Tráfico De Pessoas Para Fim De Exploração Sexual E Seu Crescimento Silencioso
Autor:Edirani Lanes de Oliveira
Texto extraído do Boletim Jurídico - ISSN 1807-9008
http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=3910
RESUMO
O presente trabalho tem a finalidade de demonstrar a realidade do tráfico de pessoas para fim de exploração sexual, trazer a importância do Protocolo de Palermo ainda bem pouco difundido. Definir o tráfico de pessoas a partir dos elementos constitutivos para sua configuração e traçar um perfil das vítimas em potencial.
Palavras chave: Crime, tráfico, pessoas ,exploração, sexual, Palermo
Abstract: This paper aims to demonstrate the reality of human trafficking for purposes of sexual exploitation, and to bring to light the importance of the Palermo Protocol also well known. Set trafficking in persons from the building blocks for your configuration. And draw a profile of potential victims
Keywords: Crime, trafficking, people, exploitation, sexual, Palermo
Sumário
Introdução: 1.Tráfico internacional de pessoas para fim de exploração sexual; 1.2 Tráfico de interno de pessoas para fim de exploração sexual; 1.3 Contextualizando o tráfico de pessoas;1.4 o conceito de tráfico de pessoas; 2. Um pouco da história; 3. Elementos fundamentais constitutivos para a definição do tráfico de pessoas; 3.1 A questão do consentimento; 3.2 Situação de vulnerabilidade; 4. Modalidade do tráfico de pessoas; 4.1Tráfico de pessoas para fim de exploração sexual; 4.2 Tráfico de pessoas para fim de trabalho forçado e servidão; 5. Contrabando de migrantes x tráfico de pessoas; 5.1 Analisando as definições; 5.2 Estabelecendo diferenças; 6. Desmistificando conceitos e tipologias; 6..1 A prostituição e o tráfico de pessoas; 6.2 Tráfico e exploração de trabalhadores migrantes; 7. Perfil das vítimass; 8. Dados sobre tráfico de pessoas no Brasil ; Conclusão
INTRODUÇÃO
O presente assunto se faz atual e é de ampla discussão no cenário internacional. Segundo estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU), mais de 2,4 milhões de pessoas são vítimas de tráficos, para fins sexuais ou mão de obra, onde mulheres e crianças representam cerca de 80% das vítimas. A divulgação de campanhas e a denúncia das vítimas são peças chaves para conter o tráfico de pessoas no Brasil e no mundo. De acordo com o Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas 2012, publicado em dezembro pelo UNODC, 27% de todas as vítimas de tráfico de pessoas oficialmente detectadas no mundo, entre 2007 e 2010, eram crianças.
Adiante veremos as minúcias do tipo penal e as confusões com situações análogas. Além de um traçado do perfil das vítimas do tráfico de pessoas para fim de exploração sexual sob a ótica da antropóloga Márcia Sprandel.
1.TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS PARA FIM DEEXPLORAÇÃO SEXUAL
Art. 231. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
§ 1o Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
§ 2o A pena é aumentada da metade se: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos; (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato; (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
§ 3o Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Tráfico interno de pessoas (Incluído pela Lei nº 11.106, de 2005)
Bem jurídico tutelado: moralidade pública sexual, visa limitar territorialmente o exercício da prostituição;
Sujeitos ativo e passivo: qualquer pessoa;
Tipo objetivo: promover ou facilitar entrada no território nacional;
Tipo subjetivo: constituído pelo dolo;
Consumação e tentativa: com a promoção ou facilitação da entrada da pessoa no território nacional ou da saída da pessoa para o exterior para o fim de exercer a prostituição. Admite-se tentativa;
Classificação doutrinária: crime comum, formal, forma livre, comissivo, instantâneo, e plurissubsistente;
Pena e ação penal: reclusão de 3(três) a8(oito) anos e multa se houver o fim de obter lucro, APPI.
