CONFLITO ENTRE A LEI DE SIGILO BANCÁRIO (L.C 105/2001) E A CONSTITUÇÃO FEDERAL DE 1988


12/08/2016 às 13h05
Por Pinheiro Ramos e Varejão Advogados Associados

O sigilo bancário é uma espécie de sigilo de dados, previsto na constituição e respaldado pelo princípio privacidade, e pode ser definido como direito constitucional do cidadão à não exposição de fatos e atos referentes as suas operações financeiras pelas instituições às quais depositou confiança quanto aos seus dados.

Insta frisar, que essas referidas instituições não se restringem apenas aos bancos, pois de acordo com o conceito estabelecido na Lei Complementar nº 105/2001, as instituições financeiras podem ser: bancos; distribuidoras de valores mobiliários; corretoras de câmbio e de valores mobiliários; sociedades de crédito; financiamento e investimentos; sociedade de crédito imobiliário; administradores de cartões de crédito; sociedades de arrendamento mercantil; administradoras de mercado de balcão organizado; cooperativas de créditos; associações de poupança e empréstimo; bolsas de valores e de mercadorias e futuros; entidades de liquidação e compensação; e outras sociedades que, em razão da natureza de suas operações, assim venham a ser consideradas pelo Conselho Monetário Nacional.

Já o sigilo fiscal, diferentemente do sigilo bancário, pode ser definido como o dever que a Fazenda Pública tem e seus funcionários de não divulgarem informações obtidas em razão do ofício, sobre a situação econômica ou financeira dos contribuintes ou de terceiros e sobre a natureza e o estado dos seus negócios ou atividades.

Este dever encontra-se previsto e expresso Código Tributário Nacional.

A Fazenda Pública tem o poder de fiscalizar o contribuinte, mas este poder não é absoluto, vez que encontra limites na legislação tributária que o regula, que podem ser de caráter geral ou específico, em função da natureza de cada tributo, quanto a competência e os poderes das autoridades administrativas em matéria de fiscalização, dentre outras regras que limitam esse poder de fiscalização.

A sua controvérsia na doutrina e na jurisprudência, é causada em razão da interpretação dada principalmente ao inc. XII, correlacionado com os incs. X e XIV do art. 5°, que tratam, respectivamente, da inviolabilidade do sigilo da correspondência, telegráfica, de dados e telefônica, do direito à privacidade e do segredo profissional.

É importante frisar para esta problemática, a discussão em torno do que se refere quanto à inviolabilidade do sigilo de dados, expressão que não existia nas Constituições anteriores.

Por não ser expressa a menção do sigilo bancário na Constituição, seu status de garantia constitucional depende puramente de interpretação.

Deste modo, quando se trata de quebra de sigilo bancário e fiscal, entra em em conflitos, os quais convém destacar, quais sejam: “a inviolabilidade da intimidade, dos dados e das comunicações telefônicas, estes previstos no artigo 5º da Carta Magna, e o dever de fiscalização, previsto no parágrafo 1º do artigo 145 do CTN.”1

No Brasil, o Sigilo Bancário é regulamentado pela Lei Complementar 105/2001, e é um dever ou obrigação que tem as instituições financeiras de manter resguardados os dados de seus clientes.

A eventual quebra desse sigilo só pode ser feita, em regra, através de autorização judicial nos casos onde se suspeita a prática de algum ilícito, conforme taxa o parágrafo 5 do artigo 1º da referida lei:

Art. 1o As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados”.

§ 4o A quebra de sigilo poderá ser decretada, quando necessária para apuração de ocorrência de qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial, e especialmente nos seguintes crimes:

I – de terrorismo;

II – de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins;

III – de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado a sua produção;

IV – de extorsão mediante seqüestro;

V – contra o sistema financeiro nacional;

VI – contra a Administração Pública;

VII – contra a ordem tributária e a previdência social;

VIII – lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e valores;

IX – praticados por organização criminosa.

O pedido pela quebra deve partir de autoridades competentes, como o Ministério Público, Polícia Federal, COAF (conselho de controle de atividades financeiras), ou CPIs (comissão parlamentar de inquérito).

