Nascido para abrigar demandas monitórias e injunciais, o processo cautelar passou a veicular as demandas satisfativas. As modificações feitas no CPC remete o processo cautelar à tutela antecipatória, onde o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento.
Buscando a efetivação prática do processo principal que pode não ser alcançada ainda que favorável ao interessado, ou seja, se for reconhecido o direito através do processo de conhecimento ou de execução, a cautelar busca garantir a plena realização do direito à parte e embora acessório, o processo cautelar é autônomo, pois se orienta por princípios que só a ele se referem.
HANS KARL BRIEGLEB, jurista alemão do século XIX, demonstra que desde o direito romano, a história registra no direito processual casos de tutela de conhecimento em que se permite, até por cognição prima facie, a interferência no mundo fático, com antecipação de efeitos materiais.
Se a lide não for solucionada, mas cria condições dentro do processo principal, ensina RONALDO CUNHA CAMPOS que “a função cautelar tem por escopo servir o interesse público na defesa do “instrumento” criado pelo Estado para compor lides, isto é, a defesa do processo”.
Nas palavras de GIAN ANTONIO MICHELI, o destino do processo cautelar é, em suma, “fazer possível a atuação posterior e eventual de uma das formas de tutela definitiva”.
THEODORO JÚNIOR registra nas principais fontes do direito europeu contemporâneo, o reconhecimento de que, além da tutela cautelar, destinada a assegurar a efetividade do resultado final do processo principal, deve existir, em determinadas circunstâncias, o poder do juiz de antecipar, provisoriamente, a própria solução definitiva esperada no processo principal. A tutela cautelar apenas assegura uma pretensão, enquanto a tutela antecipatória realiza de imediato a pretensão, no entendimento de LUIZ GUILHERME MARIONI.
O direito positivo brasileiro com as previsões dos arts. 798 e 799 do CPC se atualizou e aproximou das grandes e modernas legislações européias, como a inglesa, a alemã, a austríaca e a italiana. Assim, por mais difícil e delicada que se mostra a tarefa de realizar a tutela cautelar geral, nenhuma outra conquista na área do processo civil moderno se mostra, no momento, tão irreversível e tão indispensável à inteireza da função jurisdicional de realizar a mais completa e mais justa composição dos litígios.
À luz do direito europeu, o Código de Processo Civil brasileiro, introduziu, mediante novo texto do art. 273, o instituto da “antecipação de tutela”.
Num primeiro momento, pensa-se que a tutela antecipada seja inconciliável com a garantia do devido processo legal e, especificamente, com a garantia do contraditório e ampla defesa.
Dois grandes e fundamentais princípios estão em jogo na tutela antecipada, quais sejam, a “efetividade da tutela jurisdicional e o da segurança jurídica”.
O mestre CALMON DE PASSOS lembra que “a efetividade da tutela e do contraditório e ampla defesa são dois valores constitucionais conflitantes. Caso a ampla defesa ou até mesmo a citação do réu importe certeza da ineficácia da futura tutela, sacrifica-se, provisoriamente, o contraditório, porque recuperável depois, assegurando-se a tutela que, se não antecipada, se faria impossível no futuro”.
A antecipação não é de ser prodigalizada à base de simples alegações ou suspeitas. Haverá de apoiar-se em prova preexistente, que, todavia, não precisa ser necessariamente documental. Terá, no entanto, que ser clara, evidente, portadora de grau de convencimento tal que a seu respeito não se possa levantar dúvida razoável.
Determina o art. 273 do CPC, em seu § 2º., que “não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado”. Quer a lei, destarte, que o direito ao devido processo legal, com os seus consectários do contraditório e ampla defesa, seja preservado, mesmo diante da excepcional medida antecipatória.
Embora entenda THEODORO JÚNIOR que a antecipação seja “desburocratizada”, porque pleiteável por meio de simples petição no bojo da ação de conhecimento, o certo é que os requisitos a serem atendidos pela parte são mais numerosos e mais rígidos do que as medidas cautelares. Por isso mesmo, tanto a providência cautelar em sentido estrito quanto a antecipatória podem ser modificadas ou revogadas a qualquer tempo e não dispensam a prolação de sentença quanto ao direito principal, depois de realizada a instrução, se esta se exibir necessária.
Bel. MARCELO GUTIERRES DE CASTRO
OAB/RS 46.528
Especialista em Direito Processual Civil-PUC/RS