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1.2 TRÁFICO INTERNO DE PESSOAS PARA FIM DE EXPLORAÇÃO SEXUAL
Art. 231-A. Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
§ 1o Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar, vender ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
§ 2o A pena é aumentada da metade se: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos; (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato; (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
§ 3o Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.(Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Bem jurídico tutelado: moralidade pública sexual, visa limitar territorialmente a exploração sexual, tenta-se proibir o tráfico interno de pessoas para esta finalidade;
Sujeitos ativo e passivo: qualquer pessoa. Inclusive criança e adolescente;
Tipo objetivo: promover, intermediar ou facilitar entrada no território nacional o recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou acolhimento da pessoa aqui no Brasil que venha exercer a prostituição;
Tipo subjetivo: constituído pelo dolo;
Consumação e tentativa: consuma-se com a efetiva prática de qualquer das condutas descritas no tipo independente do exercício da prostituição, que caso ocorra apenas constituirá o exaurimento do crime. Admite-se tentativa;
Classificação doutrinária: crime comum, formal, forma livre, comissivo, instantâneo, e plurissubsistente;
Pena e ação penal: reclusão de 2(dois) a 6(seis) anos. Qualificadora substituída pela majorante que eleva a pena a metade: I-vítima menor de dezoito anos, II-vítima que por enfermidade ou deficiência mental não tem discernimento para a prática do ato; III- Se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; IV- há emprego de violência, grave ameaça ou fraude. Somente será aplicada multa se o crime for cometido com o objetivo de obter vantagem econômica que é a regra dessa infração penal. APPI.
1.3 CO NTEXTUALIZANDO O T R Á F I CO D E P E S SOA S
O Tráfico de Pessoas é uma violação aos direitos humanos e envolve, a privação de liberdade, a exploração, a violência e a retenção de documentos de identidade. Conforme a Organização das Nações Unidas para Drogas e Crime (UNODC), o Tráfico de Pessoas constitui a terceira modalidade criminosa mais lucrativa no mundo, ultrapassada apenas pelo tráfico de armas e de drogas. As estimativas de junho de 2012 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) apontam uma cifra de 20,9 milhões de vítimas de trabalho forçado e exploração sexual ao nível mundial, entre elas 5,5 milhões de crianças (OIT, 2012), o que indica a relevância do tema do Tráfico de Pessoas no mundo de hoje.
1.4 O CONCEITO DE TRÁFICO DE PESSOAS
O Tráfico de Pessoas tem seu conceito definido por um instrumento internacional denominado “Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças”, também conhecido como Protocolo de Palermo. (De acordo com Reuter e Petrie (1995) a definição de crime transnacional refere-se à pratica de atividade ilícita, cometida por um grupo ou uma rede de pessoas, que visa a ganhos financeiros particulares e não tem sua atuação restrita a apenas um país.)
2. UM POUCO DA HISTÓRIA
A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, conhecida como Convenção de Palermo, representa um marco na luta contra o crime organizado transnacional. Aprovada pela Assembleia Geral da ONU, em 15 de novembro de 2000, a referida Convenção foi promulgada no Brasil quatro anos depois, com a edição do Decreto nº. 5.015, de 12 de março de 2004(http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5015.htm ).
A Convenção de Palermo promove o reconhecimento, no âmbito internacional, da gravidade do problema e reforça a ideia da cooperação internacional no enfrentamento ao crime organizado transnacional, sendo complementada por três Protocolos, os quais se referem, especificamente, ao Tráfico de Pessoas (Protocolo de Palermo), ao Contrabando de Migrantes e à Fabricação e Tráfico de Armas de Fogo. O Protocolo de Palermo foi promulgado no Brasil pelo Decreto Nº 5.017, de 12 de Março de 2004(http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5017.htm),e define, no seu artigo 3º, a expressão “Tráfico de Pessoas” como sendo: o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração.
A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos.