Entretanto, por não ser uma regra absoluta, há exceção para esta quebra conforme dispõe o artigo 6º da lei supracitada:

Art. 6o As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.

Ou seja, as autoridades fiscais e os agentes fiscais tributários, poderão requerer sem autorização judicial, informações bancárias de seus contribuintes para fins de constituição de crédito tributário.

Há quem diga que por essa lei permitir a quebra do sigilo bancário, sem autorização judicial, ela confronta diretamente a constituição federal, que resguarda a impossibilidade de violação a dados de alguém, e noutro bordo, há quem sustente que deve haver uma preponderância de valores, onde o interesse público deve ser observado e protegido de acordo e em consonância com os princípios da isonomia e da capacidade contributiva.

O princípio da isonomia é assegurado pela constituição federal em seu artigo 150, com a seguinte redação:

Art.150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;”

Assim como dispõe o artigo 145, acerca do princípio da capacidade contributiva:

“Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Vale ressaltar, que a obtenção de informações bancárias sem autorização judicial, conforme permite a lei discutida, não viola tais princípios supramencionados, pelo contrário, a quebra do sigilo, vem de modo a tornar eficaz tais princípios que são perspectivados.

Uma vez quebrado o sigilo, poderá ser constatado se aquele contribuinte realmente pagava os tributos da maneira devida, evitando assim que seja necessária uma cobrança maior daqueles contribuintes com uma capacidade contributiva menor, e deste modo, preservando o principio da igualdade que dispõe o tratamento igual, aos iguais, e desigual, aos desiguais, na medida de sua desigualdade.

Tal posicionamento fora defendido pelo secretário da Receita Federal, na época de criação da lei de sigilo bancário, que dispõe:

"(...) A Receita não quer conhecer os cheques emitidos, saber em que o contribuinte realizou seu gasto. Tem interesse tão somente no extrato. A exceção são os casos de fantasmas e laranjas, nos quais obviamente não se pode falar em algo como intimidade. (...) Jamais o cidadão comum será alvo de fiscalização. O alvo é o sonegador, que está respondendo a um procedimento de fiscalização e que incorreu em uma das hipóteses de indispensabilidade: subfaturou, é uma empresa inapta, remeteu divisas ao exterior em proporção superior à sua disponibilidade, é um fantasma, um laranja etc."2

No que diz respeito à constituição de crédito tributário, vale ressaltar que este representa o direito de crédito da Fazenda Pública, onde já fora devidamente apurado por procedimento administrativo denominado lançamento e, portanto, dotado de certeza, liquidez e exigibilidade, estabelecendo um vínculo jurídico que obriga o contribuinte ou responsável (sujeito passivo) a pagar o imposto ao sujeito ativo (Estado ou ente parafiscal).

O crédito tributário decorre da ocorrência da obrigação tributária principal.

De acordo com entendimento de James Marins sobre:

O sigilo bancário e fiscal é limitação relacionada com o sigilo de dados, encontrado no art. 5º, X e XII da Constituição Federal de 1988, e que se estende à atividade fiscalizatória da Administração tributária. É, portanto, garantia individual que limita a atividade de fiscalização da Administração tributária ao não permitir que no bojo de procedimento ou Processo Administrativo haja quebra do sigilo constitucional ínsito aos dados bancários e fiscais dos contribuinte.3

Neste mesmo sentido, dispõe a legislação específica, qual seja, o código tributário nacional, em seu artigo 198, a proibição da divulgação de informações obtidas acerca do sujeito passivo ou terceiros, conforme redação:

Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades. (Redação dada pela Lcp nº 104, de 2001)

§ 1o Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos previstos no art. 199, os seguintes: (Redação dada pela Lcp nº 104, de 2001)

I – requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça;

II – solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa. (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)

§ 2o O intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da Administração Pública, será realizado mediante processo regularmente instaurado, e a entrega será feita pessoalmente à autoridade solicitante, mediante recibo, que formalize a transferência e assegure a preservação do sigilo. (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)

§ 3o Não é vedada a divulgação de informações relativas a: (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)

I – representações fiscais para fins penais; (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)

II – inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública; (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)

III – parcelamento ou moratória. (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)

Deste modo, também não há que se falar em violação aos direitos como a privacidade, intimidade e sigilo de dados, contemplados pelo art. 5º da Constituição Federal.

