A visão criminológica do adolescente em conflito com a lei e as dificuldades para a sua ressocialização


13/08/2017 às 22h31
Por Priscila Kuller Clemente

Resumo

A presente pesquisa traz como objetivo geral uma abordagem da visão criminológica da sociedade com relação ao adolescente infrator e a influência da estigmatização no processo de reinserção do jovem na sociedade, como fator preponderante para a sua reincidência criminal. Especificamente busca-se analisar a teoria de labeling approach e da criminologia crítica para discutir esse fenômeno. Visa demonstrar, ainda, que fatores exógenos aos indivíduos podem ser determinantes na sua conduta, ensejando a ter determinados comportamentos que sem sua influência seriam pouco prováveis. Para melhor entendimento busca-se como base o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), que promovem a regulamentação da situação do adolescente infrator. Metodologicamente, trata-se de pesquisa exploratória de natureza qualitativa. Por meio do método dedutivo, utilizou-se como instrumentos de coleta de dados a pesquisa bibliográfica e documental.

Palavras-chave: Adolescente infrator, estigma, rotulação social.

Introdução

Na busca por respostas aos conflitos existentes, o infrator é visto como único responsável pela falta de segurança e violência predominante na sociedade. Uma afirmação que resulta em muito mais do que a simples satisfação da população, pela suposta descoberta de um responsável. A rotulação recebida pelo adolescente infrator irá acompanhá-lo por todo o seu trajeto, desde o cumprimento da sanção imposta pelas instituições estatais, até a sua tentativa de reinserção na sociedade, que muitas vezes se torna frustrada devido ao rótulo recebido. A problemática se dá pelo fato de, como prevenir a rotulação posta à maioria dos adolescentes infratores, e evitar a reincidência destes na prática de crimes. Visto que o estigma adquirido por esta situação, se torna empecilho para a sua recuperação dentro da sociedade, onde não só as instâncias formais de controle social (polícia, tribunais, promotores, etc.), como também as informais (família, escola, religião, opinião pública, entre outros) passam a etiquetá-lo como um criminoso irrecuperável. O presente trabalho visa mostrar, através da criminologia crítica e da teoria da rotulação ou labeling approach, como pode ser equivocada a concepção do adolescente infrator como total responsável pelo crime cometido. Inúmeras variáveis influenciam o adolescente até chegar ao cometimento da prática delituosa; o contexto social, a família, as desigualdades sociais e a falta de uma educação de ISSN 2178-3314 Ano: 2016 qualidade, estão entre alguns dos fatores que podem potencializar as chances desse adolescente ingressar no mundo do crime. A sensação de impunidade ou vingança incutida na sociedade, acaba por agravar a situação de criminalidade na juventude. Onde a sociedade não aceita a maneira com que é tratado o adolescente que comete um crime, e tenta impedir seu retorno pacífico ao convívio social.

Objetivos

O presente trabalho tem por objetivo apresentar as consequências das rotulações que sofrem os adolescentes infratores, após o cometimento do ato infracional até a sua tentativa de ressocialização. Demonstrando que existem fatores externos aos indivíduos, que são determinantes em seu comportamento, influenciando o adolescente na prática de um ato infracional. Por fim, analisar como poderia ser revertida a visão criminológica do adolescente infrator pela sociedade, salientando a importância da sua aceitação para prevenir a reincidência criminal.

Método e Técnicas de Pesquisa

Trata-se de uma pesquisa exploratória de natureza qualitativa. Para a realização do trabalho foi utilizado o método dedutivo, analisando a partir da concepção majoritária da sociedade a respeito do adolescente criminoso, para assim chegar a uma conclusão que atenda cada caso em particular, promovendo a sua aceitação como cidadão comum. Utilizou-se da pesquisa bibliográfica, para melhor compreensão da criminologia, e aspectos referentes à criança e ao adolescente, tendo como apoio a pesquisa documental, com análise do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e da Lei nº 12.594/2012 que instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase).