3. ELEMENTOS FUNDAMENTAIS CONSTITUTIVOS PARA A DEFINIÇÃO DO TRÁFICO DE PESSOAS
O artigo 3º do Protocolo de Palermo estabelece que o Tráfico de Pessoas conta com três elementos constitutivos:
1. Os atos;
2. Os meios;
3. A finalidade de exploração.
Para que se caracterize o Tráfico de Pessoas é fundamental que haja combinação de pelo menos um ato, um meio e uma finalidade. Pode ocorrer que, em alguns casos, esses elementos constituam delitos penais em si mesmos. Por exemplo, o ato do rapto ou a agressão podem constituir delitos penais autônomos em virtude da legislação penal interna de cada país.
O gráfico, a seguir, esboça os elementos constitutivos do Tráfico de Pessoas.
3.1 A QUESTÃO DO CONSENTIMENTO
O Protocolo contra o Tráfico de Pessoas estabelece explicitamente em seu artigo 3º, alínea “b”, que: “O consentimento dado pela vítima de Tráfico de Pessoas tendo em vista qualquer tipo de exploração descrito na alínea “a”) do presente artigo será considerado irrelevante se tiver sido utilizado qualquer dos meios referidos na alínea “a”)”.
O Protocolo determina que, presentes todos os elementos para a caracterização do conceito do Tráfico de Pessoas (ação, meio, fim), mesmo que haja consentimento da vítima, este fica configurado.
Perceba que há configuração do Tráfico de Pessoas mesmo que o transporte seja feito com o consentimento da vítima, uma vez que há a intenção da (Não é necessário a consumação da exploração em si! Basta a comprovação da intenção para que esta seja configurada.) exploração dessa pessoa no destino final. Entende-se pela vontade da vítima estar viciada (pelos meios utilizados), que ela tem direito à proteção especial. Assim, o consentimento é irrelevante para a caracterização do tráfico sempre que se utilizem os meios elencados no Protocolo.
Deve-se chamar atenção para as particularidades que dizem respeito a casos de tráfico de crianças ou adolescentes. Em situações como essas, a utilização dos meios referidos pelo Protocolo de Palermo é considerada irrelevante, uma vez que uma pessoa com menos de 18 (dezoito) anos de idade, segundo os tratados internacionais, não tem capacidade para consentir com seu transporte ou com a exploração de seu trabalho.
3.2 SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE
Especificamente no caso do Tráfico de Pessoas, o crime organizado se beneficia da situação de vulnerabilidade de mulheres, homens, crianças e adolescentes, aprimorando e profissionalizando suas formas de exploração, lançando o crime do Tráfico de Pessoas a ser considerado um dos principais problemas da ordem internacional (JESUS, 2003).
A globalização do crime internacional dá-se pelos mesmos motivos que os das instituições legítimas, seja pela possibilidade de inserir seus produtos através do livre comércio, seja pelas brechas dos sistemas jurídicos, visando sempre obter lucro. Trocam-se técnicas de logística, mecanismos de comunicação e até mesmo pessoas, com a finalidade de obter melhores resultados.
Assim como as multinacionais abrem sucursais no mundo inteiro para tirar proveito da mão-de-obra atrativa ou dos mercados de matérias-primas, o mesmo ocorre com os negócios ilegais. Além disso, os negócios internacionais, tanto os legítimos quanto os ilícitos, também criam no mundo inteiro toda a infra estrutura necessária para a produção, o marketing e as necessidades de distribuição. Empresas ilegais podem se expandir geograficamente para aproveitar essas novas condições econômicas, graças à revolução nas comunicações e no transporte internacional .
A rede articulada para fins de Tráfico de Pessoas possibilita a criação de uma grande estrutura de serviços-meio para a obtenção de lucros, como fornecedores de documentos falsos, prestadores de serviços jurídicos, lavadores de dinheiro, redes de transportes, entre outros.
