As contribuições do ensino para a ressocialização do adolescente em cumprimento de Medida Socioeducativa de Internação em Fortaleza


06/09/2015 às 12h23
Por Luany Oliveira Advogada

Resumo

É crescente o número de adolescentes envolvidos no cometimento de atos infracionais, o que estimula um estudo mais aprofundado sobre o funcionamento da Justiça Juvenil, em relação aos adolescentes infratores. A adolescência requer cuidados maiores na criação dos direitos em sua proteção, pois estes se encontram em processo de formação psicológica e física, de princípios e valores. Dessa forma, o desrespeito as garantiras fundamentais de crianças e adolescentes, poderá comprometer a formação para a vida adulta. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei Nº 8069/90) normatiza os direitos e as garantias fundamentais para as crianças e adolescentes que encontram se em condição de vulnerabilidade, impondo aos jovens infratores as denominadas Medidas Socioeducativas (MSE).

A MSE de internação tem como finalidade principal a ressocialização do adolescente, que garante o seu retorno a sociedade após ter passado por políticas de reeducação, e evitar a prática reiterada de atos infracionais pelo jovem infrator. Aduz-se que o instrumento da ressocialização mais eficaz é o ensino, que educa e ajuda aos adolescentes a construírem novas perspectivas de vida, fora da criminalidade, sendo ofertado nos Centro Educacional, em suas atividades pedagógicas. Portanto, esta pesquisa é relacionada ao processo histórico e ao contexto social, trazendo dados apurados em um questionário aplicado nos Centros Educacionais do município de Fortaleza, através da Inspeção conjunta realizada pela Defensoria Pública, pelo Poder Judiciário e o pelo Ministério Público do Estado do Ceará. (CEARÁ, 2014)

Introdução

O Código Penal brasileiro aduz no artigo 27 que os menores de 18 anos serão penalmente inimputáveis, sendo regidos por lei especial, devendo considerar a idade do adolescente à data do fato. Nada obsta que esse adolescente infrator seja penalizado por sua conduta. Pelo contrário, estes irão passar por um processo de apuração do fato e receberão uma sanção que condiz com a natureza peculiar deste jovem, que é a chamada Medida Mocioeducativa (MSE), prevista no ECA e de forma mais pormenorizada na Lei nº 12.594/2012, Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), que normatiza um conjunto jurídico, administrativo, político, financeiro, e pedagógico do processo de apuração e execução da medida socioeducativa.

A Constituição Federal de 1988 e a legislação infanto-juvenil em vigor permitem um procedimento de julgamento adequado aos jovens infratores, concedendo a estes direitos processuais de defesa como a ampla defesa, o contraditório, não dissociando completamente do procedimento penal, tendo em vista a correta apuração do ato infracional.

Desta forma, o adolescente não tem responsabilidade penal, devido à imputabilidade penal, mas deve responder pelos seus atos em respeito ao princípio da paz social, que garante a proteção da sociedade em detrimento do interesse individual. Logo, a aplicação, por exemplo, da medida socioeducativa de internação tem a finalidade de ressocializar o adolescente infrator, para que haja seu retorno harmônico ao ambiente sócio familiar; mas, também, dissociando o caráter puramente punitivo das MSE.

A adoção da referida medida deve ser aplicada em último caso, devendo ser respeitados os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal e no Código Penal, uma vez que a prática do ato infracional é uma conduta análoga ao crime ou contravenção penal, assim ligando a conduta do adolescente em conflito com a lei com a responsabilidade penal, mas a dissociando diante da especialidade da apuração do ato, pois o agente infrator é um ser em formação, que deve ter seus direitos respeitados.

A medida de internação deve ser cumprida numa Instituição adequada a condição peculiar de desenvolvimento do adolescente, criada de acordo com as regras dispostas no ECA e na Lei do SINASE, são os chamados Centros Educacionais, que na realidade quase que total do país são verdadeiros presídios, nos quais adotam políticas do Sistema Carcerário, sem aplicar, na grande maioria, políticas ressocializatórias.

Esta é a realidade também do município de Fortaleza, como consta na apuração realizada através da inspeção conjunta (CEARÁ, 2014) realizada pelo Poder Judiciário do Estado do Ceará, representado pela 5ª Vara da Infância e Juventude, a Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará, representado pelo Núcleo de Atendimento Jurídico Especializado ao Adolescente em Conflito com a Lei (NUAJEA), e o Ministério Publico do Ceará, representado pela, 5ª Promotoria da Infância e Juventude, resultante de aplicação de questionários e visitas nas seguintes Unidades de Internação do Estado do Ceara: Centro Educacional Patativa do Assaré (CEPA), Centro Educacional Dom Bosco (CEDB), Centro Educacional Cardeal Aloisio Lorscheider (CECAL). No que gerou a interdição dos três Centros Educacionais.

