Código Penal Brasileiro - Artigo 28 - Emoção e Paixão


10/01/2017 às 11h03
Por Marcus Vinicius Gonzatti

Diz o artigo 28:

Art.28. Não excluem a imputabilidade penal:
I – a emoção ou a paixão;
Embriaguez
II – a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos.
§ 1º É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de
caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
§ 2º A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Dizem os psiquiatras, a paixão é uma exaltação afetiva, intensa e persistente, que, através de uma poderosa influência sobre as funções intelectivas, impele o individuo à satisfação plena dos desejos, tendências ou aspirações que a motivaram. É a emoção vívida e duradoura, que fica, que subsiste indefinidamente e, às vezes, mais e mais se exacerba, alimentada por sentimentos profundamente arraigados no ânimo e que não se extinguem enquanto não de todo satisfeitos, impregnando o pensamento com todo o seu potencial afetivo, a paixão arrasta o individuo a febril atividade, a inusitadas ações ou a formas incomuns de comportamento, com que visa descarregar a tensão emocional que o põe inquieto, quando não o aflige e tortura, enquanto represada em seu intimo.
O CP portanto, com essa redação, permite a punição dos crimes passionais, ou seja, aqueles cometidos por uma intensa paixão ou emoção. Entretanto, Greco afirma que “com muita frequência, os jurados acolhem o descontrole emocional do réu e o absolvem do crime por ele cometido”. Segundo ele, isso ocorre porque “o conselho de sentença é formado geralmente por pessoas leigas e que desconhecem as leis penais e então, julgam de acordo com o seu sentimento e colocam na urna o voto de sua consciência”.
Embora a perturbação mental sofrida pelo réu, advinda da sua emoção ou paixão, não afaste, no juízo singular a sua imputabilidade, isso não impede que o conselho de sentença, formado por seus pares, o absolva após se colocarem em seu lugar. Roberto Lyra, dissertando a respeito do homicida passional, diz:

“O verdadeiro passional não mata. O amor é, por natureza e por finalidade, criador, fecundo, solidário, generoso. Ele é cliente das pretorias, das maternidades, dos lares e não dos necrotérios, dos cemitérios, dos manicômios. O amor, o amor mesmo, jamais desceu ao banco dos réus. Para os fins da responsabilidade, a lei considera apenas o momento do crime. E nele o que atua é o ódio. O amor não figura nas cifras da mortalidade e sim nas da natalidade; não tira, põe gente no mundo. Está nos berços e não nos túmulos.”

Tem portanto, o inciso I do art. 28, um viés filosófico muito profundo. Platão já afirmara em sua "A Republica" que o homem é livre quando age por meio do intelecto e escravo quando é movido por suas paixões. Posição defendida por Kant, que afirmara que o homem quando age, cria juízos e guia seus comportamentos por eles, tentando provar as questões morais do ponto de vista da liberdade do homem e não por conta de questões utilitárias, passionais ou psicológicas, numa época em que tentava-se provar as questões morais relacionando-as às paixões como felicidade individual. Deste ponto de vista, um individuo que tenha colocado toda sua felicidade em uma pamonha, por exemplo, seria um individuo preso a sua paixão pela pamonha, então se este viesse a assaltar a pamonharia e levasse apenas as pamonhas, não poderia ser lhe imputado um crime, pois de acordo com os empiristas seria moral ele buscar sua felicidade individual. Disso se segue que o homem está sempre, necessariamente submetido às paixões, que segue a ordem comum da natureza, que a obedece e que, tanto quanto o exige a natureza das coisas, a ela se adapta. Portanto, afirmou Spinoza, “uma paixão não pode ser refreada nem anulada senão por uma paixão contrária e mais forte do que a paixão a ser refreada”. Disso deduz-se que, para controlar o afeto de um individuo à pamonha, apenas lhe privando de seu afeto à liberdade.
Portanto, nosso legislador seguiu as posições de Platão, Kant e Spinoza, ao dizer que um homem que cede às suas paixões enquanto ilícitas perante a moralidade e a ética, se torna escravo e portanto, prisioneiro desta paixão, deste afeto, respondendo criminalmente por seus atos e, como dito anteriormente, num caso de júri popular, podendo ser inocentado caso seus pares entendam que no momento do florescimento da paixão, sua atitude era moral e ética. Ao contrário de crimes que não exigem júri popular, nestes devendo ao pé da letra da lei o juiz imputar-lhe o crime e a devida sanção penal. Note então que o legislador opta por proteger indiscutivelmente os bens matérias enquanto deixa a interpretações leigas a vida humana. Portanto, segundo Spinoza, “a força de uma paixão pode superar as outras ações do homem, ou sua potencia, de tal maneira que este afeto permanece, obstinadamente, nele fixado”.