Quando os negócios ligados a uma modalidade do crime organizado chegam a ser grandes e estáveis, as redes tendem a se diversificar em outras modalidades, como faria qualquer grande empresa lícita. Por outro lado, o aprimoramento do crime organizado reflete a insuficiência dos mecanismos de enfrentamento tradicionais individuais de cada país, corroborando para a necessidade de utilização de novas formas de combate através da cooperação bilateral, regional e até multilateral, e, ainda, por meio da cooperação técnica policial, tecnológica, econômica e de mecanismos de comunicação
4. MODA L I DA D E D O T R Á F I CO D E P E S S OA
O artigo 3º do Protocolo de Palermo deixa claro que “a exploração” representa a finalidade do ato de tráfico, que pode ser, dentre outras, para fins de exploração sexual, para trabalho forçado, servidão ou para a remoção de órgãos. A seguir uma definição dos dois tipos mais frequente:
4.1 *Tráfico de Pessoas para fins de exploração sexual
É considerado tipo de Tráfico de Pessoas que tem como finalidade a exploração do trabalho sexual de outrem. Este tipo de exploração ocorre quando se estabelece uma relação de mercantilização e abuso do corpo de uma pessoa com o objetivo de obter dela serviços sexuais. No caso de pessoas adultas, a prática da prostituição é considerada exploração sexual comercial ou prostituição forçada quando aparecem as características de trabalho forçado, como: cerceamento da liberdade, servidão por dívida, retenção de documentos, ameaça, etc. (OIT, 2009).
4.2 *Tráfico de Pessoas para fins de trabalho forçado e servidão
É considerado tipo de Tráfico de Pessoas que tem como finalidade a exploração do trabalho de outrem. No Brasil, a maioria dos trabalhadores em situação de trabalho escravo ou em condições análogas à escravidão está na área rural, em especial, nas fronteiras agrícolas e nas frentes de trabalho sazonais onde a fiscalização e as possibilidades de fuga são mais difíceis (OIT, 2009). O trabalho doméstico, realizado em determinadas condições, também pode ser definido como uma forma de trabalho forçado.
As dificuldades de fiscalização das condições de trabalho e a relação altamente personalizada entre trabalhadoras domésticas e seus empregadores e empregadoras as colocam em situação especialmente vulnerável à exploração. Situações como o não pagamento de salários e a perda da liberdade de ir e vir podem atingir mulheres e meninas trabalhadoras domésticas (OIT, 2009).
5. CO N T R A B A N D O D E M I G R A N T E S
X
T R Á F I C O D E P E S S OA S
5.1 Analisando as definições
Tráfico de Pessoas é definido como: (…) o recrutamento, transporte, transferência, guarda ou recepção de pessoas, por meio de ameaça ou uso de força ou outras formas de coerção, de abdução, de fraude, engano, de abuso de poder ou de uma posição de vulnerabilidade ou de dar ou receber pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa tendo controle sobre outra pessoa, com o propósito de exploração. Exploração deverá incluir, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem, ou outras formas de exploração sexual, trabalho ou serviço forçado, escravidão ou práticas semelhantes à escravidão, servidão ou a remoção de órgãos (art. 3º do Protocolo de Palermo, 2000). Tanto o Contrabando de Migrantes como o Tráfico de Pessoas são conceitos trazidos pelo Protocolo de Palermo que, por referirem-se ao deslocamento de pessoas, são também considerados espécies do gênero migração.
5.2 Estabelecendo diferenças
A principal diferença entre o contrabando de Migrantes e o Tráfico de Pessoas é que no primeiro, os migrantes contratam os serviços de um intermediário para facilitar o processo de cruzamento ilegal de fronteiras, sendo a atuação do migrante intencional e consciente, ou seja, não há engano quanto ao pactuado para essa facilitação, enquanto pessoas traficadas têm o seu consentimento viciado pelo engano, coação ou fraude, bem como a finalidade de exploração da vítima no lugar de destino.
6. D E S M I S T I F I C A N D O CO N C E I TO S E T I P O LO G I A S
6.1 Prostituição e Tráfico de Pessoas
A mídia, frequentemente, faz uma confusão entre ações relacionadas à prostituição e ao Tráfico de Pessoas. No entanto, o envolvimento no comércio sexual ou em outras formas do trabalho sexual nem sempre implica em tráfico, pelo qual é importante fazer algumas diferenciações.