A inspeção foi realizado no segundo semestre de 2014 e resultou em relatórios que serviram para fundamentar uma ação civil pública.

As MSE de internação no Estado do Ceará são cumpridas em Centros Educacionais, que oferecem ao socieducando um sistema de ensino na modalidade da Educação de Jovens e Adultos (EJA), oferecida em todos os níveis, do Ensino Fundamental ao Médio. Mesmo diante desta iniciativa, vale ressaltar que esta educação ainda é ofertada de forma muito precária e que necessita de atenção especial dentro das instituições responsáveis pela internação destes adolescentes para que haja maior resultado na vida dos mesmos a fim de que se cumpra o que determina no artigo 2º da Lei nº 9.394/1996 Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional (LDB): “a educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

Metodologia

A metodologia utilizada fundamentou-se na pesquisa bibliográfica, aplicação e análise de dados decorrentes da inspeção conjunta (CEARÁ , 2014) realizada pelo Poder Judiciário do Estado do Ceará, representado pela 5ª Vara da Infância e Juventude, a Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará, representado pelo Núcleo de Atendimento Jurídico Especializado ao Adolescente em Conflito com a Lei (NUAJEA), e o Ministério Publico do Ceará, representado pela, 5ª Promotoria da Infância e Juventude, resultante de aplicação de questionários e visitas nas seguintes Unidades de Internação do Estado do Ceara: Centro Educacional Patativa do Assaré (CEPA), Centro Educacional Dom Bosco (CEDB), Centro Educacional Cardeal Aloisio Lorscheider (CECAL), e observação participativa nas unidades de internação.

Resultados e Discussão

O artigo 103 do ECA define como ato infracional toda conduta descrita como crime ou contravenção penal. Desta forma, exige que o fato seja típico, antijurídico e culpável. O procedimento disposto no ECA, é semelhante às características do sistema processual penal, por isso muitos atrelam a medida socioeducativa ao caráter punitivo das penas do Direito Penal Brasileiro.

Nesse diapasão, ao conceituar ato infracional deve-se concluir que a sanção criminal tem finalidades diferentes da medida socioeducativa. A Lei do SINASE (lei nº 12.594/2012) apresenta em seu artigo 35 os princípios da execução das MSE.

Art. 35. A execução das medidas socioeducativas reger-se-á pelos seguintes princípios:

I - legalidade, não podendo o adolescente receber tratamento mais gravoso do que o conferido ao adulto;

II - excepcionalidade da intervenção judicial e da imposição de medidas, favorecendo-se meios de autocomposição de conflitos;

III - prioridade a práticas ou medidas que sejam restaurativas e, sempre que possível, atendam às necessidades das vítimas;

IV - proporcionalidade em relação à ofensa cometida;

V - brevidade da medida em resposta ao ato cometido, em especial o respeito ao que dispõe o art. 122 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente);

VI - individualização, considerando-se a idade, capacidades e circunstâncias pessoais do adolescente;

VII - mínima intervenção, restrita ao necessário para a realização dos objetivos da medida;

VIII - não discriminação do adolescente, notadamente em razão de etnia, gênero, nacionalidade, classe social, orientação religiosa, política ou sexual, ou associação ou pertencimento a qualquer minoria ou status; e

IX - fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários no processo socioeducativo.

As MSE de internação, nos termos do artigo 35, são regidas pelos princípios da legalidade, em que o adolescente não pode sofrer tratamento mais gravoso que o do adulto; da excepcionalidade da intervenção judicial, sendo como prioridade a solução dos conflitos por meio de conciliação; da prioridade a práticas de medidas restaurativas; da proporcionalidade em relação a ofensa cometida; da brevidade da MSE; da individualização do adolescente infrator no cumprimento da MSE; da intervenção mínima necessária para realização dos objetivos da MSE; da não discriminação do adolescente independente de sua escolha sexual, religiosa, ética e do fortalecimento dos vínculos familiares.

A Justiça Juvenil baseada nesses princípios e nas finalidades da MSE de internação busca trazer aos adolescentes valores essenciais ao seu desenvolvimento, juntamente com o ensino na promoção da ressocialização do socieducando.

Por meio do ensino, o educador, como mediador da aprendizagem, deve possibilitar vivências e experiências voltadas para constituição do sujeito. Só se aprende ser solidário vivendo a solidariedade, o respeito sendo respeitado, só se aprende a escutar sendo também ouvido, só se aprende a ser cidadão quando se vive a cidadania de forma concreta, tendo a liberdade de expressão e de fazer escolhas próprias, só se aprende a ser democrático exercendo a liberdade de escolha e de expressão e tendo direito a igualdade de oportunidades educacionais na apropriação do conhecimento construído pela humanidade e no acesso a todos os bens culturais pertencentes à sociedade, é por meio das interações que o sujeito constrói a si mesmo na relação com outro. Tal feito foi percebido nas visitas institucionais realizadas juntamente com o Ministério Público do Estado do Ceara, representado pela Promotora Titular da 5ª Promotoria da Infância e Juventude.