No mesmo sentido, Miguel Reale e Ives Gandra da Silva Martins, por exemplo, entendem que tal lei é inconstitucional, aduzindo que:

“Exceção às CPIs, para as quais são inerentes poderes próprios de investigação judicial por outorga constitucional, não podem outros órgãos, poderes ou entidades não autorizados pela Lei Maior quebrar o sigilo bancário e, pois, afastar o direito à privacidade independentemente de autorização judicial, a pretexto de fazer prevalecer o interesse público, máxime quando não têm o dever de imparcialidade por serem PARTE na relação mantida com o particular.”4

Convém ressaltar que há uma corrente que defende os contribuintes, ou seja, defendem que para que seja possível a quebra do sigilo bancário, de acordo com a Constituição, deve ocorrer mediante ordem judicial fundamentada, com respeito ao devido processo legal.

Segundo Celso Bastos, o acesso indiscriminado a dados bancários “expõe a segurança individual a um constante temor e é próprio do mais abjeto e repugnante autoritarismo”5. Defende o autor que a quebra do sigilo deve se limitar a situações excepcionais de proteção a interesses de mesmo, ou maior porte que o direito individual ao sigilo.

A violação do direito ao sigilo de dados, que é considerado direito fundamental, só pode ser realizada se observadas as garantias constitucionais. Qualquer tentativa de se dar tal poder a órgão parcial e que ocupa um dos polos da relação jurídica é ato ilícito, e ofende a Carta Maior.

Há o entendimento de que a Lei Complementar 105/2001, ao estender o poder de quebra do sigilo a administração pública, retirou do cidadão o direito ao devido processo legal assegurado também pela nossa constituição federal e que tal direito constitui cláusula pétrea, e deste modo não admite qualquer forma de supressão em um Estado Democrático de Direito.

Em sentido divergente Uadi Lammêgo Bulos, afirma que:

“[...]pelo espírito e pela letra da Constituição Federal, a quebra do sigilo bancário é da alçada exclusiva do judiciário. Nenhum outro órgão da República poderá desempenhar idêntica atribuição. (...) É assim porque a partir do momento em que as constituições distribuem competências entre os órgãos do poder têm em vista a eliminação do arbítrio. Não é diferente com o sigilo bancário, pois não é o Estado-Administração que diz o direito, que garante as liberdades públicas. A tutela dos direitos do homem, aqui amplamente tomada, é missão conferida ao Judiciário, ainda mais no que tange ao controle dos atos ligados à privacidade”.6

Findado o debate sobre a constitucionalidade da lei 105/2001, e se ela afronta a constituição ou não, ao concluirmos ser constitucional, surge então o conflito existente perante o Superior Tribunal de Justiça.

Conflito este, pois, em sua 1ª seção (1ª e 2ª turma) onde são julgados os processos administrativos fiscais, as informações nos colhidas por meio do artigo 6º da referida lei, são aceitas como meio de prova. No entanto, sua 3ª seção (5ª e 6ª turma) onde são julgados os processos criminais, as mesmas informações não são aceitas.

É importante frisar que a busca da verdade no processo administrativo fiscal contempla todos os meios possíveis e lícitos, pois que, ora se busca a verdade das coisas ou dos fatos, ora se busca a verdade dos relatos ou enunciados, ora se busca a verdade dos resultados e aplicações práticas do conhecimento e assim por diante.

No que tange a essa busca, a legislação tributária também estabelece regras de constituição de provas para garantir o andamento lógico do processo, pois a permissão de uma informalidade absoluta, com direito à prova ilimitado, poderia levar a manipulações indesejáveis e à protelação injustificada de seu término.

O processo administrativo fiscal abraça o princípio do livre convencimento motivado e a produção de provas não se fica restringido somente às partes, mas se estende também à autoridade julgadora, cabendo o ônus da prova a quem a lei determinar.