Assim há:
• Exercício da prostituição: Quando não há terceiros se aproveitando do exercício da prostituição.
• Exploração da prostituição: Quando alguém se aproveita do exercício da prostituição de outrem.
• Tráfico de Pessoas: Quando se preenchem os requisitos (atos, meios e finalidade de exploração previstos no Protocolo contra o Tráfico de Pessoas - Protocolo de Palermo). No Brasil, pesquisas indicam a existência de aliciadoras que convencem outras mulheres acerca das vantagens da inserção nas redes sexuais, através de suas experiências “bem sucedidas” com a prostituição no exterior. Há indícios de casos de mulheres que, sem terem consciência de que estão aliciando suas amigas ou parentes, acabam conseguindo o contato e muitas vezes ajudando com dinheiro para a entrada de outras mulheres nos países de destino, eventualmente auxiliando redes de exploração. Em alguns casos, situações assim, podem se caracterizar como tráfico, mas não é possível fazer uma generalização dos casos sendo necessário observar atentamente os elementos concretos presentes em cada situação. Importante é verificar que, independente da existência de redes de aliciadores, verifica-se a existência de uma diversidade de possibilidades, viabilizando a migração para inserir-se em diversos campos de trabalho, entre os quais o mercado sexual é o mais evidente. As migrantes envolvem conhecidos, amigos, parentes e namorados em redes cujo funcionamento já foi descrito e documentado em pesquisas sobre redes migratórias (AGUSTIN, 2005).
6.2 Tráfico e exploração de trabalhadores migrantes
Para que se configure o Tráfico de Pessoas é essencial preencher ao menos uma das ações dispostas no artigo 3º do Protocolo de Palermo, dentre elas, “o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas”, assim como algum dos meios “ameaça ou uso da força ou as outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios” para o fim da exploração da pessoa.
Por outro lado, para que se configure exploração do trabalhador migrante, pode haver qualquer tipo de ação que atente contra os princípios do trabalho decente, ou seja, aquele adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, capaz de garantir uma vida digna.
7. Perfil das vítimas
Informações da OIT indicam que há uma maior concentração de mulheres e meninas na exploração sexual e nos serviços domésticos. Por outro lado, as vítimas homens e meninos encontram-se mais presentes em um leque mais amplo de atividades econômicas, sendo submetidas a situações de trabalho forçado.
Os dados relativos às vítimas de tráfico para fins de trabalho forçado podem ser verificados nos relatórios da CONATRAE.
Analisando-se as motivações desses trabalhadores, pode-se verificar que, muitas vezes, são impulsionados pelo desejo de melhores oportunidades de trabalho: os jovens são recrutados e aliciados por fazendeiros ou um preposto dos fazendeiros, chamado “gato”. Eles são convidados a trabalhar em regiões distantes de seu domicílio, mediante promessas enganosas de emprego e salário. Eles descobrem também ter contraído uma dívida junto ao “gato” referente às passagens, ao que foi consumido durante a viagem e ao salário adiantado concedido ao trabalhador para deixar a família abastecida durante sua ausência. (COSTA, 2008)
Você pode observar que falar em um único perfil das vítimas de tráfico no Brasil parece ser equivocado e pode levar a visões estigmatizadas que comprometam as políticas públicas de prevenção, atendimento e repressão/ responsabilização, bem como os processos penais. Não há pesquisas suficientes que possibilitem afirmar toda a realidade do tráfico de brasileiros. Além disso, a própria característica do fenômeno dificulta ainda mais a obtenção de dados objetivos.
Situação particular acontece em municipalidades brasileiras fronteiriças com outros países, como, por exemplo, Argentina, Paraguai, Uruguai, Bolívia, Venezuela e Suriname (SODIREITOS, 2008 http://www.unodc.org/documents/lpo-brazil//Topics_TIP/Publicacoes/2008_Pesquisa_Trinacional_PORT.pdf ) onde os limites de fronteiras são de difícil identificação e a entrada e saída desses países são mais fáceis. Nessas regiões há indícios de tráfico de mulheres, meninas e adolescentes para o mercado sexual.