Quanto à embriaguez, Zacharias define em seu Dicionário de Medicina Legal como “o conjunto de perturbações psíquicas e somáticas de caráter transitório, resultantes da intoxicação aguda pela ingestão de bebida alcoólica ou pelo uso de outro inebriante”. Devemos atentar para a expressão “caráter transitório” para interpretarmos de forma correta o inciso II do artigo 28 do CP. Se o legislador permitisse que a embriaguez voluntaria ou culposa fosse excludente de imputabilidade, presumir-se-ia que muitos indivíduos já com o animus para cometer um crime, se embriagariam para que não lhes fosse imputado o ato. Cabe salientar que certas substâncias entorpecentes como a heroína, a cocaína e as anfetaminas também possuem efeitos tóxicos e que também são rotulados como embriaguez, ao contrario do que se pensa no comum das vezes em que se associa a embriaguez apenas ao ingestão de bebidas de base alcoólica. Define então Delmanto a embriaguez como um “estado de intoxicação aguda e passageira, provocada pelo álcool ou outras substâncias de efeitos análogos que reduz ou anula a capacidade de entendimento”.

O ordenamento positivo brasileiro, prevê 5 (cinco) tipos de embriaguez:

a) Embriaguez preordenada, aquela em o individuo se embriaga para praticar o crime com mais facilidade. É causa agravante prevista na letra I do inciso II do artigo 61 do CP;

b) Embriaguez voluntária, aquela em que o individuo se embriaga apenas para gozar da sensação para ele agradável da embriaguez, sem pensar na pratica futura de um crime;

c) Embriaguez culposa, dita aquela em que o individuo age com imprudência frente à substancia inebriante;

d) Embriaguez acidental, quando o individuo desconhece o efeito inebriante da substancia ingerida;

e) Embriaguez proveniente de caso fortuito ou força maior, quando o individuo desconhece alguma condição particular sua que possa ser desencadeada pela substancia inebriante ou ainda, aquele que, mediante grave ameaça, é obrigado a ingerir substancia inebriante, caso muito comum em assaltos a caminhoneiros, quando os agentes obrigam a vitima a tomar altas doses de álcool para que perca seus sentidos e não consiga procurar ajuda.

Há de se observar a ausência do legislador sobre os ébrio habituais ou alcoólatras crônicos ou ainda, sobre a embriaguez crônica ou patológica. É embriaguez que compromete total ou parcialmente a imputabilidade penal e caracteriza-se pela desproporcional intensidade ou duração dos efeitos inerentes à intoxicação alcoólica. O efeito da embriaguez é contínuo e as consequências do álcool subsistem no sistema nervoso mesmo apos sua eliminação. A embriaguez patológica então é equiparada às doenças mentais. O ébrio considerar-se-á inimputável ou semi-imputável de acordo com laudo pericial.

Sobre os usuários de drogas, ou como define o CP, substâncias de efeitos análogos, a Lei 11.343/2006 em seu artigo 45, trata sobre uma modalidade especifica de inimputabilidade penal.

Lei 11.343/2006. Art. 45. É isento de pena o agente que, em razão da dependência, ou sob o efeito, proveniente de caso fortuito ou força maior, de droga, era, ao tempo da ação ou da omissão, qualquer que tenha sido a infração penal praticada, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Dessa forma, se o individuo for dependente, deverá ser isento de pena. Não sendo dependente, somente ocorrerá a isenção da pena se estiver, quando da ação ou da omissão, em virtude de caso fortuito ou força maior, sob os efeitos da droga. Assim, para os que não são dependentes mas sim usuários, aplica-se o artigo 28 do CP. No entanto, de acordo com o parágrafo único da referida Lei Anti-Drogas, o juiz na absolvição do agente que se enquadre no caput do artigo 45, poderá determinar na sentença encaminhamento para tratamento médico adequado.

  • Artigo 28 CP

Marcus Vinicius Gonzatti

Estudante de Direito - Cristalina, GO


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