A prisão do Senador Delcídio do Amaral foi amplamente comemorada pela população, que, cansada da corrupção que assola o país, viu nesse acontecimento a esperança do fim da impunidade acerca dos escândalos com o dinheiro público, porém, a “decisão justiceira” da Corte deve ser analisada além do aspecto heroico que parece ter, pois não afeta apenas o caso concreto em questão, abre precedentes para que interpretações mais ousadas acerca da Constituição sejam feitas, o que traz riscos a segurança jurídica.
O STF agiu explicitamente de forma arbitrária em relação ao Deputado Delcídio do Amaral, usando argumentos “justiceiros” , justiça essa que passou por cima da Constituição onde se diz taxativamente a proibição de prisão do parlamentar salvo em flagrante de crime inafiançável . Não viria ao caso o STF analisar se o comportamento do Deputado estava de acordo com a honra e os bons costumes ,mas sim de tomar decisões de acordo com a lei. Se no entendimento deles e do próprio Senado que foi de acordo com a decisão do STF , “de que eles são humanos, demasiado humanos, sujeitos a cometer crimes e levar perigo a bens jurídicos caros à sociedade e à ordem jurídica”. O mais plausível seria uma EC acrescentando que além dos crimes inafiançáveis também iriam ser presos os parlamentares que fossem contra a honra e os bons costumes!
O que aconteceu no caso do Delcídio foi um exemplo de tribunal de exceção já que não foi legitimado pela nossa Constituição, CF art. 5º inciso XXXVII. Entendemos que o STF foi além da Constituição, ele foi superior a ela nos deixando fragilidade diante dela, significando não o que está lá predeterminado em lei, mas sim o entendimento de um júri que toma decisões de contrário da mesma, descaracterizando o nosso Estado Democrático de Direito, “criando” normas para um único indivíduo. Na parte da decisão onde se fala “O tom absolutista do preceito proibitivo de prisão cautelar do art. 53, 2º, da Constituição da república não se coaduna com o modo de ser o próprio sistema constitucional: se não são absolutos sequer os direitos fundamentais, não faz sentido que seja absoluta a prerrogativa parlamentar de imunidade à prisão cautelar”. Eles tentam justificar o injustificável com clara arbitrariedade em relação a Constituição Federal.
Quando um direito fundamental sai de cena é para dar o lugar a outro direito fundamental de maior peso naquela situação. Então não é que os direitos fundamentais não são absolutos a ponto de serem deixados de lado, mas sim de um direito fundamental ter maior importância que o outro em determinadas situações que seja o melhor para o indivíduo ou indivíduos, é uma questão de ponderação. E de se perguntar por que o mesmo tribunal não toma o mesmo posicionamento em relação a outros parlamentares que também atrapalharam as investigações ou fazem coisas muito piores do que isso?
O STF não é maior que a Constituição e nem é maior do que os outros poderes e se toda essa arbitrariedade continuar passando “despercebida”, aos poucos cada art. De nossa Constituição vai ficando de lado e num futuro não muito distante pessoas vão ser presas por um tribunal achar que elas devem ser presas sem fundamento legal, pior passando por cima do fundamento legal. E veremos a triste volta de tribunais de exceção com o argumento de que o art. 5º inciso xxxvii não é absoluto.
O fato da Constituição precisar de um método mais rigoroso para ser modificada demonstra a importância do respeito ao seu conteúdo para a ordem jurídica democrática, já que em um Estado Democrático de Direito o respeito a parâmetros objetivos que asseguram e limitam direitos é fundamental para manutenção desse sistema pautado na soberania popular. A partir de decisões como a que levou a prisão do Senador em questão, o STF se dá o direito de emendar a Constituição sem o respeito ao devido processo legislativo, pondo em cheque o motivo da existência do Texto Constitucional, o que é contraditório em relação a própria existência do Tribunal, o guardião dela.
O que se refere é que o texto que não admite interpretações extensivas foi usado como forma tendenciosa e coercitiva o Sen. Delcídio. O que o STF procurou foi uma forma de praticar uma “Justiça”, a ética e os bons costumes para conseguir o que os juízes queriam e não levou em questão o texto constitucional nem o neoconstitucionalismo que concretiza os valores constitucionais e garantia de condições dignas mínimas, contudo, os valores delineados pela constituição deverão ser eivados de Ética, Moral e Justiça, além de propiciar as condições mínimas ao homem, o que novamente está ligado à dignidade da pessoa humana e aos direitos fundamentais. Porém, nesse ponto, o poder público e toda a sociedade devem desenvolver mecanismos a fim de concretizar esses valores.