A antropóloga Márcia Sprandel (SPRANDEL, 2011, p. 48), em relatório produzido em pesquisa no Estado de Goiás, reproduziu dados a respeito de vítimas, retirados de procedimentos penais que trazem características interessantes a respeito das vítimas de Tráfico de Pessoas, conforme abaixo:
Idade
Entre 18 e 26 anos
Cor da pele
Morena
Grau de instrução
Ensino Fundamental (em geral, 8ª. série, hoje correspondente ao 9º. ano)
Condições financeiras
Baixa renda, em geral residentes da periferia. Ao contrário do que se pensa, a maior parte das vítimas é de cidades do interior do Estado. Apenas os aliciadores residem em Goiânia.
As vítimas não possuem condições de arcar com pacotes de turismo, sequer para locais do Brasil, muito menos para o exterior.
A maior parte das vítimas se encontrava desempregada antes da partida para o exterior.
Filhos
Mais de 50% das vítimas possuem 1(um) ou 2 (dois) filhos.
Situação conjugal
Mais de 60% das vítimas são egressas de relacionamentos frustrados (casamentos, união estável etc.)
8. DADOS SOBRE TRÁFICO DE PESSOAS NO BRASIL
“Uma das principais ferramentas para a implementação de uma política pública é a coleta de dados que, transformados em informação, possam gerar conhecimento sobre determinado assunto e permitir seu monitoramento, avaliação e aprimoramento.” (BRASIL, S/d)
Com base nesta premissa e na necessidade de uma melhor sistematização dos dados sobre tráfico de pessoas, a Secretaria Nacional de Justiça e o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime produziram, em 2012, o 1º Relatório Nacional sobre Tráfico de pessoas, que consolidou os dados de 2005 a 2011, coletados das instituições que atuam no enfrentamento ao tráfico de pessoas.
Para o avanço da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, é imprescindível que os dados e, portanto, a informação dos diversos órgãos responsáveis pelo enfrentamento ao tráfico de pessoas, se comuniquem, dialoguem, transformando-se assim em conhecimento sobre o tema, permitindo a elaboração de um real e confiável diagnóstico sobre a situação do tráfico de pessoas internacional e interno no Brasil e, principalmente, permitindo o monitoramento e a avaliação das políticas públicas de enfrentamento ao tráfico de pessoas e seu consequente aprimoramento. (BRASIL, S/d)
A seguir as principais informações advindas do relatório.
• Suriname, Suíça, Espanha e Holanda são os países em que foram registrados o maior número de vítimas brasileiras;
• Considerando o enfrentamento ao tráfico interno, Pernambuco, Bahia e Mato Grosso do Sul são os estados mais eficazes no registro das vítimas de tráfico de pessoas que chegam no sistema de Segurança Pública;
• Verificou-se um maior número de aliciadoras, recrutadores ou traficantes do sexo feminino, sendo 55% indiciados pelo DPF;
• De acordo com o DPF foram instaurados 514 inquéritos, sendo: 157 de tráfico internacional; 13 de tráfico interno e 344 de trabalho escravo;
• Nos Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais constatou-se o registro de 109 processos distribuídos de tráfico interno, 91 de tráfico internacional e 940 de trabalho escravo;
A Secretaria Nacional de Justiça e o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime produziram, em 2012, por meio de uma consultoria especializada, o Relatório Nacional sobre Tráfico de Pessoas, que é um diagnóstico sobre o estado da arte do tráfico de pessoas no Brasil. Fenômeno registrado de forma deficitária, pois os sistemas não contemplam as variáveis essenciais para a identificação do fenômeno/Registro de atividades (GT – Metodologia de Coleta de Dados Criminais).