Apesar de todos os planos governamentais já implementados nos centros educacionais, o que se constata atualmente, fato percebido no relatório da inspeção conjunta (CEARÁ, 2014), é o aumento no nível de reincidência dos jovens, que na sua maioria encontram-se na faixa etária entre 12 e 16 anos, e estando relacionado o índice com a baixa escolaridade. Tais estatísticas demonstram o papel fundamental da educação na ressocialização destes adolescentes, seguido pelo acompanhamento das famílias, pois assim os jovens, que hoje estão a margem, podem ser ver como parte da sociedade e assim passarem a ser mais atuantes no seu papel de agente transformador da sua própria realidade.

Os possíveis fatores que estão ligados à prática de atos infracionais são a dependência química, a falta de supervisão e de autoridade dos pais, exclusão do ambiente escolar juntamente com a ausência de interesse do adolescente com a escola, e na sua maioria moram em bairros perigosos, onde há o contato constante com o tráfico de drogas.

No entanto, percebe-se com fundamento dos dados apresentados da inspeção conjunta (CEARÁ, 2014) que o adolescente interno, que passa a ter contato diário com o ensino nas Instituições Socioeducativas, começa a entender, em alguns casos, o perigo da criminalidade. O ensino traz, ao adolescente infrator, outro olhar sobre a vida e suas possibilidades, além de permitir uma maior compreensão sobre o seu papel e a sua responsabilidade na sociedade o qual faz parte.

Esse dado foi coletado nas constantes pesquisas realizadas pelo Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Fortaleza (COMDICA) e em visitas institucionais feitas pelo Ministério Público, na presença da Promotora Titular da 5ª Promotoria da Infância e juventude acompanhada pelas estagiárias Luany Oliveira e Lilian Castro nos Centros Educacionais. Pode-se, por esse meio, perceber que a educação possibilita mudança aos jovens, trazendo esperança e oportunidade para modificarem seu modo de viver, com perspectivas de crescimento, visando sair da margem da criminalidade.

Neste contexto, o professor deve ser atuante na dimensão política do ato de ensinar, possibilitando reflexões que levam ao socioeducando a acreditar na sua capacidade de construir sua própria história por caminhos novos e a se sentirem responsáveis pela edificação de uma nova sociedade inclusiva, justa e igualitária. É preciso ensinar o adolescente infrator a pensar sobre seu papel na sociedade, ajudando-o a formar a sua identidade e a compreender os problemas o circundam e que envolvem a sociedade, acreditando-se que só por meio do exercício da cidadania é que o adolescente infrator poderá mudar sua condição de vida e também a das pessoas que estão em sua volta.

Conclusão

Ao término deste trabalho pode-se concluir que as contribuições da educação nas MSE de internação estão, ou deveriam ir, além do que simplesmente propiciar instrução e alfabetização, o acesso à educação de qualidade é uma entrada para a cidadania plena e a inclusão social em vários níveis.

A educação é extremamente importante na formação e desenvolvimento de qualquer criança e jovem como caminho para a construção de seu futuro; e se faz ainda mais quando se trata de adolescentes em conflito com a lei, sendo que estes atualmente cumprem algum tipo de medida socioeducativa de internação. Nesse contexto, pode-se perceber que educar torna-se sinônimo de ressocializar e reinserir. No âmbito da internação a educação assume um papel ainda mais relevante para os que agora precisam reaprender conceitos e redesenhar suas perspectivas.

  • Estatuto da Criança e do Adolescente

Referências

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, Brasilia,DF, Senado,1988.

BRASIL, Lei de Diretrizes e B. Lei nº 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996.

 CEARÁ (Estado). Poder Judiciário/ Ministério Público/Defensoria Pública. Primeiro Relatório da Inspeção Conjunta Realizada nas Unidades de Internação do Estado do Ceará. Fortaleza, 2014. 3.v.

COELHO. Christiane Maria da Silveira. Adolescente Autor de Ato Infracional: A Importância da Escuta do Sujeito na Construção do Caso e seus Possíveis Reflexos na Questão da Reincidência. 2012. Disponível em: >. Acesso em : 16.02.2014.

Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Fortaleza: Assembléia Legislativa do Estado do Ceará; Instituto de estudos e pesquisas para o Desenvolvimento do Estado do Ceará, 2013.

MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel. Curso de Direito da Criança e do Adolescente – Aspectos Teóricos e Práticos. 4ª edição. Revista atualizada conforme Lei 12.010/2009. Editora Lumen Juris. Rio de Janeiro, 2010.

ROLIM, Marcos. Justiça Restaurativa: para além da punição. 2011. Disponível em : >. Acesso em: 09 abril 2015.


Luany Oliveira Advogada

Advogado - Fortaleza, CE


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