Resultados: A teoria do labelling approach, é uma das mais importantes teorias do conflito, nas palavras de Nestor Sampaio Penteado Filho (2012, p. 64) “a criminalidade não é uma qualidade da conduta humana, mas uma consequência de um processo em que se atribui tal “qualidade” (estigmatização).” Portanto, a conduta do criminoso é tipificada pela sociedade, é ela quem determina qual conduta é errada, perigosa, e deve ser constrangida. A diferença entre o criminoso e o homem comum, passa a ser então, o rótulo que o primeiro recebe. Segundo esta teoria, a criminalização se divide em três fases: a primária, que acontece a partir do momento em que a lei fabrica o tipo penal, criando normas que proíbem e sancionam a prática de determinada conduta; a secundária, que ocorre no momento em que o indivíduo é identificado como autor do ato infracional; e terciária, quando este ingressa nos meios institucionalizados e recebe um rótulo, possibilitando a sua reincidência. ISSN 2178-3314 Ano: 2016 A sociedade produz categorizações aos indivíduos, e atribui os comportamentos aceitáveis em cada categoria, então para o indivíduo ser considerado normal deve corresponder às expectativas de sua categoria. Se, no entanto, ele apresentar características diferentes das esperadas, que o excluem ou reduzem em sua categoria, este estará recebendo um estigma. Muitas vezes esse estigma é considerado pela sociedade, um defeito, uma fraqueza ou desvantagem (GOFFMAN, 1988). Esse é o processo pelo qual passa o adolescente após a prática do ato infracional e o cumprimento da medida socioeducativa. Muitas vezes o seu retorno a vida social se torna um procedimento difícil, onde os amigos, a escola, e às vezes até a família, não o aceitam como antes, provocando um sentimento de rejeição pelos grupos que antes lhe forneciam apoio. Então, após receber o estigma e ser excluído do grupo social ao qual fazia parte, tende a absorvê-lo e a aceita-lo como próprio de sua identidade. Agora o próximo passo é sua união a indivíduos que possuam a mesma identidade, que o reconheçam por suas qualidades, para assim reconquistar um espaço e recuperar sua autoestima, tentando se destacar no grupo escolhido. Segundo Baratta (2002), a criminologia crítica acredita que a criminalidade é um “bem negativo” distribuído desigualmente entre os indivíduos da sociedade, conforme sua hierarquia socioeconômica e seu status social. Sendo o direito penal um direito desigual por excelência, que aplica penas com intensidade desigual e independentes do grau de dano causado à sociedade, tudo isso demonstra o caráter falho do direito penal na recuperação do criminoso e na solução da criminalidade. Sendo assim, percebe-se o grande erro, tanto da sociedade, que acredita que o único responsável pela criminalidade é o delinquente, sem observar o contexto que o levou até o crime, e do Estado, crente que penas mais rígidas trarão a redução da criminalidade, sendo que a raiz desse mal está na falta de estrutura disponibilizada ao adolescente para seu desenvolvimento, considerando que o contexto predominante na família desses jovens é de absoluta miséria e disfunção.

Discussão

 Desde que o ECA foi criado, considera-se inapropriado usar o termo “menor”, considerado pejorativo por remeter ao antigo Código de Menores, e pela sua ideia de maioridade legal ser equivocada, logo que, a criança e o adolescente já são considerados sujeitos de direito pela legislação vigente. Adolescente em conflito com a lei ou adolescente autor de ato infracional, são termos que devem ser substituídos para tratar desse grupo. Destarte, o ECA considera adolescente aquele que possui entre doze e dezoito anos de idade, e excepcionalmente pessoas até vinte e um anos (Art. 2° ECA). Já seu artigo 103, traz a definição de ato infracional como a “conduta descrita como crime ou contravenção penal”. Essas definições são importantes, pois determinam em como o adolescente será visto pela sociedade, e por ele mesmo. A mídia tem forte influência diante dessas percepções, a maneira como se divulgam as notícias criminais refletem e muito no pensamento da sociedade, definindo como esta verá o adolescente que cometeu um ISSN 2178-3314 Ano: 2016 crime e agora está do seu lado vivendo livremente. A sensação de impunidade é uma das consequências da propagação de informação pela mídia, a grande gama de informações negativas sem apresentar a sua solução, geram a sensação de insegurança e revolta. Nas palavras de David e Oyarzabal (2011, p. 231):

"Atualmente, se tem posto em prática uma verdadeira cultura de emergência e expansão do sistema punitivo, particularmente com relação a jovens infratores há um clamor público muito grande. Diante de uma percepção de insegurança e impunidade, como constantemente apontado pela mídia, há um crescente apelo por um sistema penal mais rigoroso, mais punições. E sob este pretexto, surgem propostas de redução da maioridade penal ao classificar-se o adolescente como inimigo número um da sociedade."