A elaboração do referido relatório está alinhada ao art. 8º da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas(http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_enfrentamento_trafico_pessoas.pdf) determina que na sua implementação caberá aos órgãos e entidades públicos, no âmbito de suas respectivas competências e condições, entre outras ações, “organizar e integrar os bancos de dados existentes na área de enfrentamento ao tráfico de pessoas e áreas correlatas”. Este 1º Relatório Nacional sobre Tráfico de Pessoas é um diagnóstico sobre o estado da arte do tráfico de pessoas no Brasil.
CONCLUSÃO
O tráfico de pessoas é a terceira atividade mais lucrativa do crime organizado no mundo,
perdendo apenas para o tráfico de drogas e de armas. Dados do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime indicam que essa modalidade de tráfico faz cerca de 2,5 milhões de vítimas por todo o mundo e movimenta aproximadamente US$ 32 bilhões por ano.
(Relatório da CPI do Tráfico de Pessoas, 2012)
Guia de Referência para Rede de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no Brasil (TERESI, 2012) (http://www.justica.sp.gov.br/portal/site/SJDC/menuitem.81dc20337da684d7d30d0cf6390f8ca0/?vgnextoid=a1d80195a1d70410VgnVCM10000093f0c80aRCRD&vgnextfmt=default )
O Governo Brasileiro, através do Ministério das Relações Exteriores, disponibiliza diversas maneiras de receber denúncias, através do Portal Consular (http://www.portalconsular.mre.gov.br/destaques/disque-denuncia-trafico-de-pessoas-1)
As pessoas que se encontram fora do Brasil podem denunciar e solicitar ajuda, procurando a Embaixada ou Consulado mais próximo. Nos casos mais comuns, onde as vítimas tiveram seu passaporte confiscado, a autoridade consular poderá emitir um documento provisório para permitir a viagem de regresso imediato ao Brasil. No Portal é possível consultar uma lista que contém os contatos e endereços de cada embaixada ou consulado brasileiros. As denúncias de tráfico de pessoas poderão ser encaminhadas também para o Núcleo de Assistência a Brasileiros, Divisão de Assistência Consular, pelos telefones
(61) 3411-8803/ 8805/ 8808/ 8809/ 8817/ 9718, ou ainda pelo e-mail: dac@mre.gov.br.
Para denúncias fora do horário de expediente, e para casos de extrema urgência no exterior, o denunciante deve ligar para (61) 3411-6456 (61) 3411-6456 .
No Brasil
Anualmente, só no Brasil, milhares de pessoas atravessam as fronteiras em busca de uma vida melhor no exterior. Pesquisas apontam que existem no país, mais de 240 rotas do tráfico de pessoas. Os principais países de destinos das vítimas brasileiras são os europeus como Espanha, Bélgica e Portugal.
Para vítimas do tráfico que se encontram em território nacional, as denúncias poderão ser feitas à Divisão de Direitos Humanos da Polícia Federal pelos telefones (61) 3311-8270 (61) 3311-8270 e (61) 3311-8705 (61) 3311-8705 ou pelo e-mail: ddh.cgdi@dpf.gov.br. O Plantão da Coordenação Geral de Polícia de Imigração (CGPI) recebe denúncias em qualquer horário por meio do telefone (61) 3311-8374, (61) 3311-8374.
No caso de Tráfico de Crianças e Adolescentes, onde as vítimas têm menos de 18 anos, as denúncias deverão ser encaminhas à Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, pelo Disque 100 que é gratuito para quaisquer ligações feitas de dentro do território nacional, com atendimento diário, inclusive em feriados e fins de semana. O horário de atendimento é de 8 às 22h. A denúncia também pode ser feita via internet, pelo email: disquedenuncia@sedh.gov.br
Sua denúncia pode ajudar a esclarecer os crimes e desmontar as quadrilhas que compõem a rede internacional do tráfico de pessoas.
"CRIME NÃO DENUNCIADO É CRIME OCULTO, E CRIME OCULTO É CRIME NÃO PUNIDO".
DENUNCIE