Ou seja, as condições subjetivas do momento histórico foram utilizadas ao bel-prazer para modelar seus interesses ao texto constitucional. Proporcionando que a constituição é aquilo que os ministros do STF querem o que ela seja e qual o intuito de preservar a pessoa humana e os direitos fundamentais de qualquer indivíduo e que se relativizou ao ponto de o senado ao votar se relaxava ou permanecia a prisão. Em vez de argumentos jurídicos, políticos ou o mérito da questão, muitos senadores diziam: “Se o STF disse que tinha que prender, pois atrapalha a investigação, eu concordo com a corte”. Será que a relatividade dos direitos de qualquer indivíduo ser relativizado a ponto de extinguir o STF tal direito por justificativa de justiça. Qual é essa justiça? E qual a segurança jurídica que o Estado democrático de direito brasileiro existe.
Pelo exposto, o voto sobre a prisão de Delcídio, além de abrir outros precedentes para que ocorram outras violações dentro dos poderes distribuídos no Estado. Não que se negue que houve empecilhos na investigação, mas que o modo a que foi adotado pela corte revelou para que sirva a constituição e que a busca pela justiça tem pessoas determinadas e a quem vai proteger. Portanto, a prisão de Delcídio foi totalmente inconstitucional e os argumentos expostos não foram cabíveis (crime de organização criminosa- que é afiançável pelo CPP), mas que a ordem e a justiça enxerga, escolhem quem deve ser protegido e revela a inconstância e insegurança jurídica do Estado democrático de direito. Onde os valores, proteções que estão distribuídos no ordenamento jurídico sempre passam a crer que: “Tudo, as leis em sentindo amplo, está escrito para que seja visto” sem ser cumprido.
Ao trazer em seu conteúdo a necessidade do flagrante de crime inafiançável para a prisão de um membro do Congresso Nacional, a Constituição Federal tem por finalidade evitar arbitrariedades que possam mitigar o pleno exercício do mandato de um parlamentar, o propósito não é encobrir os atos ilegais que estes possam praticar, pois os parlamentares não estão impedidos de responder pelas infrações que cometem, já que podem ser presos também devido à sentença condenatória transitada em julgado.
Por mais inadequada que tenha sido a conduta a conduta do Senador, o respeito a uma garantia fundamental de um parlamentar não deveria ter sido deixada de lado sem nenhuma base objetiva, pois o Texto Constitucional é claro e levando em consideração o contexto de um país democrático, onde a liberdade de ir e vir é de fundamental importância, a distorção feita pelo relator do caso traz a tona uma vulnerabilidade na segurança jurídica do país, trazendo incerteza aos direitos expressos pela Carta Maior.
Um dos argumentos do relator do caso, o Ministro Teori Zavascki, é o de que o tom absolutista do §2º do art. 53 da CF não coaduna com o próprio sistema constitucional, onde “nem os direitos fundamentais são absolutos.” Porém, vale salientar que os direitos fundamentais são limitados por outros direitos fundamentais, quando há conflito entre eles, o que é resolvido através da ponderação no caso concreto, onde um se sobressai em relação a outro, não devendo haver a simples limitação. Assim, fica claro que as motivações do Ministro não tiveram bases concretas, sendo distorções do Texto Constitucional e da própria ordem jurídica.
Cabe frisar ainda, o fato dessa norma vir sendo respeitada pelo próprio Supremo, inclusive em casos sem relação com o exercício do mandato, além de que, quando a Corte dependia da licença da respectiva casa para iniciar ação penal contra parlamentar não deixou de respeitar a Constituição e o devido processo legislativo que pode modificá-la, mesmo havendo obvio prejuízo ao seu trabalho, portanto, há clara demonstração de que a posição do STF está relacionada ao clamor social e a tentativa de se impor como o guardião da justiça.
Por fim, se um parlamentar foi preso sem que os requisitos definidos pela Constituição, o que esperar para os cidadãos comuns, que muitas vezes já têm direitos negligenciados? Antes de ser o guardião da justiça, o STF deve ser o guardião da Constituição, já que esta é a expressão de justiça de um povo, que não pode ser reescrita sem atender os critérios necessários, que além de formalidades, lhe trazem legitimidade.