O tema da redução da maioridade, é um grande exemplo de como a sociedade vê o adolescente infrator. Para a grande maioria dos brasileiros, não são suficientes e nem eficazes as medidas socioeducativas que visam a recuperação do adolescente, para eles deve-se inserir os infratores direto no sistema penitenciário e tratá-los como os demais. Para a teoria psicanalítica do direito penal, de Theodor Reik, uma das funções da pena consiste na necessidade de punição da sociedade, que possui uma identificação com o criminoso. Já a teoria retributiva da pena, tem a concepção de prevenção, sendo que a pressuposição da pena funcionaria, como que um desencorajamento do cometimento do delito (BARATTA, 2002). Diante disso, há de se compreender o motivo da sociedade acreditar que penas mais brandas, como as propostas socioeducativas do ECA, não funcionem por não trazerem o temor que as penas mais rígidas supostamente causam. O ECA e a Sinase, se apresentam como dois dispositivos legais essenciais na recuperação do adolescente infrator. A Sinase surgiu após o ECA para regulamentar a execução de medidas socioeducativas, trazendo também algumas alterações no estatuto. A Sinase tem entre suas previsões desde medidas mais leves, como advertência, reparação do dano, até a internação, que pode levar até 3 anos segundo o artigo 121, §3º do ECA. No entanto, seu foco continua sendo a reinserção do adolescente na sociedade.

Considerações Finais

Verifica-se que a sociedade assume um importante papel na reincidência criminal do adolescente, pois após o cumprimento da medida socioeducativa, ao voltar para o convívio social, o adolescente que procura um novo recomeço tem seus objetivos frustrados diante da visão preconceituosa que a sociedade reproduz. Se vê então desamparado, buscando muitas vezes refúgio na criminalidade, e com isto ingressando em delitos cada vez mais graves. Esta é a realidade de muitos adolescentes após a passagem pelas instituições de internação. Todo esse contexto poderia ser diferente, se a sociedade junto com as instituições estatais mudasse seu pensamento quanto ao adolescente, passando a vê-lo não como inimigo, mas como cidadão que é. ISSN 2178-3314 Ano: 2016 A busca por soluções dos problemas de violência, tão frequentes em nosso cotidiano, acabam por nos cegar e adquirir um posicionamento que só nos permite buscar por culpados e responsabilizá-los. A solução não está unicamente na forma de penalizar o autor do ato infracional, mas na prevenção da progressão do adolescente como criminoso. Esforços devem ser feitos para que a estrutura social a ele apresentada seja a mais digna possível, com uma educação de qualidade, moradia, alimentação e incentivos no seu desenvolvimento. Todos os requisitos já conhecidos para a construção de uma sociedade mais igualitária de oportunidades, que proporcione novas realidades a esses jovens, e não crie mais rotulações por um comportamento que é resultado da própria estrutura social precária hoje existente. A pesquisa traz resultados que serão alcançados paulatinamente, devido a necessidade de mudança de pensamento da sociedade, que precisa retirar de seus valores a rotulação do adolescente como criminoso irrecuperável. Trata-se de um resultado conquistado gradualmente, com a inserção de políticas que cuidem do assunto da criminalidade antes de sua formação. 

Referências

BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. 3 ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2002.

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: . Acesso em: 24 jun. de 2016.

______. Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. Lei n. 12.594, de 18 de janeiro de 2012. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011- 2014/2012/lei/l12594.htm>. Acesso em: 24 jun. de 2016.

BÜRKLE, Rudi Rigo. Uma visão criminológica do adolescente infrator. Disponível em: < http://www.mp.go.gov.br/portalweb/hp/8/docs/uma_visao_criminologica_do_adolesce nte_infrator.pdf>. Acesso em: 17 jun. 2016.

DAVID, Décio Franco; OYARZABAL, Tatiana Sovek. Adolescente Infrator: Sujeito ou Inimigo? In: FRANÇA, Leandro Ayres. Tipo: Inimigo. Curitiba: FAE Centro Universitário, 2011, p. 221 – 238.

FILHO, Nestor Sampaio Penteado. Manual esquemático de criminologia. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4. ed. Disponível em:< http://disciplinas.stoa.usp.br/pluginfile.php/92113/mod_resource/content/1/Goffman% 3B%20Estigma.pdf>. Acesso em: 26 jun. 2016.

LEÃO, Nara Cristina. “Incríveis infratores”: adolescentes estigmatizados em encontro com a Gestalt-Terapia. Disponível em: . Acesso em: 24 jun. 2016.

  • adolescente infrator
  • criminologia
  • direito penal
  • estigma
  • rotulação social

Referências

http://simposiodedireitouepg.com.br/2016/selecionados.php

 


Priscila Kuller Clemente

Advogado - Ponta Grossa, PR


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