrição antecipada é a condenatória, mas isso não implica dizer que houve seu real reconhecimento. Não há que se falar em condenação e posterior extinção da punibilidade. Ao contrário, não há que se falar nem mesmo em sentença, muito menos em sentença condenatória. A carência de ação, como dito no capitulo pertinente, impossibilita o ajuizamento de qualquer ação e a realização da persecução penal.

 

            Desta forma, inexorável a inexistência de violação ao princípio da presunção de inocência. O acusado que tenha sua punibilidade extinta em razão da prescrição virtual, não terá maculado seus antecedentes criminais, não será considerado reincidente em caso de cometimento de nova infração, nos termos do artigo 63 do Código Penal e não haverá a possibilidade de execução da sentença na esfera cível, pois trata-se de uma espécie de prescrição da pretensão punitiva.

 

            O juiz não adentrará no mérito de sua culpabilidade, fará apenas uma presunção, ficta, de sua condenação, meramente para fins de aplicabilidade da prescrição retroativa antecipada.

 

3.2.2.   Princípio da obrigatoriedade da ação penal pública

 

            Praticado o crime, surge para o Estado o jus puniendi, devendo ser exercido por meio de um processo, que se iniciará através de uma ação penal, privativa, em regra, do Ministério Público, ex vi artigo 129, I da Constituição Federal.

 

            Nos ensinamentos de Rogério Greco (2015, p. 772):

 

O princípio da obrigatoriedade ou da legalidade traduz-se no fato de que o Ministério Público tem o dever de dar início à ação penal desde que o fato praticado pelo agente seja, pelo menos em tese, típico, ilícito e culpável, bem como que, além das condições genéricas do regular exercício do direito de ação, exista, ainda, justa causa para a sua propositura, ou seja, aquele lastro probatório mínimo que dê sustento aos fatos alegados na peça inicial de acusação.

 

            A doutrina que advoga no sentido contrário a prescrição antecipada vale-se deste argumento, uma vez que o juiz, ao rejeitar a denúncia com base na prescrição virtual           estaria impedindo o desdobramento da ação penal, que, em tese, é obrigatória.

 

            Nesse sentido, Antônio Lopes Baltazar (apud FERREIRA, 2013) afirma que:

 

Não tem o juiz poderes discricionários para analisar se instaura ou não a ação penal. Os órgãos incumbidos da persecução penal devem promover os atos até o final da decisão. Por isso, a autoridade policial deve instaurar o inquérito policial; O Promotor de Justiça deve oferecer a denúncia; o juiz deve presidir a instrução do processo e decidir.

 

            Contudo, esta obrigatoriedade não se mostra absoluta, uma vez que, para o início da actio poenalis, além da presença de justa causa, é imprescindível a realização das condições da ação, o que, como visto, não se vislumbra nas hipóteses de ocorrências da prescrição em perspectiva.

 

            Noutro giro, tal argumento torna-se absolutamente irrelevante a partir da edição da Lei n.º 12.234/2010, que retirou a possibilidade de aplicação da prescrição retroativa entre a data do fato e o recebimento da denúncia.

 

            Assim, quando o juiz, reconhecer a prescrição virtual no curso do processo, não estará violando o referido princípio, em razão de já ter sido proposta a ação penal pelo seu titular. É a falta de condição da ação, que pode ser arguida em qualquer tempo e grau de jurisdição, que possibilita a aplicação do instituto, pois não haveria interesse de agir num processo inócuo, fadado ao insucesso.

 

3.2.3.   Prescrição virtual e princípio da legalidade

 

            A gravidade dos meios que o Estado reprime o delito, interferindo drasticamente nos direitos fundamentais impõe a presença de um princípio que controle o poder punitivo estatal, excluindo toda forma de arbitrariedade e excesso de poder punitivo. Em suma, pode-se dizer que, pelo princípio da legalidade, a elaboração de normas incriminadoras é exclusiva da lei (BITENCOURT, 2014, p 50).

 

            O princípio da legalidade está previsto no artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal dispondo que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”, sendo expressado pela máxima em latim nullum crimem, nulla poena sine lege.

 

            O desrespeito ao princípio da legalidade é, sem dúvidas, o principal argumento invocado por aqueles que repudiam o instituto.

 

            Nesse sentido:

 

PENAL E PROCESSO PENAL. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. OCORRÊNCIA.PRESCRIÇÃO VIRTUAL. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. SÚMULA 438/STJ.AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Este Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal são firmes na compreensão de que falta amparo legal à denominada prescrição em perspectiva, antecipada ou virtual, fundada em condenação apenas hipotética. Inteligência do enunciado 438 da Súmula desta Corte. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ - AgRg no REsp: 1215080 RS 2010/0186869-2, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 14/06/2011, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/06/2011)

           

            Percebe-se a postura legalista do julgador, dando ênfase apenas a falta de amparo legal, deixando de analisar os prejuízos que o futuro do processo causará. Deste modo, Luiz Regis Prado (apud MOSSIN, H e MOSSIN, J, 2015 p. 112) afirma que “não há suporte jurídico para o reconhecimento antecipado da prescrição retroativa, como se está começando a apregoar, com base numa pena hipotética”.

 

            Antes da edição da Súmula n.º 438 do Superior Tribunal de Justiça, o repúdio a prescrição era fundamentado na redação do artigo 110, parágrafo 1º, verbis:

 

Art. 110. A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente.  (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).

§ 1º A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa. (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).