O princípio da livre convicção do julgador informa o sistema jurídico pátrio e a legislação do processo administrativo tem conduzido a uma posição hesitante sobre a amplitude dos poderes do julgador. Por um lado, o entendimento de que só se possa movimentar no âmbito dos fatos apresentados e por outro lado, de que se deva buscar a verdade material.

Deste modo, para processo administrativo fiscal, se faz possível a utilização de tais provas colhidas sem autorização judicial. Na mesma linha, segue precedente:

STJ - RECURSO ESPECIAL REsp 1234527 PR 2011/0023904-4 (STJ)

Data de publicação: 08/11/2011

Ementa: TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA. APURAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃODO ACÓRDÃO NÃO ATACADA. SÚMULA 283 /STF. SIGILO BANCÁRIO. APLICAÇÃORETROATIVA DA LC N. 105 /01 E DA LEI N. 10.174 /01. POSSIBILIDADE.ART. 144 DO CTN . ORIENTAÇÃO ADOTADA EM SEDE DE RECURSO REPETITIVO (RESP 1.134.665/SP). ANÁLISE DE VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOCONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE. 1. O Tribunal de origem, ratificando o entendimento firmado pelo juiz sentenciante, firmou que: a) o recolhimento mensal do imposto de renda não afasta seu caráter anual, insculpido no art. 9º da Lein. 8.134/90; e, b) a determinação legal de apuração mensal do tributo não autoriza sua exclusão da base de cálculo do IRPF anual. 2. Nas razões do apelo extremo, observa-se que a recorrente limita suas argumentações à necessidade de apuração do imposto devido, com molde no disposto no § 4º do art. 42 da Lei n. 9.430 /96, sem impugnar o fundamento específico do acórdão referente ao caráter anual do imposto de renda, contido no caput do art. 9º da Lei n. 8.134 /90. Incidência da Súmula 283 /STF. 3. O Tribunal de origem firmou entendimento no sentido de que a quebra do sigilo bancário, prevista na Lei Complementar n. 105 /01 e na Lei n. 10.174 /01, independe de prévia autorização judicial, e que é possível sua aplicação, até mesmo retroativa. 4. O entendimento firmado está em harmonia com a jurisprudência do STJ, inclusive firmada em sede de recurso repetitivo, no sentido deque "as leis tributárias procedimentais ou formais, conducentes à constituição do crédito tributário não alcançado pela decadência,são aplicáveis a fatos pretéritos, razão pela qual a Lei 8.021 /90 ea Lei Complementar 105 /2001, por envergarem essa natureza, legitimam a atuação fiscalizatória /investigativa da Administração Tributária,ainda que os fatos imponíveis a serem apurados lhes sejam anteriores." (REsp 1.134.665/SP, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Seção,julgado em 25.11.2009, DJe 18.12.2009).

No mesmo sentido, há o posicionamento de que:

"as informações sobre o patrimônio das pessoas não se inserem nas hipóteses previstas pelo art. 5.o, inciso X, da Constituição Federal, porquanto o patrimônio não se confunde com a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem."7

Já no que se refere ao processo criminal, apesar da busca incessante pela verdade, apesar de serem admitidos todos meios lícitos de prova, como já dito anteriormente, a quebra de sigilo bancário sem prévia autorização judicial é tida como prova ilícita, seguindo sentido totalmente contrário ao que fora visto anterior, conforme decisão a seguir:

STJ - RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS RHC 41532 PR 2013/0340555-2 (STJ)

Data de publicação: 28/02/2014

Ementa: RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ILICITUDE DA PROVA. REQUISIÇÃO PELA RECEITA FEDERAL DE INFORMAÇÕES SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA DIRETAMENTE À INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. QUEBRA DO SIGILO. LC N. 105 /2001. IMPRESTABILIDADE DOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS PARA FINS DE PROCESSO PENAL. 1. A quebra do sigilo bancário para investigação criminal deve ser necessariamente submetida à avaliação do magistrado competente, a quem cabe motivar concretamente seu decisum. 2. Os dados obtidos pela Receita Federal mediante requisição direta às instituições bancárias no âmbito de processo administrativo fiscal sem prévia autorização judicial não podem ser utilizados no processo penal, sobretudo para dar base à ação penal. 3. Recurso em habeas corpus provido em parte. Ordem concedida apenas para reconhecer a ilicitude de toda prova advinda da quebra do sigilo bancário sem autorização judicial e determinar seja ela desentranhada da ação penal.