           

            Desta forma, só após uma sentença condenatória poderia se cogitar em prescrição pela pena em concreto. Nesse sentido:

 

Habeas corpus. Pretendido trancamento da ação penal, pela extinção da punibilidade, decorrente da prescrição da pretensão punitiva, segundo a pena a ser ainda concretizada em futura sentença. Inadmissibilidade. Writ indeferido. Antes da sentença a pena é abstratamente cominada e o prazo prescricional se calcula pelo máximo, não podendo ser concretizada por simples presunção (STF – 1ª Turma – RHC 66.913/DF – Rel. Min. Sydney Sanches – Acórdão de 25.10.1988 – RT 639/389).

 

            Ocorre que, o princípio da legalidade é entendido como limite ao poder punitivo estatal e, na hipótese em análise, trata-se meramente de instituto benéfico ao réu, pois, pela sua aplicação, terá extinta a sua punibilidade e todos os efeitos decorrentes da prática delitiva.

 

            O princípio da legalidade possui as seguintes funções: proibir a retroatividade da lei penal; proibir a criação de crimes e penas pelos costumes; proibir o emprego de analogia para criar crimes, fundamentar ou agravar; proibir incriminações vagas e indeterminadas, além de vedar o recurso à analogia in malam partem para criar hipóteses que, de alguma forma, venham prejudicar o agente, seja criando crimes seja incluindo novas causas de aumento de pena, de circunstâncias agravantes etc. (GRECO, 2015, p. 146).

 

            Sendo assim, não há absolutamente nada que, fundamentado em tal princípio, vede expressamente a analogia in bonam partem ou qualquer outro meio que traga benefícios aos direitos individuais do acusado. A partir desta premissa, ressalte-se que o legislador não proibiu expressamente a aplicação da prescrição antecipada, não havendo, pois, empecilho para sua aplicação.

 

 

Considerações finais

 

      A prescrição penal significa, em suma, a perda do poder de punir do Estado em razão do decurso do tempo sem o seu devido exercício. Trata-se de instituto de inegável importância no sistema jurídico brasileiro, pois, como se depreende do próprio conceito da palavra, fixa-se, regula-se, limita-se, o jus puniendi do Estado, impedindo seu uso arbitrário durante a persecução penal, trazendo segurança jurídica para todos nela envolvidos.

 

            A Prescrição Virtual, em breves linhas, significa dizer que com base em uma provável pena a ser aplicada ao réu em uma hipotética sentença final, o operador do direito já vislumbraria a total inutilidade da ação penal, pois ocorreria, na hipótese, o implemento da prescrição retroativa, haja vista a demora no término do processo.

 

            Reza o instituto que toda vez que o acusado tiver em seu favor as circunstâncias judiciais e legais favoráveis estando evidente a futura ocorrência da prescrição retroativa, deve o magistrado reconhece-la antecipadamente.

 

            Trata-se de construção doutrinária e pretoriana útil ao processo penal, uma vez que confere ao magistrado uma válvula de escape para os processos em que é totalmente desnecessário o apego legalista diante de ações penais sem justa causa devido à ausência do chamado interesse-utilidade de agir, gerando apenas dispêndio de tempo e dinheiro público.

 

            Mostrou-se louvável a aplicação do instituto diante do cenário jurídico em que vivemos, onde a morosidade da prestação jurisdicional causa inúmeros problemas e constrangimentos aos cidadãos, dando-se ênfase aos princípios da economia processual e razoável duração do processo.

 

            Além disso, cita-se como fundamento jurídico legitimador da aplicação da prescrição virtual a falta do interesse-utilidade de agir, uma vez que a futura e provável ocorrência da prescrição retroativa gera uma total inutilidade do processo penal, não podendo o Estado-juiz ser movimentado de maneira discricionária, devendo, pois, dar às partes uma prestação jurisdicional necessária e útil.

 

            Não obstante os claros benefícios do instituto, há quem entenda que a prescrição virtual fere a ordem jurídica, sobretudo princípios como o da legalidade, obrigatoriedade da ação penal, presunção de inocência e devido processo legal. Contudo, tais argumentos demonstram-se impertinentes, como pontuado no presente trabalho.

 

            Em que pese os argumentos contrários, o princípio da economia processual diante deste tema é o mais importante, tendo em vista que o princípio da legalidade não resolve o problema da inutilidade do processo quando lá no seu fim o aplicador vê adiante da pena aplicada que a prescrição já aconteceu antes mesmo de oferecida a denúncia, levando-se em conta a pena a ser aplicada futuramente.

 

            Os ditames da prescrição penal antecipada encontram amparo constitucional no artigo 1º, inciso III, da CF/88 que elenca como fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana e no artigo 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal, introduzido pela emenda constitucional nº 45/2004 em que assegura a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

 

            Por todo o exposto, concluiu-se que esta medida é perfeitamente aplicável ao processo penal, devendo ocorrer a submissão do jus puniendi frente ao jus libertatis (liberdade e dignidade da pessoa humana) quando inexistir justa causa para a aplicação do direito de punir pelo juiz. Isto se deve ao fato de que na balança dos pesos e contrapesos, visualizando o caso concreto, os valores dos princípios do jus libertatis são inexoráveis, mesmo diante da carência de previsão legal do instituto.

 

            Assim, é evidente a necessidade de romper-se com o formalismo e, através de um juízo de razoabilidade, admitir que o reconhecimento antecipado da prescrição retroativa é a melhor saída para desafogar as varas criminais, isentando os envolvidos em um processo fadado ao insucesso de sofrerem todos os constrangimentos apresentados no decorrer deste estudo.

 

  • Direito Penal; prescrição retroativa antecipada; p

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José Carvalho Jr

Advogado - Salvador, BA


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