Há julgados, inclusive, que dizem não haver quebra de sigilo, mas tão somente “transferência de sigilo bancário”, como pode se constatar no Acórdão abaixo:

“TRANSFERÊNCIA DE SIGILO BANCÁRIO. POSSIBILIDADE. As informações sobre o patrimônio das pessoas não se inserem nas hipóteses do inciso X da CF/88, uma vez que o patrimônio não se confunde com a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem, assim, não há falar em inconstitucionalidade frente a uma possível discordância existente entre as Leis nº 9.311 de 1996, a Lei Complementar nº 105/2001 e a Lei nº 10.174, de 2001, e os princípios preconizados no art. 5º, X e XII, da Constituição Federal/88. O próprio Código Tributário Nacional, em seu art. 197, II, preconiza que os bancos são obrigados a prestar todas as informações de que disponham com relação aos bens, negócios e atividades de terceiros à autoridade administrativa. Ademais, não cabe falar em quebra de sigilo bancário, mas sim em transferência do sigilo. Com efeito, se o banco tem o dever de zelar pela guarda das informações de que dispõe, também o tem a autoridade fiscal que permanece obrigada ao sigilo, mantendo os dados no mesmo estado anterior. Isto porque a finalidade do procedimento fiscal não é outra senão a fiscalizatória. (TRF 4ª Região, 2ª Turma, maioria, DJU 23/01/02, p. 374, Relator Des. Federal Dirceu de Almeida Soares)

Trata-se de matéria muito polêmica, no entanto, a quebra do sigilo fiscal e bancário, independentemente de se tratar de processo administrativo ou judicial, deverá contar com a observância do devido processo legal, (contraditório e ampla defesa), e ainda o princípio da insignificância e da razoabilidade.

Neste conflito de princípios, é importante salientar o que é alegado pelo ilustre jurista alemão Robert Alexy:

“Se dois princípios colidem – o que ocorre por exemplo, quando algo é proibido de acordo com um princípio e, de acordo com o outro, permitido -, um dos princípios terá que ceder. Isso não significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção. Na verdade, o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas condições. Sob outras condições a questão da precedência pode ser resolvida de forma oposta.”8

Ou seja, havendo conflito de princípios, não podemos concluir que determinado princípio é inconstitucional, invalidando assim determinada lei. Deve haver uma preponderância e razoabilidade quanto à interpretação do caso concreto.

Raul Varejão

  • SIGILO BANCÁRIO
  • SIGILO DE DADOS
  • LEI COMPLEMENTAR 105/2001
  • Código Tributário Nacional
  • Constituição Federal

Referências

1 Marins, James. Direito Processual Tributário Brasileiro. 4. ed. São Paulo: Dialética, 2005, p. 245.

2 Entrevista do então secretário da Receita Federal na época da criação da lei, Everardo Maciel, ao repórter Alex Ribeiro, do jornal Folha de São Paulo, em 14 de janeiro de 2001

3 Marins, James. Direito Processual Tributário Brasileiro. 4. ed. São Paulo: Dialética, 2005, p. 247.

4 Parecer de Miguel Reale e Ives Gandra Martins, consultados pela Ordem do Advogados do Brasil, Secção São Paulo, publicado no site Consultor Jurídico em 11 de dezembro de 2002, www.conjur.com.br .

5 BASTOS, Celso. Curso de Direito Constitucional. 22ª ed. São Paulo: Malheiros. 2010.

6 BULOS, Uadi Lammêgo, Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Saraiva. 2012.

7 TRF 4.a R - AInc 95.04.44243-9 - SC - TP - Rel. p/ o acórdão Juiz Nylson Paim de Abreu - J. 26.11.1997.

8 In Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 93-95.


Pinheiro Ramos e Varejão Advogados Associados

Escritório de Advocacia - Recife, PE


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